Desde que se tem notícia, George Lucas afirmou que já tinha em sua cabeça toda a história da saga Star Wars, e que só começou pelo Episódio IV em circunstância das limitações técnicas da década de 70. Seja isso a pura verdade ou um mero marketing elaborado (quem cavar fundo na história encontrará as dificuldades de Lucas para acertar no rascunho do primeiro roteiro, que era de fato o que vimos em Uma Nova Esperança), seria inevitável que o diretor fizesse algumas mudanças em seu grande plano após a recepção controversa de A Ameaça Fantasma.
Ainda que um sucesso de bilheteria de 1 bilhão de dólares (claro, na época em que a casa do bilhão ainda era uma conquista muito difícil), indicações ao Oscar e muitos bonequinhos vendidos, a queixa dos fãs sobre a qualidade da história e dos personagens do Episódio I certamente incomodou os fãs mais saudosistas, especialmente pelo distanciamento da trilogia original. Para Star Wars: Episódio II – Ataque dos Clones, Lucas felizmente corrigiu muitos erros do antecessor (mal vemos Jar Jar Binks no filme!) e entregou uma obra muito mais divertida e envolvente, ainda que mantivesse muitos dos mesmos erros e apresentasse mais alguns…
E os críticos continuam a chiar, já que a trama do Episódio II traz logo em seu letreiro a ocorrência de novos eventos políticos e reuniões de senado. Agora, uma década após os eventos do filme anterior, a República sofre com a saída de sistemas de estelares de seu governo para juntarem-se ao cada vez mais forte Movimento Separatista, liderado pelo misterioso idealista político Conde Dooku (Christopher Lee). Quando a senadora Padmé Amidala (Natalie Portman) sofre um atentado antes de uma importante votação, o Chanceler Palpatine (Ian McDiarmid) envia os Cavaleiros Jedi Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) e Anakin Skywalker (Hayden Christensen) para protegê-la e encontrar o responsável pelos ataques.
Dois Filmes
A partir dessa premissa, recebemos duas tramas paralelas em Ataque dos Clones, que vão se desenrolando simultaneamente graças à boa montagem de Ben Burtt e do próprio George Lucas. Temos a investigação de Obi-Wan para encontrar um misterioso caçador de recompensas que pode estar conectado com as tentativas de assassinato da senadora e até mesmo com o movimento Separatista e, para nossa tristeza, a subtrama onde Anakin é designado como guarda-costas de Padmé, levando ao romance proibido que mudaria a vida de todos ao redor. Bem, se Lucas tem dificuldade para articular discussões políticas e diplomáticas, é de se esperar que o sujeito tenha um lado emocional forte e acertasse no arco romântico dos protagonistas, certo? Errado.
O lado romântico protagonizado por Anakin e Padmé é sofrível. Claro, é sempre interessante observar uma história de amor escondido, e Lucas de fato tenta esboçar diálogos cativantes e que façam jus a essa premissa tão batida – chegando até a exigir de seu fotógrafo David Tatersall uma penumbra elegante e sufocante para uma das discussões do casal – mas tudo o que temos é pura escrita ruim. Como um garotinho embaraçado tentando compor poesia para a garota bonita da sala, algo que entendemos que vem de um sentimento genuíno, mas que é capaz de provocar mais risos do que afeto.
Não ajuda nem um pouco que tenhamos a entrada de Hayden Christensen no papel. Até hoje me perguntou se o problema está na direção de Lucas ou se o ator simplesmente não tem carisma, mas a primeira opção definitivamente não ajudou. O Anakin de Christensen é inexpressivo e pouco convincente, e sua química com a regular Natalie Portman (aqui, um pouco mais confortável do que no anterior) sugere uma relação estranha graças aos olhares perturbados e maníacos do ator, que também falha ao transmitir toda a raiva e a semente da transformação de Anakin em Darth Vader – também consequência da profecia Jedi que o aponta como o Escolhido para trazer equilíbrio à Força. Christensen tem um bom perfil e se garante nas cenas de ação, mas só. De resto, só mesmo a sempre perfeita trilha sonora de John Williams para salvar o dia, com seu tema amoroso“Across the Stars” sendo o único fator que me faz acreditar no romance dos dois.
Mas como disse anteriormente, Ataque dos Clones nos traz dois filmes, e aquele dedicado à investigação de Obi-Wan Kenobi é muito melhor. Primeiramente porque Ewan McGregor simplesmente ama o personagem e encontra aqui uma versão jovem de Sir Alec Guiness que definitivamente compele o espectador e nos faz lembrar do bom trabalho de Liam Neeson no anterior, só que com muito mais carisma. Claro, seu arco ainda sofre com diálogos expositivos e as artimanhas nada naturais de Lucas, mas compele pelo mistério em torno da criação de um exército de clones e a certeza cada vez maior de que um Lord Sith está lentamente manipulando a todos.
The Force Unleashed
A busca de Obi-Wan o leva a alguns dos melhores momentos do filme, em particular à aqueles envolvendo o caçador de recompensas Jango Fett (Temuera Morrison). Lucas presenteia os fãs com um background intenso para um dos personagens mais queridos da trilogia original, Boba Fett (aqui vivido pelo jovem Daniel Logan) e nos apresenta a um visual marcante que atualiza a armadura do personagem e cenas de ação realmente primorosas. A luta entre Kenobi e Jango na chuva é um raro vislumbre de combate corpo a corpo na saga, o que por si só já traz mais agressividade; enquanto a perseguição espacial onde a gigantesca Slave I de Fett caça o Jedi por um anel de asteróides destaca-se pelo uso brilhante de efeitos sonoros e uma ausência impressionante de música; o mais “realista” que Star Wars já foi em seu retrato de batalhas espaciais.
À medida em que as duas narrativas enfim vão convergindo para uma gigantesca batalha final, Lucas prepara um espetáculo visual e tecnológico ainda mais impressionante do que aquele visto em 1999. Aliás, antes de falarmos propriamente sobre os efeitos visuais e o design de criaturas, é importantíssimo o papel de Ataque dos Clones no avanço da cinematografia digital. Antes deste novo filme, a captação digital era motivo de piada entre diretores de fotografia, e oferecia uma qualidade de imagem terrivelmente inferior àquela captada em película – pense naquelas câmeras antigas de VHS. Eis que George Lucas aposta no desenvolvimento da primeira câmera digital realmente digna de produções cinematográficas de grande e pequeno porte. Fica a recomendação máxima para os interessados no assunto do documentário Lado a Lado, que discute justamente essa convergência da cinematografia digital.
Enfim, tal avanço na tecnologia certamente possibilitou que o trabalho de CGI da Industrial Light & Magic soasse mais verossímil nas telas. Além da Coruscant já explorado anterior, somos apresentados aos planetas de Kamino e Geonosis, que trazem ambientes radicalmente diferentes entre si: o primeiro é uma cidade de plataformas erguidas em um vasto oceano, constantemente castigada por uma pesada chuva tempestuosa; um contraste adorável entre os interiores da cidade, que cujo aspecto clean e branco parecem ter sido desenvolvidos pela Apple. Já Geonosis toma emprestado o aspecto árido dos desertos de Tattooine, mas a paleta de cores é sutilmente mais alaranjada e suja aqui, sendo marcada por cenários gloriosos como a fábrica de dróides ou a arena gladiatorial onde os protagonistas travam a grande batalha no terceiro ato.
Todos esses cenários e as criaturas fantásticas que os habitam são resultado de um excelente trabalho de efeitos visuais, que envelheceu consideravelmente bem se comparados aos de A Ameaça Fantasma. Os geonosianos trazem um design claramente inspirado na fisionomia e exoesqueleto de baratas e mariposas, ganhando feições críveis e personalísticas graças ao bom trabalho do departamento de arte e do CGI. É também a primeira vez em que temos um Mestre Yoda completamente digital, e a criação da ILM não decepciona em trazer carisma e a personalidade forte do personagem, que entra em ação de forma surpreendente durante o clímax da produção.
As criaturas da arena também garantem momentos gloriosos de criatividade de monstros, além de renderem essa intensa e divertida sequência onde Obi-Wan, Anakin e Padmé (enfim tornando-se uma heroína de ação memorável) os enfrentam sem o menor auxílio de armas – ainda que seja curioso que nem Kenobi nem Skywalker façam uso da Força para sobreviver, mas tudo pelo bem do suspense e Lucas se sai incrivelmente bem na condução da cena.
Um Caminho Melhor
A escala sobe quando somos levados a uma imensa batalha entre Jedi e os dróides separatistas, o que culmina no aparecimento do exército de clones e o início da era mais explorada de Star Wars pelo universo expandido: as Guerras Clônicas. Temos muitos embates com sabres de luz, a entrada do Mace Windu de Samuel L. Jackson em ação e até a bombástica revelação de que o Mestre Yoda é um exímio espadachim durante seu duelo memorável com o Conde Dooku. São minutos espetaculares que trazem alguns dos melhores momentos de ação da saga, incluindo um contido e tenso confronto de sabres de luz entre Anakin, Obi-Wan e o Conde Dooku.
Aliás, se o longa anterior beneficiava-se da figura misteriosa de Darth Maul, Ataque dos Clones decepciona com Dooku. Não fosse a imponência e o cavalheirismo de Christopher Lee na entrega de seus diálogos, o vilão seria facilmente esquecido e descartado. Felizmente pudemos ter Jango Fett como um antagonista mais interessante, e até mesmo a assassina Zam Wesell (Leeanna Walsman) tem uma presença interessante durante o primeiro ato. Mas é mesmo a figura de Ian McDiarmid como o Chanceler Palpatine que revela uma construção mais interessante. Obviamente, a esse ponto ainda não conhecemos sua natureza maligna, mas ao voltar para rever o filme sabendo do contexto geral, são necessários mais créditos à performance magistral do ator – que transcende qualquer direção ruim de George Lucas.
Parando para revaliar, Ataque dos Clones é um aprimoramento notável em ritmo, tom e história daquele visto no filme anterior. Os problemas de roteiro e direção de elenco de George Lucas continuam a comprometer pontos-chave, especialmente o romance proibido de Anakin Skywalker e Padmé Amidala, mas o filme beneficia-se de um ritmo mais intenso e divertido.
Star Wars: Episódio II – Ataque dos Clones (Star Wars: Episode II – Attack of the Clones, EUA – 2002)
Direção: George Lucas
Roteiro: George Lucas e Jonathan Hales
Elenco: Ewan McGregor, Hayden Christensen, Natalie Portman, Samuel L. Jackson, Ian McDiarmid, Frank Oz, Anthony Daniels, Kenny Baker, Christopher Lee, Temuera Morrison, Daniel Logan, Leeanna Walsman, Rose Byrne, Pernilla August, Joel Edgerton, Jimmy Smits, Jack Thompson
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 142 min