Uma perseguição de carro no rio carregando um cofre gigante amarrado na traseira de dois carros; enfrentando um tanque militar ao longo de uma auto-estrada sendo dizimada; mil e uma loucuras desde pular de aviões dirigindo carros, de um prédio para outro prédio, explodindo metade de Los Angeles e lutas mano a mano com chaves de fenda. Quem diria que a franquia hoje bilionária, que se tornou um redemoinho em esteróides de ação mirabolantes com carros e outras desventuras loucas puxando o limite da improbabilidade cinematográfica, começou lá no início de 2001, com o jovem produtor Neal H. Moritz se baseando em um artigo sobre corridas de racha de rua decidiu investir em um filme sobre a sua cultura de rua e a juventude vândala em busca da liberdade através das corridas… lá vamos nós!
E para tal tarefa ele confiou o trabalho com um orçamento de razoáveis 38 milhões para o diretor Rob Cohen, que até então havia dirigido alguns episódios de séries como Miami Vice e feito os razoáveis e divertidinhos Dragão: A História de Bruce Lee e Coração de Dragão, e no peculiar trio de roteiristas, Gary Scott Thompson, Erik Bergquist e o mais conhecido David Ayer. Que em sua estrutura, fazem uma cópia descarada de Caçadores de Emoção de Kathryn Bigelow, com o esqueleto da história sendo quase o mesmo: policial se infiltra em grupos de bandidos para investigá-los e acaba se sentido parte do grupo e da família criando uma forte amizade, mas que culmina no perigo mortal de seu trabalho e vida de todos os envolvidos.
Só que ao invés de surfistas hipsters carismáticos com um senso de liberdade em seus atos, mas violentos sem piedade quando necessário; temos aqui motoristas de corridas de racha e que assaltam caminhões sem usar armas (isso poderia até ser legal e adicionar para a “bondade” dos personagens, mas no filme acaba sendo um bando de verdadeira estupidez e falta de profissionalismo). E ao invés de um Patrick Swayze loiro barbudo surfista carismático, temos aqui Vin Diesel careca mecânico que parece tentar ser carismático, e ao lado dele reúne-se decentes, mas não memoráveis, Paul Walker, Michelle Rodriguez, Jordana Brewster, Rick Yune e Matt Schulze que não fizeram tanto sucesso relativo fora da franquia mas que marcaram presença na memória dos fãs da mesma desde aqui.
E me pergunto por que será que a franquia teve esse apelo quase de um filme cult de vários fãs devotos, que permitiu Vin Diesel com Moritz mais tarde vir a ressuscitar a franquia com Velozes e Furiosos 4 e ser a franquia milionária que é hoje. O filme não apresenta nenhum marco inovador por assim dizer além do fato de explorar essa sub-cultura dos corredores de rua no século 21 com umas decentes cenas de ação e atores funcionais (eu poderia terminar por aqui, mas continuemos). Talvez seja por essa aura de cafonice que o filme evoca para si de forma quase que sem querer. E digo sem querer pois o filme não parece qual tom ele quer ter para si.
Depois de uma intro das mais sem graça que já vi com 3 carros assaltando um caminhão com troca de socos e um movimento de câmera e montagem bem genéricos, o filme pula para o jovem Brian O’Conner, personagem de Paul Walker, e sua ansiedade para entrar nas corridas de racha noturnas de forma digna de um filme adolescente com algumas porradas e mulheres gostosonas, com alguns dos diálogos mais bregas e cafonas que esses ouvidos já ouviram. Exemplos como quando O’Conner troca socos com o personagem de Matt Schulze e Torreto de Vin Diesel os separa e O´Conner grita: “Ele veio na minha cara!”, que Toretto responde: “Eu que estou na sua cara!” ou o clássico monólogo de Toretto: “Eu levo minha vida 1 Km de cada vez, nada mais importa, durante aqueles 10 segundos ou menos eu sou livre”. É uma mistura de balançadas de cabeça constrangidas e risos. E até por alguma razão de ironia, os supostos antagonistas/rivais que o filme tenta criar para o grupo de Toretto são uma espécie de máfia/gangue chinesa liderados pelo personagem de Rick Yune, que dirigem motos (sim, esse nível de cafonice!).
E o filme parece diversas vezes parece estar ciente de sua cafonice e tentae abraçar essa sua faceta que dão um certo charme ao filme, mas os invólucros das sacadas do roteiro em tentar criar uma tensão de filme policial no meio da história com o personagem de O’Conner, que apenas servem para quebrar o tom e torná-lo sério e dramático nas horas erradas e sem nenhum peso; notável traço de Ayer no roteiro. O confronto final com o caminhoneiro é um bom exemplo desse realismo que quebra o tom. A sequência é até boa com um decente trabalho de montagem e movimentação de câmera, e com certas pequenas referências à melhor perseguição de carro de todos os tempos que é a de Caçadores da Arca Perdida de Steven Spielberg, mas a cena é feita de forma tão realista e com um certo grau de violência quando vemos o personagem de Matt Schulze ensanguentado e recebendo tiros no estomago que tira todo o clima de diversão que a sequência poderia ter. Até a trilha sonora de BT que na maior parte usa um tecno pop até que legal, e do nada entra com uma melodia dramática das mais rasas que até dá vontade de rir. Mas…, por alguma razão, esse tom cafona e a seriedade dramática que se eleva ao ponto da breguice, por acaso meio que funcionam juntos para (ao menos) divertir o bastante.
E Rob Cohen que até não faz feio na direção da ação (algo que ele viria a fazer no vexame A Sombra do Inimigo), e faz um trabalho razoável no meio de toda a cafonice. Fazendo as cenas de corrida e perseguição parecerem verdadeiras partidas de videogames (às vezes literalmente quando vemos um dos motoristas jogando um jogo de corrida antes do racha começar), com o primeiro racha do filme tendo um uso nebuloso de cores fora dos carros a partir das perspectivas dos motoristas dentro dos carros para realçar sua monstruosa velocidade, algo que parece retirado direto de Speed Racer (e que viria mais tarde inspirar o próprio filme das irmãs Wachowski), mas com uma boa parte delas tendo uma certa dose de tensão.
Nenhuma que fique na memória, apesar da última corrida, o confronto final entre Toretto e O’Conner para ver quem é o verdadeiro mais veloz e o mais furioso, possuir um certo charme e ser verdadeiramente boa com seu uso interessante de slow-mo embaçado no estilo dopado que por vezes parece uma perseguição de carro que David Lynch dirigiria; isto é, se ele cedesse ao genérico nível de blockbuster. E a boa montagem de Peter Honess ajuda bastante e faz bem seu trabalho, não se apressando e não se alongando mais que o necessário nas cenas. Com Cohen consegue fazer certo jus aos seus anos dirigindo episódios da série Miami Vice dando uma tonalidade de cores bem calorosa e um tropical urbano à sua Los Angeles através da bela fotografia de Ericson Core. Até o elenco se mostra bem decente embora nada de ótimo ou excelente, mas os até então jovens atores estão claramente se divertindo e nutrem uma boa química juntos, que só viriam a demonstrar mais nas infindáveis continuações.
Acho que as pessoas podem encarar a franquia Velozes e Furiosos com o destino bem similar à franquias como Star Trek e Harry Potter no cinema (claro que não no mesmo impacto ou relevância), que começaram com filmes meio qualquer coisa, mas que encontraram sua voz conforme avançaram. Só que Velozes levou esse e mais dois filmes fracos enquanto Harry Potter foi uma evolução a cada filme e Star Trek uma montanha russa de qualidade. Mas que conseguiu se suster com uma boa dose de cafonice divertida e suas irritantes investidas no tom mais sério, que conseguiram marcar uma legião de fãs o bastante para crescer e ser o grande sucesso que é hoje, e que ainda se guarda num canto especial da memória daqueles que gostam e acompanham a franquia até hoje.
Velozes e Furiosos (The Fast and the Furious, EUA – 2001)
Direção: Rob Cohen
Roteiro: Gary Scott Thompson, Erik Bergquist e David Ayer
Elenco: Vin Diesel, Paul Walker, Michelle Rodriguez, Jordana Brewster, Rick Yune, Matt Schulze, Rick Yune
Gênero: Ação
Duração: 106 min