Quando foi anunciada a compra da LucasFilms pela Disney, lá em Dezembro de 2012, vinha também a notícia de que teríamos o sétimo episódio da franquia Star Wars. Nove após o fim da trilogia prequel com Star Wars: Episódio III – A Vingança dos Sith e três décadas após o desfecho da trilogia original com O Retorno de Jedi, em 1983. Por uma quantia bilionária, George Lucas entregava as chaves do reino para Kathleen Kennedy, que logo iniciaria uma busca para encontrar a história certa e o diretor certo para reacender a chama desta galáxia muito, muito distante.
Depois de muitos possíveis candidatos e uma inacabável lista de rumores e teorias, J.J. Abrams foi o escolhido para assumir a direção, já tendo sido bem sucedido ao revitalizar a franquia de espionagem de Tom Cruise com Missão: Impossível 3, dar vida nova à tripulação da USS Enterprise com seu reboot de Star Trek e praticamente mudar a forma de se fazer televisão com a badalada série Lost. E, ainda por cima, Abrams é um fã assumido da série. A escolha perfeita.
O que se seguiu foi uma campanha de marketing sem precedentes. Só sabíamos que teríamos o elenco original de volta em uma história nova que ignoraria o longo cânone de livros e HQs criado após o sucesso da primeira trilogia. A trama permanecera fechada a sete chaves até o dia do lançamento, sem termos nem uma sinopse oficial liberada, trailers primorosos que escondiam detalhes da história e personagens – mas que ainda eram capazes de brincar com a nostalgia e manipular emoções com um mistério atordoante – e uma expectativa gigantesca que só aumentava. Pode-se dizer, sem medo da hipérbole, que Star Wars: O Despertar da Força foi o filme mais aguardado de todos os tempos.
E diante de tudo isso, aliado à responsabilidade de continuar uma franquia com uma das fanbases mais calorosas e ainda introduzir o universo galáctico de Jedi, stormtroopers e a Força para uma nova geração, acho que Abrams não poderia ter se saído melhor.
Uma Nova História Conhecida
Assinada por Abrams, Lawrence Kasdan e com ideias de Michael Arndt, a trama de O Despertar da Força se desenrola 30 anos após os eventos de O Retorno de Jedi, deixando aí uma longa lacuna que aos poucos vai se preenchendo com livros, games e outros materiais que a Disney quiser aproveitar (ver Marcas da Guerra, Bloodline e até a DLC de Star Wars: Battlefront), e nos apresenta a um período estranho na galáxia. A Nova República é estabelecida, mas uma organização sombria conhecida como Primeira Ordem deseja seguir o legado o Império caído e reestabelecer um novo governo. Nesse cenário, um stormtrooper desertor, Finn (John Boyega), acaba cruzando caminho com uma jovem sucateira chamada Rey (Daisy Ridley) e os dois se veem na missão de entregar o dróide BB-8, do piloto Poe Dameron (Oscar Isaac), para a base da Resistência, liderada pela General Leia (Carrie Fisher), enquanto se aliam ao aposentado Han Solo (Harrison Ford) e fogem do maligno Kylo Ren (Adam Driver), um dos comandantes da Primeira Ordem.
É uma premissa que segue exatamente os mesmos passos do primeiro filme da saga, Uma Nova Esperança. A Jornada do Herói de Joseph Campbell encontra mais um exemplar digno na figura de Rey, temos novamente um dróide que carrega um arquivo importante (dessa vez, um mapa para o desaparecido Luke Skywalker) e uma estação bélica de proporções monstruosas que deve ser destruída a todo custo. Uns até dizem que é um “remake disfarçado” do original, e, de fato, é em muitos aspectos. Até defendo os polêmicos filmes da trilogia prequel nesse caso, já que – mesmo problemáticos em roteiro e direção de elenco – apresentavam uma trama política forte e expandiam os horizontes da franquia a níveis impressionantes, enquanto Abrams se apega demais ao passado e à nostalgia.
Porém, se Abrams mostra-se limitado no quesito de expandir a mitologia como um todo, ele se sai muito bem na confecção de um filme que é impecável em muitos quesitos. Foi sábio de sua parte dedicar o protagonismo aos novos personagens, Rey, Finn e Kylo Ren, enquanto mantém a trinca sagrada da trilogia original em um saudoso papel coadjuvante. O Han Solo de Harrison Ford é quem tem o melhor papel definido nessa proposta, trazendo uma excelente performance que serve para passar o bastão para a nova geração enquanto os guia na jornada para entregar BB-8 à resistência. Ford dá a Solo uma ótima despedida (já que é improvável que o ator volte a encarnar o personagem) e o roteiro de Abrams e Kasdan sabe como posicioná-lo dentro dos eventos do longa.
Já a General Leia acaba um pouco desfalcada, o que pode ser explicado pelo fato de Carrie Fisher… Bem, não ser mais a atriz competente que foi no passado. Não que a performance de Fisher seja ruim, mas merecia um aprofundamento melhor, tanto da atriz quanto do roteiro, diante da gigantesca descarga emocional que a performance sofre durante os eventos do filme. Já seu irmão gêmeo Luke, bem, todos já vimos o filme e todos os memes que a reviravolta gerou, e a presença de Mark Hamill aqui serve mais como o MacGuffin a ser encontrado e que deverá mostrar a que veio nos próximos capítulos.
O Despertar de uma Geração
Mas é mesmo com os novos jogadores que o filme decola. A começar pelo jovem John Boyega, que despontou no indie Ataque ao Prédio, de Joe Cornish, e oferece o único personagem do filme que não traz um arquétipo repetido da franquia (Rey é o novo Luke, Kylo Ren é o novo Anakin, Poe Dameron é o novo Han Solo). A ideia de humanizar um soldado stormtrooper é genial, e Abrams trabalha visualmente com isso muitíssimo bem ao destacá-lo dos outros com uma mancha de sangue em seu capacete. E o que vemos Finn se tornar é simplesmente incrível, já que o personagem é ao mesmo tempo um divertido alívio cômico e um cara normal em busca de redenção, todos esses traços muitíssimos bem explorados pela explosão de carisma que é Boyega.
Sem dever em nada à seu colega de cena, Daisy Ridley faz sua estreia como atriz nos cinemas de forma inesquecível como a jovem heroína Rey. Com um charmoso sotaque britânico, a atriz se mostra igualmente carismática ao fazer uma sucateira solitária e que sonha com uma vida melhor, ao mesmo tempo em que demonstra intensidade nas muitas cenas de ação que protagoniza ao longo da projeção. Claro, há uma reclamação acerca do fato de Rey ser uma personagem poderosa demais e que parece ter incrível facilidade com conceitos complexos em relação à Força, mas a performance de Ridley compensa isso, pelo fato de sempre vermos uma reação espantada e surpresa da mesma a cada revelação que faz acerca de suas capacidades. Além disso, a história deixa bem claro que há muito mais a ser explorado em relação a Rey, e sua paternidade.
Mesmo que não seja uma interpretação de carne osso, é incrível como o dróide BB-8 consegue ser carismático. Criado a partir de controle remoto e modelagens em CGI, o robô em forma de dróide garante os melhores momentos de humor do longa, cativando por sua ingenuidade e os movimentos capazes de expressar respostas e emoções. O trabalho de Ben Burtt no design sonoro (que contou com consultoria vocal do ator Bill Hader) é digno de nota e garante a BB-8 uma personalidade única.
E, claro, Star Wars só é tão bom quanto seu vilão (vale lembrar que até A Ameaça Fantasma tinha um excelente vilão que infelizmente foi mal aproveitado), e o novo filme está muito bem garantido nas mãos do Kylo Ren de Adam Driver. É inteligente que, se Finn e Rey ainda são heróis em desenvolvimento, Ren também seja um sujeito “no processo” de se tornar um grande vilão, citando constantemente a figura de Darth Vader como sua grande inspiração. Dessa premissa temos também um personagem que usa a raiva e excessos de violência para mascarar uma gigantesca insegurança, um traço que o intenso Adam Driver consegue transmitir muito bem. No primeiro momento em que vemos Ren remover a ameaçadora máscara que lhe confere imponência e uma voz profunda, encontramos ali uma figura triste e que sugere um menino homem, algo que se confirma ao termos revelado o passado do vilão e sua relação com os demais personagens.
J.J. Abrams Contra-Ataca
Com todos esses personagens carismáticos e bem escritos, a experiência deste Episódio VII só fica mais agradável. A condução da trama durante o primeiro ato é algo sobrenatural, contendo um ritmo incrível que jamais empalidece graças à montagem ágil de Maryann Brandon e Mary Jo Markey (merecidamente indicadas ao Oscar na categoria), que mantém a fluidez das cenas de ação e trazem de volta as saudosas transições de cena dinâmicas que marcaram os filmes anteriores. A forma como se dá o encontro dos personagens e o desenrolar das ações também é muito bem pensada, tendo a jaqueta de Poe Dameron como um indicador importante para o encontro de Finn com Rey (além de ser uma ação sutil que representa a mudança de hábito do personagem) e a já mencionada mancha de sangue no capacete que torna possível a identificação de Kylo Ren a respeito do stormtrooper desertor.
Sendo um dos grandes motivos de orgulho durante entrevistas e vídeos publicitários, O Despertar da Força utilizou muitos efeitos práticos e locações reais para suas filmagens em película 35 mm. Vemos esse esforço bem presente em cena durante o núcleo ambientado em Jakku, onde o vasto deserto da Tunísia preenche a tela com belíssimas imagens e garante uma imersão maior dentro da ação, muito bem orquestrada pela câmera criativa de Abrams. Temos travellings longos que exploram diferentes ações dentro de uma batalha, uma corrida com explosões reais ao fundo e um lindíssimo duelo de sabres de luz em uma floresta escura preenchida de neve; onde o diretor de fotografia Daniel Mindel cria um equilíbrio de azul e vermelho de encher os olhos, valendo apontar o cuidado com detalhes belos como o gelo vaporizar ao contato da lâmina quente dos sabres. Vale apontar que Abrams enfim largou a mania das luzes de flare, com exceção do fato de o raio da Base Starkiller ser uma luz de flare gigante…
Claro que ainda temos muitos efeitos visuais aqui, e estes em maioria funcionam. Os modelos digitais da Millennium Falcon, X-Wings e TIE Fighters convencem pela física de seus movimentos nas cenas de batalha, que podem tornar-se um tanto genéricas e não tão memoráveis como as saudosas miniaturas da trilogia original (um exemplo disso é a invasão à Starkiller, que empalidece diante de tantas outras batalhas de naves da franquia), mas nunca chegam ao ponto de incomodar pelo excesso; já que em diversos casos a uma referência real para auxiliar na criação digital. Por exemplo: par a perseguição da Millennium Falcon em Jakku, muitos movimentos de câmera foram de fato captados no deserto da Tunísia para que depois pudessem se preenchidos com a ação em CGI das naves.
Do ponto de vista de direção de arte, o sempre infalível Rick Carter acerta na escala dos cenários e o design que recupera o aspecto sujo e desgastado da galáxia, como podemos observar na própria Millennium Falcon ou em como as bases da Primeira Ordem recriam o visual Imperial dos filmes anteriores. Só fico triste em ver uma falta de imaginação na criação dos planetas. Todos podem facilmente ser resumidos em deserto, floresta e neve, não tendo nada que se equipare a visão incrível de George Lucas que nos trouxe cidades nas nuvens, plataformas flutuantes e um planeta todo feito de lava. A única exceção é a cena final, rodada na impressionante Ilha de Skye, na Escócia, que oferece uma paisagem verdadeiramente deslumbrante e digna da vasta mitologia.
E não poderia deixar de falar da lenda viva que é John Williams, retornando aqui pela sétima vez para compor a trilha sonora original. Sendo bem sincero, não é o trabalho mais inspirado do veterano compositor, que reaproveita diversos dos temas consagrados da saga para os momentos mais memoráveis. Mas Williams garante ao menos um belo novo tema aventureiro para Rey e uma marcha heróica para os pilotos da Resistência, enquanto Kylo Ren nem de perto tem um tema maléfico tão icônico quanto a “Imperial March” de Darth Vader, mas ganha uma melodia sombria que, assim como sua própria personalidade, sugere um trabalho em andamento.
Não era tarefa fácil entregar um novo Star Wars para o mundo de hoje. É certo que J.J. Abrams manteu um jogo muito seguro ao apostar na fórmula vencedora do filme original, mas é inegável que O Despertar da Força seja um filme de aventura impecável, com um elenco fantástico e a promessa de levar a franquia a novos e mais interessantes rumos. Só falta um pouco mais de coragem, mas todos os ingredientes certos estão lá.
Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens, EUA – 2015)
Direção: J.J. Abrams
Roteiro: J.J. Abrams e Lawrence Kasdan
Elenco: Harrison Ford, Mark Hamill, Carrie Fisher, Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Adam Driver, Lupita Nyong’o, Domhnall Gleeson, Gwendoline Christie, Andy Serkis
Gênero: Aventura, Ficção Científica, Space Opera
Duração: 136 min
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