Review | Castlevania II: Simon's Quest - Uma Falha Experimentação

Review | Castlevania II: Simon's Quest - Uma Falha Experimentação

Lançado em 1986, o primeiro Castlevania foi um sucesso imediato e até hoje é reconhecido como um dos grandes clássicos do Nintendo Entertainment System (NES). Naturalmente que a Konami, responsável pelo desenvolvimento do game, não deixaria a oportunidade de criar uma franquia em cima de sua obra passar, algo que já havia sido, em termos, iniciada, já que Vampire Killer, do MSX2 chegara às lojas apenas um mês depois do primeiríssimo da série. Esse, porém, é enxergado como uma espécie de spin-off, ou simplesmente uma diferente versão do jogo original – eis que, em 1987, é lançada a primeira sequência propriamente dita, Castlevania II: Simon’s Quest.

Assim como o já citado Vampire Killer, esse segundo game da série principal dispensa a estrutura episódica, típica de arcades, de seus antecessor. Claramente a Konami decidira se apoiar em obras como Metroid, criando um universo bidimensional a ser explorado, compondo o jogo com elementos como o backtracking, puzzles e diversos elementos de rpgs, especificamente os níveis de experiência, ganhos através da coleta de corações, os quais são derrubados pelos inimigos após a morte. Além disso, temos aqui o primeiro Castlevania que nos possibilita equipar e desequipar itens, clara evolução de um dos fatores de Vampire Killer.

O interessante de acompanhar a trajetória da franquia cronologicamente é enxergar como a Konami ainda experimentava com suas fórmulas. Qualquer um que tenha jogado tanto o game original quanto Vampire Killer irá perceber Simon’s Quest como uma grande amálgama dessas duas obras. Infelizmente, nessa junção, os desenvolvedores acabaram, também, incluindo determinados notáveis defeitos presentes nos anteriores, além de trazer alguns aspectos negativos novos, que tornam esse um game extremamente datado, com escolhas de design que chegam a ser surreais de tão problemáticas.

O maior deslize, sem a menor sombra de dúvidas, é a completa ausência de qualquer didática dentro do jogo. A forma como devemos progredir na história não é nada intuitiva e devemos depender de diálogos com npcs a fim de descobrir detalhes sobre os objetivos. O grande problema é que esses mesmos npcs mentem e, para piorar, a tradução do japonês para o inglês foi feita nas coxas, com inúmeras das dicas, se não a maior parte delas, perdidas no processo. Isso tudo faz de Simon’s Quest um game que, obrigatoriamente, requer um “detonado”/ walkthrough para ser “zerado”, ou, ao invés disso, muita sorte por parte do jogador.

Esse grande defeito, que certamente pesa em nossa percepção da obra como um todo, porém, não consegue apagar os pontos positivos do jogo, muitos dos quais foram essenciais para a evolução da franquia, abrindo espaço para que, anos mais tarde, ganhássemos o icônico Symphony of the Night. O primeiro desses elementos é a presença de mais sub-armas, como o cristal. Outro é a introdução de determinadas habilidades adquiridas através de itens, que acabaria se desenvolvendo nos inúmeros sistemas diversos de magia ao longo da franquia.

Além disso, não temos como descartar a excelente trilha sonora – aliás, esse padrão fora introduzido no primeiríssimo game da série e se manteria por todos eles. Ainda que essa continuação conte com um número menor de músicas, temos algumas de destaque, como a icônica Bloody Tears, a qual se tornaria um dos temas da série, ganhando diversas versões com o passar dos anos.

No lado dos gráficos, a obra apresenta uma nítida melhoria em relação ao seu antecessor, com sprites mais detalhados e uma paleta de cores mais diversa. Claro que a similaridade entre as diferentes telas não ajuda, mas isso fica a cargo do game design, que consegue nos confundir tanto quanto os npcs, questão que apenas se agrava em razão da ausência de um mapa (!!!). Dito isso, deixando tais deslizes de lado, é interessante observar como esse Castlevania demonstra ser muito mais sombrio que seu antecessor, ponto evidenciado pelas cores e iluminação – mais um elemento herdado de Vampire Killer.

Digno de nota, também, é a dificuldade consideravelmente reduzida desse em relação ao jogo anterior. Ainda que, para os padrões atuais, Castlevania II seja um game difícil, os chefes se tornaram consideravelmente mais fáceis que aqueles enfrentados no original, mudança essa, que, sim, era mais do que necessária (Morte, estou olhando para você). Tal característica, evidentemente, pode atrair mais jogadores, ainda que esses mesmos certamente serão afastados pela estrutura nada didática da obra.

Castlevania II: Simon’s Quest é, portanto, um game de muitos acertos e muitos erros. Trata-se de uma clara tentativa da Konami em unir o primeiro Castlevania a Vampire Killer. Nesse processo de experimentação, contudo, os desenvolvedores pecaram na forma como devemos alcançar nossos objetivos dentro do jogo, deixando tudo extremamente críptico, requerendo do jogador que esse se apoie em walkthroughs para avançar na história. Apesar disso, é um jogo que merece ser experimentado, nem que seja para entender a evolução da franquia.

Castlevania II: Simon’s Quest

Desenvolvedora: Konami
Lançamento: 28 de agosto de 1987
Gênero: Ação, plataforma
Disponível para: Famicon Disk System, NES, Virtual Console


Crítica | Anime Death Note - A Corrupção da Alma pelo Poder

O sucesso imediato do mangá de Death Note certamente não passou despercebido pela Madhouse, que rapidamente adquiriu os direitos para sua adaptação em anime, que estreou em 2006, mesmo ano no qual fora publicado o último capítulo da obra original de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata. Como a história já estava acabada quando o anime foi ao ar, sua trama segue basicamente pelo mesmo caminho que o material base, com apenas alguns cortes, principalmente a partir do arco da Yotsuba, fator que, infelizmente, torna essa uma obra inferior à original. Isso contudo, não deve distanciar quem nunca teve contato algum com Death Note ou até mesmo aqueles que leram todos os capítulos – afinal, essa série animada traz seus próprios notáveis méritos.

Para quem viveu em uma caverna pelos últimos catorze anos, Death Note nos conta a história de um estudante japonês, Light Yagami, que acaba encontrando um misterioso caderno cujas instruções, escritas no interior da capa, dizem que o ser humano que tiver seu nome escrito nesse objeto irá morrer. Após testar e confirmar a veracidade do Death Note, o garoto inicia uma cruzada para se livrar dos criminosos do mundo, os matando de parada cardíaca a fim de que percebam a intervenção de alguém na criminalidade do mundo. Após ficar conhecido como Kira, o assassino passa a ser investigado por um habilidoso e excêntrico detetive conhecido apenas como L. Yagami precisa, então, se livrar de seus obstáculos para que possa construir o seu novo mundo.

Um dos maiores percalços de adaptar Death Note é como transpor a enorme quantidade de diálogos e balões de fala para outra mídia de forma que, ainda assim, a história mantenha sua dinâmica. Tetsurô Araki, que coordenou a direção do anime soube muito bem trabalhar com esse fator, mesmo com esse lado da história tendo sido mantido praticamente intacto. Sua decupagem traz constantes movimentos de câmera, uns mais rápidos, outros mais lentos, dependendo do tom almejado, alternando o foco entre os diferentes personagens, objetos em cena e até utilizando closes bastante específicos a fim de manter o espectador atento. Um bom exemplo disso são os enquadramentos nos pés de L ou nos doces que sempre estão perto dele.

Além disso, há de se notar a dinâmica utilização das cores para representar o que está em jogo naquele momento. As vitórias de Kira costumam ser acompanhadas de tonalidades vermelhas, o que invariavelmente contrapõe-se com os tons de azul utilizados para L em determinados pontos da história. É interessante observar como Light ora é retratado como uma figura divina pela iluminação em cima de seu personagem, ora como um demônio justamente pelo escurecimento da imagem. Tais fatores ainda dialogam com o fluido trabalho de montagem, que transforma a simplicidade de alguém escrevendo em um caderno em uma verdadeira sequência de ação. Claro que alguns exageros se fazem presentes, como a maneira alucinada de Mikami escrever em seu Death Note, mas nada que atrapalhe a obra como um todo (apenas traz algumas inevitáveis risadas por parte do espectador). Felizmente os traços respeitam completamente os personagens e, ainda que o grau de detalhes não chegue aos pés das ilustrações de Takeshi Obata, a essência da obra é mantida intacta.

Como dito antes, em determinado momento, o roteiro começa a cortar certos trechos presentes no mangá, alterando alguns fatos (certas mortes são suavizadas em razão da classificação indicativa). Isso não chega a atrapalhar nosso entendimento da história, mas invariavelmente prejudica alguns trechos, como o arco da Yotsuba e, principalmente, toda a história de Mello, que aparece em uma versão bastante resumida. Esse ponto acaba prejudicando toda a fluidez do anime, com notáveis tropeços na segunda metade da história, mas, felizmente, a série recupera todo o seu fôlego perto do fim, mesmo com o excesso de twists, característica herdada do mangá original.

Ouso dizer que um dos maiores méritos do seriado animado é a sua trilha sonora. Estamos falando de uma trama que claramente se divide em diversos atos, cada um com atmosferas bastante distintas (ainda que a identidade de Death Note seja mantida). Sentimos tais mudanças na primeira transmissão de L, no surgimento do segundo Kira, quando é iniciado o arco da Yotsuba, dentre outras várias ocasiões e, mesmo assim, a trilha de Yoshihisa Hirano e Hideki Taniuchi consegue habilmente representar na música o tom certo para cada situação. Estamos falando de uma obra que não estaria completa sem suas melodias, que tão bem definem a emoção de determinadas cenas, além de representarem com precisão os diversos personagens centrais com seus temas específicos. Destaco aqui o tema de L e Low of Solipsism, além do emblemático tema principal, que são capazes de, verdadeiramente, transformar uma sequência. É preciso notar como Hirano e Taniuchi dialogam com todo o imagético religioso ocidental em suas composições, empregando o latim para tal, com trechos tirados do Requiem de Mozart para determinadas músicas.

No fim, apesar de seus notáveis deslizes, o anime de Death Note continua sendo uma excelente adaptação do mangá original, sabendo muito bem trabalhar com os diversos tons explorados pelo material base. Trata-se de uma obra diferente, mas que traz os mesmos dilemas, nos fazendo torcer, ora por Light, ora por L, mesmo que não concordando com suas ações. Com seus méritos próprios, esse é uma série animada que merece ser assistida e reassistida algumas vezes.

Death Note (idem - Japão, 2006/07)

Direção: Tetsurô Araki, Tomohiko Itô, Hiroyuki Tsuchiya, Mitsuhiro Yoneda, Eiko Nishi, Makoto Bessho, Shinji Nagamura, Oyunamu, Naoyasu Hanyu, Hisato Shimoda, Yukio Okazaki, Kei Tsunematsu, Hironobu Aoyagi, Naoto Hashimoto, Takayuki Hirao, Hideki Ito, Mitsuyuki Masuhara, Ryôsuke Nakamura, Tetsuhito Saitô, Tomio Yamauchi
Roteiro: Gracie P. Aylward, Toshiki Inoue, Tomohiko Itô, Yasuko Kobayashi, Shôji Yonemura
Elenco (vozes originais): Mamoru Miyano, Ryô Naitô, Naoya Uchida, Keiji Fujiwara, Kappei Yamaguchi, Aya Hirano, Shidô Nakamura
Duração: 37 episódios de aprox. 20 min.


Review | Vampire Killer - O Castlevania Esquecido

Review | Vampire Killer - O Castlevania Esquecido

De todos os games da série Castlevania, Vampire Killer certamente é um dos mais esquecidos. Lançado um mês após o Castlevania original, do “nintendinho” o game pode parecer, à princípio, um port do jogo para NES, até mesmo o nome original é o mesmo (Akumajō Dracula), mas, na realidade, ele é substancialmente diferente de seu primo da Nintendo. A título de curiosidade, Vampire Killer foi lançado antes da série principal no Brasil e Europa, tendo jamais chegado aos EUA. Claramente datado, com inúmeros problemas de gameplay, fica fácil entender o porquê dessa obra ter sido deixada de lado – ainda assim, é crucial, para o entendimento da progressão da série principal, que visitemos esse jogo lançado para o MSX2.

O game segue o mesmo princípio de Castlevania, temos de percorrer o castelo de Drácula, derrotando criaturas, chefes até chegar no conde em si. No processo podemos adquirir sub-armas as quais ajudam em nosso progresso, possibilitando matar os inimigos de maneiras diferenciadas. As similaridades das mecânicas dos dois, contudo, para por aí. Vampire Killer adota um estilo que possibilita a exploração, permitindo que voltemos às telas anteriores, e percorramos outros caminhos. Isso, claro, tem a ver com a própria formulação do jogo, que pede que encontremos diversas chaves para abrir baús (com itens como escudos e botas) e portas, as quais possibilitam nosso progresso nos estágios.

É bastante comum dividirmos a franquia Castlevania em duas fases: antes e depois de Symphony of the Night. O mais famoso game da franquia introduziu a exploração à la Metroid, alterando substancialmente a maneira como jogamos tais obras. É interessante, portanto, observar como, desde os primórdios da série, ela já flertava com tais mecânicas – aliás, o que vemos aqui em Vampire Killer é a base do problemático Castlevania II: Simon’s Quest, que seria lançado alguns anos mais tarde, para o NES. Mesmo que a fórmula ainda esteja longe do ideal, são esforços como esse que abrem caminho para a melhoria, possibilitando a evolução dessa fórmula, que se tornaria muito querida no SNES, através de Super Metroid e, claro, o próprio Symphony of the Night no Playstation.

Agora vamos aos fatores que nos fazem querer esquecer esse jogo completamente e, possivelmente, queimá-lo em uma fogueira. De início ele soa consideravelmente mais fácil que seu “primo”, Simon (o sprite que controlamos) conta com uma vida consideravelmente maior, além de se locomover levemente mais rápido, além disso, os controles parecem os mesmos até aí, e, de fato, eles não precisavam mudar. Tudo isso muda quando atravessamos algumas telas e os inimigos demonstram ser imperdoáveis, se movimentando em uma velocidade infinitamente maior que a nossa, praticamente impossibilitando que os acertemos (pantera maldita, estou olhando para você). Alguns pulos e chicotadas precisas, porém, podem contornar tal fator. Isso é, até morrermos e percebermos que o jogo não traz qualquer forma de continuar nosso progresso, motivo suficiente para irmos até a janela mais próxima e contemplarmos nossa existência, além da perda de preciosos minutos de nossas vidas.

Quando avançamos alguns níveis, um dos elementos que nos incomodava passa a se tornar mais do que um empecilho: não existe mapa em Vampire Killer, portanto precisamos lembrar o que existe em todas as telas para que retornemos a elas posteriormente, isso sem falar no caminho a ser percorrido até lá. Tal característica funciona perfeitamente em games como Dark Souls, que traz um design verdadeiramente invejável. Agora, quando todas as telas são extremamente parecidas e o grau de estresse já está lá no alto em razão dos outros problemas do game, percorrer um castelo sem mapa prova ser uma tarefa verdadeiramente confusa, que nos faz perguntar exatamente o que tinha na cabeça a Konami quando desenvolveu essa obra.

Lembram-se quando eu disse que os controles parecem os mesmos de Castlevania? Vamos agora abordar as pequenas diferenças as quais aumentam a dificuldade dessa versão de MSX2 consideravelmente. De fato, somente há um ponto distante do jogo de NES: a utilização das sub-armas. Enquanto que no “nintendinho” podíamos apenas apertar a seta para cima em conjunto com o botão do chicote, aqui precisamos pular e apertar um dos direcionais. Parece um mero detalhe, mas já perdi a conta de quantas vezes morri acidentalmente tentando jogar uma água benta ou machado em um inimigo. Vale lembrar que você não quer ir para a frente quando está à beira da água! Isso sem falar nos golpes acidentais que tomamos dos inimigos – especialmente chefes – tentando realizar tais feitos.

 

Existe, porém, um aspecto nesse jogo que consegue superar o Castlevania original. Seus gráficos são notavelmente melhores, um pouco menos (muita ênfase no pouco) pixelados, com sprites dos inimigos e de nosso personagem sendo mais limpos e com detalhes mais discerníveis. Além disso, o game traz uma paleta de cores consideravelmente mais escura, tornando toda a atmosfera do jogo mais ameaçadora, muito similar ao que veríamos anos mais tarde em Circle of the Moon, para o Game Boy Advance. A trilha também traz sutis diferenças – são as mesmas BGMs, mas em tons menos “alegres” – a percussão da versão de NES, contudo, prova ser mais acertada, permitindo maior engajamento do jogador.

Vampire Killer, portanto, serve mais como objeto de estudo do que como fonte de entretenimento em si – a não ser, é claro, que o jogador tenha fortes tendências masoquistas. Introduzindo, desde cedo, o elemento da exploração na franquia Castlevania, o game abriria caminho para, anos mais tarde, testemunharmos o aperfeiçoamento dessa fórmula. Em razão das limitações do console (e algumas péssimas escolhas de design), contudo, tal estilo simplesmente não funcionou no MSX2, fazendo dessa uma experiência desgastante e muito aquém do Castlevania original, lançado apenas um mês antes.

Vampire Killer (idem - Japão, 1986)

Desenvolvedora: Konami
Lançamento: 30 de outubro de 1986
Gênero: Ação, plataforma
Disponível para: MSX2


Crítica | Jessica Jones: 2ª Temporada - 12 Horas de Tortura

Crítica | Jessica Jones: 2ª Temporada - 12 Horas de Tortura

Contém spoilers

Com início promissor, através da primeira temporada de Demolidor, a parceria entre Marvel e Netflix aparentava trazer grandes frutos, com séries de qualidade, com atmosfera diferente do que vemos nos seus longas-metragens. Pouco a pouco, no entanto, essa promessa foi por água abaixo, com a fraca primeira temporada de Jessica Jones, Luke Cage e os desastrosos Punho de Ferro e Defensores. Não foi com grandes expectativas, portanto, que chegamos a esse segundo ano da heroína / detetive particular e, para nossa surpresa, a temporada conseguiu ser ainda pior do que nossos maiores temores em relação a ela.

Uma boa premissa permeava o primeiro ano de Jessica Jones - toda a questão envolvendo o estupro faz do seriado bastante relevante - o grande problema está em sua execução e na típica enrolação que vimos nas séries da Marvel-Netflix. Essa segunda temporada vai ainda além, sendo ela toda praticamente uma grande barriga, com poucos pontos que, de fato, se salvam - fazendo dessa não somente uma série dispensável, como verdadeiramente insuportável, não sendo capaz de, sequer, proporcionar momentos de entretenimento (especialmente quando temos no mercado atual de séries produções como The Handmaid’s Tale ou Better Call Saul).

Claro que a tarefa de seguir para um segundo ano de Jessica Jones não é algo fácil, considerando que o carismático e, ao mesmo tempo, assustador, Killgrave de David Tennant não está mais no elenco (ao menos não da maneira tradicional). Seria preciso criar algo potente a fim de produzir aquela sensação de urgência tão necessária para nosso envolvimento e, considerando que o subtexto do estupro já foi trabalhado na primeira temporada, era de se esperar que veríamos algo diferente aqui.

A escolha tomada pela showrunner Melissa Rosenberg foi a de trabalhar o passado da protagonista: como ela conseguiu seus poderes, quem fez experimentos nela, o que aconteceu com seus pais e por aí vai. De certa forma, temos a história de origem que não vimos na temporada inaugural, uma bela inversão e bastante promissora, mas que acabou caindo no mesmo problema dos seus “primos”, Punho de Ferro e Defensores - mas chegaremos lá mais adiante. Assim sendo, é bastante condizente que o antagonismo aqui caia sobre os ombros da mãe de Jessica, que a protagonista descobre estar viva, também com poderes, todos esses anos depois.

Em paralelo, núcleos distintos são trabalhados. Primeiro Malcolm (Eka Darville), assistente de Jones, que mostra, desde o princípio, sua recuperação das drogas e que está disposto, até mais que sua chefe, em trabalhar e ajudar as pessoas. Em segundo, temos Trish Walker (Rachael Taylor), cujo arco gira em torno de suas aspirações profissionais, pessoais e sua insegurança, sempre querendo ser especial de alguma forma. Por fim, temos a subtrama de Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss), que descobre ter uma grave doença e que conta com poucos anos (na melhor das hipóteses) de vida.

Rosenberg, sem dúvidas, foi ousada em trabalhar esses núcleos separadamente da trama principal - ainda que todos sejam unidos por certos elementos, eles, em geral, não afetam uns aos outros, com pontuais exceções. O grande problema dessa escolha é que é criada uma narrativa fragmentada, uma grande novela que parece deixar todos os frutos de tais histórias para uma futura terceira temporada. Ainda que a conclusão do arco de Hogarth seja extremamente gratificante, capaz de nos deixar com aquele sorriso no canto da boca, nada justifica a lentidão que recai sobre a narrativa em razão dessas divisões e trocas de foco constantes.

Mas, sendo justo, o problema central não está na exploração paralela desses personagens, isso gera rupturas, mas o que há de mais grave é o inchaço de cada uma dessas tramas e aqui incluo a principal. O que poderia ser desenvolvido em uma ou duas horas, na íntegra, acaba levando capítulos e mais capítulos, em um eterno vai e vem que faz parecer como se as roteiristas não confiassem no espectador, como se precisassem bater na mesma tecla infinitas vezes para entendermos o que está acontecendo. Essa repetição incessante ainda impede que tais arcos sejam desenvolvidos de maneira apropriada e permanecem, do início ao fim, no mesmo lugar, apenas para que, nos dois episódios finais, algo de relevante aconteça.

Exemplo disso é a relação entre Jessica e sua mãe, que mantém o mesmo pressuposto, variando entre a necessidade de prender a mãe e a vontade de ajudá-la de alguma forma. Não ajuda, claro, o fato de todos os personagens serem extremamente voláteis, mudando de opinião, da água para o vinho, após um breve “papinho”, com diálogos que não dizem nada, além do óbvio. Tudo isso gera uma gigantesca artificialidade, que nos faz enxergar os personagens como construções fictícias e não, de fato, pessoas - a magia cinematográfica se esvai e, assim, somos mais e mais distanciados dessa narrativa que parece ter medo de sair do mesmo lugar.

Sem grandes atrativos no roteiro, caberia à imagem em si de nos proporcionar algo capaz de cativar nosso interesse, seja através da direção, fotografia ou direção de arte. Infelizmente, nenhum desses é capaz de entregar algo minimamente atraente, visto que seguem por um caminho mais básico que o mero ‘arroz com feijão’. Mas vamos por partes.

Estamos falando de uma série que busca criar uma atmosfera noir, como é deixado bem claro pela introdução e a ocasional voz em off da protagonista. Isso, no entanto, jamais aparece na imagem, com sequências que se passam, majoritariamente durante o dia e sem qualquer filtro. Não há aquele aspecto de mistério de filmes de detetive, o que vemos é algo nada inspirado que teme até em utilizar os tons roxos que vimos durante a primeira temporada - apenas em breves momentos, de fato, chegamos a ver isso, mas de forma tão pontual que acaba soando como um ponto fora da reta.

Sequer entrarei em maiores detalhes sobre o design de produção, que cria ambientes extremamente esquecíveis, jamais ousando, ou fazendo com que as casas, ou salas reflitam a personalidade dos personagens ou até mesmo o clima que o roteiro buscava construir. De fato, parece que não existe a mínima preocupação com direção de arte, a tal ponto que precisamos dos diálogos para entendermos, em certos momentos, onde os personagens estão. Nem mesmo o laboratório da IGH se destaca - poderia facilmente aprender algumas lições com Stranger Things, que sabe criar a necessária tensão em volta do laboratório no qual Eleven foi cobaia de experimentos.

Já a direção, mesmo passando por diversas mãos, parece seguir uma mesma cartilha, insistindo nos péssimos enquadramentos over the shoulder nos quais a cabeça da personagem de costas ocupa metade da tela, algo que vemos em todas as séries da Marvel-Netflix. Para piorar, não é criado qualquer suspense através da imagem, visto que, quando algo de diferente ocorre, isso é feito de uma hora para a outra, sem que diferenciados enquadramentos deem a entender que algo está prestes a ocorrer, algo mais condizente com filmes de ação e não com algo que busca recriar o tom noir.

Ao menos, os esforços de todo o elenco, de uma forma geral, são capazes de, ao menos um pouco, nos impedir de desligar a televisão e jamais assistir Jessica Jones novamente. Krysten Ritter é uma que demonstra estar totalmente à vontade no papel, decididamente mergulhando na protagonista, entregando emoções genuínas, conseguindo nos envolver mais que qualquer outro elemento dessa produção. As coadjuvantes, porém, não devem nada a Ritter - Carrie-Anne Moss é o retrato de uma mulher empoderada, que mesmo em situação de fragilidade, não aguenta desaforo de ninguém, com uma atuação tão envolvente que nos faz imaginar o quão mais interessante seria uma série de sua personagem do que a da protagonista em si. Já Rachael Taylor, como Trish, soa tão verdadeira que nos faz odiá-la em certos pontos e amá-la em outros, parecendo, de fato, como uma pessoa de verdade. Uma pena que o texto a impeça de sair do mesmo lugar.

Não podemos esquecer, claro, de Eka Darville, como Malcolm e Janet McTeer, como Alisa, mãe de Jessica. O primeiro segue um caminho similar à Taylor, entregando uma atuação bastante sincera, que nos faz entender as motivações artificiais de seu personagem. Já a segunda encarna perfeitamente o caos de sua personagem, sempre instável, impulsiva e imprevisível - mais importante, porém, é como ela, de fato, age como se fosse mãe de Jessica, nos fazendo acreditar nessa relação entre as duas.

O formidável elenco do seriado, no entanto, não é capaz de fazer milagres e, de fato, somente uma intervenção divina salvaria essa desastrosa temporada de Jessica Jones, que parece ter sido feita nas coxas, almejando única e exclusivamente o lucro e não contar uma boa história. Aliás, o pouco que tinham para contar é dilatado em quase treze horas, tornando essa uma jornada insuportavelmente longa, que parece nos deixar sempre no mesmo lugar.

Ao menos, nos momentos finais, temos alguma substancial mudança, que pode tirar Jessica Jones desse status quo caso o seriado seja renovado para seu terceiro ano. Caso permaneçamos no mesmo lugar no qual fomos deixados durante toda essa temporada, porém, estaremos diante de mais uma tortura de quase doze horas, que deixa bem claro que aquele início promissor da parceria entre Marvel e Netflix foi totalmente por água abaixo.

Jessica Jones – 2ª Temporada (Idem, EUA – 08 de março de 2017)

Showrunner: Melissa Rosenberg
Direção: Anna Foerster, Minkie Spiro, Mairzee Almas, Deborah Chow, Millicent Shelton, Jet Wilkinson, Jennifer Getzinger, Zetna Fuentes, Rosemary Rodriguez, Neasa Hardiman, Jennifer Lynch, Liz Friedlander, Uta Briesewitz
Roteiro: Melissa Rosenberg, Aida Mashaka Croal, Lisa Randolph, Jack Kenny, Jamie King, Raelle Tucker, Hilly Hicks, Jr., Gabe Fonseca, Jenny Klein, Aida Mashaka Croal, Jesse Harris (baseado em quadrinhos de Brian Michael Bendis e Michael Gaydos)
Elenco: Krysten Ritter, Rachael Taylor, Eka Darville, Carrie-Anne Moss, J.R. Ramirez, Terry Chen, Leah Gibson, Janet McTeer, Callum Keith Rennie, Hal Ozsan, John Ventimiglia, Lisa Tharps, Maury Ginsberg, Angel Desai, Daniel Marcus, Rebecca De Mornay, Elden Henson, Wil Traval, David Tennant, Jay Klaitz
Episódios: 13
Duração: 55 min. cada episódio (aprox.)