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Crítica | Trem-Bala não vai muito além de uma imitação de Quentin Tarantino

David Leitch é a outra metade da dupla genial que presenteou Hollywood com a franquia de ação John Wick. Ao lado de Chad Stahelski, ambos dublês que se converteram em diretores, os dois revolucionaram a forma de se fazer ação no Ocidente, e rapidamente se tornaram alguns dos nomes mais requisitados da indústria.

Enquanto Stahelski ficou bem concentrado nas continuações da saga com Keanu Reeves, David Leitch se tornou um verdadeiro faz-tudo de Hollywood: dirigiu Atômica com Charlize Theron em 2017, assumiu a aguardada continuação Deadpool 2 em 2018 e, no ano seguinte, trouxe o primeiro derivado da saga Velozes e Furiosos com Hobbs & Shaw. Ou seja: não parou de trabalhar e se firmou como um dos nomes mais ocupados do mercado. Ele entrega no prazo e, na maioria dos casos, faz um serviço eficiente.

Anteriormente desenvolvido pelo igualmente prolífero Antoine Fuqua (Dia de Treinamento, O Protetor), Trem-Bala se origina de um livro homônimo de Kōtarō Isaka. Quando Fuqua desistiu do projeto (ainda que se mantenha como produtor), Leitch rapidamente foi a escolha da Sony Pictures para lançar seu grande projeto de verão. O resultado, porém, novamente nos comprova que David Leitch sem dúvida não é a melhor parte do combo formado com Stahelski.

Na trama, acompanhamos um carismático contratante conhecido como Joaninha, (Brad Pitt). Depois de um retiro espiritual que lhe garantiu uma perspectiva muito mais zen da vida, ele é mandado para um trabalho aparentemente simples: recuperar uma maleta dentro de um compartimento do trem-bala que viaja pelo Japão. Porém, Joaninha logo percebe que ele não é o único atrás da maleta, e que muitos outros golpistas e criminosos estão resolvendo seus próprios problemas naquele trem, na mesma fatídica noite.

Desembarque pelo leque de referências

É o clássico tipo de premissa de estranhos se trombando e encontrando num único espaço, mas que logo vai se desenrolando e revelando que tais pessoas não são exatamente estranhos, desenrolando conexões ocultas, encontros passados e todas as demais peças comuns desse tipo de produção. Há uma intenção muito forte de Leitch em se aproximar do cinema mais despojado e maximalista de Quentin Tarantino e Guy Ritchie, ainda mais levando em conta a quantidade de flashbacks, o olhar mais cartunesco para esses personagens e o colorido mundo onde habitam. Especialmente, e nem digo isso pela ambientação japonesa, o Tarantino do primeiro Kill Bill.

Porém, infelizmente David Leitch não está no mesmo nível desses realizadores, por mais que se esforce. O roteiro de Zac Olkewicz aposta no mesmo estilo de diálogos requintados, com assassinos mortais discutindo temais banais como apelidos criativos, desenhos de crianças e outros elementos mundanos. Tudo isso aliado a uma construção de universo mais fantasioso e violento, além de um uso bem excessivo de trilha sonora pop ao longo da narrativa. 

A impressão deixada pelo filme, é a de um diretor tentando simular o estilo de outros cineastas, mas sem compreender por completo o que realmente funciona, como essas peças se encaixam. Justamente por isso, Trem-Bala nunca soa empolgante ou original, como se Leitch não soubesse como montar o quebra-cabeças cheio de peças potenciais que reuniu. No lugar disso, a narrativa se perde em um verdadeiro redemoinho de subtramas, personagens e digressões temporais constantes.

Há momentos em que Joaninha está em perigo, mas o filme então resolve transferir o ponto da narrativa para outro núcleo, praticamente ignorando a construção de tensão, em uma decisão bem falha da montagem. Algo similar acontece em todos os momentos em que o espectador acompanha a trama da Princesa, personagem de Joey King que é muito mal posicionada na narrativa geral, e cuja reviravolta é bem previsível justamente por seu apelido – que, curiosamente, também é o título de outro filme de ação estrelado por King, e também desse ano.

E a forma como o filme quer amarrar todos os eventos no final? Um descarrilhamento de história em todos os sentidos, evidenciando o clássico exemplo de um roteiro que almeja ser muito mais inteligente do que realmente é, o que acaba tornando todo o resultado arrastado e frustrante.

Próxima estação: pancadaria

Mas Trem-Bala não tem pretensão alguma de ser um grande estudo de personagem, mas sim de filme de ação. Infelizmente, até nesse quesito o longa se mostra decepcionante, já que Leitch claramente se vê limitado pelo espaço confinado dos vagões, e a grande maioria das cenas de ação apostam em lutas apertadas onde seus integrantes usam de objetos cotidianos para tentar matar uns aos outros – quase sempre levando a uma morte acidental, em bruscas tentativas de humor.

Quando o filme tenta aumentar a escala e apostar em algo mais grandiloquente, o resultado é bem prejudicado pelo CGI pouco convincente (algo que sempre foi um ponto fraco na carreira de Leitch). Curiosamente, todo o arco de ação de Trem-Bala pode ser resumido pela sequência do comboio em Deadpool 2, especialmente em seu desfecho que envolve um dos personagens usando uma criatura de pelúcia para se salvar. David Leitch deve ter realmente gostado dessa sequência, já que desenvolveu um filme inteiro em cima dela.

Mas vale apontar que, mesmo carecendo de um tipo de ação inspirado como aquele visto no brutal plano sequência de Atômica, Trem-Bala traz uma nítida evolução para Leitch: o visual. Novamente assinada por seu habitual colaborador Jonathan Sela, a direção de fotografia de Trem-Bala faz bonito ao apostar no neon colorido, na alta saturação interna e toda a iconografia que as metrópoles japonesas podem oferecer. Um resultado ainda mais impressionante considerando que o longa todo foi rodado em estúdio, no backlot gigante da Sony Pictures. Esteticamente, pode muito bem ser a melhor coisa que David Leitch já fez.

Atenção: Passageiros muito carismáticos

Mas se há algo que realmente merece muito destaque em Trem-Bala, é seu elenco estelar. Brad Pitt em especial está claramente se divertindo e não levando nada a sério, o que é um ótimo sopro de ar fresco após sua fase mais “séria” nos últimos anos. Há um mix muito interessante entre seus personagens de Era Uma Vez em Hollywood e Snatch: Porcos e Diamantes, e que fica ainda mais divertido ao se colocar a filosofia de não violência de Joaninha em ação; quase como se tivéssemos o The Dude de O Grande Lebowski envolvido em trocas de socos e pontapés.

Outro grande destaque é a dupla formada por Brian Tyree Henry e Aaron Taylor-Johnson, como os atrapalhados irmãos Limão e Tangerina. Os dois são peças coadjuvantes no grande plano de Trem-Bala, e garantem ótimas cenas de discussão e discordâncias, principalmente porque Johnson pode usar seu sotaque britânico dele em máxima capacidade, rendendo um personagem desagradável na medida certa. Henry é igualmente carismático por ser o sujeito mais calmo, mas acaba prejudicado pela decisão infeliz do roteiro em acrescentar a seu personagem uma obsessão com o Thomas: A Locomotiva, algo que o longa insiste em bater como uma piada (que nunca rendeu risadas na minha sessão).

Entre os demais, é sempre uma alegria ver o imponente Hiroyuki Sanada, apesar de seu personagem não ser muito diferente do perfil que Hollywood o atribuiu recentemente: o guerreiro sábio e exótico. E vale destacar as inúmeras participações especiais, algumas já divulgadas, como os personagens de Michael Shannon e Zazie Beetz, mas há também algumas surpresas ao longo da projeção que merecem ser preservadas.

Infelizmente, Trem-Bala não atinge todo o potencial delicioso de sua proposta. Talvez por desejar ser algo muito maior do que precisava ser, a experiência de um filme de ação pipoca é logo convertida em um produto que se acha muito mais esperto do que é, e que não é exatamente compensador na ação. Porém, vale para ver um Brad Pitt engraçadíssimo, encabeçando um elenco estelar que certamente está se divertindo à beça.

Só queria ter me divertido tanto quanto eles.

Trem-Bala (Bullet-Train, EUA – 2022)

Direção: David Leitch
Roteiro: Zac Olkewicz, baseado na obra de Kōtarō Isaka
Elenco: Brad Pitt, Aaron Taylor-Johnson, Brian Tyree Henry, Joey King, Andrew Koji, Logan Lerman, Sandra Bullock, Michael Shannon, Zazie Beetz, Hiroyuki Sanada, Bad Bunny, Masi Oka
Gênero: Ação
Duração: 126 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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