Em 2010, a DreamWorks lançava a primeira iteração de sua mais nova franquia animada, intitulada Meu Malvado Favorito, contando a história de Gru (Steve Carell), um supervilão que acabou sendo tocado pela doçura e pela inocência de três garotinhas órfãs e decidiu dar uma completa mudada em sua vida antagonista para se tornar um anti-herói. E apesar do grande sucesso de bilheteria, sua narrativa previsível foi um dos primeiros indicadores de que os estúdios haviam perdido a mão para criar universos satisfatórios o suficiente para conquistar o coração do público.
Com a compra dos direitos de imagem dos personagens pelos estúdios Universal Pictures, o cenário idealizado teria chances de proporcionar uma suave mudança na narrativa – e infelizmente, as coisas pareceram descarrilhar ainda mais. Meu Malvado Favorito 2, sequência do filme homônimo, não simplesmente se sustenta na improbabilidade de fatos, mas também se firma na comédia pastelão para disfarçar a falta de endossamento criativo e a discrepância tonal entre todos os seus atos.
Mais uma vez, o longa-metragem se inicia com um breve prólogo mostrando a premissa principal da arquitrama: um novo e desconhecido vilão roubou uma estação de pesquisa científica do golfo ártico, o qual era responsável pelo desenvolvimento de uma composição química capaz de transformar qualquer ser vivo em uma arma mortal e indestrutível. E para impedir que tal mal se espalhe pelo mundo, a Liga Anti-Vilões (conhecida como AVL) resolve recrutar Gru, um ex-vilão e agora pai das garotinhas supracitadas, para seguir os passos desta mente distorcida e salvar a tudo e a todos.
O primeiro ato talvez seja o mais agradável, em termos estéticos e narrativos. Diferentemente da iteração inicial, o segundo filme opta por transparecer o sentimento paternalista do personagem principal, deixando até mesmo sua caracterização um pouco menos cartunesca e mais realista. Na primeira sequência em que realmente aparece, ele está terminando os detalhes finais da festa de Agnes (Elsie Fisher) – e não posso negar que os eventos ocorridos a partir disso conseguem arrancar algumas risadas do público. Afinal, em que outro lugar armas mortíferas como foices, martelos e machados serviriam como decorações kitsch para o aniversário de uma garotinha?
Mas toda essa compreensão passível de engajamento logo desaparece quando os trejeitos inverossímeis dos personagens vêm à tona, seja na expressão de raiva/êxtase de Agnes, na ácida ironia de Gru ou nas breves aparições desajeitadas de Jillian (Nasim Pedrad), uma adição desnecessária para as subtramas dos protagonistas. Tudo parece seguir um ciclo sem fim e, sem qualquer explicação aparece, a “ordem natural das coisas” se desmantela em uma virada inesperada, porém cheia de furos.
O “herói” é raptado por uma das agentes da AVL, chamada Lucy (Kristen Wiig), a personagem cinematográfica animada mais irritante de todos os tempos. Seu arco é bem delineado desde o começo do filme, mas sua caracterização está inexoravelmente truncada com gestos bruscos, lentos e desarmônicos com o tom das cenas em que protagoniza. Nem mesmo em momentos de tensão ela consegue transpassar aquilo que precisávamos para criar laços com os superficiais arquétipos que emergem com as viradas – sua expressão quase única se restringe a meio-sorrisos de desconforto e a tiques no olho.
Após levar Gru para o quartel-general da organização, o roteiro assinado mais uma vez pela dupla Cinco Paul e Ken Daurio parece se esquecer de que tem uma história a ser contada, com um começo interessante, mas um meio e um final praticamente inexistentes. A estrutura narrativa migra de uma cronologia compreensível para ramificações iguais em termo de peso: não temos apenas Gru e Lucy lutando para encontrar o responsável pelo roubo do soro, mas também temos os minions, criaturas amarelas, asseclas de Gru, sendo raptados um a um – e afastando-se da linearidade de serem só um “escape cômico” distorcido para o longa -, a implausível descoberta de sentimentos amorosos de Margo (Miranda Cosgrove) por um jovem rapaz, e como essas múltiplas relações conversam entre si.
Se colocarmos tudo em uma balança, cada fatia do filme tem quinze minutos – e isso provavelmente premedita o grande deslize: a falta de desenvolvimento e de resolução para cada uma delas. É de se esperar que Gru e Lucy desenvolvam laços românticos, mas ambos têm alguns traumas passados que os impedem de firmar qualquer coisa. Entretanto, esse passado não é explorado de modo satisfatório para dar margem aos fillers cômicos dos minions, os quais estão sendo também raptados e transformados em criaturas assassinas pelo real antagonista da história – Eduardo (Benjamin Bratt), conhecido por sua alcunha vilanesca El Macho. Tudo se desenvolve em um ritmo frenético, ignorando alguns pontos-chave em detrimento do favoritismo cênico – e o resultado final pode ser descrito como uma mixórdia caótica.
El Macho é, sem sombra de dúvida, o personagem que “salva” o longa-metragem. Seu carisma em cena é notável desde a primeira aparição, e suas sequências conseguem trazer o montante necessário de drama e de comédia para torná-lo uma caricatura bem desenvolvida, própria das produções audiovisuais da década de 1970 que utilizavam lutadores como heróis ou anti-heróis. Sua caracterização é essencialmente vermelha, buscando uma significância na sede pelo poder e pela dominação, contrastando com seu corpo avantajado e seu jeito “despojado” de ser na vida real. Apesar disso, ele é ofuscado pelo pálido brilho do casal principal, cuja falta de química é o suprassumo da incompetência narrativa.
Meu Malvado Favorito 2 é uma entrada mais fraca para a franquia. O sucesso massivo é algo a ser ovacionado, principalmente se levarmos em consideração que o lucro do longa-metragem ultrapassou os novecentos milhões de dólares. Entretanto, a história cheia de furos e os personagens monótonos são o bastante para mostrar o desgaste das animações provenientes dos estúdios DreamWorks – e, bom, dizer com todas as palavras que já cansamos dos minions.
Meu Malvado Favorito 2 (Despicable Me 2, EUA – 2013)
Direção: Pierre Coffin, Chris Renaud
Roteiro: Cinco Paul, Ken Daurio
Elenco: Steve Carell, Miranda Cosgrove, Kristen Wiig, Benjamin Bratt, Dana Gaier, Elsie Fisher, Russell Brand, Nasim Pedrad, Ken Jeong, Steve Coogan
Gênero: Animação, Comédia
Duração: 98 min.