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Análise | Resident Evil 4

“Resident Evil 4” passou por um processo de desenvolvimento extremamente complicado com direito a troca de diretor, ideias em estágio avançado, fases inteiras redesenhadas, história, perspectiva de câmera… No meio disso, ainda se deu o nascimento de outra franquia, “Devil May Cry”. Shinji Mikami, o criador da franquia, acabou assumindo de vez o comando determinado a apostar longe da zona de segurança da série. 

O resultado? O novo padrão para jogos em terceira pessoa a ser seguido pela indústria em jogos de ação em terceira pessoa.

Primeiramente, gostaria de apontar que, apesar do apelo emocional que o game tem sobre mim por ser o primeiro contato que tive com a franquia – o que me levou a correr atrás do início e seguir a cronologia normal da saga, irei me ater a análise imparcial quanto ao seu significado geral dentro da franquia. 

O aspecto mais simples de se analisar trata-se da história. Leon Scott Kennedy, agora agente especial do governo americano, é encarregado de salvar a filha do Presidente, Ahsley Graham, raptada por uma seita, em uma zona rural da Espanha. A analogia simbólica dos inimigos que Leon enfrenta durante a jogatina, é clara. Os moradores possuídos pelo vírus Las Plagas representam fiéis cegos, o que ganha potência logo de início com o tocar de um sino e pelo cenário da trama. Até poderia render uma suposta crítica interessante se não fosse abordado de forma superficial, mas essa nunca foi a proposta da saga, não cabe a mim apontar erro aqui.

As viradas e andamento da trama são bem convencionais e previsíveis, assim como as idas e vindas de personagens secundários, principalmente com o subaproveitados Luis Sera, além disso não há um desenvolvimento de personagem crível para Leon, visto que ele não cresce e se eleva internamente com os eventos que passa. O trunfo é como o roteiro consegue amarrar de forma bem articulada os locais por onde Leon passa durante a campanha, sempre variados e com potenciais absurdos de oportunidades de desafios e estratégias de gameplay.

Entretanto – e aqui entro na área de análise mais controversa do jogo, que alguns preferem esquecer ou elaborar desculpas mirabolantes para defesa – a redefinição dos rumos da franquia a partir do segundo ato da campanha possui 2 falhas graves, uma dentro do contexto narrativo e outra no contexto da série.

A primeira trata-se de uma conveniência de roteiro, em meio a várias outras presentes na história, principalmente com o emburrecimento de Ashley acima do nível aceitável, em relação a Jack Krauser, antigo parceiro de Leon supostamente morto que aparece aqui somente para amarrar uma ponta simples do roteiro e concretizar uma divertida e extremamente bem coreografada luta de boss.

A segunda já é um pouco mais pesada e, talvez, mais complexa de se entender para alguns fãs mais aficionados. Perceba, o trabalho de construção de tensão e sensação de vulnerabilidade construídas no primeiro ato é excepcional, digno do mais sufocante survival horror, devido muito a ambientação, a trilha inquietante e grave, aos inimigos mais agressivos, às munições e sprays de vida escassos e ao fato do jogador não poder andar enquanto mira. Ou seja, por mais que o foco de câmera tenha mudado, a ação tenha recebido maior foco de gameplay do que nos anteriores com maior valorização do ataque com armas de fogo e desafios com hordas de inimigos, o clima estabelecido na primeira entrada da franquia ainda era sentido. 

Porém, ao chegarmos na capela para resgatar Ashley e pelo que se segue depois, o foco muda e o restante dos atos não possui mais uma ligação com o primeiro. Não há uma conexão enquanto estabelecimento de proposta. O terror de sobrevivência se concretiza mais em relação de sugestão e puxando do primeiro ato os outros elementos que não são retirados (trilha, parte da ambientação e hordas agressivas), enquanto que o jogador não se sente mais vulnerável, não somente por, à essa altura, estar com a maleta particular cheia de munições e armas, mas por enfrentar inimigos que destoam demais dos costumeiros zumbis, com alguns deles, lá para o final, portando armaduras e armamento pesado e passar por trechos que colocam Leon como um herói de filme de ação realizando movimentos impossíveis em um corredor de lasers ou lutando contra um super mutante, quase abraçando de vez a galhofa, horas soando como uma paródia da série com ecos de “Metal Gear”.

O responsável pelos jogos-equívocos que viriam depois (“Resident Evil 5 e 6”) é, portanto, o conceito mal estabelecido de “Resident Evil 4” durante os atos, herdado, provavelmente, do complicado processo criativo. Logo, analisando pelo contexto estabelecido anteriormente na saga, “RE 4” peca por não saber conciliar sempre as novas ideias de mecânica com o que “RE” representava. 

Mas digamos que eu utilize a ótica de análise que toda saga de jogos pode ser mutável e que esse é um dos casos em que o que veio antes não serve como base comparativa para julgamento. Então, “RE 4” é quase impecável? Não necessariamente, pois a estrutura dos atos ainda não iriam conversar uma com as outras. Entretanto, o problema da “alma” da franquia não existiria, facilitando o gosto de novatos que não se aventuraram pelas aventuras passadas.

Eu, pessoalmente, não gosto de utilizar essa ótica pelo simples motivo de coesão interna de uma linha de títulos de uma saga. Você gostaria de um tom “Batman v Superman” em um filme dos Vingadores depois de ter assistido “The Avengers – Os Vingadores”? Certamente que não… Eu também não iria gostar de uma “Liga da Justiça” com o tom quase pastelão de “Era de Ultron” e por aí vai… 

Mas e a discrepância entre “Alien” e sua sequência, “Aliens”? Nesse caso, a franquia demonstrou-se mutável já em sua segunda entrada, auxiliada inclusive, pela visão criativa intensa de dois diferentes diretores e não depois de 3 apostas com títulos similares diferenciados somente pelo número posterior às letras. Consequentemente, considero o desvio de conduta da franquia sim, um defeito válido de ser apontado.

Entrando agora onde o jogo mais acerta, em sua nova concepção de mecânica com o foco de câmera atrás do protagonista e sobre seus ombros durante o uso da arma. A adição da mira a laser implementa maior profundidade ao apontar podendo apontar para diversas direções utilizando bem o espaço ampliado das áreas mais abertas. Como a inteligência dos inimigos também melhorou – com esquivas, comunicação entre o bando e ataques próximos, a elaboração de estratégias é necessária, obrigando o jogador a pensar em que local ou objeto do corpo ou ao lado do inimigo deve atirar ou se economiza e se arrisca com uma faca. A presença de QTEs durante um ataque próximo inimigo deixa tudo mais tenso e a maior interação com o ambiente também aumenta o leque de possibilidades com derrubadas de escadas e saltos por janelas.

Os recursos do jogador devem ser administrados no inventário em uma maleta com limitação de espaço, com compra e venda de itens através de um comerciante com visual peculiar que, por vezes, dá as caras em diversos trechos do jogo proferidos frases hoje já icônicas. Os gráficos também sofreram uma evolução brutal, com mais detalhes no cenário e em inimigos – pouco diversificados mas extremamente bem desenhados, como o camponês da serra elétrica – bem modelados mas não tanto quanto o protagonista, cuja técnica atinge o auge em sua roupa e corpo.

Os trechos de gameplay são bem diversificados e com level designs excelentes, dando a oportunidade ao jogador de enfrentar um monstro em uma lagoa, um gigante infectado, um mutante com compridos espinhos em sua superfície, se safar de um labirinto com cães e presenciar boss fights que variam de intensos combates corporais a um confronto com oponentes enormes em estágios avançados de mutação.

Em meio a um processo de desenvolvimento, contra todas as probabilidades, a Capcom mostra que fez o dever de casa ao criar um excelente jogo de terror em seu primeiro ato e um igualmente elogiável jogo de ação com elementos de terror do segundo para frente. Pena que a coesão interna não só do produto em si mas da franquia no geral foi sacrificada em prol da diversificação de gameplay dentro de uma ambiciosa campanha que, ao tentar sair da zona segura da série e agradar vários tipos de jogadores de uma vez, acaba abrindo espaço para o futuro desvirtuamento absoluto do foco e identidade primária iniciados com o fantástico primeiro game e estabelecidos de vez com a obra prima do segundo.

PS: A versão rejogada para a análise trata-se da versão remasterizada para PlayStation 4, esta que apenas recomendo para os novatos que nunca experimentaram o game em consoles passados, visto que as melhorias são mínimas e insignificantes para um veterano.

Resident Evil 4 (Biohazard 4, EUA/Japão – 2005)
Desenvolvedora: Capcom
Gênero: Survival Horror, Tiro em Terceira Pessoa
Plataformas: GameCube, Playstation 2, PlayStation 3, Playstation 4, Xbox 360, Xbox One, Wii, iOS, Android, Zeebo, Microsoft Windows.

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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