Não tivesse Todd Haynes um olhar tão preocupado com a liberdade, Velvet Goldmine seria um filme fadado ao esquecimento. Tratar a vida de uma figura/movimento de maneira convencional significa focar o seu drama na exposição dos fatos e assim construir uma linha dramática. Aqui, o diretor também busca isso, mas a sensação final é a de uma obra diferente. Em primeiro lugar, a narrativa, misto de flashback, reconstituição, com pitadas de mockumentary e investigação – bem à maneira do clássico Cidadão Kane – garante ao filme um desenvolvimento diferenciado.
Dez anos após o músico de glam rock Brian Slade (interpretado por Jonathan Rhys Meyers e parecido com David Bowie) forjar o próprio assassinato em um show para receber ainda mais holofotes e, logo em seguida, entrar em decadência, o jornalista Arthur Stuart (Christian Bale) sai em busca do artista e das figuras principais de sua biografia. Importante pontuar que Stuart, há dez anos atrás, era fã absoluto de Slade e chegou a presenciar o falso atentado.
Mesmo com uma visão de época imprecisa no conjunto, o grande mérito do roteiro é saber estabelecer Arthur como uma figura indefinida, fruto da mudança dos tempos. Acompanhamos o despertar de sua paixão pelo glam rock, a idolatria por Slade em uma belíssimo momento em que ele grita para os pais a empatia que sente e depois um homem mudado, adaptado ao mundo do trabalho, sem perder, porém, a inocência da juventude. Assim, quando realiza as entrevistas, a memória da personagem de Bale funde-se com a reconstituição da narrativa: ele viveu e não viveu naquele mundo.
Essa construção que busca dar um significado particular à nostalgia vem acompanhada de vários números musicais, sequências que remetem a sucessos da época. Haynes insere figuras com grande potencial carismático, como Curt Wilde (Ewan McGregor), uma mistura de Iggy Pop com Kurt Cobain, Mandy Slade (Toni Collette) como esposa de Brian e Jerry Devine (Eddie Izzard), seu empresário. São figuras chave, algumas mais eficientes que outras, e trazem à tona aspectos essenciais para entender Slade, a época e suas transformações. Pena que, por si só, não são capazes de manter o filme sempre no mesmo nível.
O problema mais notável está na narrativa do meio, o recheio, menos uma investigação sobre o que realmente se conclui e se estabelece como grande tema e mais uma fraca tentativa de retrato dos anos 70 e seus artistas. Slade nunca chega a conquistar o espectador, nem a provar tamanho sucesso para além de um movimento político. Para o nível da filmografia de Haynes, majoritariamente precisa, Velvet Goldmine é bastante difuso.
No entanto, o começo (um prólogo mostrando um Oscar Wilde criança desejando ser um ídolo pop entre advogados, fazendeiros e alfaiates – como um pai fundador do glamour no século seguinte) e os últimos minutos (quando a narrativa toma um outro caminho, focado na relação do repórter com toda a história) são excelentes, quase prenunciando o que seria tão atrativo em Carol. Seja nos sonhos de uma criança, na sexualidade ou na performance de um adulto, aqui, Haynes estabelece a fantasia como ponto de partida e porta para a liberdade.
Velvet Goldmine (idem – EUA, 1998)
Direção: Todd Haynes
Roteiro: Todd Haynes e James Lyons
Elenco: Jonathan Rhys Meyers, Christian Bale, Ewan McGregor, Toni Collette e Eddie Izzard
Gênero: Drama, Musical
Duração: 118 min.