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Análise | Batman: The Telltale Series – Os Pecados Mortais dos Wayne

A Telltale Games conquistou prestígio absoluto com o sucesso da primeira temporada jogável de The Walking Dead. Revolucionando o gênero point n’ click, era esperado que a desenvolvedora durasse anos a fio, afinal estava conquistando diversas propriedades intelectuais importantes para adaptar em seus jogos como Game of Thrones e Guardiões da Galáxia.

Porém, não foi bem isso o que aconteceu. O primeiro game que mostrava o quanto a empresa estava mastigando mais do que podia comer foi justamente Batman: The Telltale Series. O game era muito aguardado por diversos fãs do Morcego, afinal o herói é o mais popular da DC e já virou um símbolo nerd. Praticamente todo mundo conhece o Batman.

Esperando um sucesso de vendas, a Telltale amargou um grande fracasso com o jogo, pois quem já tinha adquirido o primeiro episódio, espalhou o estado lamentável que o game se encontrava. Com diversos bugs, falhas de áudio e crashes constantes, o game estava condenado. A Telltale tentou corrigir os problemas que, de fato, diminuíram muito, mas o estrago já estava feito. O game não decolou nas vendas.

Entretanto, superando o preconceito com o jogo, resolvi conhecer o que a Telltale tinha para contar com o personagem ilustre que já viveu tantas transformações na mão de diversos roteiristas. Para minha surpresa, em questão de minutos, já sabia que estava acompanhando uma das melhores narrativas com o personagem.

Memória Viva e Cruel

Nessa versão, acompanhamos um Batman em seus primeiros anos como vigilante. Sua relação com Gordon já é bem estabelecida, mas diversos de seus vilões mais maquiavélicos ainda não surgiram. Acompanhamos o nascimento de alguns deles durante a aventura. Aqui, Bruce Wayne divide sua rotina pública ao financiar a campanha de Harvey Dent para prefeito de Gotham enquanto lida com as ameaças de um novo grupo terrorista chamado Filhos de Arkham. Ao mesmo tempo, um conhecido seu de muitos anos retorna à cidade, Oswald Cobblepot. O rapaz afirma que uma revolução acontecerá na qual Wayne perderá tudo sendo confrontado pelos crimes que sua família cometeu.

Com plena liberdade para contar essa história que firma as bases do universo do Batman nessa versão da Telltale, a desenvolvedora não temeu tocar em pontos sensíveis da vida do personagem trazendo informações bastante perturbadoras sobre a vida de Thomas e Martha Wayne com o submundo de Gotham.

O game se baseia nessa busca de Bruce Wayne pela verdade do legado de sua família que é bastante diferente do que havia imaginado por diversos anos. Esse ponto em especial da narrativa é brilhantemente desenvolvido, colocando diversas questões morais sobre o que Bruce deve fazer para restaurar a imagem de sua família para a população de Gotham.

Focando bastante na vida de Bruce, algo raro até mesmo nos quadrinhos, vemos como o personagem lida com questões de sua empresa e principalmente com sua amizade com Harvey Dent, um personagem também bem escrito, mas de modo mais supérfluo com diversas indicações da sua falta de pulso firme e decisões difíceis explorando seu lado covarde que alimenta a persona do vilão Duas-Caras que, obviamente, surge em algum ponto do jogo.

O interessante do game é oferecer possibilidades em tentar salvar Harvey Dent de seu trágico destino de se tornar Duas-Caras. Há abordagens violentas e pacíficas para lidar com o personagem quando seu psicológico ficar realmente abalado que definem bastante qual abordagem que o jogador deseja para lidar com essas questões. Infelizmente, em termos de poder alterar a narrativa, a relação com Harvey acaba não alterando os eventos finais do jogo, o que é decepcionante.

Ainda assim, Harvey é um ponto importante da história para que Bruce conheça Selina Kyle, apesar de já tê-la encontrado como Mulher-Gato em outro ponto. O interessante é que os roteiristas já firmam um pacto corajoso entre Selina e Bruce logo nesse primeiro encontro no qual ambos aparecem sem máscaras. O game todo trabalha em cima de um romance bem escrito, mas que não foge muito do que já havia sido estabelecido previamente em outros quadrinhos.

Os pontos realmente muito bem elaborados envolvem o carinho de Alfred com Bruce e sua culpa em ter ocultado tanto da história da família Wayne para ele, além do mistério que se desenrola envolvendo os Filhos de Arkham. A vilã Lady Arkham não guarda momentos muito memoráveis, mas consegue tornar a vida de Batman um verdadeiro inferno, ocasionando também em agressões à Bruce por uma coincidência bem planejada e justificada.

Tanto Lady Arkham quanto Coblepott são personagens, na prática, fracos e um tanto mal escritos, apesar dos esforços dos roteiristas firmarem motivações muito genuínas para suas ações contra Wayne deixando a linha moral bastante cinzenta para as ações do Batman. O que realmente falta é um pouco mais de desenvolvimento para os vilões que não encontram tantos momentos de diálogos marcantes como Harvey possui. Isso é uma verdadeira pena, pois potencial há de sobra.

Contando com poucos buracos de roteiro, apenas incomoda muito o fato de Bruce não usar o antidoto para as drogas que Lady Arkham usa em seus ataques terroristas. Isso ajudaria a aumentar a imersão e o poder das escolhas um tanto triviais (em maioria) que o jogador se depara na história. O que se torna muito interessante é ver como as escolhas que fizemos nessa temporada vão afetar a história da seguinte, focada no desenvolvimento de Coringa.

Velhos Truques

Assim como todos os games recentes da falida Telltale, Batman: The Telltale Series usa a mesma velha engine da desenvolvedora. Ou seja, grande parte das animações são robóticas, embora tenhamos sequências de luta com coreografias excelentes. De mesmo modo, há grandes limitações para a expressão facial dos personagens.

Obviamente que o game precisava de uma engine mais poderosa para potencializar a grande qualidade do roteiro, mas não é isso o que acontece. Em termos de gameplay temos as tradicionais sequências de QTEs, mas com a novidade de seções investigativas nas quais Batman conecta e reconstrói cenas de crime. A mesma mecânica de “conectar” também aparece em determinados segmentos nos quais Batman planeja como irá atacar um grande grupo de inimigos.

Em suma, é apenas isto. Os jogos da Telltale se aproximam bastante ao formato de filmes interativos, mas com mais atividade do espectador. Impressiona negativamente também notar que alguns bugs ainda existem no jogo, apesar de todos os reparos que a Telltale disponibilizou em atualizações importantes.

O visual do game também acompanha o padrão estabelecido desde 2014 com The Wolf Among Us, algo também impressionante, mas incômodo. Diversos efeitos de iluminação e sombra são defasados, apesar da estética de Gotham e de outros elementos icônicos relacionados ao Batman funcionarem bem.

O game se vale de diversas referências a a outras obras audiovisuais do Morcego, com claras inspirações ao trabalho de Christopher Nolan com a trilogia do Cavaleiro das Trevas. A música, em maioria, não supera sua função primordial de ilustrar com o som as situações que ocorrem na tela, mas existem sim boas faixas memoráveis.

O ponto técnico que realmente merece diversos elogios é a direção que consegue manter o ritmo da obra sempre bastante fluído, com reviravoltas bem marcadas, além de criarem enquadramentos genuinamente cinematográficos sendo alguns repletos de simbologia contrastando a vida de Bruce Wayne com o peso da responsabilidade que é ser o Batman.

Com toda a certeza, Batman: The Telltale Series é um ótimo game, mas que sofre bastante com a limitação da engine e da pressa em seu processo de produção. Há muita qualidade na história, principalmente a focada em Bruce Wayne, além um trabalho excepcional do elenco de vozes. É um game obrigatório para qualquer fã do personagem.

Batman: The Telltale Series (EUA – 2016)

Desenvolvedor: Telltale Games
Estúdio: Telltale Games
Gênero: Aventura, Point n’ Click, Narrativa Visual
Plataformas: PS3, PS4, Xbox One, Xbox 360, PC, Switch, iOS, Android

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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