em , ,

A Mãe Suprema | O Final de Suspiria (2018) explicado

SPOILERS

Para aqueles que já tiveram a mera chance de conferir ao novo Suspiria de Luca Guadagino, o ambicioso remake do clássico de 1977 de Dario Argento, podem ter fortemente notado sobre o quanto o filme tenta se afastar o máximo possível do original. Seja na estrutura da história mais dramática e comandada por um mistério, na estética mais sombria e acinzentada, no tom mais soturno e gráfico em sua violência, mas acima de tudo em seu final que quebra quaisquer expectativas e que vai inevitavelmente dividir opiniões. Mas será que foi uma reviravolta sem pé nem cabeça ou que já fazia parte da história aqui estabelecida por essa nova versão do filme?

No grande e aguardado clímax do filme, que todos que estavam assistindo com certeza não podiam esperar mais para ver o que finalmente aconteceria com Susie (Dakota Johnson) dentro do âmago da escola de bruxas que a aprisionou sem notar, e sendo lentamente seduzida (ou enfeitiçada) por Madame Blanc (Tilda Swinton). Mas o que finalmente se desenrola, pode ou ter entortado a mente dos impressionáveis ou pouco surpreendido.

Tudo começa quando Susie é levada a uma câmara escondida onde Madame Blanc e as outras matronas aguardam pelo ritual com todas as alunas enfeitiçadas dançando como se estivessem em um ritual pagão e o pobre Dr. Klemperer despido no chão sendo atormentado pelas Matronas. E com a presença do ser desfigurado e incapacitado que se apresenta como Markos (Tilda Switon) a entidade que supostamente incorpora atualmente a Madre Suspiriorum, com Susie agora sendo escolhida para ser sua nova encarnação.

Porém, Blanc pressente que algo está errado, e quando tenta interromper a cerimônia, Markos à deixa semi-decapitada, e agora aparentemente seduzindo à Susie a ordena renunciar a sua própria mãe, que simultaneamente sucumbe ao seu leito de morte em Ohio no que parece ser outro rápido flashback do filme, dessa vez com a macasra forma feminina negra ceifando a alma da mãe de Susie. Seguido logo depois de uma intensa luz vermelha não natural engolindo sala do ritual.

Com Susie começando a tratar Markos com desdém, sem perder sua feição calma e um tanto santificada quando ela finalmente revela que ela mesma é a mãe Suspiriorum, que veio para reivindicar a liderança da ordem das bruxas e erradicar as “falsas Markos”. Novamente convocando macabra forma feminina negra que começa a matar Markos e suas matronas mais fiéis violentamente, poupando apenas aqueles que votaram em Blanc. Susie então caminha em direção à Patricia, Olga e Sara, cada uma fisicamente devastada pelos feitiços sombrios de Markos e suas Matronas, e agora imploram pela misericórdia da morte, que Susie lhes concede rápida e indolor. Ao mesmo tempo que clama para as dançarinas enfeitiçadas à continuarem dançando.

E quando o público já esqueceu, somos lembrados da presença do Dr. Klemperer ainda deitado nu no chão enquanto assiste ao tenebroso ritual e se traumatizando para a vida inteira. Para depois ser levado educadamente para fora da escola e é recebido em sua casa por uma visita sobrenatural de Susie, lhe contando o que realmente aconteceu com sua esposa morta durante a segunda guerra e logo lhe apaga a memória de todos os eventos daquela noite ao tocar em sua face. Algo que ela volta à fazer na rápida pós créditos do filme tocando na câmera, simbolizando sutilmente ela fazendo o público perder a memória de tudo acontecido no filme.

O Nascer da Madre Suspiriorum

Agora a pergunta que se fica após esse final indiscutivelmente ousado é se essa revelação faz mesmo algum mínimo de sentido dentro dessa versão da história. E com certeza sim já que faz parte do setor mais forte do filme que é sua história que procura se afastar o máximo possível do filme de Dario Argento, e para isso ele o faz com alguma boa dose de criatividade. Primeiramente por mudar e adicionar novos conceitos dentro da já pré-concebida estrutura do filme em que se baseia.

Pois para entender as decisões finais do filme, é necessário ver em que o filme almeja alcançar com isso. Se enquanto o Suspiria original se assumia como a perfeita criação de um pesadelo vivo e místico vindo do culto de bruxas que atormentavam psicológica e fisicamente a inocência feminina representadas na personagem original Suzy de Jessica Harper e nas outras alunas da escola de dança. Enquanto a versão de Guadagino, busca intensificar o misticismo do filme ao ponto de nunca nos deixar exatamente saber quem está por detrás do que, para além da ordem de Matronas regidas por Madame Blanc.

Ao mesmo tempo que mantém um dos melhores aspectos do filme original que é dar uma espécie de vida própria para todo o colégio e aqueles que o regem, embora mais enfadonho e menos criativo que o filme de Argento, mas nunca dá uma resposta exata e direta sobre quem rege o mal dentro desse lugar como o original fazia sem delongas, daí nasce a grande importância de Susie nessa narrativa. Com a personagem, ao contrário da versão de Jessica Harper, realmente recebendo um arco de personagem mais focado em história e desenvolvimento. Mas não tanto quanto se pode pensar ou esperar ao longo do filme.

Muito do que vemos da personagem durante o filme praticamente se baseia em seus estranhos e macabros pesadelos com Madame Blanc e a morte, seus constantes flashbacks para a sua infância de cultura Amish e a opressão abusiva que suportava da mãe, as vezes ambos simultaneamente, e as intensas aulas de dança no qual se investe mais e mais de alma e corpo ao “espírito” do que a dança significa: sedução, força, controle e poder, temas recorrentes de forma sutil ao longo do filme.

E daí vem o motivo do filme conseguir estabelecer de forma bem sutil a identidade da madre Suspiriorum em Susie. Fica-se a dúvida se ela teria possuído o corpo de Susie em algum ponto do filme, mas na verdade é algo que ela já trazia de berço e só veio a despertar quando chegou a hora da cerimônia de possessão com Markos que sempre acreditou ser Suspiriorum.

Ao longo do filme é mostrando que desde a infância ela sempre sonhava e se sentia atraída pela cidade de Berlim. E dizendo a Blanc que sempre fora fascinada por ela, ao ponto de fugir mais de uma vez de casa para ir em um de seus espetáculos. Demonstrando essa estranha fascinação de amor e respeito por Blanc, a mãe carinhosa e apoiante que nunca teve, ou um sutil indício de atração sexual?! Algo que nem Blanc mostra saber o que é ou como reagir, só sabe que sua missão é preparar a jovem para o sacrifício, mas não se sente certa quanto à isso.

Quando Susie finalmente se torna a Madre Suspiriorum no final em sua revelação surpresa, é o filme também mostrando algo que já era um tanto óbvio que a regência do da escola estava em uma usurpação violenta de poder. Onde apenas Blanc e algumas poucas seguidoras seguiam a crença de Suspiriorum com devoção e respeito, enquanto Markos e a maioria das Matronas abusavam do poder à sua volta com zombaria e atitudes pagãs, ocasionando na brutal tortura física e psicológica das alunas, o que remete ao abuso matriarcal da mãe de Susie em sua infância.

O que só torna óbvio que no momento em que ela nega sua origem materna no final, é exatamente o momento em que ela se revela Suspiriorum, dando fim às falsas mães e iniciando sua regência predestinada. Mais óbvio que isso é o buraco enorme que ela abre no peito no local do coração lembre e muito ao formato de uma vagina, indicando seu “coração materno” de criação e um novo nascer para Susie/Suspiriorum e suas “filhas” seguidoras.

A Recusa do Passado

Enquanto ao Dr. Klemperer, e seu arco tão aparente desnecessário ao longo do filme investigando o sumiço de sua paciente Patricia (Chloë Grace Moretz) e o envolvimento da Escola Markos já é um setor do filme que tenta fazer algumas conexões um tanto bizarras dos acontecimentos da narrativa principal em conexão com o palco da Berlim pós guerra e os constantes conflitos civis acontecendo contra o pode e regente. Vindo a dizer em certo ponto do filme que bruxas e misticismo são tudo invenções fantasiosas provindo da mesma origem maligna, seja o fascismo ou o poder usurpador dos fortes em cima dos fracos.

Só para mais tarde ele ter essa sua interessante teoria quebrada quando ele é atraído para a escola através de uma falsa aparição de sua esposa falecida Anke (uma cameo legal de Jessica Harper) e vira uma testemunha do verdadeiro poder das bruxas e de Suspiriorum. Que mais tarde ao vir em seu leito parece lhe agradecer a preocupação com suas alunas com genuíno carinho, mas diz que agora com sua presença, endeusada e materna, não precisará mais dessas preocupações e ajudas externas, muito menos a de um homem. O elenco majoritariamente feminino do filme, tirando dois policiais homens que pouco falam uma palavra já categoriza esse forte senso feminista do filme.

O apagar de sua memória sobre os eventos daquela noite, e sobre o triste destino de sua esposa pode ser visto como uma forma de piedade de Suspiriorum, extinguindo todo o mal testemunhado para encarar agora um futuro de paz em frente. A morte do passado de Klemperer, de Susie, de toda a escola. Mas um passado que mostra ainda estar presente em forma de uma eterna cicatriz quando a cena final do filme mostra Berlim nos dias atuais e a câmera foca no muro onde Klemperer e Anke haviam deixado sua marca de apaixonados e para sempre estará ali.

Avatar

Publicado por Raphael Klopper

Estudante de Jornalismo e amante de filmes desde o berço, que evoluiu ao longo dos anos para ser também um possível nerd amante de quadrinhos, games, livros, de todos os gêneros e tipos possíveis. E devido a isso, não tem um gosto particular, apenas busca apreciar todas as grandes qualidades que as obras que tanto admira.

Um Comentário

Leave a Reply

Deixe uma resposta

Crítica | Channel Zero: Candle Cove – 1ª Temporada – Brincadeira de Criança

Novo clipe de Ariana Grande é um rip-off de ‘A Noviça Rebelde’