Em 2010, a DreamWorks, em conjunto com a Illumination Entertainment, resolveu lançar uma nova franquia para seu catálogo de animações, buscando algumas inspirações em Shrek – cujas iterações se tornaram um sucesso de público e de crítica – para criar mais um microcosmos fundado na comédia, no sarcasmo e na tentativa de arquitetura de personagens engraçados o suficiente para nos divertir e nos emocionar. Infelizmente, não foi exatamente isso o que aconteceu.
A história começa com um prólogo relativamente bem estruturado e permeado por uma identidade criativa que dá nome às cartas do jogo. Temos uma família turista chegando às Pirâmides do Egito e descobrindo, da forma mais improvável possível, que uma delas foi roubada e substituída por uma réplica inflável. Logo depois da notícia se espalhar pelo mundo inteiro, somos transportados para uma cena cotidiana, durante a qual é-nos apresentado o protagonista da história, Gru (Steve Carell), um personagem extraído de histórias em quadrinhos dos anos 1970 e adornado com um figurino tão taciturno quanto seu porte. Durante o início do primeiro ato, não sabemos exatamente se ele será uma criação cartunesca – levando em consideração que suas ações e reações são exageradas e desprovidas de diálogo – ou uma multidimensional.
Entretanto, temos certeza de uma coisa: ele é mau. Um vilão andando livremente pelas ruas de sua cidade, buscando mostrar-se superior a todos. Desde o princípio, percebemos que sua presença chama a atenção, principalmente se levarmos em consideração sua paleta de cores extremamente neutra contrastando com a miscelânea de tons vivos dos personagens secundários, os quais formam uma massa amorfa até mesmo no tocante às suas residências. Gru, fugindo da normalidade, tem uma mansão imponente que se assemelha às construções de A Família Addams, por sua estética expressionista, curvilínea e suntuosa – ora, até mesmo seu gramado permanece o longa-metragem inteiro imerso em tons amarronzados.
O protagonista encontra seu primeiro obstáculo com a emergência vilanesca e quase estúpida do antagonista da narrativa, Vector (Jason Segel), um aspirante à “mente maligna” que foi o real responsável por roubar a Pirâmide do Egito, deixando Gru para trás na corrida pelo mal e colocando-o numa jornada para sequestrar a Lua – sim, exatamente isso. Ele deseja alcançar o astro e provar para todos que consegue ser a própria essência dos vilões contemporâneos. Para isso, ele precisa recuperar uma arma de encolhimento – cuja propriedade está nas mãos de seu adversário – e, para tal, encontra ajuda no último lugar em que pensaria encontrar: num orfanato.
Abrindo um breve parêntese aqui, devo dizer que as três meninas órfãs adotadas por um dos canastrões personagens encarnados por Gru talvez sejam as criações mais insuportáveis e sem qualquer arco complexo da história das animações. Margo (Miranda Cosgrove), Edith (Dana Gaier) e Agnes (Elsie Fisher) são irmãs, e basicamente saem de um determinado ponto para voltar à linha de partida: elas entram aqui como suportes e entremeios para que o protagonista encontre seu arco de redenção, mas a falta de personalidade e a linearidade de sua narrativa em nada contribui para o endossamento ou a negação da trama principal.
Gru percebe que consegue utilizar a inocência pueril para resgatar a arma, mas acaba deixando que seu lado paternal e acolhedor, escondido em meio a uma brusca feição e a constante procura pela solidão, emerja e as coloque em perigo, iniciando uma perseguição ao melhor estilo “gato e rato” – mas pobremente resolvida com viradas previsíveis e insatisfatórias.
Pierre Coffin e Chris Renaud, responsáveis pela direção do longa, não sabem por qual caminho seguir e optam por mesclar diversos estilos de montagem em um só lugar. Como já citado anteriormente, a premeditação cartunesca de Gru é construída a partir de duas vertentes básicas: a opção pelo plano sequência se iniciando em close e depois abrindo para o geral, pegando referências de filmes de Charles Chaplin; e a trilha sonora tonal idealizada por Pharrell Williams e Heitor Pereira, a qual nos relembra das primeiras animações dos estúdios Walt Disney, perscrutadas pelos famosos mickey-mousings.
Entretanto, conforme a história se desenrola, o roteiro também opta por uma perspectiva mais verborrágica e a própria montagem se transforma em uma justaposição de enquadramentos rápidos e dinâmicos que tentem harmonizar com aquilo que sucede em determinada sequência. Mas a concepção multi-identitária fica tão saturada na tela, que não podemos deixar de nos sentir desconfortáveis com tanta informação.
Outro ponto a ser analisado é a presença dos minions, criaturinhas amarelas que se parecem com feijões supercrescidos e que têm uma linguagem própria – e que, além disso, são apaixonados por banana. Apesar do semblante apaziguador e terna, eles são asseclas do mal que seguem cegamente Gru, tornando-se os principais ajudantes para que seus planos atinjam o sucesso. Podemos até traçar algumas comparações entre eles e os extraterrestres verde-limão da franquia Toy Story, mas garanto que os minions são insuportavelmente esdrúxulos. Apesar da comicidade e da leveza características de sua significação para a história, eles ocupam mais da metade do tempo de cena e entram em um looping eterno de ação e reação, permanecendo dentro de uma bolha individualista e desnecessária para o entendimento dos eventos principais.
Um dos grandes momentos de glória é a presença da eterna Julie Andrews como a Sra. Gru. Suas aparições são pontuais, mas trazem uma sutileza tragicômica que adiciona camadas de complexidade para a backstory do protagonista e mostra as relações conturbadas entre mãe e filho, além de possibilitar a existência de um arco de redenção mais sólido – tudo permeado com ironia, sarcasmo e acidez.
Meu Malvado Favorito não é um filme essencialmente satisfatório. Com sua história saturada e suas resoluções pobres, fica claro que a DreamWorks não sabe muito bem por qual caminho seguir. Mas não podemos negar seus escassos momentos de brilho – e o alívio quando os créditos finalmente começam a subir na tela.
Meu Malvado Favorito (Despicable Me, EUA – 2010)
Direção: Pierre Coffin, Chris Renaud
Roteiro: Sergio Pablos (argumento), Cinco Paul, Ken Daurio (roteiro)
Elenco: Steve Carell, Jason Segel, Miranda Cosgrove, Kristen Wiig, Julie Walters, Will Arnett, Dana Gaier, Elsie Fisher, Russell Brand
Gênero: Animação, Comédia
Duração: 96 min.