Review | Final Fantasy XVI prova que games são a evolução natural das narrativas audiovisuais clássicas

Saiba por que Final Fantasy XVI é considerado um exemplo excepcional da franquia, mesmo com suas mecânicas únicas.
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Square Enix

Revolucionária. Esse adjetivo define a franquia Final Fantasy há anos. Seja para o bem ou para o mal, a Square Enix sempre moveu montanhas para inovar com a saga que já completa quase 40 anos de existência. São muitos os jogos da mesma franquia que gamers veteranos guardam no coração como entre os títulos mais queridos que experimentaram em toda a vida. 

Sem medo do enorme desafio que significa implicar mais de 40 horas médias da vida dos jogadores para concluir cada um dos episódios principais da saga, a Square Enix já tentou dar passos maiores que as pernas como é o caso do filho imperfeito Final Fantasy XV, um jogo que queria ser maior que o mundo, mas que não acabou se tornando um Frankenstein de ideias e mecânicas que, até mesmo assim, consegue ser um ótimo exemplar da saga. 

Após esse tropeço, a notícia de um Final Fantasy XVI chegando relativamente rápido desde seu anúncio até o lançamento em 2023, deixou muita gente com altas suspeitas. Felizmente, tirando o estado técnico por limitação de hardware ou pressa em desenvolvimento, o jogo chegou ao PlayStation 5 se tornando um clássico quase que instantâneo. 

Entretanto, agora tendo finalmente jogado no PC e vivido uma experiência recompensadora, ouso afirmar que Final Fantasy XVI é muito mais que um mero ‘clássico’ de uma geração de console. Trata-se de uma obra revolucionária, digna da quebra de paradigmas que a Square proporcionou com títulos como Final Fantasy VII ou X. Só que não se trata somente de um rompimento de paradigma relativo aos games, mas sim às mídias audiovisuais como um todo – leia-se cinema e TV. 

Almejando um verdadeiro sonho, Naoki Yoshida, Hiroshi Takai e Kazutoyo Maehiro, produtor e diretores do jogo, o trio conseguiu entregar uma experiência que abalou a fundação de Final Fantasy até suas mais profundas fundações jogando a franquia para a idade adulta como nunca tínhamos visto antes – nem mesmo no infame Final Fantasy XII

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Square Enix

Épico de proporções bíblicas…

Final Fantasy XVI traz a incansável jornada de Clive Rosfield, escudo e protetor de seu irmão mais novo, Joshua, herdeiro natural do trono do ducado de Rosaria. Neste universo, uma sociedade em castas é estruturada, com manipuladores de magia sendo chamados de Dominantes, os que nascem com todo o potencial de um Eikon específico, e os portadores, os tocados pela magia que conseguem usá-la para atividades triviais. 

Em Valisthea, mundo dividido entre os continentes gêmeos Cinza e Tormenta, todas as sociedades são dependentes dos cristais advindos dos colossais Cristais-Máter, presentes em cada um dos principais reinos dos continentes. Através dos cristais, os portadores manipulam a própria magia para aquecer lares, encher poços, iluminar cidades, aparar folhas, etc. Aqui, a tecnologia nunca se desenvolveu por conta da dependência e do uso dos cristais. 

Porém, apesar de serem ‘abençoados’, os portadores são escravizados e tratados com desdém pelos humanos normais. Não há lugar para um portador além da escravidão em Valisthea. Os Dominantes, apesar de reverenciados, também são utilizados como armas nas constantes guerras que reinos travam entre si, motivados pelo avanço da Praga que suga toda a vida nas terras que toca, a tornando infértil e impossível de nutrir a vida. 

Neste cenário de um lento apocalipse, Clive tem sua vida virada de cabeça para baixo após testemunhar o assassinato de Joshua por um segundo Dominante de fogo em uma expedição importante. Capturado por imperiais de Sanbreque, Clive é escravizado como um soldado do império por treze anos até enfim decidir trilhar seu próprio caminho ao reencontrar uma antiga amiga em um campo de batalha perverso. 

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Basicamente, essa é a melhor sinopse que consigo fazer sem dar grandes revelações sobre a narrativa que é, de longe, a melhor coisa de Final Fantasy XVI ao lado da majestosa trilha musical de Masayoshi Soken. Pude experimentar a história do jogo sem levar qualquer spoiler e creio que essa é a melhor forma de vivenciar o game por completo. 

No que é possível mencionar sem problemas é que fazia gerações desde um jogo da saga a apresentar um elenco tão marcante e bom como o presente aqui. Bebendo fortemente de narrativas shounen cujas referências são notadas em momentos icônicos – é fácil fazer uma lista só dessas referências que vão de Naruto, Attack on Titan, Neon Genesis Evangelion, Dragon Ball Z, Berserker até mesmo a Game of Thrones (mas simplificado) -, a história atravessa diversos anos, apresentando novos arcos e vilões em momentos oportunos. 

O mais impressionante é o fato dos roteiristas conseguirem fazer dessa salada de referências algo coerente e coeso. A história de Clive é marcada por diversos parceiros, principalmente Cid, um dos primeiros companheiros de viagem do jogo cujo objetivo se torna primordial para o restante da odisseia. 

Nisso, diversos outros parceiros surgem e conquistam o jogador com os bons diálogos e personalidades distintas, seja com a tímida Jill, o corajoso Torgal, o excêntrico Gav, a meticulosa Martha, o desengonçado gigante Goetz, entre diversos outros. O rol de vilões também não fica para trás, cada um com motivações distintas sendo que alguns são ligados por relações afetivas. 

Aqui, há uma boa tentativa em delinear os vilões como os representantes dos nossos fracassos como humanos, dos pecados e frustrações. Enquanto os herois, mesmo que falhos como Clive e Cid, representam o que há de melhor sobre resiliência e esperança. Claro, não é algo inédito, mas para a franquia, é um frescor ver personagens mais humanos e menos idealizados, em ambos os lados. 

Lembrando que se trata de Final Fantasy e, muitas vezes, é raro ver um grande amadurecimento dos personagens como aqui ocorre com Clive e até mesmo Cid. Por conta do entra e sai dos antagonistas, a surpresa do grande vilão demora a acontecer, mas toca em debates profundos de existencialismo, religião e muita, mas muita filosofia de Nietzsche sobre as características centrais do ser, o viver humano. Não esperava por isso quando comecei o jogo e certamente sai muito recompensa, por mais que toda a experiência supere facilmente as 40 horas de jogatina. 

Os roteiristas também tem a sabedoria de inserir muitos elementos narrativos nas quests secundárias que, embora sejam muito pouco variadas, sempre no estilo de fetch quests, trazem informações importantes do lore riquíssimo criado para Valisthea, de seus habitantes, sua pré-história e até mesmo dos antepassados de Clive. Sugiro fazer sempre as quests disponibilizadas no hub central do Esconderijo que ajudam a oferecer mais complexidades para diversos NPCs – até mesmo uma que envolve entregar refeições ajuda a apresentar NPCs importantes. 

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Também muito cientes que Final Fantasy XVI seria uma obra polarizante, o final do jogo não deixa de suscitar um enorme debate entre os fãs. Justamente por isso que as quests secundárias se tornam importante por trazer um contexto mais profundo para o final, encerrando algumas dúvidas que o jogador possa ter. As expansões, Ecos dos Decaídos e Maré Ascendente já obrigam o jogador a fazer algumas das mais importantes, mas é bom investir bem o seu tempo em Valisthea – garanto que vale a pena. 

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Square Enix

…apresentado na boca da garrafa

Enquanto a história e a trilha musical brilham no jogo todo, é preciso lembrar que Final Fantasy XVI se trata, acima de tudo, de um jogo de RPG. Porém, ele sempre vai se parecer mais como um filme interativo imersivo. Isso ocorre porque a cada longa cutscene, o jogador pode experimentar um trecho em um mapa sempre muito estreito (é um game extremamente linear) no qual a exploração é pouco recompensada, focada muito mais no combate. 

Se eu fosse classificar, o game é mais um ótimo hack n’ slash intercalado com boss rush (ao melhor estilo do clássico Asura’s Wrath) do que um RPG de fato. O combate é sim muito divertido por ser dinâmico, rápido e inventivo, ao trazer o conflito direto em ataques com a espada intercalados com diversas magias e conjurações que Clive pode fazer enquanto ordena diversos golpes para Torgal realizar. O problema é que o jogo é longo e os inimigos que encontramos, principalmente chefes e subchefes, começam a ter barras de vida realmente imensas. 

Como não existe uma grande variedade de combos, a repetição vira um pilar da experiência de jogo que, aos poucos, se torna moroso com o jogador prosseguindo apenas no incentivo de concluir para ver o encerramento da história. Os diretores têm noção disso e se esforçam ao trazer novos golpes mágicos a cada Eikon enfrentado, além de entregarem momentos surreais nas batalhas contra chefes mais memoráveis da franquia – a do Titã, Bahamut e Leviatã são simplesmente inesquecíveis. 

Há alguns elementos de RPG não só na ocasião do aumento de nível, mas também nos acessórios que Clive dispõe a usar, além de sua arma principal, claro. Entretanto, pelo inventário de uso ser limitado a 3 itens por vez, a experimentação não é incentivada e acaba petrificando as escolhas de abordagem do jogador. O mesmo acontece com as novas habilidades conquistadas conforme o jogo progride, com muitas das primeiras sendo mais eficazes que as novas, por exemplo. 

Os bolsões dos cenários, ao menos, são diversificados e alguns deles exibem o poderio gráfico do jogo que é sim muito bonito e espetacularmente animado – tanto nas expressões faciais quanto na movimentação de seus personagens. Temos florestas densas deslumbrantes, desertos com termas paradisíacas, montanhas de vegetação rala, prados de horizontes infinitos, cidades com estilos arquitetônicos totalmente distintos indo do escandinavo até o francês, entre diversos outros cenários. 

Há muito amor aplicado pelo design visual do jogo e isso é notado em tudo. Se tratando do primeiro Final Fantasy realmente adulto e bastante violento, é válido notar o empenho dedicado em áreas completamente hostis para as mais tranquilas de exploração descompromissada. Por exemplo, os dois esconderijos que o jogo dispõe são radicalmente diferentes e muito expansivos, possuindo áreas que só fui descobrir no final da jogatina. 

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Agora, no texto, fico impressionado com o quão simples é o game design de XVI. Por isso, menciono o fato de se assemelhar a um filme interativo no qual você é jogado de fato na ação, se tornando um espectador ativo do que um passivo – como é de costume no cinema e TV. O sequenciamento de jogo é assim: cinemática, gameplay focada em combate, cinemática, gameplay para conversar com NPCs e definir próxima missão, cinemática, combate e por assim vai. 

Sobre performance, já no PS5, Final Fantasy XVI foi duramente criticado, assim como Rebirth – esse eu mesmo joguei no console e afirmo que o modo de 60 FPS é embaraçoso. Logo, no PC, se esperava que o jogo pudesse brilhar conforme o prometido e, de fato, se trata de uma experiência mais nítida. Porém, a performance não é uma maravilha, como já tem sido um costume nos ports da franquia há um bom tempo. 

Há problemas de codificação que, após determinado período jogando, os frames caem de qualquer modo. Há também um atraso no processamento de algumas cinemáticas que fazem o jogo sair de sincronia por alguns segundos, chegando a congelar as cenas enquanto o áudio prossegue normalmente. Vi esse problema por diversas vezes e ainda torço para que haja alguma correção para os bugs de performance do jogo que é sim bastante pesado. 

De resto, não há muitos bugs notáveis no jogo que funciona como deveria funcionar. Algumas raras vezes há problema no carregamento de texturas ou talvez seja falta de capricho em alguns cenários muito específicos, mas em geral é sim um game muito bonito. 

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Square Enix

Imperfeito, como toda obra-prima

Não se engane, caro leitor, que estou iludido passando pano para o jogo. As falhas ou imperfeições de Final Fantasy XVI são tão claras como um dia de verão. Entretanto, pouquíssimas obras revolucionárias conseguem ser, de fato, perfeitas, pois elas sempre estão sob a égide da polarização. Sendo um game radicalmente diferente de todos os outros da saga, é nítido que se trata de um episódio polêmico, até mesmo por ser adulto, violentíssimo e conter pouquíssimos dos momentos bregas que transbordam aos montes em outros títulos da saga. 

O fato é que Final Fantasy XVI e a Square Enix deram um passo muito importante em direção à evolução natural do entretenimento narrativo audiovisual. Em um futuro não muito distante, onde cada um de nós poderá viver a fantasia final que quiser, onde quiser, quando quiser, lembraremos que esse jogo foi um dos pináculos para outros projetos dessa linha acontecerem. 

Jogos imersivos que trarão grandes histórias impossíveis de serem retratadas em outras mídias seja pelo orçamento, dificuldade de produção ou tempo de produção. Tudo é uma questão de tempo, afinal, imaginar um game com o escopo dos que estamos recebendo agora era algo inimaginável em uma questão de décadas. 

Final Fantasy XVI pode não ser perfeito, mas com certeza é uma experiência muito digna de ser vivida – e também ouvida pois a trilha musical deixa qualquer um sem palavras. Sem mais, tem a minha recomendação máxima. 

Sobre o autor

Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema. Jornalista, assessor de imprensa. Apaixonado por histórias que transformam. Todo mundo tem a sua própria história e acredito que todas valem a pena conhecer. Contato: matheus@nosbastidores.com.br

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