Crítica | Eu Sou Mais Eu - Um filme para ninguém
O YouTube está dominando os cinemas brasileiros. Diversos artistas e influenciadores digitais acabaram conquistando papéis em produções nacionais recentes, com até mesmo um filme inteiro feito justamente para unir essa bolha - resultando em Internet - O Filme. Mas dentre todas as telinhas de comentários por aí, Kéfera Buchmann é quem realmente tem pretensões de seguir o ofício de atriz, como visto em seus trabalhos em novelas da Globo e filmes como É Fada!. Bem, Eu sou Mais Eu não definitivamente não é uma amostra de talento. De nenhum dos envolvidos.
A trama do filme apresenta a cantora pop Camilla Mendes (Kéfera), a típica figura egocêntrica e narcisista, que subjulga todos a seu redor. Após um encontro bizarro com uma fã obsessiva, ela é magicamente transportada de volta para 2004, quando era uma adolescente desajeitada e socialmente deslocada. Ao lado de seu amigo Cabeça (João Cortês), ela precisará encontrar uma forma de quebrar o feitiço e retornar ao futuro.
É o tipo de história que já vimos infinitas vezes no cinema, de todas as formas possíveis; e melhor. O próprio filme assume, em uma das inúmeras referências à cultura pop, que é uma situação similar com a de De Repente 30, mas colocando o adulto no corpo da criança. É a mesma fórmula e a mesma sucessão de eventos, baseando-se na esgotada ideia de "o estranho é bom", mas fazendo-o da forma mais pedestre possível. É difícil entender o público alvo do filme, visto que é absurdamente infantil e imaturo em todas as decisões narrativas e visuais (além da trilha sonora, saída diretamente de um Tom & Jerry), mas assume momentos dramáticos e uma linguagem que definitivamente não é visada para um público infantil. Em outras palavras, é um filme para ninguém.
A direção de Pedro Amorim também sofre da esquizofrenia temática. Há closes e zooms típicos de um dramalhão mexicano (certamente mirando em Meninas Malvadas, mas sem o humor autor eferente), ao passo em que aposta em sequências musicais em câmera lenta para tentar criar algum tipo de envolvimento emocional, mas que só servem para salientar corpos e expressões de ridículo - falando em câmera lenta, alguém em 2019 ainda vê graça no efeito de voz grave que a velocidade reduzida promove? A julgar pela direção do filme, infelizmente sim. Ao lado de seu diretor de fotografia, Amorim até consegue compor alguns quadros esteticamente agradáveis, mas até mesmo comerciais de perfume trazem mais substância; isso sem falar no momento bizarro em que a câmera abruptamente corta para uma go pro de péssima qualidade para retratar o salto da protagonista em uma piscina.
Mas o grande problema, que acaba variando-se dessa indecisão temática, acaba sendo o protagonismo de Kéfera Buchmann. Todas as cenas em que a youtuber assume a persona da cantora famosa, é um show de exagero e antipatia muito além do que a caricatura requer, tanto que em momento algum somos capazes de nos simpatizar com a protagonista. Quando Camila está presa em seu corpo adolescente, o grande artifício de Kéfera é atuar com a boca aberta na maior parte do tempo, sendo tão forçada quanto a “nerd” do que a popstar dondoca. Quando chega a hora da catarse, a atriz é incapaz de provocar qualquer empatia ou sentimento.
E Kéfera não está sozinha, visto que todo o elenco parece preso em uma caricatura bizarra, que transita entre o infantil até a paródia adolescente para maiores - todas as garotas e garotos do colégio parecem saídos da franquia Todo Mundo em Pânico, tanto em promiscuidade quanto nível de imbecilidade. Apenas Arthur Kohl traz algum momento de alívio, sendo uma variação carismática do “avô hippie”, ainda que as trancinhas sejam um toque cartunesco demais, escancarando a inspiração em Willie Nelson.
Eu Sou Mais Eu deve agradar aos fãs de Kéfera Buchmann, mas àqueles que procuram bom cinema devem passar longe, buscando por versões melhores dessa mesma história em literalmente qualquer outra produção do gênero. Mas se serve de algum consolo, é um filme bem mais suportável e menos ofensivo do que o abominável É Fada!
O que não é dizer muito...
Eu Sou Mais Eu (Brasil, 2019)
Direção: Pedro Amorim
Roteiro: L.G. Bayão e Angélica Lopes
Elenco: Kéfera Buchmann, Giovanna Lancellotti, João Cortês, Flávia Garrafa, Arthur Kohl, Marcella Rica, Estrela Straus
Gênero: Comédia
Duração: 95 min
https://www.youtube.com/watch?v=LhpJ4tNJ59M
Crítica | Vidro - M. Night Shyamalan completa seu estudo sobre o mito do super-herói
Muitos quilômetros foram percorridos desde que M. Night Shyamalan estourou como um dos grandes nomes do século passado com O Sexto Sentido, sendo chamado de “O novo Spielberg” pela Newsweek de 2002, na época de Sinais. O diretor que foi comparado também com Alfred Hitchcock passou por uma das fases mais negativas que um cineasta de Hollywood já enfrentou, enfrentando críticas ferozes aos péssimos A Dama na Água, Fim dos Tempos, O Último Mestre do Ar e Depois da Terra.
Assim como Michael Myers e outras franquias de terror modernas, Shyamalan encontrou sua reinvenção na Blumhouse, com o renomado produtor Jason Blum, que levou Shyamalan para um caminho mais modesto com A Visita e Fragmentado, dois filmes que acabaram sendo seus melhores resultados com a crítica em anos. Com a bola de volta ao jogo, Shyamalan une sua nova nova fase com um de seus melhores filmes, Corpo Fechado, trazendo a inesperada continuação Vidro, que também serve de sequência para Fragmentado. Felizmente, Shyamalan ainda não voltou a seus dias sombrios.
A trama começa algumas semanas após Fragmentado, com o psicopata Kevin e sua Horda (James McAvoy) continuando a cometer sequestros para oferecer à Fera, a personalidade bestial do sujeito. Paralelamente, o vigilante David Dunn (Bruce Willis) procura pelo sujeito enquanto se torna um mito pela cidade. Quando os dois são presos e internados em uma instituição psiquiátrica, a dupla se reúne com o maquiavélico Sr. Vidro (Samuel L. Jackson), que arquiteta um plano que envolve Kevin e David.
Estudo sobre heróis
Por muitos anos M. Night Shyamalan brincou com a ideia de uma continuação para Corpo Fechado, um filme que trazia uma visão muito particular e original sobre super-heróis, algo um pouco a frente de seu tempo. Em uma época em que filmes do gênero são responsáveis pela maior fonte de renda de Hollywood e praticamente todo o imaginário popular, o impacto de Vidro é mais forte do que o primeiro filme em 2000, e é um alívio ver que Shyamalan mantém a mesma inteligência e visão para explorar o gênero de quadrinhos, com o novo filme sendo uma digna continuação de Corpo Fechado - ao mesmo tempo em que é eficiente ao trazer de volta os temas de Fragmentado, em um ótimo equilíbrio de tons e narrativa.
Shyamalan nunca foi um roteirista sutil ou discreto, sendo fácil reconhecer sua escrita robusta e a retórica um tanto “mecanizada” em alguns momentos, e tais elementos se mostram fortes durante os longos monólogos e linhas de exposição do longa. A personagem de Sarah Paulson é uma máquina de diálogos excessivos e nada naturais, mas que trazem ótimas ideias e reflexões sobre a obsessão da indústria cultural por quadrinhos e super-heróis, sendo divertido ver como - da mesma forma que no filme de 2000 - revistas em quadrinhos ainda são tratadas com louvor, neste filme sendo ainda mais populares do que os próprios filmes hollywoodianos que tanto inspiram. Em diversos momentos o Vidro de Samuel L. Jackson literalmente fala os pontos de história e virada em voz alta, deixando claro que a proposta de Vidro não é ser um filme de super-herói, mas sim um estudo sobre histórias em quadrinhos e super-humanos.
A proposta de Vidro é quase como um Vingadores, onde temos o crossover de outros filmes no mesmo universo cinematográfico, mas fãs de blockbusters podem se decepcionar, já que Shyamalan não aumenta a escala ou os riscos. A trama permanece intimista e sem grandes invenções visuais, que se traduzem na direção do diretor: quase todos os enquadramentos são frontais e resolvem-se em planos médios ou closes, sem tempo para variação ou detalhes. Isso se reflete bastante nas cenas de ação do filme, que trazem esse mesmo intimismo, com o confronto entre Fera e David sendo captado através de câmeras acopladas nos dois personagens, que lutam através de uma coreografia simplificada e pouco elaborada - algo que surge como sequência sensata para o confronto igualmente simplificado de Corpo Fechado.
Em aspectos técnicos, vale destacar que Shyamalan segue com sua equipe mais modesta. Trazendo todos os envolvidos com Fragmentado de volta. A fotografia de Mike Gioulakis segue brincando com sombras e tons sombrios para trazer um toque apropriado de terror a uma história de super-heróis, enquanto a montagem da dupla Luke Ciarrocchi e Blu Murray confere velocidade e ritmo para a trama - repare na inteligência da montagem paralela na cena em que Paulson entrevista Willis, McAvoy e Jackson de forma quase "simultânea". Mas o grande charme fica com a excepcional trilha sonora de West Dylan Thordson, que mistura as cordas arrepiantes do tema de Kevin com a orquestra mais intimista de Corpo Fechado, que agora ganha também acordes mais urgentes e inquietos graças ao uso de um relógio, aproximando-se de um estilo similar ao de Hans Zimmer.
24 personalidades encontram uma mente brilhante
Um dos grandes atrativos de combinar Corpo Fechado com Fragmentado é ter o magnífico elenco de ambos os filmes interagindo juntos. Com uma das melhores performances da década no filme de 2017, James McAvoy retorna igualmente inspirado e sobrenatural ao viver Kevin e todas as suas 24 personalidades, e Shyamalan explora ainda mais o potencial do ator ao apostar em planos sem cortes onde vemos diferentes entidades assumirem "a luz" de Kevin, dando espaço para que McAvoy literalmente se despedace em frente à câmera. Sua dinâmica também funciona com ar mais calmo e hipnotizante de Samuel L. Jackson como Elijah Price, que sempre se movimenta e fala como se estivéssemos diante do homem mais inteligente do mundo, e é divertido ver como Jackson olha para a Fera com grande admiração, e até aceita o pedido ridículo de uma das personalidades de Kevin para dançar abruptamente.
Infelizmente, Bruce Willis não tem a mesma sorte, e acaba empalidecendo diante desses dois monstros. Porém, não é culpa do ator, visto que o roteiro não dá muito o que fazer a David Dunn, que é resumido a um vigilante que luta para fazer o certo, sem conflito ou desenvolvimento, e com tempo de cena consideravelmente mais reduzido do que os colegas. Só foi interessante ver Willis com a velha capa de chuva do original, além de vê-lo contracenando com Spencer Treat Clark, já crescido após seu papel como o filho do personagem em 2000.
Legado respeitado
Vidro é uma conclusão satisfatória para a inusitada trilogia iniciada por M. Night Shyamalan em seu ápice. É um filme mais preocupado na análise do super-herói e seus arcos de história do que um longa agitado e cheio de ação, o que pode irritar os fãs mais casuais de filmes de quadrinhos, mas que certamente vai agradar os aficionados por esse tipo de história.
Vidro (Glass, EUA - 2019)
Direção: M. Night Shyamalan
Roteiro: M. Night Shyamalan
Elenco: James McAvoy, Samuel L. Jackson, Bruce Willis, Sarah Paulson, Anya Taylor-Joy, Spencer Treat Clark, Charlayne Woodard
Gênero: Drama, Suspense
Duração: 132 min
https://www.youtube.com/watch?v=cKFFzEtcAn4
Crítica | Máquinas Mortais - Universo fantástico prejudicado por falta de visão criativa
Quando se tornou um dos nomes mais respeitados em Hollywood com a bem-sucedida trilogia O Senhor dos Anéis, o diretor neozelandês Peter Jackson tornou-se associado com grandes efeitos visuais; ainda mais em seu trabalho na fundação da empresa Weta. Os três filmes adaptados da obra de J.R. Tolkien ajudaram a revolucionar o uso de computação gráfica nos cinemas, algo também explorado em seu remake de King Kong, o criticado Um Olhar do Paraíso e a mediana trilogia de O Hobbit.
Para o último ano, Jackson usou sua magia com imagens para algo muito mais interessante, e não estou me referindo a este Máquinas Mortais, do qual o cineasta participa como produtor e co-roteirista, mas sim o documentário They Shall Not Grow Old, onde coloriu, dublou e remasterizou gravações reais da Primeira Guerra Mundial. Ocupado com o trabalho mais minucioso, Jackson teve que deixar o vasto e promissor mundo de Máquinas Mortais nas mãos do estreante Christian Rivers, que infelizmente não explora seu potencial.
Adaptada do livro cyberpunk de Philip Reeve, a trama começa em um futuro distópico, após a humanidade ter sido praticamente dizimada após uma guerra com armas quânticas. Vivendo em desertos e regiões inóspitas, a humanidade usa gigantescas cidades móveis e outros veículos de guerra em uma sociedade reorganizada. Nesse cenário, a solitária Hester Shaw (Hera Hilmar) busca vingança pela morte de sua mãe, perseguindo Thaddeus Valentine (Hugo Weaving), líder militar da cidade móvel de Londres. Em seu caminho, ela se cruza com o jovem Tom (Robert Sheehan), que busca uma chance de reinvenção após ter seu mundo abalado.
Um belo mundo desperdiçado
Escrito por Jackson, Fran Walsh e Philippa Boyens, Máquinas Mortais é o clássico primeiro filme de franquia. Misturando Mad Max com elementos de Harry Potter, o texto traz todos os elementos necessários para uma introdução de construção de mundo, mas da forma mais desajeitada possível. No primeiro ato, nenhum dos personagens é capaz de conversar como seres humanos, falando apenas através de explicações, regras e exposição, além das frases mais clichês do nível de "você é teimoso e não tem família", ou "sabe, quando eu confiei em você, alguém de fora e sem antecedentes militares", contando também com frases de efeito hilárias; como aquela envolvendo dinossauros e um meteoro.
Isso sem falar na estrutura igualmente problemática do filme. Diversas vezes a narrativa é interrompida para que Hester possa revelar ainda mais flashbacks sobre seu passado e as circunstâncias convenientes que a conectam com os principais antagonistas do longa - até mesmo o personagem designado para ser o "capanga" ganha uma ligação pessoal com a heroína. São tantas coincidências que o texto deveria ter abraçado de uma vez o clichê de "personagem escolhido", visto que seria um pouco mais elegante do que as soluções forçadas - algo que se aplica também ao vilão, mais um antagonista que se resume a uma sede de poder injustificável.
Temos robôs zumbis!
Mas o maior problema está mesmo na direção. Antigo supervisor de efeitos visuais de Jackson, Christian Rivers carece de uma visão empolgante como a de seu mentor, sendo incapaz de construir tensão ou ao menos aproveitar a escala gigantesca que tem a seu dispor; o próprio tamanho das colossais cidades nunca chega a impressionar, dada a perspectiva pouco inspirada. Isso se repete muito nas cenas que envolvem elementos inteiramente live action, que ainda são prejudicados por uma montagem apressada e que não deixa seus planos "respirarem" o bastante, mesmo com um design de produção belíssimo que merecia mais atenção da câmera.
Isso também acontece na maioria das cenas de ação: ambos os confrontos com o androide zumbi Shrike (isso mesmo, um androide zumbi, vivido por Stephen Lang) desperdiçam o bom visual do vilão em uma mise en scene repetida que só baseia-se em planos médios sem muita inspiração ou criatividade. Rivers só é capaz de mostrar algum primor durante as cenas inteiramente digitais, que envolvem batalhas de veículos gigantescos e até grandes aeronaves de guerra. Mas nada realmente revolucionário ou de encher os olhos, longe de algo que James Wan fez recentemente em Aquaman, por exemplo.
Carência de um diretor de verdade
Máquinas Mortais é uma oportunidade desperdiçada. Traz um universo fascinante e conceitos visuais interessantes, mas carece de um diretor criativo e com visão mais forte, além do roteiro fazer um trabalho medíocre demais em um tipo de história que, à essa altura, já não tem mais desculpas para sair errado. Quem sabe se Peter Jackson tivesse dirigido...
Máquinas Mortais (Mortal Engines, EUA/Nova Zelândia - 2018)
Direção: Christian Rivers
Roteiro: Peter Jackson, Fran Walsh e Philippa Boyens, baseado na obra de Philip Reeve
Elenco: Hera Hilmar, Robert Sheehan, Hugo Weaving, Stephen Lang, Jihae, Colin Salmon, Ronan Raftery, Leifur Sigurdarson
Gênero: Aventura
Duração: 128 min
https://www.youtube.com/watch?v=CVV6Oj6tIXU
Crítica | Era Uma Vez um Deadpool - Quando um extra de DVD foi parar nos cinemas
Não importa a mídia, seja nos quadrinhos ou no cinema, Deadpool sempre é eficiente em subverter expectativas no tratamento da metalinguagem. Não satisfeitos em quebrar a quarta parede e arrecadar rios de dinheiro com os dois filmes de Ryan Reynolds, a Fox aposta em um lançamento surpresa envolvendo o Mercenário Falastrão, para quebrar ainda mais regras narrativas e arrecadar mais trocados ao caixa do estúdio.
Assim nasceu Era Uma Vez um Deadpool, uma versão remontada do segundo filme para servir a dois formatos nada convencionais ao personagem: um conto natalino e um filme com censura para menores de 13 anos, algo que jamais poderia funcionar com o personagem, que tem na violência gráfica e nos palavrões desenfreados sua assinatura. Não sendo surpresa alguma, a experiência de rever Deadpool 2 em sua forma mais “domada” não é tão divertida, mas o formato natalino se sai um pouco melhor.
Não há absolutamente nenhuma mudança na trama do filme, que permanece sendo sobre Deadpool tentando impedir que o mutante viajante do tempo Cable (Josh Brolin) assassine o jovem Russell, contando com a ajuda de Dominó (Zazie Beetz) e a equipe X-Force no processo. A diferença é que Deadpool agora está contando essa mesma história para o ator Fred Savage, parodiando seu papel em A Princesa Prometida.
E esse é justamente o ponto alto de Era Uma Vez um Deadpool: as interações entre Reynolds e Savage, que divertem pelo ótimo timing cômico do ator de Anos Incríveis. Não só pela interação, mas pelo roteiro de Rhett Reese e Paul Wernick trazer coisas verdadeiramente interessantes, como Savage questionar Deadpool com todas as críticas que o longa recebeu durante sua estreia em maio - como o tratamento com a personagem de Vanessa, a insistência em defender erros do roteiro com piadas e por aí vai, e oferecendo a chance da produção retrucar os apontamentos de forma divertida e engraçada.
A forma como o fato de ambos os personagens estarem em um filme PG-13 também só se manifesta com inteligência aqui, como quando Deadpool usa um dispositivo para censurar as palavras de Savage, dando a impressão de que ele está falando algo muito mais obsceno do que fato está. De forma similar, a rápida piada com Fred Savage ridicularizando o fato de que esta é uma produção da Marvel pela Fox também funciona, afinal não seria nenhum absurdo pensar que a ideia de um Deadpool para menores tenha saído da Disney…
Infelizmente, isso é tudo o que funciona nessa versão. O processo de abaixar a censura mostrou-se danoso ao restante do filme, que é forçado a esconder a violência e o sangue com enquadramentos sendo adulterados para limitar o quadro - sendo mais fechados - e a montagem picotando cenas de ação para não demonstrar elementos mais gráficos. O mesmo acontece com os palavrões, que além de não serem tão eficientes como a boa e velha f-word, podem ter a dublagem mais “light” perceptível para os mais observadores.
Porém, no que diz respeito a adaptação de palavrões, preciso reconhecer como a Fox Film do Brasil entrou bem na brincadeira na hora de fazer as legendas em português. Claramente cientes das constantes reclamações e memes sobre traduções que suavizam palavrões de filmes americanos, a legenda do filme traz termos infantis como “bobão” e “meleca” quando os personagens usam palavrões ou termos chulos, sendo uma sacada digna do Mercenário Falastrão.
Era Uma Vez um Deadpool tem uma ideia bacana, mas é algo que deveríamos estar vendo em um extra de DVD, não como um filme lançado no cinema. Toda a estrutura ao redor de Fred Savage é divertida e reforça a metalinguagem, mas o personagem definitivamente não funciona sem os membros decepados e a boca suja.
Era Uma Vez um Deadpool (Once Upon a Deadpool - EUA, 2018)
Direção: David Leitch
Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick e Ryan Reynolds, baseado nos personagens da Marvel
Elenco: Ryan Reynolds, Fred Savage, Josh Brolin, Zazie Beetz, Morena Baccarin, T.J. Miller, Brianna Hildebrand, Bill Skarsgard, Terry Crews, Rob Delaney, Julian Dennison, Leslie Uggams, Karan Soni, Stefan Kapicic
Gênero: Comédia, Ação
Duração: 116 min
https://www.youtube.com/watch?v=Ermaz6ZM2jM
Crítica | Aquaman - O filme mais épico do ano
O caminho da DC nos cinemas é tão complexo quanto as narrativas de seus personagens semi-deuses. Começando no auge com adaptações icônicas como Superman, Batman e a trilogia Cavaleiro nas Trevas, a editora de quadrinhos sofreu em sua nova fase, com duras críticas a Batman vs Superman: A Origem da Justiça, Esquadrão Suicida e Liga da Justiça, com Mulher-Maravilha sendo uma feliz exceção entre a produção recente.
Após até mesmo os fãs responderem de forma indiferente ao processo polêmico de Liga da Justiça, que demitiu Zack Snyder e remontou o filme com Joss Whedon, da concorrente Marvel, a DC tomou um ano de reflexão. Depois de 13 meses, a Warner Bros lança Aquaman, um longa audacioso e que devolve o respeito de volta à DC - e mais do que isso, leva o gênero de super-heróis a um patamar grandioso nunca antes visto em produções desse tipo.
A trama é ambientada após os eventos de Liga da Justiça, com Arthur Curry (Jason Momoa) vivendo na superfície enquanto usa seus poderes atlantes para ajudar em problemas pontuais. Quando seu meio-irmão Orm (Patrick Wilson) ameaça levar uma guerra para o povo da superfície, Arthur precisa se aliar a Mera (Amber Heard) para encontrar um artefato poderoso que lhe daria habilidade de destronar Orm e tornar-se o novo rei de Atlântida.
Jornada do Herói
Nos últimos anos, o gênero de super-heróis tornou-se maior do que a vida, especialmente com o modelo de universos compartilhados da Marvel Studios. Com a cara quebrada após o fracasso da Liga, a DC fez bem em voltar à origem absoluta. Temos em Aquaman um filme tradicional, concentrado inteiramente na história e no desenvolvimento do protagonista, que sempre garantiu o sucesso de longas-metragens como Homem-Aranha 2 ou Batman Begins, que eram bem mais preocupados em explorar seus heróis do que estabelecer novos capítulos. Aquaman faz isso. Não com a mesma complexidade ou profundidade dessas obras, mas com eficiência acima da média, mérito do roteiro assinado por Will Beall e David Leslie Johnson-McGoldrick.
É a jornada clássica do herói de Joseph Campbell. Em tempos onde o cinema blockbuster erra tanto nesse quesito (basta olhar para os filmes blockbuster em 2018), ver uma história clássica ser tão bem executada sente-se quase inovador, por ser eficiente em bater todos os pontos da história. Arthur Curry enfrenta diversos desafios típicos do mito de superação, com diversas alusões à lenda do Rei Arthur, e a dupla ainda consegue trazer um trabalho formidável no desenvolvimento dos dois antagonistas - no clássico movimento em que o herói acidentalmente cria seu maior inimigo. Tudo isso embalado em uma narrativa que parece saída de grandes filmes de aventura, como Os Caçadores da Arca Perdida e Tudo Por Esmeralda. Diversão épica
Quando um diretor começa sua carreira no terror, há uma chance muito grande de sua transição para o cinema blockbuster ser espetacular. Aconteceu com Peter Jackson, que começou com Fome Animal e Conheça os Feebles e foi revolucionar o épico com a trilogia Senhor dos Anéis, enquanto Sam Raimi experimentou com o terror trash de A Morte do Demônio antes de aplicar novas técnicas em Homem-Aranha; o divisor de águas do gênero de super-heróis nos anos 2000. James Wan é o novo integrante desse grupo, que também pode contar com James Cameron e Christopher Nolan, onde um cineasta que experimentou um orçamento reduzido reconhece o valor de uma produção multimilionária: cada centavo de dinheiro parece estar na tela, e o resultado é incrível.
Emulando seu Cameron interior na criação de mundo do reino de Atlântida, Wan traz a experiência visual definitiva do ano, literalmente apresentando o espectador para algo diferente: é quase uma Pandora submarina, e que o gênero de quadrinhos definitivamente nunca experienciou antes. O trabalho de design de produção merece aplausos pela forma como integra elementos de criaturas marinhas em suas estruturas, veículos e vestimentas, todos excepcionalmente bem criados através de cenários e efeitos visuais impressionantes. Visualmente, é uma conquista notável.
O Despertar de um Mestre
Na direção propriamente dita, estamos testemunhando Wan indo para um patamar superior. O cineasta malaio já havia surpreendido com sua condução magistral no terror com a franquia Invocação do Mal, e brincado com a ação no insano Velozes e Furiosos 7, mas é com Aquaman que ele garante seu lugar na "mesa dos adultos". As cenas de ação são captadas em planos longos e bem abertos, explorando a elaborada coreografia das lutas e exacerbando o impacto da força física de seus integrantes - que Wan demarca com movimentos de câmera específicos, para potencializá-los. Toda a sequência que envolve uma perseguição pelos telhados da Sicília é um exemplo de boa ação em produções do gênero, com a variação de combate com o vilão Arraia Negra (Yahya Abdul Mateen II) sendo o melhor exemplo de Star Wars no século XXI.
Cada quadro de Wan no filme assemelha-se com uma pintura, com o diretor e o fotógrafo Don Burgess trazendo uma abordagem clássica e colorida para o visual da obra. O pôr do sol sempre incide de forma expressiva no faroleiro de Thomas Curry (Temuera Morrison), ao passo em que o azul vibrante predomina nas cenas submarinas. A dupla empolga na cena em que Arthur e Mera enfrentam as criaturas do Fosso, uma sequência típica do gênero de terror que Wan domina com brilhantismo, ao passo em que a luz de flare vermelha é usada pelos heróis para se guiar entre as criaturas sombrias.
O elenco conta com um carismático Jason Momoa na liderança, que tem a chance de mostrar seu talento após uma participação limitada em Liga da Justiça. A postura heavy metal e destemida de Aquaman, fruto da visão original de Zack Snyder, é uma faceta que o ator polinésio encarna com perfeição - e que Wan se diverte ao reforçar através da ótima trilha sonora de Rupert Gregson-Williams. Momoa também surpreende nos momentos mais dramáticos, onde toda a humildade e persona do "zé ninguém" ajudam a criar empatia pelo personagem. Sua interação com a Mera de Amber Heard também garante ótimos momentos, com a atriz sendo uma presença forte e carismática.
Patrick Wilson se diverte ao fazer de Orm uma figura megalomaníaca, mas sempre entendemos sua motivação pelo bem de Atlântida. Nicole Kidman surge eficiente como a rainha Atlanna, e a grande surpresa fica com a capacidade da atriz em chutar traseiros em elaboradas cenas de ação, ao passo em que Yahya Abdul Mateen se destaca entre os coadjuvantes vilanescos - quase tornando-se um anti-herói dado seu carisma.
Aquaman: Um triunfo
Aquaman é um retorno à boa forma da DC, que parece ter aprendido a lição e voltou ao básico do que funciona no gênero: histórias bem contadas, concentradas em jornadas de herói bem executadas. Adicione a direção magistral de James Wan, e temos aquele que é sem dúvida o filme mais épico de 2018, e uma das melhores produções do gênero em anos.
Hollywood, curve-se diante do Chosen Wan,
Aquaman (EUA, 2018)
Direção: James Wan
Roteiro: David Leslie Johnson-McGoldrick e Will Beall, baseado nos personagens da DC
Elenco: Jason Momoa, Amber Heard, Patrick Wilson, Willem Dafoe, Nicole Kidman, Temuera Morrison, Yahya Abdul Mateen II, Dolph Lundgren, Randall Park, Ludi Lin, Graham McTavish, Djimon Hounsou Julie Andrews
Gênero: Aventura
Duração: 140 min
https://www.youtube.com/watch?v=02S12LD75bc&t
Crítica | Homem-Aranha no Aranhaverso - Uma espetacular homenagem ao herói
Ao lado dos X-Men em 2000, o Homem-Aranha de Sam Raimi foi essencial para definir um padrão consistente para se levar super-heróis dos quadrinhos às telas do cinema. A importância do herói nos cinemas não deve ser subestimada, e desde que a trilogia protagonizada por Tobey Maguire chegou ao fim em 2007, o herói teve um reboot mal sucedido com Andrew Garfield e uma parceria frutífera com a Marvel Studios, onde agora tem as feições mais jovens de Tom Holland nos filmes com os Vingadores.
O fato de existirem tantas versões do mesmo personagem é algo que ironicamente reflete a própria trajetória de décadas do Homem-Aranha nos quadrinhos, e que também revela-se a base da animação Homem-Aranha no Aranhaverso, que a Sony Pictures produz de forma desgarrada de qualquer outra cronologia, e que abraça a ideia de múltiplas encarnações do herói. Justamente por isso, o Cabeça-de-Teia ganha aqui uma de suas aventuras mais dignas e originais de sua existência nas telas.
Ao contrário dos filmes anteriores, a trama da animação nos apresenta ao jovem Miles Morales (Shameik Moore), estudante do Brooklyn que vive em uma Nova York em que o Homem-Aranha é o maior herói da cidade. Após um experimento catastrófico do vilanesco Rei do Crime (Liev Schreiber) para abrir uma nova dimensão, Miles descobre que tem poderes similares ao do herói, e é surpreendido quando uma nova versão de Peter Parker (Jake Johnson) aparece para pedir sua ajuda. Não demora para que diferentes versões do Homem-Aranha, vindas de realidades alternativas, também cruzem o caminho de Miles, juntando-se para impedirem o Rei do Crime de continuar seu plano letal.
Na Teia do Aranha
A autorreferência é uma ferramenta valiosa quando bem aplicada. Seguindo o exemplo de obras como Deadpool e LEGO Batman - O Filme, Aranhaverso está constantemente conversando com os fãs do personagem, já trazendo referências não apenas aos filmes de Sam Raimi em suas cenas iniciais, mas à própria estética dos quadrinhos em seus créditos de abertura surrealistas - e que também aplica-se na animação robusta, mas chegaremos a ela em breve. É uma marca bem evidente de Chris Miller e Phil Lord, dupla cômica que também trabalhou na franquia LEGO e nos dois exemplares indispensáveis de Anjos da Lei, e que tem seu DNA espalhado por toda a parte aqui.
Indo além de um grande meme, porém, Aranhaverso beneficia-se de ter uma boa história em seu núcleo. O roteiro de Lord e do co-diretor Rodney Rothman faz um ótimo trabalho ao estabelecer e envolver o espectador com o universo de Miles Morales, levando seu tempo para desenvolver todas os beats de uma boa história de origem - algo que é um tanto raro de se ver atualmente no gênero. Ver a literal passagem de bastão do Parker mais derrotado de Johnson para o empolgado Miles garante momentos de leveza genuína, assim como surpresas envolvendo os antagonistas, que vão além de Wilson Fisk e devem surpreender os fãs.
É uma narrativa que não perde o foco em Miles, e isso pode oferecer uma certa decepção ao lado fã, visto que não temos tanto tempo quanto gostaríamos para explorar as divertidíssimas outras versões do herói, que incluem o Aranha Noir, o bizarro Porco-Aranha, a popular Spider-Gwen e até uma versão saída diretamente de um anime, Peni Parker. São coadjuvantes de luxo que definitivamente gostaríamos de ver melhores explorados no futuro, e que acabam um tanto desperdiçados no clímax repleto de pirotecnia animada.
Homem-Aranha no Aranhaverso: Quadrinhos ganhando vida
Em termos de animação, Homem-Aranha no Aranhaverso é muito especial. Visando aproximar-se ao máximo do estilo de arte apresentados em uma história em quadrinhos, os movimentos são deliberadamente mais lentos e com uma contagem de frames mais baixa, além de sua textura apresentar imperfeições propositais - quase como se estivesse replicando falhas na impressão de uma HQ ou o ˜efeito fantasma” em uma imagem com bordas duplicadas. Indo além desse cuidado estético, a direção de Rothnman, Bob Persichetti e Peter Ramsey brinca ao trazer onomatopeias, balões de pensamento e ainda congelar a imagem como se estivesse recriando um grande painel de quadrinhos, algo que torna a experiência muito mais rica e interessante.
Todas as cenas de ação se beneficiam dessa técnica incomum, que ajudam a ver o Aranha se balançando pelos prédios de Nova York como nunca antes. A movimentação dos personagens ajuda a detalhar o balançar de teia do herói, especialmente quando Parker ensina Miles sua técnica enquanto viajam por uma floresta, e a câmera toma liberdades sem restrições ao inverter os eixos e ângulos durante os empolgantes voos pela metrópole de Manhattan - isso pra não falar da insana batalha do terceiro ato, que desafia a própria tridimensionalidade da animação, que só fica mais insana graças à trilha sonora sobrenatural do impecável Daniel Pemberton. Nem quando Marc Webb usou câmeras 3D em seu Espetacular Homem-Aranha tivemos uma experiência tão imersiva ao lado do aracnídeo.
O elenco de vozes na versão original também é digno de nota, com Shameik Moore sempre fornecendo uma jovialidade e um peso dramático para Miles nos momentos apropriados. Jake Johnson não poderia ser uma escolha melhor para esse Peter Parker fanfarrão e preguiçoso da dimensão paralela, com sua voz arrastada oferecendo um bom timing cômico, ao passo em que Hailee Steinfeld faz uma Spider-Gwen destemida e cool. Mas quando o assunto é cool, nada como ter Nicolas Cage proferindo falas típicas dos anos 30 ao viver o Homem-Aranha Noir, facilmente um dos aspectos mais engraçados de todo o longa.
Há também diversas participações especiais que o marketing escondeu de forma brilhante, então fica a recomendação para conferir o longa no áudio original em inglês.
Um novo mundo de possibilidades infinitas
Desde sua estreia nos cinemas em 2002, o herói de Stan Lee e Steve Dikto tem com Homem-Aranha no Aranhaverso uma de suas melhores versões. Assumindo a própria imagem do personagem como fonte de humor e reflexão, a nova animação da Sony é também um primor técnico, sendo uma das experiências mais bem-sucedidas no processo de dar vida aos quadrinhos.
Fica a evidência de que o Homem-Aranha não precisa dos Vingadores para ser inovador. Basta apenas ser ele mesmo. Ou múltiplas versões, no caso.
Homem-Aranha no Aranhaverso (Spider-Man: Into the Spider-Verse, EUA - 2018)
Direção: Bob Persichetti, Peter Ramsey e Rodney Rothman
Roteiro: Phil Lord e Rodney Rothman, baseado nos personagens da Marvel Comics
Elenco: Shameik Moore, Jake Johnson, Hailee Steinfeld, Nicolas Cage, Mahershala Ali, Brian Tyree Henry, Liev Schreiber, John Mulaney, Kimiko Glenn, Lily Tomlin
Gênero: Aventura
Duração: 117 min
https://www.youtube.com/watch?v=OsYc_kpXc5w
Crítica | WiFi Ralph: Quebrando a Internet - A Disney cria mais um universo brilhante
Lançado em 2012, Detona Ralph representou uma fase importante no ramo de animações da Disney. Saída do sucesso moderado de A Princesa e o Sapo e Enrolados, a participação de John Lasseter, da Pixar, no setor se intensificava com o filme baseado em games; um ano antes de Frozen: Uma Aventura Congelante explodir e consolidar a Disney como a dominante em uma atmosfera até então controlada unicamente pela Disney.
Com uma sequência surgindo 6 anos depois, WiFi Ralph: Quebrando a Internet consegue trazer todas as características positivas do original, ao mesmo tempo em que cria uma história nova - ainda que imperfeita - e que explora com maestria os novos conceitos desse universo.
A trama começa com Ralph (voz de John C. Reilly) e sua melhor amiga Vanellope (Sarah Silverman) experimentando uma fase estável e sem muitas novidades: o antigo vilão está feliz pelo conforto e rotina que tem vivido pelos últimos 6 anos, enquanto sua amiga princesa começa a desejar algo de diferente. Quando uma falha na Corrida Doce ameaça os habitantes do jogo de Vanellope, a dupla precisa viajar para a internet a fim de comprar uma peça que mantenha seu funcionamento, colocando-os em uma aventura completamente diferente.
World Building Brilhante em WiFi Ralph
De cara, é preciso parabenizar a proposta da dupla de roteiristas Phil Johnston e Pamela Ribon em sua abordagem, que ainda contou com o argumento da dupla de diretores Rich Moore e Jim Reardon, Josie Trinidad e Kelly Younger, sendo uma ideia bem mais grandiosa para uma continuação. Em WIFi Ralph, os realizadores tem um mundo completamente novo de games e jogos com a internet, não limitando-se apenas a isso, mas também com todos os elementos que a rede mundial de computadores pode fornecer, e que o roteiro adapta com momentos de real brilhantismo.
A forma como pop ups se manifestam na forma de vendedores ambulantes insistentes, vírus são vistos como criaturas do submundo e redes sociais como o Instagram são representados em uma galeria de arte são apenas algumas das sacadas divertidíssimas que o texto da dupla consegue tirar, e que são bem reproduzidas pelo design dos animadores. O aspecto clean não deixa de remeter ao pavoroso Emoji: O Filme, mas aqui vemos como uma ideia ruim é bem adaptada por realizadores mais competentes, e o espectador certamente vai se divertir ao analisar os mínimos detalhes na criação desse mundo virtual - sendo uma boa “sequência espiritual” à forma como as irmãs Wachowski representavam programas como seres vivos na trilogia Matrix, especialmente nas subestimadas continuações.
E se no primeiro filme tínhamos diversos easter eggs que provocavam o saudosismo dos gamers em ver personagens icônicos de jogos eletrônicos nas telas, WiFi Ralph leva isso mais longe ao trazer a cultura pop no geral. Sendo uma animação da Disney, é evidente que os personagens acabem acessando o site da empresa em determinado momento da narrativa, o que rende algumas das melhores piadas: heróis da Marvel, stormtroopers de Star Wars e outros personagens icônicos têm inspiradas participações, que culminam na excepcional sequência em que Vanellope encontra todas as princesas da Disney reunidas - rendendo uma cena de ação inesperada e absolutamente memorável.
Narrativa movida a personagens
No que diz respeito a trama, WiFi Ralph não deixa a desejar perto do anterior. Ainda que o primeiro tivesse um arco de jornada bem mais claro e convincente, a dupla Johnston e Ribon aposta em um conflito mais voltado à insegurança dos personagens, o que até mesmo invalida a presença de um antagonista claro - algo que felizmente o roteiro percebe. A introdução da corredora Shank (voz, e praticamente um motion capture, de Gal Gadot) provoca uma cisão entre Ralph e Vanellope, por ser a manifestação de um sonho que a jovem princesa sempre quis alcançar, e o arco da continuação gira em torno das reações e ações que Ralph torna a partir disso; algo no qual o longa é eficiente em lidar, e que ainda o manifesta de forma de brilhante durante o clímax.
Alguns fãs do primeiro filme podem sentir a falta de personagens como Felix (Jack McBrayer) e Calhoun (Jane Lynch), que realmente aparecem pouco e têm um arco dificílimo que envolve a criação de filhos adotados, mas que é simplesmente ignorado da projeção. Porém, sendo bem sincero, qualquer divergência do arco envolvendo a conexão entre Ralph e Vanellope enfraqueceria esse desenvolvimento.
Uma ótima continuação
Trazendo uma expansão original e estimulante do primeiro filme, WiFi Ralph: Quebrando a Internet é o tipo de continuação que não se limita em repetir fórmulas e busca algo novo. Mesmo que abra mão de uma trama mais engenhosa como a do original, o novo filme acerta ao manter o foco na relação de seus personagens, ao mesmo tempo em que diverte por suas referências e participações inspiradas.
O céu parece ser o limite para Detona Ralph.
WiFi Ralph: Quebrando a Internet (Ralph Breaks the Internet, EUA - 2018)
Direção: Phil Johnston, Rich Moore
Roteiro: Phil Johnston, Pamela Ribbon
Elenco: John C. Reilly, Sarah Silverman, Jane Lynch, Jack McBrayer, Gal Gadot, Taraji P. Henson, Alan Tudyk, Ed O'Neill, Alfred Molina
Gênero: Comédia
Duração: 112 min
https://www.youtube.com/watch?v=_JRyOdD2SyI
Crítica | As Viúvas - Subvertendo o filme de Assalto
Desde o final da década passada, o cineasta britânico Steve McQueen vem se firmando como uma das vozes mais talentosas e sólidas do cinema de língua inglesa, mesmo com um currículo tão curto. Passando por pesados estudos de personagem protagonizados por seu colega Michael Fassbender com o intenso Fome e o devastador Shame, McQueen entrou no radar da Academia com 12 Anos de Escravidão, que conquistou o Oscar de Melhor Filme em 2014. Agora, após um hiato considerável, McQueen retorna naquele que certamente é seu projeto mais comercial, mas que nem de longe ofusca suas qualidades artísticas: As Viúvas, uma subversão do cinema heist.
A trama começa quando um roubo liderado pelo criminoso Harry Rawlings (Liam Neeson) dá errado, resultando em sua morte e na de todos os seus companheiros. Como o dinheiro foi destruído na explosão do veículo da equipe, a viúva Veronica (Viola Davis) é pressionada por Jamal Manning (Brian Tyree Henry), um mafioso de Chicago que está iniciando uma campanha para se tornar vereador de uma zona chave da cidade, a lhe pagar a quantia milionária que foi perdida. À medida em que a disputa entre Manning e o favorito Jack Mulligan (Colin Farrell), Veronica se reúne com as demais viúvas da equipe de seu marido, para que elas mesmas executem um novo assalto.
Um organismo vivo
O subgênero do heist (filme de assalto) é uma armadilha estrutural, visto que a maioria dos filmes com essa veia segue uma fórmula muito específica, com o planejamento do golpe, a divisão de tarefas de equipe e toda a antecipação para finalmente ver o plano ser executado. As Viúvas já subverte essa proposta de forma eficiente em seus minutos iniciais, pelo simples fato de trazer um dos astros de ação mais populares do momento, Neeson, sendo explodido após uma cena de ação intensa, algo que definitivamente prepara o terreno para um filme de gênero distinto; ainda que inevitavelmente traga um pouco da fórmula.
Escrito por Gillian Flynn (autora e roteirista de Garota Exemplar) e o próprio McQueen, o roteiro é mais fragmentado do que aparente ser. Optando por fazer um verdadeiro malabarismo entre os diferentes pontos de vista da história, as viúvas de Veronica dividem o espaço com a vasta trama eleitoral envolvendo os personagens de Farrell e Henry, que ainda trazem subtramas que envolvem a relação de Jack com seu pai (um ótimo Robert Duvall) e Jamal com seu irmão, vivido por Daniel Kaluuya - ao mesmo tempo em que a narrativa se aprofunda em dramas pessoais de cada uma das viúvas, sendo divertido ver como a personagem de Cynthia Erivo é apresentada de forma inicialmente abrupta, sendo uma babá que é contratada por Michelle Rodriguez para cuidar de seus filhos - a montagem de Joe Walker é excepcional nesse quesito, de equilibrar as narrativas.
É quase como se a cidade de Chicago fosse a real protagonista da história, que é eficiente em criar uma atmosfera vivida e marcada por eventos sempre se desenrolando; algo que até justifica melhor algumas “coincidências”e encontros entre personagens no decorrer da trama; especialmente na participação reduzida de Carrie Coon. Se há um pecado aqui é que a trama eleitoral infelizmente não cativa tanto quanto ao setor dedicado às viúvas, que traz muito mais urgência, enquanto tais cenas de campanhas e negociações acabem pendendo para o lado mais político e socialmente relevante do texto - algo que deve vir mais de McQueen do que Flynn, visto que suas marcas autorais (com destaque para uma reviravolta abrupta) são bem perceptíveis aqui.
Um mestre com a câmera
Como diretor, Steve McQueen é um mestre com a câmera. Em diversas sequências, o diretor impressiona pelos planos longos que são usados para construir tensão, vide aquele em que temos uma série de panorâmicas ao redor do personagem de Kaluuya e os jovens que está ameaçando, ou até mesmo um de caráter mais simbólico. Há um momento em que Farrell entra em seu carro, mas a câmera jamais sai do canto do carro, sem revelar o ator durante o extenso diálogo, apenas a ponta do capô e as ruas do bairro passando - algo que serve para contextualizar ainda mais o ambiente e, posteriormente, colocar o espectador na perspectiva do motorista negro, que apenas escuta o diálogo preconceituoso de Mulligan.
Essas características também aplicam-se nas cenas mais movimentadas do filme. É o tipo de ação mais intensa e desesperadora possível, e McQueen capta esse realismo ao sempre capturá-las com um enquadramento dentro de algum ambiente, principalmente o interior de carros, vans e garagens. A cena do assalto climático é um exemplar de suspense e ação andando de mãos juntas, com destaque para o empecilho que é resolvido de uma maneira absurdamente simples - mas eficiente. O fato de termos Hans Zimmer entregando um de seus trabalhos mais contidos e discretos também é uma prova desse estilo mais realista de intensidade, com a trilha musical manifestando-se pela primeira vez após cerca de 1 hora de projeção.
Grande Golpe
Com tantos nomes de peso em seu elenco, não é surpresa alguma que tenhamos aqui uma das melhores coleções de performances do ano, com a sempre excepcional Viola Davis entregando mais uma atuação primorosa. É o conflito entre o desespero e a contenção desta que rendem os melhores momentos de Veronica, especialmente quando a vemos forcando-se a manter sua postura mais destemida e controlada, mesmo estando gritando por dentro. Dentre o grupo de viúvas, Elizabeth Debicki finalmente ganha espaço para demonstrar um talento até então desconhecido, tendo o arco mais interessante - e com mais propensão ao humor - através de uma mulher mais vulnerável e dependente de todos ao seu redor (e até um tanto bobinha), mas que surpreende ao tornar-se uma das figuras mais fortes. Michelle Rodriguez tem alguns momentos de entrega mais dramática, mas não deixa de ser mais uma variação de sua postura que passamos a conhecer na franquia Velozes e Furiosos.
Quem rouba a cena entre os coadjuvantes é Daniel Kaluuya, encarnando a figura mais ameaçadora do núcleo Manning. Seu Jatemme é um sujeito silencioso e quieto, mas cujas explosões súbitas de violência e sadismo o tornam um antagonista perigoso e imprevisível - a calma quase infantil na voz de Kaluuya ao ameaçar um contato de Harry é desde já um um dos pontos altos da carreira do ator. De forma um pouco mais contida, Brian Tyree Henry faz de Jamal um sujeito mais cordial e concentrado, mas cuja brutalidade vem à tona em uma tensa interação com Veronica.
As Viúvas é mais um grande trabalho de Steve McQueen, que revela ser capaz de conduzir uma narrativa bem mais comercial e de apelo ao público, mas com suas marcas autorais sempre no próximo nível. Sempre um alento ver que o cinema de gênero pode encontrar formas de se renovar
As Viúvas (Widows, EUA - 2018)
Direção: Steve McQueen
Roteiro: Gillian Flynn e Steve McQueen, baseado na obra de Lynda LaPlante
Elenco: Viola Davis, Elizabeth Debicki, Michelle Rodriguez, Cynthia Erivo, Carrie Coon, Liam Neeson, Jon Bernthal, Colin Farrell, Brian Tyree Henry, Daniel Kaluuya, Robert Duvall, Molly Kunz, Jacki Weaver, Lukas Haas, Garrett Dillahunt
Gênero: Drama, Ação
Duração: 129 min
https://www.youtube.com/watch?v=FvAtEiP_MrE
Crítica | Seinfeld: 9ª Temporada - O grand finale
Todas as coisas boas chegam ao fim, e a cobertura do Bastidores sobre a sitcom americana definitiva culmina aqui, com a 9ª temporada de Seinfeld. Novamente sem o auxílio de Larry David (ao menos, no início), Jerry Seinfeld presentearia o mundo pela última vez com seus incríveis personagens e situações bizarras, tendo se expandido no espaço entre Setembro de 1997 e Maio de 1998. O texto pode parecer melancólico, mas muito pelo contrário; esta é uma das melhores temporadas da série.
Os quatro primeiros episódios já nos revelam como a série estava indo longe em sua proposta “surrealista”. The Butter Shave nos mostrava um Kramer agora obcecado em utilizar manteiga para fazer a barba e se bronzear (levando até mesmo ao impagável desejo de Newman em… comê-lo, graças ao cheiro bom), The Voice traz Jerry encantado pela habilidade da barriga de sua namorada em produzir um som que se assemelha a um canto de baleia enquanto dorme, já The Serenity Nowtraz os efeitos devastadores dessa frase criada aparentemente para acalmar os nervos (isso só podia ser obra de Frank Costanza) e, por fim, The Blood é de chorar de rir ao apostar em uma série de transfusões de sangue ao longo da trama, rendendo um dos finais mais hilários da temporada.
Outros episódio absolutamente clássico é The Strike, que trouxe a revelação bombástica de que Kramer na realidade tem um emprego em uma loja de donuts, mantendo uma greve por mais de uma década. Enquanto isso, Jerry tem a situação mais surreal em termos de relacionamento, quando sua namorada atual misteriosamente troca de faces dependendo da iluminação do local, transitando entre linda para monstruosa em um piscar de olhos. Mas o grande destaque, claro, é o Festivus. O feriado anticonsumista inventado por Frank Costanza consiste na admiração de um cano de alumínio e um jantar onde todos os presentes discutem sobre como cada um os decepcionou de formas diferentes. Ah, e a demonstração de força. São diversos elementos distintos que se amarram muito bem no roteiro de Dan O’Keefe, Alec Berg e Jeff Schaffer.
Mas agora preciso falar sobre aquele que é o melhor episódio da série em minha opinião. Antes de Christopher Nolan dar um nó na cabeça dos espectadores com Amnésia e Gaspar Noé nos chocar com Irreversível, The Betrayal nos presenteou de forma brilhante com uma narrativa de trás para frente. A trama envolve a turma comparecendo a um casamento na Índia, envolvendo Jerry dormindo com a namorada de George, Elaine tentando se tornar a melhor amiga da noiva e Kramer lidando com uma ameaça misteriosa de um certo FDR. Não há um propósito temático para o uso desse mecanismo, mas é algo que garante piadas muito acima de qualquer outra série do gênero. Tome como exemplo a cena em que Kramer aparece com um palito de pirulito, apenas para que cada corte nos leve alguns minutos de volta ao passado, e o doce vai progressivamente retomando sua forma até ser desembrulhado do plástico. É uma gag visual perfeitamente eficiente e didática da narrativa do episódio, que também se beneficia de cenas enigmáticas que não fazem o menor sentido até a revelação de suas origens nos minutos derradeiros: por quê Kramer fica tão feliz em receber uma bolada de neve no rosto? O que inicia a perseguição de FDR? Qual é a da frase que George constantemente joga para Jerry, e o por qual motivo ele usa botas Timberlands o episódio inteiro? Todas as respostas valem a pena, e o episódio termina com chave de ouro ao nos levar a um inesperado flashback que procede o início da série.
E como não poderia faltar, vamos falar sobre o final. O grande finale da série. Tão poderoso que conseguiu trazer Larry David de volta uma última vez, rendendo uma narrativa de duas partes que dividiu completamente os fãs. The Finale traz Jerry, George, Elaine e Kramer sendo inesperadamente jogados em um processo jurídico, que acaba trazendo à tona todas as desventuras e ações imorais do grupo, contando com inesperadas participações de praticamente todos os coadjuvantes marcantes: a velhinha do pão, a ex-namorada com implantes e o infame Nazista da Sopa.
É mais do que uma mera conclusão para a história, é uma verdadeira homenagem à série e seus grandes momentos, quase soando como um episódio de recordações mais elaborado e estruturado dentro de uma narrativa. A decisão do júri ao final é controversa para muitos fãs, mas apenas representa toda a essência de Jerry, George, Elaine e Kramer: são pessoas politicamente incorretas, os zeros à esquerda e o humor negro existente dentro de todos nós. A solução final de Seinfeld e Larry David não apenas é inesperada e bem bolada, mas brilhante, ainda mais por espertamente oferecer uma grande rima com o primeiro episódio ao trazer de volta o diálogo de Jerry e George sobre o botão de camisa. “Já não tivemos essa conversa antes?”
Seinfeld permanece até hoje como uma fonte de humor impecável e sem igual. Sua temporada final fez jus à toda a sua irretocável trajetória na TV americana, encerrando-se pelo motivo nobre de Jerry Seinfeld ter achado este o limite de sua criatividade com o programa, recusando a oferta milionária da NBC para mais uma temporada – e até se inspirando na carreira dos Beatles, que terminou após 9 anos.
Bem, a comparação entre os dois não é nenhum absurdo, já que ambos são seminais em suas respectivas Artes.
Melhor: The Betrayal
Piorzinho: The Wizard
Seinfeld – 9ª Temporada (EUA, 1997-98)
Criadores: Jerry Seinfeld, Larry David
Direção: Andy Ackerman
Roteiro: Jerry Seinfeld, Larry David, Peter Mehlman, Larry Charles
Elenco Principal: Jerry Seinfeld, Jason Alexander, Michael Richards, Julia Louis-Dreyfus, Wayne Knight, Peter Crombie, Barney Martin, Liz Sheridan, Jerry Stiller, Estelle Harris
Duração: 22 min. (cada episódio)
Crítica | Millennium: A Garota na Teia de Aranha - Lisbeth Salander vira James Bond
A jornada da saga sueca Millennium nos cinemas não é das mais simples. Adaptada pela primeira vez em sua terra natal em formato de telefilme, Noomi Rapace viveu Lisbeth Salander em Os Homens que Não Amavam as Mulheres, A Menina que Brincava com Fogo e A Rainha do Castelo de Ar, cobrindo os livros da trilogia do falecido autor Stieg Larsson, que criou uma destemida hacker antissocial e se projetou na forma do jornalista Mikael Blomkvist.
Os filmes de Niels Arden Oplev e Daniel Alfredson fizeram grande sucesso de público, ainda que não exatamente grandes produções. Isso se reverteu quando Hollywood atraiu o cineasta David Fincher para comandar sua própria versão da trilogia, recrutando Rooney Mara e Daniel Craig para os papéis de Salander e Blomkvist, no vastamente superior Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres. Sendo uma produção caríssima e voltada para adultos, a recepção financeira modesta atrasou a produção dos próximos dois filmes, que ainda tiveram um pedido de aumento de salário para o atual James Bond e conflitos na agenda quando Fincher pretendia rodar os dois filmes simultaneamente na Suécia. Millennium estava morta.
Eis que a saga continua nas páginas de papel, com a editora original contratando David Lagercrantz para continuar o trabalho de Larsson com A Garota na Teia de Aranha, uma nova aventura com o selo Millennium. Aproveitando a deixa, a Sony usou o livro como forma de rebootar a franquia e reviver Salander nos cinemas, com Fede Alvarez (O Homem nas Trevas) comandando o novo filme, que infelizmente não traz o mesmo impacto de sua interação anterior.
A trama envolve Lisbeth Salander (Claire Foy) sendo contratada para hackear e recuperar da NSA um importante programa de computador para um engenheiro de Frans Balder (Stephen Merchant). Capaz de controlar ogivas nucleares de qualquer parte do mundo, o programa cai nas mãos erradas quando Lisbeth é atacada por uma misteriosa organização, que toma o software para si e os transporta para um misterioso contratante. Correndo contra o tempo, Lisbeth se alia a seu antigo companheiro Mikael Blomkvist (Sverirr Gudnason) para encontrar os criminosos, ao mesmo tempo em que um agente da NSA (Lakeith Stanfield) inicia uma caçada à sua procura.
Legado Ingrato para Garota na Teia de Aranha
Entrando em A Garota na Teia de Aranha, o maior desafio de Fede Alvarez é separar-se do trabalho supremo de Fincher, um desafio ingrato para qualquer cineasta, e o uruguaio é dono de uma voz talentosa inegável. Infelizmente, desde os tons de cor da fotografia até os créditos de abertura que tentam desastrosamente copiar a do filme de 2011, é impossível tirar a impressão de que estamos vendo uma cópia barata da versão anterior, mas sem toda a sofisticação ou apelo do original.
Claro que tudo isso vem do roteiro, que já sofre por adaptar um livro inferior aos de Larsson. Pelas Mãos de Jay Basu, Steven Knight e o próprio Alvarez, o roteiro troca o mistério de investigação jornalística de Os Homens que Não Amavam as Mulheres para algo mais próximo das franquias de James Bond ou Missão: Impossível, onde Lisbeth é praticamente o Justiceiro e a antagonista quer explodir o mundo com armas nucleares. É uma escalada considerável de serial killers para conspiradores globais, e pessoalmente não parece o cenário ideal para a hacker sueca.
É uma história desinteressante e que parece mais uma variação dos thrillers cibernéticos que eram populares na transição da década de 90 para os anos 2000, quase como A Senha: Swordfish. Não que Os Homens que Não Amavam as Mulheres fosse uma trama revolucionária, mas era mais elegante e surpreendente do que o trabalho da trinca aqui - e devo incluir Langercratz, que não é nenhum Stieg Larsson, apesar de seus melhores esforços.
O Cineasta que Brincou com Fogo
Com uma história fraca, ao menos Alvarez consegue segurar as pontas com uma direção segura. Trocando o horror pela ação, o diretor traz um pouco do estilo de Fincher ao apostar em uma câmera elegante e tons contrastantes da fotografia, bastando usar a cena que nos introduz a Lisbeth pela primeira vez para notar a competência de Alvarez: a tilt sutil que passa de um homem lavando a louça de forma inocente para sua esposa com o rosto sangrando, ou o plano que traz Lisbeth com as asas de uma estátua de anjo brotando em suas costas.
Esse mesmo apreço aparece nas cenas de ação. Seja na imagem de Lisbeth andando de motocicleta por cima de um lago congelado ou a elaborada cena em que um atirador de sniper ajuda outros personagens dentro de uma mansão a derrotar inimigos, o espectador está sempre bem posicionado dentro do que acontece, e a fotografia de Pedro Luque é admirável na forma como molda luzes e tons de cores distintos. Por mais que, repetindo, seja estranho ver Lisbeth em uma trama tão repleta de explosões, golpes de luta e hacking no estilo de Watch Dogs, é inegável a eficiência de tais sequências.
Do Castelo Inglês ao Castelo de Ar a Garota na Teia de Aranha
Vivida pela renomada Claire Foy, de The Crown, sua Lisbeth é visualmente bem resolvida e fiel às representações que vieram no passado (ainda que pessoalmente eu tenha detestado a tatuagem de dragão), e a atriz nitidamente faz um bom trabalho com o sotaque e o material lhe fornecido. O problema está na empatia. Lisbeth é muito mais justiceira e sem o mistério que Rapace e Mara trouxeram em suas performances, que foram capazes de criar uma personagem especial. A Lisbeth de Foy parece só mais uma protagonista de ação genérica, justamente por ser mais acessível e deixar a guarda emocional mais baixa.
Quem realmente se dá mal é Mikael Blomkvist, que foi completamente destruído no novo filme. Já errado na caracterização de um ator consideravelmente mais jovem do que Craig e Michael Nyqvist, Sverrir Gudnason não traz a menor empatia ou carisma com seu Mikael, reduzido a um coadjuvante descartável e que parece ter perdido sua inteligência, já que deixa passar a única pista relevante em sua investigação graças a um erro ortográfico - apontado pela Erika Berger de Vicky Krieps, outro desperdício no elenco.
Se há uma surpresa positiva no elenco é Lakeith Stanfield, ator que cada vez mais vem se firmando como um talento sólido de Hollywood, tendo despontado na genial série Atlanta. Na pele do agente Edwin Needham, Stanfield conduz sua subtrama de caçada com muito humor e sarcasmo, quase como se estivéssemos vendo uma versão mais ácida dos “assets” que são enviados atrás de Matt Damon na franquia Bourne. Sylvia Hoeks também continua mostrando-se uma atriz hábil para vilãs cartunistas, após surpreender como a Luv de Blade Runner 2049. Vivendo Camilla Salander, a atriz faz um bom trabalho em criar uma vilã digna de 007 - superando a escrita debilitada da personagem.
Reboots que Não Amavam os Originais
No fim, A Garota na Teia de Aranha sofre mais por ter que carregar o legado das obras superiores em seu passado, sendo impossível não relembrar do trabalho mais refinado. Fede Alvarez segue demonstrando um talento admirável, mas o tom deste Millennium é incongruente com a proposta da trilogia de Stieg Larsson, que também contava com uma narrativa muito melhor.
Que falta fazem Rooney Mara, Daniel Craig, David Fincher e, principalmente, Stieg Larsson.
Millennium: A Garota na Teia de Aranha (The Girl in the Spider's Web, EUA - 2018)
Direção: Fede Alvarez
Roteiro: Jay Basu, Steven Knight e Fede Alvarez, baseado na obra de David Lagercrantz
Elenco: Claire Foy, Sverrir Gudnason, Lakeith Stanfield, Stephen Merchant, Vicky Krieps, Sylvia Hoeks, Cameron Britton, Christopher Convery
Gênero: Ação
Duração: 117 min
https://www.youtube.com/watch?v=1C6Q5TgBeLg