Diversas vezes me pergunto como deve ter sido antes. Anos atrás, na década de 90, antes do advento maciço da internet e da cobertura quase pornográfica de tantos eventos mundiais e, no nosso setor de análise, expectativa por lançamentos da cultura pop. Parece-me um mundo repleto de mistério e exploração do desconhecido, e não consigo imaginar o que poderia ter sido para alguém receber a notícia de que um novo filme de Star Wars seria lançado. Posso até ter tido um gostinho com todo o hype e antecipação para O Despertar da Força, mas a internet – ainda que a campanha do Episódio VII tenha mantido quase tudo sob os panos – certamente joga um pouco mais de luz em casos assim.
Com o anúncio de que veríamos o Episódio I da aclamada saga da cultura pop, o mundo preparava-se para conhecer um outro lado de Star Wars. Testemunhar pela primeira vez o ápice dos Cavaleiros Jedi, o início das Guerras Clônicas e a misteriosa transformação de Anakin Skywalker no vilanesco Darth Vader. Seria a primeira vez desde 1983 que o mundo voltaria para aquela galáxia tão, tão distante e a responsabilidade do idealizador George Lucas era gigantesca. E nem precisaria de um profeta para saber que seria impossível atingir às expectativas do público
A trama começa em um período turbulento da galáxia, quando a Federação do Comércio ameaça o governo da República com a iminência de um movimento separatista. Tal manobra os leva a iniciar um bloqueio no pacífico planeta de Naboo, onde a Rainha Amidala (Natalie Portman) tenta deferi-los com diplomacia. A República envia então os cavaleiros Jedi Qui-Gon Jinn (Liam Neeson) e Obi-Wan Kenobi (Ewan McGregor) para resolver a situação, que fica mais complexa quando o grupo é perseguido por um exército de dróides e encontra um poderoso distúrbio na Força na forma do jovem escravo Anakin Skywalker (Jake Lloyd).
O Lado Negro da Ambição
Hoje, A Ameaça Fantasma é considerado o pior filme de Star Wars, e também um dos mais decepcionantes da História do Cinema. Tendo assistido ao filme sem muitas expectativas e a com uma comprometedora ingenuidade na infância, é praticamente impossível para odiar qualquer coisa que tenha a ver com a saga. Porém, é evidente que os anos de amadurecimento e estudo da arte cinematográfica revelem os inúmeros aspectos falhos do Episódio I, especialmente no que diz respeito à direção de elenco e roteiro. Lucas definitivamente é eficaz ao criar uma mitologia inteiramente nova para a saga – algo que J.J. Abrams e Kathleen Kennedy, por exemplo, não foram capazes de fazer com o Episódio VII – mas é na condução narrativa que este encontra seus maiores problemas.
Primeiramente, o aspecto mais criticado é a entrada gritante de política na saga. Batalhas espaciais e o aspecto matinê da trilogia original acabam dando espaço à reuniões de senado, disputas de comércio e outros aspectos que Lucas possivelmente achou relevante durante o período. Sua escrita não é nada perto de um Aaron Sorkin ou Beau Willimon (que tornam a política uma música com seus diálogos formidáveis em The West Wing e House of Cards), então seus diálogos em cenas do tipo acabam soando como longos e monótonos textões, sem personalidade ou o tipo de dramaticidade esperada de um longa do gênero. O pano de fundo da história é interessantíssimo, e que ganharia ainda mais valor ao acompanharmos os desdobramentos nos Episódios II e III, mas é uma execução dolorosamente tediosa.
A fragilidade do texto de Lucas estende-se aos diálogos entre os personagens, quase que o tempo todo marcado por exposição e outros fatores que não soam nada naturais, mesmo tratando-se de batalhas intergalácticas com raças alienígenas. Todo o arco com o jovem Anakin Skywalker acaba prejudicado por essa artificialidade; ainda que fique claro a direção temática do diretor através de frases chave (“O maior problema do Universo é que ninguém ajuda ninguém”), é algo afetado pelos diálogos duros. Pior ainda são as interações entre Anakin e a jovem Padmé Amidala, mas isso é algo que só viria a se tornar um problema grave no filme seguinte…
Não ajuda também que Lucas seja um terrível diretor de atores. Isso fica claro ao ver nomes de peso como Liam Neeson, Ewan McGregor, Samuel L. Jackson e Natalie Portman todos entregando performances medianas e que não saem do piloto automático, sintoma explícito de problema na condução – é sabido que as instruções de Lucas baseavam-se em “mais rápido e mais intenso”. Assim, um ator novato como Jake Lloyd acaba entregando uma performance embaraçosamente ruim e Portman, em ascensão na época, quase nos faz questionar se seria realmente a grande atriz que despontara em Leon, o Profissional. Já um ator imponente como Liam Neeson acaba agradando pelo simples fato de ser Liam Neeson, o que torna seu Qui-Gon uma figura paternal forte e que rapidamente apanha o interesse do espectador por sua postura durona de mestre Jedi.
Mago dos Efeitos
Porém, Lucas revela sua genialidade em tudo o que tem a ver com design. Os novos planetas são diferentes de tudo o que já havíamos visto em Star Wars antes, devendo um crédito imenso à equipe de artistas liderada pelo designer de produção Gavin Bocquet, desde a futurista metrópole de Coruscant até a cidade submarina dos Gungans no planeta remoto de Naboo. Vale apontar como os cenários agora buscam uma forte inspiração na monarquia absolutista do século XIV, principalmente na concepção do palácio da Rainha Amidala e nos próprios trajes desenhados por Trisha Biggar; que jogam um pouco cultura japonesa na mistura, como fica claro na maquiagem que remete à pintura de gueixas ou aos exóticos penteados.
Todos os veículos, estações e naves espaciais também ganham uma reinvenção primorosa, revelando um período na galáxia mais clean e moderno – em contraponto ao aspecto robusto e sujo da trilogia original, com um trabalho que mistura CGI e miniaturas com habilidade. As criaturas alienígenas também são icônicas, seja no uso de marionetes para a raça do Vice Rei Gunroy até a criação digital de dróides, monstros submarinos e personagens comunicativos, como o comerciante Watto. Excluo aí, claro, a grande aberração da saga de Lucas: Jar Jar Binks, que é sem dúvida um dos alívios cômicos mais estúpidos e desnecessários da História do Cinema, e seu trabalho de CGI destoa muito dos demais personagens. Talvez seja um personagem tão ruim que até o CGI acaba prejudicado…
Por outro lado, o personagem que mais entrou no imaginário dos fãs como o melhor fator do filme – e alguns até dizem que de toda a trilogia prequel – é o vilão sinistro Darth Maul, vivido por um irreconhecível Ray Park, escondido sob camadas de tinta e maquiagem. Sem abrir a boca por boa parte do filme (há quem diga que foi sua estratégia para ficar ileso ao texto de Lucas), Maul é uma presença forte e que intimida por seu visual absolutamente amedrontador. Para superar o temor de Darth Vader, Lucas buscou inspiração no conceito do próprio Diabo, com a tinta vermelha e os chifres de Maul sendo seu principal chamariz. Definitivamente um vilão marcante, e tristemente desperdiçado.
Claro, muitos fãs torcem o nariz para o excesso de computação gráfica no filme, mas é preciso levar em conta que Lucas precisava evoluir a tecnologia. Certamente alguns efeitos e cenários virtuais envelheceram mal quando assistimos ao filme hoje, mas alguém tinha que tomar o passo inicial e levar o CGI para novos territórios. Para um filme de 1999, é um experimento formidável e que abriu portas para diversos outros avanços tecnológicos.
Duel of the Fates
Como condutor de espetáculos, Lucas se sai melhor. A começar pela famosa sequência da corrida de pods em Tatooine, que rendeu muitos videogames na época e mexeu com o coração dos fãs de automobilismo. Aliás, nesse quesito, a mise em scène de Lucas nessa cena é fortemente inspirada pela do clássico Grand Prix, com a câmera fixada no cockpit dos veículos e planos gerais altos que capturam a magnitude da ação. Os movimentos de câmera acabam limitados a pans e tilts, mas a sequência é favorecida pelo impecável design sonoro do mestre Ben Burtt – dispensando até mesmo a trilha sonora de John Williams para tal feito. É provavelmente a cena de efeitos que melhor envelheceu, e ainda é capaz de empolgar mesmo com pouco investido nos personagens envolvidos.
O grande destaque fica para o colossal clímax da película, que segue a tradição de usar a montagem paralela para equilibrar diferentes cenas de ação. Temos a batalha campal dos gungans contra o exército de dróides, a invasão no palácio liderada por Amidala, a infiltração de naves na base espacial da Federação e o antológico duelo de sabres de luz entre os Jedi e Darth Maul. Desnecessário dizer que todas essas cenas acabam ofuscadas pelo duelo entre os protagonistas, e ainda que a montagem de Ben Burtt (isso aí, sonoplasta e editor) e Paul Martin Smith seja esperta ao lhes fornecer movimento e uma semi-interação, o espectador simplesmente não vê a hora de a ação retornar para os sabres de luz.
A luta é empolgante por oferecer elementos muito diferentes para o que os fãs conheciam. A começar pela presença de três lutadores, em um clássico dois contra um. Depois, o uso de um sabre de luz duplo para conter os dois Jedi, o que rende por fim uma coreografia inovadora e muito mais elaborada do que as da trilogia original, concebendo mais velocidade e agressividade ao confronto. Além disso, o mago John Williams oferece uma de suas mais perfeitas criações com a evocativa música “Duel of the Fates”.
A Ameaça Fantasma definitivamente não é a melhor história de origem que a saga de batalhas estelares merece, sendo um filme deficiente nos quesitos mais básicos de linguagem cinematográfica, fruto da inabiliadade de George Lucas em trabalhar com atores ou desenvolver diálogos envolventes. Porém, o filme ainda merece créditos por sua mitologia fascinante, os avanços tecnológicos e a promissora história de fundo que lentamente nos apresentaria ao início da maior guerra da galáxia.
Star Wars: Episódio I – A Ameaça Fantasma (Star Wars: Episode I – The Phantom Menace, EUA – 1999)
Direção: George Lucas
Roteiro: George Lucas
Elenco: Ewan McGregor, Liam Neeson, Natalie Portman, Jake Lloyd, Samuel L. Jackson, Ray Park, Anthony Daniels, Kenny Baker, Frank Oz, Ahmed Best, Pernilla August, Ian McDiarmid, Hugh Quarshie, Terence Howard
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 136 min