Lista | Ranking dos games Bioshock
Bioshock, apesar de ser apenas uma trilogia, teve e tem o potencial de ser uma das maiores franquias de games da história recente. Logo, mesmo que exista apenas três desses games, é válido realizar um artigo para relembrar e enaltecer toda a qualidade que experimentamos em cada uma dessas experiências únicas, já que cada jogo ofereceu um clima distinto.
Ainda que seja um artigo curto, adiante segue o ranking da franquia Bioshock
3. Bioshock 2
Marcado por polêmicas na produção, Bioshock 2, apesar de não ser um jogo ruim, ficou muito aquém do que foi prometido e esperado. Lançado apenas dois anos depois do primeiro game, a desenvolvedora seguiu o caminho mais óbvio, colocando o jogador na pele de um distinto e temível Big Daddie.
O maior pecado de Bioshock 2 é justamente ser uma sequência. O game tem muitos méritos que se tornam pálidos quando inevitavelmente comparados com o jogo anterior. As mudanças de gameplay foram criativas e a narrativa conferiu e abrangeu o lore dos jogos abrangendo temáticas complexas sobre as Little Sisters e seu papel em Rapture.
Uma pena que o game não sustente muito do seu fôlego por carregar a incômoda sensação de “mais do mesmo” em um jogo cujo game design já é bastante difícil de manter o jogador empolgado sem apostar um pouco na adrenalina e senso de urgência, coisa que os outros dois acertaram em cheio.
2. Bioshock
O primeiro Bioshock provavelmente tem um dos melhores inícios de campanha da história. Nunca vou me esquecer da sensação sinistra de encontrar um farol no meio do nada e logo submergir naquela bela e decadente cidade submarina de Rapture para então ficar aterrorizado pelos distintos habitantes bizarros do lugar.
Com um pontapé fantástico que te assusta e maravilha, Bioshock consegue te prender por toda sua extensão oferecendo recompensas e reviravoltas inestimáveis envolvendo o gameplay fluído de tiroteio e “magias” soltas pelos plasmids, além da narrativa muito recompensadora. O jogo te forçava a todo minuto a tomar uma das decisões éticas mais complicadas que um game ousou oferecer envolvendo as recompensas entre poupar ou sacrificar as Little Sisters, após sempre uma batalha difícil contra um de seus protetores, os Big Daddies.
Dentre tantas qualidades envolvendo inúmeros setores, o único defeito de Bioshock talvez seja o de não permitir a morte do jogador, já que sempre retornávamos para as Vita Chambers como se fossem checkpoints perenes, nunca alterando o dano já distribuído em chefes e sub-chefes.
1. Bioshock Infinite
O Bioshock original só não é o melhor jogo da franquia justamente pela reformulação absurda que Ken Levine decidiu aplicar em sua criação. Apontado justamente como um dos melhores games da geração passada, ao lado de concorrentes ferozes como The Last of Us, Bioshock Infinite é simplesmente magistral.
Raros são os jogos capazes de mudar as regras da indústria e esse é justamente um deles. Com valor de blockbuster e uma narrativa desafiadora e muito, mas muito complexa, o game tinha tudo para dar errado, mas conseguiu fazer tudo corretamente. Simplesmente não para imaginar Bioshock Infinite em outra mídia além dos vídeo games.
Mantendo a fluidez fantástica de gameplay na série, o game impressiona por trazer um design artístico impecável para dar a vida à cidade flutuante de Columbia, além de apresentar personagens inesquecíveis como Booker DeWitt e Elizabeth Comstock. A dupla de protagonistas possui papel ativo sobre como a mecânica do game é pensada, alterando ajudas sempre bem-vindas em momentos de aperto contra os muitos inimigos humanos e mecanizados, além do temível Songbird.
Além de ser um game espetacular por si só, Bioshock Infinite conta com a expansão Burial at Sea que traz novamente uma experiência espetacular, mas agora com os personagens de Infinite em novas versões interagindo em Rapture. É um jogo tão obrigatório quanto.
Imagino que esse ranking seja parecido com os demais, mas é inegável que há uma escalada nítida de qualidade entre um título e outro. Mas para você, qual é o melhor Bioshock?
Crítica | Noites de Cabíria - A Irreverência da Vida
Fellini já estava em alta depois do sucesso de Os Boas Vidas em 1953, mas mesmo com o impulso na carreira, o cineasta só encontraria sua primeira obra prima em 1957 com o lançamento do belíssimo Noites de Cabíria, um filme completamente amadurecido. Já bem afastado do Neorrealismo Italiano caminhando para seu próprio estilo que explodiria no próximo filme de sua carreira, Fellini ainda preservaria traços de seu primeiro sucesso, incluindo a narrativa de acompanhar rejeitados sociais, mas com corações de ouro.
No caso, o diretor apresenta a história da pequena e pobre prostituta Cabíria (Giulietta Masina no melhor momento de sua carreira). Ao contrário das outras colegas de ofício, Cabíria tem sua própria casa e um código de trabalho bastante pessoal, mas apesar disso, ela guarda segredos íntimos dos seus sonhos dignos de um conto de fadas.
Por trás de toda sua rispidez, Cabíria deseja casar na esperança de encontrar um homem correto que não tente tirar vantagem de suas pequenas conquistas e que se esforce em construir uma vida digna ao seu lado. Porém, em suas noites, o destino sempre insiste em esmagar as aspirações fantasiosas da jovem mulher que tenta não se render diante de tantas frustrações.
Onde Há Vida, há Esperança
Apesar de todo o contexto pesado envolvendo a prostituição, Fellini continua tratando suas narrativas com bastante leveza. Noites de Cabíria impressiona em primeiro momento pelo contagiante ar descontraído e muito bem-humorado podendo até mesmo ser classificado como uma comédia. A apresentação da personagem protagonista dá justamente o tom para toda a obra.
Cabíria é quase assassinada ao ser jogada em um rio por seu namorado que deseja roubar algumas liras que ela tem em sua bolsa. Ao ser resgatada e ressuscitada, ela se revolta contra seus salvadores ao notar que o amado só estava interessado em seu dinheiro. Tudo era uma farsa para roubá-la. É importante que o espectador fique atento ao começo do longa, pois ele dita toda a personalidade fantástica de Cabíria ao ser ressuscitada por alguns poucos jovens que se dispuseram a resgatá-la da morte certa.
A personagem repleta de veia cômica, já revela essa profunda melancolia da traição e do próprio existir. A personagem repleta de sonhos amorosos, de um resgate digno de um conto de fadas, também luta contra uma depressão que a faz desejar a morte em momentos mais frágeis.
Fellini elabora isso com extrema rapidez e eficácia. Depois da apresentação de Cabíria, não há mais o que pedir de desenvolvimento da personagem, já que o artista deseja experimentá-la em diversas situações episódicas nas quais irá elevá-la e depois jogá-la para a realidade. Isso acontece por diversas vezes, mas nunca Fellini deixa as situações caírem na repetitividade.
Todas oferecem vislumbres valiosos sobre o quão simples pode ser Cabíria diante de situações surreais como uma noitada com famoso e ricaço ator italiano ou depois de uma frustrante sessão de humilhação pública depois de ser hipnotizada. Cada sequência oferece o contato da protagonista com os mais íntimos de seus sonhos que encantam o espectador pela leveza de todas as situações, além da habilidade incontestável de Giulietta Masina em dominar todas as cenas que participa.
Fellini também se importa em trazer alguns pequenos detalhes sobre a realidade por vezes implacável que as prostitutas passam durante as noites de serviço ao fugir de policiais, mas sempre evita em mostrar o envolvimento de Cabíria com seus clientes. Ou seja, apesar de dramático e realista, Fellini apela pouco para um melodrama mais pesado a fim de sustentar o clímax nada menos que apoteótico.
A última narrativa, a mais elaborada, é a manifestação pura de Fellini pelo apreço do valor à vida e de toda sua beleza inesperada. Comentar por extenso sobre o que ocorre no terceiro ato da obra, seria uma imoralidade a todos que não deram alguma chance para Noites de Cabíria. Não é por mero acaso que se trata de um dos finais mais bonitos do Cinema como um todo.
Nele, Fellini atinge um verdadeiro ápice narrativo e na técnica, juntando imagens levemente sobrenaturais, muito inspiradas no trabalho de George Stevens em Um Lugar ao Sol, além de utilizar com precisão o primeiro grande close para capturar todo rebuliço emocional que atinge os dois personagens. É uma culminação fantástica extremamente bela que, acompanhada da ótima trilha musical, é capaz de gerar uma das intensas catarses no espectador.
Noites de Clássicos
É bem provável que Noites de Cabíria seja o melhor filme de toda a carreira de Federico Fellini. Mesmo que tenha conquistado clássicos incontestáveis após o lançamento desta obra, poucos chegam ao nível apoteótico desse conto espetacular. A mistura perfeita de comédia e tragédia para representar a beleza do espírito humano mesmo diante das piores possibilidades. Onde há vida, há esperança.
Noites de Cabíria (Le notti di Cabiria, Itália – 1957)
Direção: Federico Fellini
Roteiro: Federico Fellini
Elenco: Giulietta Masina, François Périer, Franca Marzi, Aldo Silvani
Gênero: Comédia, Drama
Duração: 110 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=HHSw7jxYCOk
Crítica | Missão: Impossível - Nação Secreta - Um perfeito blockbuster
Enquanto é inegável que há uma crise criativa em Hollywood, não é por mero acaso que o retorno de algumas franquias consagradas aos cinemas esteja transbordando nos lançamentos de 2015. Entretanto, mesmo visto com maus olhos por parte de muita gente, as novas narrativas exploradas nesses filmes podem reservar surpresas magníficas como Mad Max: Estrada da Fúria e outras histórias que não chegam a comprometer como Exterminador do Futuro: Gênesis.
Agora, uma das maiores surpresas do ano, já em seu quinto filme, Missão: Impossível – Nação Secreta entrega, possivelmente, a melhor história da franquia além de ser um entretenimento puríssimo e inteligente. Prepare-se para dar as boas-vindas à Nação Secreta.
Dessa vez, Ethan Hunt e a Força Missão Impossível concentram seus esforços para rastrear uma organização terrorista chamada Sindicato orquestrada pelo gênio do crime Solomon Lane. Entretanto, graças aos danos diplomáticos causados pelos efeitos colaterais das ações que ocorreram em Protocolo Fantasma, o gabinete de segurança nacional adere ao pedido do chefão da CIA, Alan Hunley, para que a FMI seja fechada para sempre. Com isso, Ethan está isolado em sua missão suicida para desmantelar o Sindicato contando apenas com a ajuda de seus poucos amigos.
Mantendo o costume dos filmes Missão: Impossível, diretor e roteirista foram mudados. O lendário diretor Brad Bird cedeu a cadeira para Christopher McQuarrie – que também bolou o argumento e tratou o roteiro do filme. Com isso, mais uma vez, temos uma continuação com cara de reboot. O fato é que Nação Secreta pouco se conecta com eventos dos filmes anteriores. Funciona quase como um filme “original”.
A mudança é sempre bem-vinda, pois traz vida nova a cada filme da série. Aqui, McQuarrie simplesmente eleva Missão: Impossível para o estado de arte dos filmes de espionagem, ou seja, é um thriller de ação e suspense. Uma mistura de 007 de encontro com as tendências narrativas e de ação lançadas por games como Uncharted e Hitman.
A base do argumento é a mesma de sempre. Aliás, dificilmente algum filme de espionagem foge disso. O herói que tenta desmantelar seu inimigo com esforços hercúleos. Entretanto, McQuarrie estudou muito bem para organizar seu roteiro. Já que a história não é nenhuma novidade para ninguém, ele adiciona muitas reviravoltas impressionantes para amarrar perfeitamente sua narrativa em diversos momentos-chave.
Aqui, McQuarrie explora com abundância o jogo de gato e rato de Ethan e Solomon – um dos melhores antagonistas da série graças a peculiar expressão fria do ator Sean Harris. Além disso, outro grande ponto positivo do roteiro são as relações que Ethan tem com seus comparsas. Especialmente no núcleo romântico com Ilsa Faust. McQuarrie pretere bastante o desenvolvimento de personagens. Ele simplesmente aposta em uma característica do personagem e no carisma do ator deixando a narrativa fluir baseada nisso. Isso não quer dizer que só temos bestas humanas em Nação Secreta, muito pelo contrário. O senso de união e cumplicidade entre Ethan e sua trupe nunca foi tão forte. O destaque, claro, fica para a “missão impossível” da vez que demanda um plano muito elaborado.
Felizmente, McQuarrie é alguém capaz de criar uma história extremamente inteligente assim como é mestre na direção cinematográfica. Isso é a união de dois mundos que, na maioria das vezes, é um deleite para nós – o diretor roteirista. Isso ocorre porque o diretor tem o potencial de construir seu filme na maior proximidade possível que ele havia imaginado enquanto escrevia o texto.
A direção é brilhante. Sua encenação é inspirada em mestres como John Woo e beberica consideravelmente das missões extremamente roteirizadas de Uncharted – melhor adiantarem logo a produção do longa baseada no jogo. Para quem pensa que a já histórica sequência na qual Tom Cruise se pendura na porta de um avião durante uma decolagem é a melhor cena que o filme tem a oferecer, está muito enganado. Não quero estragar sua surpresa, mas todas têm seu charme único e são capazes de te deixar na ponta da cadeira com tanta tensão acumulada. O destaque fica por conta da maravilhosa cena que ocorre durante a ópera Turandot – o movimento Nessum Dorma tem destaque recorrente na ótima trilha musical de Joe Kraemer que explora muito bem o tema clássico da franquia.
Aqui, McQuarrie tenta atingir o primor que Sam Mendes conquistou na cena dos arranhas céus em Skyfall. Com seu próprio jeito, ele consegue chegar perto. São estilos de encenação muito diferentes. Enquanto Mendes movimenta a câmera lentamente, saboreando seus planos e deixando a coreografia da luta fluir com poucos cortes, McQuarrie é muito mais old school – na linha dos 007 interpretados por Pierce Brosnan. Ele fragmenta a ação em diversos planos, orienta bastante o olhar do espectador e a mistura com leves tons cômicos. Ele consegue criar o suspense justo com o uso da montagem um tanto frenética graças a sua decupagem sofisticada. Toda a ação é facilmente compreensível, porém é notório que sequencias de tiroteios e perseguições diversas são melhores dirigidas que as cenas voltadas para as lutas mano a mano.
Outro ponto que separa McQuarrie dos diretores mais comerciais é justamente o uso sábio do silêncio em diversas cenas. Ou seja, não há o uso intenso da trilha musical para catalisar a tensão. Já a pegada visual do filme é satisfatória, porém, esperava uma cinematografia mais elaborada de Robert Elswit – para quem não conhece, ele é o gênio que dirigiu a foto de Sangue Negro e que fez um excelente trabalho em Protocolo Fantasma. McQuarrie e Elswit elaboram uma imagem mais granulada e crua com um bom trabalho de iluminação. Caso houvesse uma inspiração ainda maior, a sequência da ópera teria tudo para se destacar entre diversos filmes do gênero.
Os poucos problemas do longa acontecem com a chegada do terceiro ato. Há uma nítida perda de ritmo deixando a impressão que o filme tem algumas cenas a mais do deveriam. Não é algo que prejudique muito a experiência, mas o filme declina e se arrasta em seu clímax. Outro ponto é que, às vezes, ele exige muito da suspensão de descrença por parte do espectador e passa a tornar tudo muito conveniente para o grupo de heróis.
Missão: Impossível - Nação Secreta é o melhor filme da franquia até agora, arrisco-me a dizer. Seu timing excelente de reviravoltas divertidíssimas e imprevisíveis mantém ávido o seu interesse pela narrativa do filme. Não traz somente uma ótima história como também cenas de ação fantásticas que encantam pela complexidade técnica assim como nos fisgam diretamente pela emoção. No fim, este novo Missão: Impossível, tão apaixonado pela ópera, passa a se tornar uma. Afinal, nós sabemos o que iremos encontrar, porém, ainda assim, retornamos para vislumbrar sua beleza e nos surpreender com as interpretações diferentes de cada diretor que trabalha com essas obras.
Espero com muita expectativa pelo próximo.
Missão: Impossível - Nação Secreta (Mission: Impossible - Rogue Nation, EUA - 2015)
Direção: Christopher McQuarrie
Roteiro: Chistopher McQuarrie e Drew Pearce, baseado na série e TV de Bruce Geller
Elenco: Tom Cruise, Simon Pegg, Jeremy Renner, Rebecca Ferguson, Ving Rhames, Alec Baldwin, Sean Harris
Gênero: Aventura, Ação
Duração: 131 min
https://www.youtube.com/watch?v=F-qBD17wwrQ
Leia mais sobre Missão: Impossível
Crítica | Os Boas Vidas - Eternamente Jovens
Com o Neorrealismo Italiano ganhando enorme popularidade após os sucessos perpetrados por Luchino Visconti em A Terra Treme e Roberto Rossellini com outros longas precursores do movimento como Alemanha, Ano Zero e Roma, Cidade Aberta, o movimento cinematográfico ainda revelaria ao mundo o talento inegável de Federico Fellini através de Os Boas Vidas, seu terceiro longa-metragem que definitivamente alçou o diretor para o sucesso mundial com uma inesperada indicação ao Oscar.
Entretanto, mesmo sendo um longa neorrealista, Os Boas Vidas é um longa de amadurecimento do movimento muito mais centrado em grandes dramas e preocupados com a condição social de classes menos favorecidas, além da carga ideológica presente sobre questões trabalhistas e de exploração. Fellini se afasta de tudo isso para tocar um drama que, de certa forma, poderia ser considerado próximo aos padrões hollywoodianos de Frank Capra.
Ser ou Não Ser
Fellini nos apresenta a um grupo de cinco amigos, todos de classe média acomodados em vidas confortáveis e repletas de agrados sem quaisquer responsabilidades. Porém, rapidamente a rotina de festas e zorra de Moraldo, Alberto, Fausto, Leopoldo e Riccardo sofre uma reviravolta quando descobrem que a irmã de Moraldo, Sandra, está grávida de Fausto. Com custo, os dois se casam e partem para uma vida desconhecida de responsabilidades, embora o jovem homem ainda insista em negar qualquer responsabilidade em seu cotidiano.
Em seu roteiro, Fellini trouxe diversas características pertencentes a sua própria vida, tanto que o título original do longa, I Vitelloni, vem diretamente de uma ofensa vinda de uma senhora que desaprovava as traquinagens do diretor enquanto vadiava nas ruas com seus amigos.
Com esse olhar mais maduro sobre a própria juventude, é rápido notar que existe muito moralismo em Os Boas Vidas. As ações impensadas dos rapazes prejudicam terceiros em muitos momentos trazendo o contraste forte entre a velha geração dos pais que preza pela moral e bons costumes da época, além de valores que separam os responsáveis da laia de vagabundos que os personagens convivem.
Todos carecem de encontrar um sentido pleno em suas vidas e, para disfarçar a melancolia, buscam o pleno escapismo. É uma crítica exemplar de Fellini que até hoje se encontra relevante, pois esse momento definitivo e confuso na vida de qualquer é o que separa o ser e o não ser. Acompanhamos pessoas que não são, não lutam ou batalham. Uns aspiram como no caso do amigo mais artista que passa suas noites escrevendo roteiros falidos, enquanto outros apenas se afundam em dívidas, lençóis de mulheres apaixonantes e ingênuas, além de desperdiçarem todas as boas chances que a vida oferece.
Mesmo tão complexo no assunto abordado, o cineasta trabalha a narrativa e a direção com bastante leveza, apelando poucas vezes para diálogos expositivos ou para a repetição de situações que podem levar a cenas redundantes ou simplesmente desconexas. O único pecado do diretor é justamente estender certos momentos além da conta. Fora isso, o drama funciona perfeitamente no qual os personagens precisam compreender a realidade que os cerca por si mesmos.
Alguns contrastes inteligentes são elaborados como no caso dos encontros de Moraldo com Guido, um jovem de treze anos que já trabalha na estação ferroviária. Moraldo, como seu próprio nome indica, é o único que carrega a moralidade consigo e se encontra perturbado pela completa inércia de sua vida embora acabe em outra tentativa escapistas para resolver seus problemas.
Mesmo que haja cinco personagens para trabalhar, Fellini dedica muito do tempo da obra em cima de Fausto e Sandra, ou sobre como Fausto negligencia sua família por ser um completo mulherengo. Apesar de ser uma situação clichê muito explorada pelo Cinema como um todo, há alguns finos detalhes que o diretor elabora com perfeição como durante a epifania do personagem ou no tratamento controlador hipócrita que Fausto aplica em Sandra, já que claramente ela é uma prisioneira das vaidades do marido que proíbe qualquer luxo que ela possa desfrutar: seja uma sessão tranquila no cinema ou um mero sanduíche.
A estética de Fellini também estava germinando com este que era apenas o seu segundo longa solo na direção. Apreciador da linguagem clássica, nota-se refinamento nas composições, incluindo algumas muito belas que capturam a beleza mundana da vida como quando mostra um deficiente mental acariciando uma estátua de um anjo. A narração over se faz presente e, assim como em outros filmes neorrealistas, peca por explicar o longa ou em descrever até mesmo a ação visível aos olhos.
Ainda assim, confere um toque moderno bastante apreciado por conseguir equilibrar bem a melancolia do drama com a galhofa do humor. O que mais chama a atenção na técnica do então jovem diretor acontece logo no começo da obra, quando ele usa a câmera subjetiva para ilustrar o mal-estar de Sandra durante uma festa. Com direito a quebra da quarta parede, o cineasta preserva a encenação do desmaio com esse mesmo plano, criando algo poético e surpreendente.
A inventividade só volta a surgir com o encerramento emocionante do longa no qual Fellini realiza pequenos travellings para simular o olhar do adeus de um personagem que desiste da vida provinciana que levava com seus amigos.
O Custo do Crescer
Os Boas Vidas nos ajuda a lembrar como a História tende a se repetir, apesar de ser esquecida a todo momento. Com alardes momentâneos sobre a dificuldade que a juventude contemporânea possui em se encontrar entre diversos prazeres e obrigações, Fellini eternizou em uma ótima obra de arte que isso já acontecia em 1953 e que também já aconteceu antes por diversas vezes. Neste conto moral inusitado, recebemos o conselho de um artista que experimentou o pior e o melhor até encontrar o domínio pleno do ser ou não ser.
Os Boas Vidas (I Vitelloni, Itália – 1953)
Direção: Federico Fellini
Roteiro: Federico Fellini, Ennio Flaiano
Elenco: Franco Interlenghi, Alberto Sordi, Franco Fabrizi, Leopoldo Trieste, Riccardo Fellini, Leonora Ruffo
Gênero: Drama, Comédia
Duração: 107 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=L76OA8LzGjk
Crítica | Exótica - A Impossibilidade do Escapismo
Apesar de não ser muito conhecido fora do espectro mais contido da esfera cult do Cinema, Atom Egoyan é um cineasta que conseguiu quebrar a barreira do ligeiramente desconhecido cinema canadense. Experiente e atuante até hoje, nos 1990 decidiu embarcar na onda de filmes excepcionalmente baseados na fragmentação da narrativa até o último segundo. Duas obras que trariam o ápice do estilo seriam lançadas somente nos anos 2000 com Amnésia e Cidade dos Sonhos.
Logo, de certa forma, Exótica é uma inspiração para alguns filmes, muito embora beba diretamente da fonte surrealista moderna de David Lynch. O fato é que Egoyan estende um conceito próprio para um curta-metragem ao máximo em seu filme-experimento e, por isso, até mesmo uma sinopse convencional, de causa e efeito, acaba estragando reviravoltas decisivas do longa.
Com três linhas narrativas entrelaçadas, Egoyan lentamente leva o espectador ao núcleo protagonista no qual acompanha a rotina decadente de Francis (Bruce Greenwood), um auditor da receita americana. Todos os dias, depois de deixar uma babá cuidando de sua casa, Francis trabalha e depois parte para o clube noturno Exotica. Já sempre bêbado, no limite da sobriedade, Francis observa sua dançarina favorita realizar um pequeno show, Christina (Mia Kirshner). Sua relação com Christina parece ser mais complexa e isso acaba instigando o bizarro locutor do strip club, Eric (Elias Koteas).
Pasárgada
Exótica não é, de forma alguma, um filme fácil. Egoyan enche sua narrativa de desvios e repetições ao máximo para levar o espectador a conclusões precipitadas e erradas indicando, de modo inteligente, que a imaginação fora do filme possa ser muito mais fantasiosa que a própria ficção retratada narrativamente.
Em um longa de ritmo lento e de acontecimentos que demoram a surgir, é realmente preciso estar atento as poucas dicas que o diretor/roteirista oferece ao longo das noites sofridas de Francis. A mudança de ponto de vista entre personagens tão gélidos quanto o protagonista oferece as distrações erradas, mas que neste universo tão sombrio acabam funcionando e até mesmo despertam interesse.
Uma pena que devido ao enorme mistério que Egoyan deseja emplacar, diversas dessas linhas sejam abandonadas ou apenas usadas como meros instrumentos de narrativa para evitar roteirismos muito convenientes. O melhor exemplo disso está na totalidade do ponto de vista centrado em Thomas, dono da loja de animais exóticos, que acaba fiscalizado por Francis em certo momento.
Tudo envolvendo Thomas acaba escanteado, embora tenhamos vislumbres de dramas curiosos envolvendo sexualidade e tráfico de animais. No próprio clube, através de diálogos que sempre caminham na tangente – algo que passa a ficar irritante depois da marca da primeira hora, outros são desperdiçados como a dona da boate, o fascínio de Eric por Christina e até mesmo da própria dançarina.
Egoyan não ousa desenvolver suas ideias para jogar tudo em um campo pseudo-surreal a fim de conquistar a atmosfera estranha e inquietante da obra. Só através de alguma exposição e um flashback bem inserido que o espectador compreende a dimensão complexa do drama do protagonista. O impacto emocional até surge, mas o cineasta mantém tudo na frieza em uma conclusão sobre o drama de Francis que pode ser considerada anticlimática.
Ainda assim, o tato do diretor é extremamente humano para lidar com tragédias familiares ao espectador. Isso tange ao luto e nisso, Exótica talvez seja um dos melhores longas a transportar na matéria do filme, em sua forma, toda a confusão do luto. Egoyan almejou e conquistou o título de cult justamente por seu controle nada discreto com a montagem do longa e do ritmo vagaroso.
Nota-se que o cineasta apura uma estética bastante sombria acompanhando a cinematografia de altas luzes nada discretas nos personagens – repare na força da contraluz, inserindo certa plasticidade típica dos anos 1990, mas ainda assim com toques surreais pela disposição dos cenários voyeurísticos e também da presença enjoativa de um verde sobrenatural na paleta de cores, evocando o quanto Francis é um homem preso ao passado.
A Boa Experiência
De resto, Egoyan não ousa muito com a câmera ou com composições. No máximo, há sugestões sexuais razoavelmente sutis, além de sua encenação sempre evocar erotismo e decadência na mesma medida. Sua força reside na montagem e na mensagem bastante pertinente da busca humana pelo paraíso terrestre, pelo paraíso exótico de Pasárgada. Muito embora estejamos presos e restritos a uma realidade acachapante que insiste em esmagar o maior dos escapismos.
Exótica (Exotica, Canadá – 1994)
Direção: Atom Egoyan
Roteiro: Atom Egoyan
Elenco: Bruce Greenwood, Mia Kirshner, Don McKellar, Elias Koteas
Gênero: Drama
Duração: 103 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=w6TdqnXSLaM
Crítica | Batman: O Cavaleiro das Trevas - O Poder do Caos
O mundo não esperava a revolução que Christopher Nolan traria para o cinema de super-heróis em 2005. Olhares incrédulos por todo o canto. Não podia ser tão bom do jeito que todo mundo falava. Com a sombra dos tenebrosos filmes de Joel Schumacher pairando pelos ombros da Warner Bros, Batman Begins havia restaurado a imagem do maior personagem da DC, estabelecendo um novo padrão que viria alterar não só o gênero de super-heróis, mas toda a indústria cultural.
Calcando-se no realismo e uma pegada mais adulta, o filme de 2005 enfim trouxe a dignidade que o Batman merecia, sendo o maior esforço já feito por sua imagem desde que Tim Burton apresentou sua Gotham City expressionista e escura após o Batman dançante da série de TV com Adam West.
E pensar que quase não tivemos uma continuação. Mesmo que tenha tido um impacto forte entre os fãs e a crítica, o novo Batman não era exatamente uma máquina de fazer dinheiro. Seu tom mais adulto e a fotografia sombria de Wally Pfister certamente afastaram a parcela do público que esperava algo mais colorido e amigável, e o fato de não termos vilões marcantes ou realmente físicos atrapalharam a campanha de brinquedos - ainda que o batmóvel Tumbler tenha sido um sucesso na Hot Wheels. Dessa forma, foi só quando o filme estourou no mercado home video que a Warner felizmente optou por dar sinal verde e encomendar uma continuação para Batman Begins, que nos levaria além daquela misteriosa conclusão onde Gordon entrega uma carta de baralho ao Batman, fazendo uma promessa de que veríamos o Coringa daquele universo novo e fascinante.
Mas nada e ninguém poderia prever o que aconteceria três anos depois.
O filme que consagraria Christopher Nolan e transformaria para sempre a escala dos filmes de super-herói veio a ser Batman: O Cavaleiro das Trevas. O transtorno causado poucos dias depois da estreia, é algo que sempre vou lembrar pelo resto da vida. Um inferno que se repetiria em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, mas até aí, já era algo esperado. A surpresa realmente chegou com o segundo filme que se manteve até o longa atingir a marca histórica do bilhão na bilheteria internacional.
Sempre há essa enorme dúvida que circunda a qualidade de um clássico contemporâneo, afinal pode O Cavaleiro das Trevas ser o melhor filme do gênero, além de se garantir como um dos melhores do século? A partir do meu ponto de vista, creio que sim. Nolan e sua trilogia do Batman ensinaram muita coisa para o gênero, mas a indústria seria ditada pelas tendências de Kevin Feige naquele mesmo ano com Homem de Ferro.
Claro que grande parcela da culpa sobre a hegemonia da estética atual da Marvel com filmes descomprometidos ou alguns que mais se assemelham a enlatados completos como Thor: O Mundo Sombrio, é também da Warner e sua total falta de planejamento em cronograma e linha estética sobre qual caminho seguir – e isso pelo jeito pode mudar de novo com as mudanças de Joss Whedon em Liga da Justiça, filme que culminaria essa “primeira fase” do universo compartilhado da DC.
Portanto, aqui nem cabe mesmo comparar uma coisa a outra. A trilogia Batman tem sua própria pegada de narrativa, escopo e estética. Elementos que são sim muito melhores trabalhados aqui em três filmes do que em qualquer outro de super-herói que foi lançado nesses últimos cinco anos. Para chegar nessa conclusão, nem é preciso muito esforço. Apenas compare o tanto de cenas icônicas que você se lembra de qualquer filme da trilogia Nolan com as mais barulhentas set pieces de outros lançamentos, sejam DC ou Marvel.
É um fato gigantesco que esses três filmes se destacam em praticamente tudo e se tornaram marcos do que poderia ter virado uma indústria de espetáculo. De fato, a era do blockbusters ainda aposta pesado no espetáculo, mas digamos que a cada filme, as coisas ficaram parecidas demais para despertar emoções tão fortes como essa trilogia tinha conseguido na época.
Mas superado esse assunto, o que realmente importa aqui nessa análise é celebrar o quão excelente é O Cavaleiro das Trevas, uma verdadeira obra-prima de Christopher Nolan.
Ordem
Não demora nada para sacar que o roteiro de Jonathan e Christopher Nolan em parceria com David Goyer é uma das boas pérolas que o gênero já trouxe. Seguindo uma convenção estrutural de trilogias, o segundo capítulo realmente traz o pior para a cruzada de Bruce Wayne como Batman. Para isso, é bastante simples: criar um antagonista que ameace não apenas a existência do herói, mas que consiga ameaçar o próprio espírito do protagonista.
O Cavaleiro das Trevas é um filme sobre o Coringa, mesmo que ele seja o personagem coadjuvante. O filme começa nele para que compreendamos toda a sucessão de eventos ocorridos a partir daquele primeiro assalto. Muitas coisas importantes são estabelecidas ali na introdução que praticamente anunciam como a narrativa se comportará. As muitas reviravoltas imprevisíveis e a completa subversão da lógica enquanto delineia uma racionalidade insana para os planos do vilão.
Todo o primeiro ato, do qual pretendo comentar sobre nesse segmento, funciona como um filme por si próprio. Temos três introduções para estabelecer as linhas narrativas paralelas que guiam todo o roteiro: a do Coringa, Batman e Havey Dent. Sem focar excessivamente no Coringa, os roteiristas deixam claro que o personagem está sempre um passo à frente dos outros dois, representantes da Ordem e da Lei.
Em uma cruzada pessoal, tanto para Batman quanto para Harvey, há um grande foco na caçada aos mafiosos da família Falcone. A ameaça do Coringa já é conhecida por Batman, muito bem avisado por Gordon, mas o herói toma atitudes negligentes. O erro que o vigilante comete por subestimar um inimigo desconhecido é implacável tanto que quase todos os confrontos seguintes têm como resultado a completa derrota de Batman.
Sabendo que os atos restantes seriam consumidos pela relação do Batman com o antagonista, sabiamente há o estabelecimento de motivações importantes, além de situar o triangulo amoroso entre Bruce, Harvey e Rachel. Apesar de nunca exposto por diálogos do ponto de vista de Bruce – o personagem em si fala muito pouco em todo o filme, é inferido que o Morcego já atua por tempos conseguindo diminuir a onda de crime que castigava Gotham por décadas. Isso é feito através de exposições inteligentes, trabalhando uma das relações mais importantes que diversos filmes de super-herói tendem a esquecer: a cidade-herói.
Vemos reportagens sobre a queda da criminalidade, discursos do prefeito e até mesmo bandidos desistindo de cometer crimes porque a noite chegou. É uma sequência em montagem eficiente para então vermos outro efeito colateral das ações de Batman sobre Gotham: inspirar pessoas a partir para a ação, assim como ele.
O ponto dos vigilantes armados é algo crucial para entender o quão falho passa a se tornar Batman como símbolo, jogando as pessoas direto para a violência contra inimigos mais poderosos que eles. É justamente por isso que a primeira vítima do Coringa é um desses mascarados comuns. O princípio para desmoralizar o símbolo do Morcego é fazer tanto Bruce quanto os cidadãos de Gotham pensarem que Batman é o responsável por mortes desnecessárias. Isso é explícito quando Coringa manda o vídeo ridicularizando o discurso de esperança de sua vítima.
No escopo pessoal, Bruce demonstra vontade de uma vida normal seguindo o desejo de se relacionar com Rachel. É preciso encontrar alguém para passar o manto de vigilante, mas agora para alguém que trabalhe na legalidade e não precise agir nas sombras. Este alguém é Harvey Dent, o homem pintado como poço de moral e virtudes.
Em poucos segmentos, é fácil compreender tudo o que o Cavaleiro Branco de Gotham representa para a população – mesmo que o roteiro deixe muito a desejar em vermos uma interação mais real entre a moral de Dent com o otimismo dos cidadãos da cidade. O interessante do núcleo da relação de Harvey com Batman é a inserção inteligente de Rachel em um triangulo amoroso cheio de tensão, mas que desafia a todo instante a civilidade dos dois personagens masculinos, principalmente de Bruce.
O roteiro de O Cavaleiro das Trevas adora trabalhar com frases de foreshadowing que vão definir o destino dos personagens. Para Harvey, obviamente se trata do Ou você morre como herói, ou vive o bastante para ver se tornar vilão. A jornada de Harvey é extremamente trágica, sentimos a empatia do mesmo modo que Bruce passa a acreditar no promotor. O carisma da atuação de Aaron Eckhart ajuda, mas o verdadeiro peso é centrado no amor que o personagem sente por Rachel.
Ela por si só tem pouca participação ativa na trama, mas representa a cola que segura a motivação e o espírito dos dois homens que se transformam em faces opostas de uma mesma moeda chamada justiça. Por isso que a reviravolta centrada em sua figura é extremamente cruel, mas delineia o quanto cada Cavaleiro suporta. A resistência a dor psicológica e emocional é a linha tênue que separa Dent de Batman de modo efetivo. Enquanto vemos um cair totalmente para as sombras, se tornando mero fantasma do que já representou um dia, Batman aguenta a pancada e segue na luta mesmo ferido.
É genial essa retratação do Duas-Caras em O Cavaleiro das Trevas por conta disso. Não é apenas um adereço estético para homenagear as HQs, mas sim um elemento que complementa profundamente a psique dividida do personagem. Parece óbvio, mas não é. Não existe mais bondade em Harvey. Ela morre no momento que Rachel é explodida pelo Coringa. O único resquício é a desculpa do acaso para se expiar da culpa das atitudes cada vez mais imorais que ele opta seguir. Mesmo que um lado de sua face seja normal, toda sua personalidade é podre, acompanhando o efeito “zumbificado” da maquiagem para o lado carbonizado do rosto.
E é justamente isso que ocorre em seu núcleo. Era para Harvey ter morrido no lugar de Rachel, era para ele ter desaparecido de Gotham, mas pela travessura do Coringa, acaba salvo a contragosto. Logo, se torna um dead man walking, um ser que não pertence mais ao plano terrestre. Tanto que suas ações após sair do hospital consistem apenas em assombrar aqueles que mataram sua amada e falharam na sua destruição. Torna-se um vingador maldito que mais parece pertencer a uma lenda urbana do que ser realmente um vilão ameaçador.
O filme não permite que tenhamos essa resposta do que teria ocorrido com o Duas-Caras caso não tivesse morrido antes de concluir sua vingança. Logo, é difícil sentir certa antipatia pela psicose despertada em Harvey, pois ele é injustiçado a todo o momento. Uma ironia totalmente cruel por parte dos roteiristas, pois fica claro que o personagem nunca faz a própria sorte como enuncia em diálogo.
Basta parar para pensar um pouco. O Duas-Caras não é uma criação somente do Coringa. O Batman leva parcela significativa de culpa. Para o herói sem limites, ser trapaceado pela enésima vez seguida revela o aspecto que o vigilante tende sempre a esquecer: sua humanidade. Falhando em resgatar tanto Rachel quanto Harvey, o Batman torna a dor de seu amigo completamente insuportável, negando a parceria firmada anteriormente em um pacto selado no telhado da Delegacia de Gotham.
Outro personagem que também recebe camadas pela criação do vilão é Jim Gordon por sempre ignorar as constantes bravatas de Dent indicando corrupção sistêmica em toda a sua equipe. Logo, para um personagem que deveria ter se tornado tudo o que os outros desejavam, ele é constantemente sabotado – detalhe que Harvey sempre tenta proteger os outros. Sabotagens que podem não ser intencionais por parte do lado dos mocinhos, mas só por essa característica existir, torna toda a jornada de Harvey Dent ainda mais trágica e injusta indicando como a Ordem e a Lei são conceitos totalmente falhos apenas sustentados por mentiras e decepções. Pesado, não? Mas a partir do ponto de vista de O Cavaleiro das Trevas, no qual vemos um herói totalmente derrotado e ciente de seus pecados, é o que se conclui. Tanto que, aliás, a catarse final de Batman é tomar atitudes que Harvey Dent havia tomado no fim de sua vida – sim, vida (como expliquei Duas-Caras é um fantasma na Terra).
Caos
Mas não é somente de Harvey Dent que vive o roteiro do filme.
Já é um tanto conhecido que é fácil delinear paralelos ativos entre o roteiro de O Cavaleiro das Trevas com os de Seven e Fogo Contra Fogo. As semelhanças entre a jornada do herói que só fracassa diante de uma ameaça completamente além de sua compreensão é a marca registrada de Seven, um dos filmes mais sensacionais que o Cinema Americano já nos trouxe. Fora isso, há as consequências dos atos do antagonista na vida pessoal dos heróis, afetando o cotidiano a um nível além do saudável como ocorre em Fogo Contra Fogo.
Com o Coringa fora da coleira, a onda de mortes certeiras se inicia até atingir o herói pessoalmente. O vilão tem o propósito de esgotar a todo momento o intelecto de Batman, anunciando suas próximas vítimas e conseguindo completar todas as etapas do seu plano para mostrar que o vigilante não consegue mais proteger a cidade. A diversão do Coringa é criar o completo descrédito do heroísmo construído por anos pelo Morcego.
Mas nunca há repetição de temas em níveis excessivos, pois a narrativa consideravelmente é acelerada pelos dois atos restantes. Aqui que surgem as ótimas histórias e diálogos sensacionais para criar um falso backstory para o antagonista. Como o ponto de vista focado em Coringa nunca nos revela quais são os próximos passos do seu plano, mas apenas nos mostra a execução deles, há uma maior ênfase no psicológico de Bruce Wayne.
Aqui, certamente temos o Batman detetive que tantos fãs queriam por tempos. Tanto que a porradaria em O Cavaleiro das Trevas é quase inexistente já que se trata de um embate profundamente intelectual. Uma mente da ordem em busca completa da superação da mente caótica. Perdido, o alento de sua figura paterna é necessário. Alfred é uma peça vital do jogo para que o herói compreenda com quem ele está lidando.
Por isso, existem dois segmentos de “caverna” nessa jornada do herói, literalmente na batcaverna, com Alfred servindo de guia e conselheiro. O primeiro demonstra soberba de Wayne – Batman has no limits. E Alfred afirma que Bruce Wayne possui limites e irá conhece-los cedo ou tarde. Na ignorância dos vitoriosos, Wayne ignora os monstros que crescem nas sombras. Isso acontece bem no começo do primeiro ato.
A segunda ocorre em uma derrota com o conto da história de Burma. O passado de Alfred é experimentado por Batman. Um nêmese irracional e imprevisível. O jogo é claro. Os roteiristas pedem que nós associemos o psicopata que Alfred enfrentara com as ações insanas do Coringa – Alguns homens só querem ver o mundo pegar fogo. No terceiro encontro, no completo fracasso, com o vilão tendo conseguido matar a cola que unia os dois heróis na Justiça, Alfred revela como conseguiram capturar o maníaco: Nós queimamos a floresta inteira.
Enquanto isso, sabiamente os roteiristas já mostram o quão fácil é quebrar o espírito de Harvey Dent, mesmo que ele controle sua própria “sorte”. No mínimo sinal de ameaça a Rachel, o Cavaleiro Branco recorre a medidas extremadas sem levar o histórico de sanidade de uma vítima. Novamente, Bruce é negligente em não reconhecer a escuridão que existe dentro de Harvey e o mantém no jogo tomando outra atitude impensada em não se revelar como Batman quando a hora mais escura se aproxima.
O caos delineado pelo Coringa é constituído pelas constantes vitórias que o vilão alcance sucessivamente. Porém, durante uma jogada imprevista durante o traslado de Harvey Dent já assumido como Batman, os mocinhos finalmente conseguem sua primeira grande vitória. O problema é que o plano precisa ser totalmente caótico e sujo por conta da farsa da morte de Gordon. Ou seja, nesse momento, os heróis precisam trapacear para vencer uma batalha.
Anarquia
O terceiro ato é marcado também pela maior derrota de Batman e dos representantes da Lei. O Coringa se comporta como um ser extremamente tóxico que consegue tirar qualquer um do sério. Com algumas conveniências e planos quase oniscientes, o vilão consegue se safar com facilidade de seus captores através de muita manipulação psicológica.
É por isso que com facilidade Nolan consegue deixar memorável o primeiro encontro em diálogos entre Coringa e Batman. Aqui se faz necessário assistir novamente a cena:
https://www.youtube.com/watch?v=X7LsBMA-rKg
Interrompo o raciocínio para simplesmente falar como um espectador normal e não como um crítico. Essa é, possivelmente, a melhor cena de toda a trilogia Nolan com o Batman. Primeiro, temos o prazer de presenciar um diálogo tão fascinante de tão bem escrito. Os roteiristas entendem o Coringa como uma grande força da natureza. Ele é o agente perturbador da ordem que toda sociedade precisa ter para encontrar equilíbrio. Logo, todas as suas ações parecem tiradas da cartola, como mágica. Isso para mim, não é demérito nenhum do roteiro que realmente pouco se importa em explicar tintim por tintim todos os passos ou a lógica dos planos do antagonista.
Se for analisar meticulosamente toda a trajetória do raciocínio do vilão, certamente encontrará furos implausíveis. Mas digo que, no caso desse personagem em específico, é a grande sacada que nos faz temer o Coringa de modo tão perturbador. Ao contrário dos outros vilões desse cenário realista que Nolan tanto arquiteta, o Coringa é um ser ilógico. Ele surge do nada e some do mesmo modo misterioso. Não há conclusão para a história do personagem, ele é um perfeito cliffhanger – algo tão descarado que na última cena que temos a sua participação, ele está completamente pendurado.
Por isso que sempre acho um ato totalmente desmedido desmerecer O Cavaleiro das Trevas justamente em uma de suas sacadas mais geniais: a escrita caótica e totalmente insana para o Coringa. É atacar a alma do filme, uma enorme licença poética que faz toda a narrativa se movimentar. Não fosse essas loucuras do roteiro dos Nolan e de Goyer, certamente não teríamos a cena em questão que iremos analisar.
Como havia dito, o Coringa é incompreensível, um lunático completo que não se importa com o quão forte bata nele que, de algum modo, conseguirá tirar proveito da situação o levando até a vitória. Por isso, não acho exagero afirmar que o Coringa enquanto Caos é representação da força da Natureza. Ele não ganha recompensas pessoais de suas ações. O vemos apenas com a determinação completa de destruir toda a Ordem criada pelos homens (Batman e Harvey Dent). É exatamente por isso, nesse jogo de representações de forças, que os homens nunca conseguem vencer o Coringa. Afinal, assim como na vida, não há como vencer a força irrefreável da Natureza, uma força aparentemente sem lógica que destrói e extermina apenas para criar tudo novamente em um ciclo infinito. Quando levamos isso em conta, sobre o Coringa funcionar como a Natureza, a frase de Alfred sobre queimar toda a floresta para conseguir vencer o maníaco ganha uma força simbólica muito mais forte.
Aqui, o interrogatório começa após a informação do sequestro de Rachel e Harvey. Mesmo preso, o vilão tem a vantagem, upper hand. Vejamos pelo uso da iluminação, absolutamente genial – Wally Pfister, o antigo fotógrafo de Nolan, é especialmente espetacular com o grau insano de contraste e profundidade que consegue conferir em absolutamente todos os planos do filme. A razão é bem simples. De início, temos o Coringa como o senhor da escuridão, provocando a todo momento Gordon. A luz toca sutilmente o rosto do personagem destemido.
Porém, basta Gordon sair, que a subversão da escuridão surge. Das sombras, surge Batman e, então, toda a sala é iluminada com a forte luz branca. É uma das poucas vezes que o Coringa é pego de surpresa, mas logo ele se adapta à situação adversa. Então inicia o diálogo extremamente importante.
Aqui, aproveito para dizer que a direção de Nolan não é muito interessada em simbologias visuais explícitas e signos, mas sim no próprio assunto cinematográfico, ou seja, assuntos estéticos. Toda a decupagem que o diretor utiliza é para potencializar a atuação de quem está em cena. Ledger, com toda a vantagem de seu papel, domina. O texto mostra uma análise do Coringa sobre a importância do Batman. Ele vê um equilíbrio pleno que o Morcego falha em enxergar ou compreender.
Justamente por isso que temos o herói cada vez mais enredado nas armadilhas do vilão. O texto compara os dois personagens a todo o momento, a provocação é diferente, pois aproxima o herói à escória que ele jurou combater. Não demora nada até Batman perder totalmente o controle – tão logo a câmera passa a ficar tão desestabilizada quanto o personagem. Sem vencer o debate intelectual com um louco, obviamente, o Morcego passa a usar tortura como método para conseguir a informação que tanto quer.
É bem aí que temos duas derrotas seguidas em menos de um minuto. A primeira envolve Batman perdendo a compostura de seu intelecto. A outra é quando seu algoz ri e comenta com razão, Você não tem nada com o que me ameaçar. Então, por livre e espontânea vontade em ver trapacear o Morcego novamente, o vilão revela onde estão Rachel e Harvey. O propósito é conseguir fazer Batman perder de novo e de novo. Rachel morre e Harvey também dando origem ao Duas-Caras.
A escrita é perversa e matemática em como fazer de tudo para quebrar a força de vontade de Bruce. Por isso que a última sequência com os conselhos de Alfred é tão importante. Na omissão da carta de Rachel revelando que a aventura romântica entre os dois acabou. O mordomo motiva o herói a também olhar sob o aspecto da vingança, mas não a mortal – a da justiça. É interessante também notar que o desenvolvimento de Alfred deste para o próximo filme é bastante sentido. Aqui, o herói só mantém o manto e não desiste por conta do encorajamento e do discurso da necessidade de Gotham que Alfred preserva no filme todo.
Falhando em anarquizar Batman, somente resta para o Coringa anarquizar toda Gotham jogando a cidade em estado de sítio em seus jogos mortais perversos. O debate moral suscitado pela armadilha doentia das balsas é fortíssimo e isso é muito bem discutido em filme. A vida de inocentes vale mais que a vida da escória? E os inocentes, agentes da lei, que estão nas barcas dos condenados de Gotham? Não valem nada também? O que difere a sobrevivência da barca com os civis se todos se tornam assassinos ao concordar em explodir os presidiários?
São tons de cinza no melhor dos joguinhos sociológicos que configuram no tardar da noite. Por perpetuar o medo, o Coringa reina sobre o caos. Apesar de todo o clímax ser muito poderoso e cheio de relações tensas desconfiadas entre os personagens contra o Batman, seja Gordon ou Lucius, uma das deficiências do texto faz bastante falta aqui: conhecer melhor os cidadãos de Gotham pós-ações do Batman.
O roteiro consegue sim sempre mostrar como os cidadãos reagem quando a anarquia é introduzida no momento que o Coringa avisa que explodirá um hospital caso o assistente de Bruce não seja morto em menos de uma hora. As pessoas entram em pânico completo e tentam assassinar o rapaz a todo custo. Já com base nesse estresse do experimento anterior e com a falta dos símbolos de esperança que foram mais que destruídos pelo Coringa, é um pouco difícil crer na resiliência otimista de Gotham.
Mas sem essa passagem, a moral do filme estaria completamente perdida o que não é nada justo no trato geral da obra. O Coringa finalmente perde. Mas essa é outra genialidade do roteiro. Ele não perde para o Batman, mas sim para o povo comum de Gotham. O medo perde. E no primeiro instante de vacilo, desaparece completamente. Como se nunca tivesse existido.
Porém, em uma das raras vezes que Nolan trabalha com signos, temos o uso da movimentação de câmera como simbologia. Com o Coringa pendurado e revelando a parte final de seu plano: destruir o espírito de Harvey, a câmera gira em seu próprio eixo até o personagem não estar mais de ponta cabeça. Até em seu completo momento de derrota, o vilão consegue “estabilizar” a situação a seu favor, deixando Batman totalmente acuado.
Honra e Traição ao Passado
O verdadeiro final de O Cavaleiro das Trevas é extremamente poderoso. Diria que até muito mais do que o clímax com o Coringa. Isso ocorre por conta da bagagem que temos com os personagens situados na ação.
No primeiro encontro de Harvey e Gordon com Batman no telhado da Delegacia de Gotham, um pacto pela justiça é firmado. Todos são parceiros na cruzada contra o crime. O último encontro com essas três figuras é marcado por um espelhamento revertido.
Harvey está quebrado, Gordon implora pela vida de sua família e Batman tenta vencer ao menos uma vez contra as forças malignas que enfrenta. Não somente isso, Bruce está ali vendo seu próprio diante de seus olhos. Um bandido ameaçando matar a família de um garoto indefeso em uma ala suja de Gotham.
O terreno também marca o maior fracasso do herói no filme: a morte de Rachel. Então todo o impasse possui extrema carga simbólica pelo passado de todos os envolvidos. Os três traem o pacto firmado anteriormente, mas Batman consegue honrar seu maior juramento. Ele salva Gordon e sua família. Desse modo, acaba também salvando a si próprio e seu legado. Mas para isso foi necessário matar a melhor esperança que Gotham teve em anos. Batman também trai a cidade.
A ordem há pouco reestabelecida com a prisão do Coringa se encontra completamente ameaçada. Mesmo na hora de seu triunfo, Batman perde. E para manter a cidade nos eixos, é preciso assumir toda a sua responsabilidade pelo caos que não pode impedir de amaldiçoar toda a cidade.
Inicia-se então um jogo de troca de legados. Batman sacrifica o seu símbolo e herda o legado caótico do Palhaço. Somente assim, um legado falso, o legado de Harvey Dent pode se reerguer. Mas a expiação de Batman é igualmente pecaminosa, pois o legado de Dent não existe. No fim, há somente o Caos escondido por uma fina cortina fajuta de ordem. Batman se torna, enfim, o criminoso que o Coringa trabalhou para que ele fosse.
Entretanto, sob o olhar de Gordon, mesmo com o enorme sacrifício do Morcego, o final é otimista. O Cavaleiro das Trevas, o protetor zeloso de Gotham, está vivo. E ressurgirá.
O Gênio por trás do Caos
Christopher Nolan tem presença massiva no texto de O Cavaleiro das Trevas. Ainda temos uma quantidade razoável de inserções de exposição desnecessária, o melhor das suas características também estão aqui. Há humor, diversas frases marcantes e a grande reviravolta final surpreendente.
Em termos de direção, Nolan quis dar um passo adiante. Na época, mexer com as raríssimas câmeras IMAX era algo praticamente inédito. O uso do formato estava restrito para documentários sobre o Espaço, as profundezas do oceano ou a vida selvagem. Os lançamentos, até então, eram convertidos para IMAX. A captação em longas-metragens de Hollywood começaria mesmo com Nolan e Michael Bay nos lançamentos de 2008.
Desde então, o IMAX 70mm virou uma assinatura autoral de Nolan em todos os seus filmes sequentes, garantindo cada vez mais minutos de projeção captados originalmente em IMAX. Para se ter noção da dificuldade desse processo de filmagem, o único filme que será 100% captado em IMAX é o próximo Vingadores: Guerra Infinita.
Justamente pensando na grandiosidade do IMAX, Nolan quis dar escopo e escala monumental para O Cavaleiro das Trevas. Mesmo que seja uma obra de conflitos intelectuais, o filme possui muita ação e tira vantagem da captação no formato. A começar, todos os establishg shots são feitos em IMAX. Isso permitiu duas coisas: uma mudança estética derradeira em comparação com Batman Begins e uma riqueza de detalhes realistas como nunca havia se visto antes.
A abertura do assalto, totalmente inspirada em Fogo Contra Fogo, praticamente enuncia as mudanças estéticas. A começar, é a primeira vez que vemos Nolan dar um tratamento diferenciado para a movimentação de câmera enquanto vemos cenas do Coringa. O uso fluído de steadicam e grandes angulares mostram um estado visual constante, livre e leve. Somente na grande revelação que o personagem é um assaltante mascarado, temos um enorme close no rosto de Heath Ledger – uma pequena curiosidade: o gerente do banco é interpretado por William Fichtner, ator que também participou de Fogo Contra Fogo.
A estética é mantida na outra cena com o Coringa, durante a reunião dos mafiosos. Steadicam e grandes angulares marcam a ação. Já com as cenas da cidade de Gotham, percebemos como a direção de arte abandonou a estética levemente estilizada do filme anterior para centrar toda a aventura em uma cidade realista. As luzes da fotografia de Pfister abandonam os elementos sépia amarelados e luzes baixas que tinha adotado para a primeira parte da trilogia.
Em termos de filmar ação, Nolan melhora consideravelmente sua direção. Diminuindo a quantidade de lutas corporais, o diretor centra a encenação através das estratégias do Morcego para derrubar o máximo de oponentes de uma só vez. Assim como nos quadrinhos, Batman não desce para a porrada com o Coringa, pois esse nunca foi o propósito do vilão.
Logo, o embate principal entre os dois se dá na melhor cena de ação do filme inteiro: a perseguição nos túneis. Aqui, novamente a dificuldade de manejar as câmeras IMAX é sentida, mas o saldo é muito positivo. Em decorrência disso, a ação é muito menos picotada. O que comanda a ação é a magnificência da encenação e proezas de efeitos práticos capturadas pelos planos majestosos da sequência - sem falar no primoroso trabalho de edição de som de Richard King, que carrega toda cena com um design sonoro rico e variado, tanto que nem trilha musical é usada aqui. Os elementos possuem peso, as colisões são críveis e a pirueta do caminhão continua sendo extraordinária. Não existe defeito aqui. Tudo é perfeitamente compreensível e tenso.
Aliás, tensão é o que define O Cavaleiro das Trevas. Assim como para Hitchcock, a força estética de Nolan está concentrada na montagem para gerar suspense. Comentar sobre montagem é sempre algo bastante abstrato e desafiados, pois é justamente a arte cinematográfica, logo, indizível. Mas através da decupagem bem pensada, sempre com movimentos magnéticos para a ação através de travelling ins lentíssimos, a tensão é gerada com a simples relação de plano/contraplano. Isso auxiliado pela perversidade da encenação simples, mas eficiente do diretor.
O melhor exemplo disso talvez seja durante o impasse que marca a cena final do filme, com o uso da moeda de Harvey para decidir quem vive ou quem morre. Ou até mesmo já nos primeiros minutos, com a bomba de fumaça. Tudo se resume ao timing. Nem a mais, nem a menos. Apenas a dosagem certa consegue te deixar na beira da poltrona, toda a bendita vez.
Em diversos momentos, a montagem se sobressai. Por exemplo, quando surge alguma montagem paralela, há o enunciado de que tragédias ocorrerão. Ou, para finalizar a tragédia de Harvey Dent, quando ele pega a moeda no hospital. Ao virá-la, Nolan insere um rápido flashback mostrando a lembrança dele passando a moeda para Rachel. Como um lado está todo queimado, o desespero da perda chega. Um momento sensível da direção.
Outro ponto que merece ser mencionado é o olhar de Nolan com seu elenco. Enquanto Christian Bale, Michael Cane, Morgan Freeman, Aaron Eckhart, Gary Oldman e Maggie Gyllenhaal estão afinados, temos a aposta surpreendente de Heath Ledger como Coringa. Na época do hype para esse filme, raras eram as almas que defendiam a escolha. Depois da estreia, as opiniões mudaram da água para o vinho. Ledger conseguiu superar Jack Nicholson e ainda por cima cravou uma das melhores atuações da História do Cinema.
Não é exagero afirmar isso para o retrato que ele apresentou nesse filme. Ledger desenvolve tiques constantes para indicar um estado de perturbação mental perene. Seja mordendo as bochechas, lambendo a todo momento os cantos da boca, ao quebrar o olhar para os lados tentando manter uma linha de raciocínio crível. É um estado de personificação que permite diversos improvisos marcantes de pontuação cômica extraordinária.
Por exemplo, vemos Ledger pegar uma taça cheia de champanhe para esvaziá-la em um movimento brusco e depois beber o que restou durante o jantar de gala de Wayne. Ou, na maior cena de improviso do filme, durante a falha do explosivo principal para derrubar o hospital geral de Gotham. É tudo rápido, simples e crível. A maldade surge com naturalidade, pois Ledger não usa olhares ou expressões que frisam o ato. Portanto, é a atuação menos caricatural que já vemos do Coringa e, ainda assim, parece ser a que melhor compreendeu o personagem.
Ledger percebeu que não havia necessidade de incorporar um palhaço psicopata histérico que ri a todo momento fazendo caretas bobocas. Seu Coringa é espontâneo, com ápices de loucura e comédia, assim como expressa diversos tipos de emoções como surpresa, sadismo, descontentamento, leve apreensão e até mesmo ternura. Ao contrário das retratações artificiais anteriores e posteriores, o Coringa de Ledger é realmente vivo, orgânico. E para o realismo de O Cavaleiro das Trevas, a credibilidade trazida pela atuação caiu como uma luva.
E é fácil nos relacionarmos com o personagem. Não apenas por conta do carisma inegável do ator e de sua risada marcante, mas pela qualidade soberba presentes em todas as frases que o Coringa diz. É uma máquina de citações poderosas e marcantes como: Why so serious? Haaa haaa haa, and I thought my jokes were bad. To them, you’re just a freak! Like me! You complete me. And here we go! All it takes is a simple push. Wanna see a magic trick? Entre tantos outros. É um primor de escrita em diálogos tão marcante que as frases de efeito realmente se tornam orgânicas dentro da conversação.
Para completar a junção primorosa de trabalho, temos a estupenda trilha musical de Hans Zimmer e James Newton Howard em colaboração fantástica. Dos três filmes, sem dúvidas esse é o que possui a melhor carga musical e sonora. O tema potente do herói invade diversas faixas. A mistura de estilos é sentida com gosto: há o ritmo viciante de instrumentos elétricos de Zimmer, como também temos os clássicos violinos de Howard com melodias significativas. Então quase todas as faixas são tensas, mas contam histórias pela própria organização da música. Tome como exemplo o fantástico tema do Coringa, que provoca toda a tensão e desconforto com apenas duas notas de violoncelo elétrico, e a qualquer sinal desse sonzinho agonizante, temos ciência de que as coisas darão totalmente errado para os heróis.
O Cavaleiro das Trevas
Esse ano tem sido catártico graças as muitas vezes que fui obrigado a revisitar algumas pérolas do passado para escrever em diversos especiais do site. Conforme revisitava clássicos, alguns até muito recentes como esse, comparava com o marasmo atual que o Cinema vem sofrendo. Principalmente o de super-heróis. Parece que há certo “internetzação” do cinema, com os filmes se comportando como virais, peças de uma jogada gigantesca de marketing. Mas estranhamente, se comportando como publicidade para a própria marca do que propriamente para o filme, como ocorria anos atrás no crepúsculo da Era do Blockbuster.
Hoje os filmes saem, são consumidos, resenhados, viram memes, causam algum barulho e, logo depois, desaparecem como se nunca tivessem existido. Nem é preciso olhar tanto para o passado para reconhecer isso: Homem-Aranha: De Volta ao Lar é um bom exemplo. O boca-a-boca parece ter sido assassinado. Um dos poucos recentes que conseguiu sobreviver ao arrefecimento do hype foi Batman Vs Superman, mas muito mais por sua polêmica divisiva do que pela qualidade cinematográfica.
Porém, cá estamos, nove anos depois da estreia de O Cavaleiro das Trevas, ainda estudando uma obra fascinante que parece ter muito o que dizer até agora. Atualmente, mais do que nunca, em seu valor de produção, encenação, roteiro profundo, excelente estudo de personagens, trilha musical fantástica, atuações históricas, montagem cativante, estética visual e sonora extremamente apurada e efeitos visuais práticos de cair o queixo. Ou seja, O Cavaleiro das Trevas realmente é um espetáculo como todo blockbuster deveria ser.
Estranhamente, a indústria parece ter caminhado na contramão do pensamento dos anos 2000. Pensamento que se importava tanto na qualidade final do produto, no seu potencial de arrecadação e também na sua relevância histórica. Ou seja, criar filmes que marcassem profundamente as pessoas, oferecendo entretenimento, diversão, emoção e memória, não apenas um passatempo esquecível para impulsionar vendas de produtos licenciados diversos.
O que aponto é o fato do produto principal, o filme, perder seu protagonismo. No fato de estar se transformando cada vez mais em produtos banais, em itens de consumo não-duráveis. O que certamente é uma bizarrice, afinal estamos tratando da mais bela junção entre expressão artística e empreendimento que as indústrias já viram. Não é natural vermos arte e esquecermos dela tão rapidamente como vem ocorrendo. Não é natural que os carros-chefes dos estúdios, no caso os filmes de super-heróis, tenham se tornado tão pasteurizados a ponto de perderem a identidade.
Sim, me atrevo a quebrar essa tabu. Me atrevo a apontar o dedo na ferida e mostrar que as coisas não vão bem. Me atrevo a dizer que quanto mais tivermos diretores mais interessados em contracheques e trampolins de carreira, mais teremos filmes sem ares cinematográficos. Mais obras vazias, mais entretenimento barato e banal. A completa perda do propósito do que o cinema deve ser.
E é reconhecendo as pérolas do passado que temos esse contraste assustador com o que Hollywood está virando. Seja com os blockbusters de outrora como Matrix, Jurassic Park, Titanic, trilogia Senhor dos Anéis, Independence Day, Guerra dos Mundos, Exterminador do Futuro, Velocidade Máxima, Homens de Preto, Avatar. Ou com os grandes flmes que esse gênero já nos trouxe como Homem-Aranha 2, Homem de Ferro ou X-Men 2. E principalmente com trilogia Batman de Christopher Nolan.
É por conta disso que, quando temos um Mad Max: Estrada da Fúria ou Logan da vida, as pessoas reagem de modo diferente, se comovem e conversam, crescem junto aos filmes. São verdadeiras produções arrasa-quarteirão. São filmes que se importaram em clamar seu direito de existência em meio a tanta mediocridade.
Na culminação de tudo isso, nessa bendita conclusão que me esforço a chegar com meu olhar incrédulo que guia a minha escrita, é exatamente agora que digo:
Batman: O Cavaleiro das Trevas é o blockbuster que tanto precisamos, mas que diante do nosso tremendo comodismo atual, nós não o merecemos.
Batman: O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, EUA – 2008)
Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan, Jonathan Nolan, David S. Goyer
Elenco: Christian Bale, Heath Ledger, Aaron Eckhart, Maggie Gyllenhaal, Michael Caine, Morgan Freeman, Gary Oldman, Cillian Murphy
Gênero: Ação, Policial
Duração: 152 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=GVx5K8WfFJY
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Crítica | As Invasões Bárbaras - Pais e Filhos
O Cinema é uma arte fenomenal. Ele permite que artistas concebam projetos absolutos que desafiam até mesmo o molde das próprias carreiras – isso quando não alucina a ponto de diluir a própria forma de apresentação da arte ao espectador. No caso de As Invasões Bárbaras, o diretor/roteirista Denys Arcand conseguiu provar que é possível aproveitar e incrementar experiências medíocres do passado.
Isso acontece por conta deste drama bastante denso ser sequência da comédia a la Woody Allen feita em 1986 com O Declínio do Império Americano no qual o diretor trabalha ferrenhamente através da exposição em diálogos sobre intelectualidade e sexo com seus personagens pouco inspiradores.
O Limite da Moralidade
Por se tratar de um longa muito baseado na experiência que anterior oferece, não há como não levar em conta O Declínio do Império Americano na análise de Invasões Bárbaras. Arcand faz uma aposta certeira de elaborar nítidos contrastes entre as obras e insistir na vitalidade que os personagens dessas histórias têm a oferecer. Ao contrário do anterior, pode-se dizer que Invasões é mais palatável ao espectador devido sua estrutura ser melhor arranjada no formato consagrado da narrativa clássica.
Rémy, o marido infiel intelectual bonachão de outrora, agora amargura a fase terminal de um câncer incurável. Enquanto espera a morte chegar, internado em um hospital público de terrível qualidade no Canadá, o ex-professor é confrontado e confortado por velhos amigos, além de ter que aproveitar o tempo que lhe resta para conseguir conciliar sua relação áspera com os filhos e a ex-mulher.
Se antes Arcand fazia questão de expor seus posicionamentos cáusticos sobre a diversos tópicos de modo pouco interessante, agora prova que alguns anos a mais realmente trouxeram maturidade artística para criar situações críveis, além de engajar o espectador com maior empatia e atenção pelos personagens, principalmente pelo protagonista.
Em geral, o diretor deseja abordar a temática do fracasso moral e ético da humanidade tendo Rémy como a personificação dessa ideia. Ele, um homem inteligentíssimo, vê suas convicções se tornarem irrelevantes diante do fato incontestável da morte totalmente indiferente a todos e a moralidade que rege qualquer sociedade. O próprio fato do protagonista viver uma confusão sobre suas filosofias já é o suficiente para torna-lo fascinante, pois enquanto Rémy evoca suas paixões que revelam toda a alegria e sabor em viver, também há uma dose niilista sobre os constantes massacres do caos violento que é grande parte da História da humanidade.
Embora o drama sabidamente clichê pelo próprio Arcand envolvendo a questão da paternidade não engrene por boa parte do tempo, novamente há uma razão maior para que o artista exponha em tela – a mensagem só chega no final, com grande poder catártico. Sébastien, filho de Rémy, condena o pai pelos anos de sofrimento envolvendo seus casos amorosos e negligência com a esposa, mas através da boa atuação dos atores principais, o crescente carinho se torna realista e até mesmo emocionante.
Arcand visa exibir o quão fácil é delinear a moralidade em campos sombrios quando as necessidades surgem, levando a uma abordagem sobre ética bastante complexa que, felizmente, o artista não opta por debater as problemáticas. Os personagens agem em motivações concretas sobre afeto e tomam escolhas que possam ser condenáveis, mesmo que em essência, não sejam. É confuso comentar sobre esse ponto de Invasões Bárbaras sem acabar entrando em maiores detalhes, mas pela força do longa que fala muito bem por si próprio, é melhor deixar a experiência intacta para o espectador.
Arcand é um provocador nato e suas tiradas políticas atingem em cheio os alvos. No caso, o diretor mira em toda a falsa propaganda envolvendo o welfare state canadense, apontando diversos problemas que os brasileiros podem acreditar ser exclusivos do S.U.S. como superlotação, falta de atenção médica, falta de equipe, corrupção, entre diversas outras denuncias expostas em pequenas esquetes cômicas ou somente com imagens como no caso da excepcional abertura em plano-sequência exibindo o estado deplorável do hospital no qual Rémy fica internado.
Não somente o texto e o desenvolvimento de personagens e apresentação de conceitos que são aprimorados aqui, mas também a própria gramática visual de Arcand. Quem assistiu ao O Declínio do Império Americano antes de se aventurar em Invasões Bárbaras notará uma diferença de abordagem estética avassaladora. Se antes o diretor não ousava com a câmera, a tratando até mesmo com certo desleixo, aqui ocorre justamente o oposto. Visualmente, mesmo que dentro dos padrões para qualquer obra cinematográfica atual, temos um longa bem definido e concebido.
Arcand movimenta mais a câmera e decupa as cenas com mais carinho, usando a linguagem cinematográfica com eficiência para nos conectar com as emoções que os outros personagens estão sentindo em tela. Por essa transformação tão pertinente que Invasões Bárbaras se torna um experimento fantástico. O cineasta reaproveita esses personagens de modo tão correto que eles realmente se portam como amigos de um passado distante que testemunhamos por breves momentos.
Quando o terceiro ato chega e Arcand elabora momentos finais levemente açucarados ao resgatar as diversões regressas do filme anterior, a obra emana um calor afetivo belo e ainda encontra tempo de tatear outra pauta polêmica de modo avassalador. É possível dizer que nesses pequenos momentos de ternura e contemplação da vida, o cineasta tenha buscado inspirações muito dignas em Morte em Veneza, eterno clássico de Luchino Visconti que conta com um dos finais mais apoteóticos da História do Cinema.
A Beleza da Falha Humana
Invasões Bárbaras é um drama bastante interessante, mas que requer sim a experiência de ser visto após O Declínio do Império Americano. Caso não o faça, o espectador vai sacrificar boa parte da moral e do experimento cinematográfico que Denys Arcand propõe com tanta atenção. Os temas explorados são pertinentes e atualíssimos preservando a visão bem detalhada do diretor sobre tópicos que ainda devem ser mais debatidos no futuro. Mas o que realmente importa, por trás de toda a complicação ética e moral, é ver a beleza da falha humana. Presente em nós desde o primeiro momento da nossa existência. É aí que as invasões bárbaras realmente começaram.
As Invasões Bárbaras (Les invasions barbares, Canadá – 2003)
Direção: Denys Arcand
Roteiro: Denys Arcand
Elenco: Rémy Gerard, Stéphane Rousseau, Marina Hands, Pierre Curzi, Yves Jacques, Marie-Josée Croze
Gênero: Drama, Comédia
Duração: 99 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=CLhGZLhYf_4
Crítica | O Declínio do Império Americano - O Paradoxo da Idade
O Declínio do Império Americano talvez seja um dos longas canadenses mais famosos ao redor do globo. Principal responsável por catapultar a carreira do diretor Dennys Arcand, Declínio é uma comédia do nicho quase esgotado sobre a famigerada “guerra dos sexos” com a abordagem distinta de fazer humor entre a ridicularização do discurso intelectualóide de integrantes acadêmicos das universidades.
A intenção de Arcand é justamente remover essa película turva e andrógina que a academia projeta em si mesma ao configurar discursos monótonos tão neutros que raramente conseguem despertar o interesse das massas. A hipocrisia entre o discurso público pedante e a esfera pessoal é o alvo do diretor que faz questão de contrastar uma frieza inicial com o trabalho para o calor das discussões envolvendo suas vidas privadas.
Guerras Cartesianas do Sexo
Acompanhamos oito integrantes em um grupo heterogêneo, mas com grande predominância de intelectuais que lecionam em faculdades canadenses em uma viagem para o interior. Em primeiro momento, a narrativa é separada em núcleos opostos: um focado totalmente nos homens que preparam toda a comida de um almoço festivo, e outro concentrado nas mulheres que relaxam durante a tarde em uma academia.
A sacada dessa primeira metade é inverter o jogo de clichês ao colocar as mulheres para malhar enquanto os homens cozinham, trocando os espaços sociais perpetuados por diversos anos em filmes românticos ou de comédias românticas noventistas de Hollywood. Por trazer o efeito cômico justamente pelo inusitado na época, o longa já ganha bons pontos ao prometer um entretenimento de muita qualidade, embora isso rapidamente se revele uma falsa impressão.
Não que O Declínio do Império Americano seja um filme ruim, mas também passa longe de ser uma experiência memorável. Arcand se baseia firmemente no estilo cômico dos filmes de Woody Allen e também na estética praticamente nula ou simples em excesso. O fato é que visto em 2018, o longa canadense é bastante datado com humor batido envolvendo tiradas clássicas sobre sexualidade e inseguranças masculinas e femininas durante as atividades entre quatro paredes.
O que mais interessa no texto é a sinceridade que ambas as partes têm com seus amigos enquanto traem os cônjuges por anos a fio de modo egoísta, tornando a relação mais íntima do casamento em algo frígido e banal. Ou quando busca semelhanças no discurso preconceito de ambos os sexos, apesar do véu da moralidade feminina. Isso sustenta bem a primeira metade do longa focada na montagem intercalada entre os grupos, além de apresentar flashbacks curiosos sobre as aventuras sexuais que compartilham entre si.
Pela força do elenco e das risadas genuínas, o filme conquista a atenção do espectador, mas isso logo decai quando os dois núcleos enfim são reunidos. Surge um inesperado melodrama envolvendo um casal relativamente afetado pelas traições do marido, além de uma pesada insistência na integrante mais jovem do grupo, revelando certas características nada usuais. Há ainda algo mais estranho como a inserção da narração over citando trechos românticos ou dramáticos em excesso.
O problema principal da escrita de Arcand talvez esteja centrado na repleta falta de empatia que esses personagens consigam gerar com o espectador. Muitos falam deles próprios em histórias que podem não despertar interesse algum, além de claramente o diálogo ser tão maquinal a ponto de perder a fluidez e organicidade. Por vezes, simplesmente não funciona.
O Risco da Idade
Em 1986, O Declínio do Império Americano realmente deve ter sido inovador e justamente por isso, merece certa consideração maior por parte do público. O longa quebrou alguns paradigmas dessas ditas “comédias de grupo” focadas em rodas de conversas monótonas e foi além ao apresentar com naturalidade homens e mulheres falando sobre sexo e suas aventuras românticas fora do casamento, além de outros tabus ainda muito sensíveis na época.
Hoje pode parecer que faça pouco sentido com o humor datado que até mesmo pode ser apontado como preconceituoso, mas não vejo dessa forma. O longa simplesmente envelheceu mal por fatores mais ligados a sua estética sonolenta e criação de personagens nada envolventes do que o próprio tema abordado.
O Declínio do Império Americano (Le déclin de l’empire américain, Canáda – 1986)
Direção: Denys Arcand
Roteiro: Denys Arcand, Gabriel Arcand
Elenco: Dominique Michel, Louise Portal, Pierre Curzi, Rémy Girard, Yves Jacques
Gênero: Comédia
Duração: 101 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=x8XbDQkpQr0
Crítica | Hotel Transilvânia 2 - Para Mentes muito Novas
Em 2012, houve uma explosão de filmes de animação com temas semelhantes: o universo fantástico dos monstros representados por Frankenweenie, Paranorman e Hotel Transilvânia,sendo este último, o longa mais fraco. Com um faturamento de 380 milhões de dólares, a Sony não pensou duas vezes em encomendar uma continuação. E assim se fez a felicidade das crianças e a tristeza dos pais.
Com a solução da crise entre os monstros e humanos, o mundo mudou drasticamente. Agora, Drácula recebe humanos em seu hotel, assim como os monstros são aceitos na sociedade dos homens. Simbolizando essa nova era, a vampira Mavis e o humano Jonathan se casam e logo se tornam pais do simpático Dennis. Entretanto, o avô Conde Drácula, está cada vez mais desconfiado de que a criança seja apenas humana e não um vampiro como ele queria que fosse. Com isso, Drácula pede para Jonathan levar Mavis para tirar umas férias em Santa Cruz com sua família deixando Dennis no Hotel. Assim que eles partem, Drácula, Frankenstein, Wayne – o lobisomem, Griffin – o homem invisível e Murray – a múmia, partem em outra viagem com Dennis com o intuído de mostrar como é ser um monstro de verdade na tentativa de despertar a metade “vampírica” do garoto.
Agora, finalmente, as crianças poderão saborear o “talento” de Adam Sandler como roteirista. Além dele, Robert Smigel assina a obra. Como é esperado, o filme contém mais deméritos do que características realmente inteligentes e gratificantes.
Começando pelos personagens, por mais absurdo que pareça, Dennis, o garotinho de quatro anos, é o personagem mais complexo do filme inteiro. O conflito interno que ele carrega é bem trabalhado. A culpa baseada sempre na dicotomia entre ser monstro ou humano e no real significado de ser um “monstro” toca o espectador de modo que nos simpatizamos com o menino logo de imediato – o design gráfico do personagem colabora com a linha fofíssima que os desenhistas dedicaram neste filme. É a clássica dicotomia entre ser bom ou mal que gera o questionamento muito digno no garoto. Entretanto, o desfecho disso tudo é bem decepcionante, pois não foge do esperado. Parece que na cabeça dos roteiristas, filmes para crianças devem seguir uma cartilha à risca para não surpreender ou ousar – um paradigma que já foi quebrado diversas pela Pixar e Dreamworks em Como Treinar seu Dragão.
A sacada principal do texto reside em trabalhar em clichês sempre eficientes: a exploração de mundos estranhos aos personagens, o retorno à ativa após um longo período aposentados, a relação familiar, aprender a lidar com as diferenças e a mudança das épocas.
Claro, tudo isso leva uma roupagem bem mais leve e cômica. Não espere reflexões Pixar em um filme como este. O desenvolvimento central se dá no conflito com Dennis apenas. O resto é um pano de fundo eficiente para trazer algumas piadas que certamente você já riu antes, mas apenas com situações diferentes. Como tudo isso é muito novo para a cabeça das crianças pequenas, elas se divertem à beça com o humor bem infantilizado do roteiro que aposta muito em piadas slapstick ou com trocadilhos bobocas. Para os adultos, bem, isso pode já não ser mais novidade, logo, não há muita diversão aqui.
A verdade é que o longa começa muito mal. Não há uma preparação para nada e tudo se desenrola com pressa. Isso para mim foi novidade, pois é mais comum encontrar filmes com finais apressados do que com inícios rápidos. Obviamente, isso deixa os espectadores de primeira viagem um tanto perdidos.
Outro problema do início do longa é o tom extremamente cômico e sem graça que certamente carregam a autoria de Adam Sandler. Há muitas piadas envolvendo temas contemporâneos como redes sociais, smartphones, músicas pop – aqui, literalmente a narrativa cessa para exibir uma cena de Dennis e Drácula dançando break, simplesmente ridículo.
Além disso, esse tipo de humor que trabalha com o estranhamento de personagens mais velhos com as recentes tecnologias já está mais que desgastado. Poucas piadas realmente trabalham com os personagens e suas essências clássicas da cinematografia – estas, quando surgem, são engraçadas, mas um tanto decepcionantes, pois são óbvias e previsíveis.
O desenvolvimento do restante dos personagens é irrisório também. Drácula é redundante ao extremo, cabeça dura até o fim do longa. Os outros monstros servem apenas para piadas. Raramente há um diálogo edificador para tentar mudar a opinião ou as ações do vampiro. Os humanos são ainda piores, já que todo o núcleo que concentra a família de Jonathan é porcamente explorado – são personagens estúpidos e apáticos. Porém nem todo o elenco humano consegue superar a chatice e superficialidade de Jonathan.
O marido de Mavis já não cativava no primeiro filme, agora muito menos já que a abordagem sempre estupida e surreal do personagem se manteve aqui. As motivações dele são menos que legitimas, ele ainda é infantilizado, sua mochila continua a ser mais importante que Mavis e nunca o roteiro apresenta trata a relação paterna de Jonathan com Dennis – certamente, uma pena, pois a maternidade de Mavis é bem desenvolvida.
Após anos trabalhando para o Cartoon Network com produções queridíssimas da minha infância como Samurai Jack, As Meninas Super-Poderosas e O Laboratório de Dexter¸Genndy Tartakvosky pôde estrear nos cinemas em 2012 com Hotel Transilvânia. Agora, para a nossa sorte ele retorna para a direção do segundo.
Infelizmente, Tartakovsky já não é mais o mesmo diretor perspicaz de outrora – seja pelo tempo ou por amarras criativas dos produtores. Nitidamente esse longa é muito mais infantilizado que o outro. Agora o público alvo são as crianças mais pequenas – algo que é sempre muito difícil de trabalhar, por isso as piadas e o texto são mais limitados, logo, isso se reflete diretamente na direção de Tartakovsky que sempre foi especializado em desenhos para crianças um pouco mais velhas.
O diretor já marca algumas presenças autorais em abrir o filme exatamente com o mesmo plano do longa anterior— algo que achei realmente interessante, mas depois disto, ele passa a guiar o longa no automático já que as sacadas visuais criativas ficam cada vez mais raras. Um dos deslizes do diretor se refere na continuidade da diegese que ele propõe. Existe uma piada recorrente no longa na qual caçoa do Drácula por não conseguir mexer em seu smartphone da Sony por conta de suas grandes unhas – repare em quantas vezes algum produto da Sony aparece no filme, péssimo hábito da produtora/distribuidora. Entretanto, logo depois, em outras cenas, a mão do personagem aparece em primeiro plano e, subitamente, as longas unhas do vampiro desaparecem – pelo visto há uma manicure a solta no Hotel Transilvânia.
Toda a linguagem cinematográfica é correta, praticamente impecável, com enquadramentos bonitos que valorizam o design de produção dos cenários, além da iluminação pensada que não foge do básico. O timing cômico é igualmente certeiro – baseia-se, inclusive, nessa característica em Frango Robô. É interessante notar como a técnica da animação mudou – muito mais exagerada que a do primeiro filme.
O traço dos personagens ainda continua o mesmo, excetuando Mavis que agora passa a ter o corpo de uma mulher após o parto que ainda apresenta resquícios da gravidez – algo incomum em desenhos animados. Mas no que tange as expressões faciais, Tartakovsky e os animadores trabalharam com inspiração em desenhos como O Incrível Mundo de Gumball nas quais os olhos possuem maior expressividade, além de se basear muito mais na caricatura bem exagerada.
Já para Dennis, a reprodução do personagem é tão agradável quanto a dos demais. Esbanja fofura e nos desperta simpatia no primeiro contato. Também tive a impressão de encontrar algumas semelhanças na expressão corporal do personagem com às do protagonista do desenho infantil Pocoyo.
Hotel Transilvânia 2 é um bom filme para as crianças pequenas – na faixa etária dos 3 a 7 anos de idade. Agora, se você for alguém mais velho ou se seus filhos já são um pouco mais crescidos e com um repertório básico de filmes na cabeça, certamente perderão seu tempo.
O longa é um festival de clichês que funcionam e reapresenta conceitos e mensagens que sempre são relevantes – ainda que faça apenas o básico e não adicione nada. O roteiro fraco, a direção um tanto exagerada e a recorrente exploração das “novas tecnologias” que na verdade são apenas um gatilho de marketing, tornam esse longa pouco expressivo em um gênero que não cansa de surpreender e apresentar ideias novas. É verdadeiramente uma pena, pois o universo “monstruoso” em que ele se sustenta é extremamente rico e poderia trazer histórias maravilhosas para todos nós.
É aquela antiga verdade: alguns simplesmente escolhem ser medíocres.
Hotel Transilvânia 2 (Hotel Transylvania 2, EUA, 2015)
Direção: Genndy Tartakovsky
Roteiro: Adam Sandler, Robert Smigel
Elenco: Adam Sandler, Andy Samberg, Selena Gomez, Kevin James, Steve Buscemi, David Spade, Keegan-Michael Key, Fran Drescher, Asher Blinkoff
Gênero: Animação infantil, Comédia, Aventura
Duração: 89 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=KCQF_AmayN0
Crítica | Homem-Formiga - Um pequeno grande filme de herói
A pré-produção de Homem-Formiga é uma das mais conturbadas da História do Cinema. As manchetes anunciando a saída do então diretor e roteirista Edgar Wright do projeto permearam todos os sites de entretenimento do mundo carregando um tom fúnebre. Todos que orbitam o cinema conhecem o talento nato, o estilo único e irreverência de Edgar Wright.
O trabalho se iniciou em 2006 e foi interrompido em 2014 por divergências criativas entre Wright e o chefão da Marvel Studios, 50. Logo, o futuro cinematográfico de um personagem que já é diminuto nos quadrinhos, ficou completamente a mercê da sorte. Porém, a sorte teve nome e ele é Edgar Wright. Aparentemente, a Marvel utilizou sim boa parte do roteiro que ele havia escrito nesta nova versão. A boa notícia é que o filme deu certo e é um dos melhores da Marvel até agora.
Aqui, os roteiristas Edgar Wright – ele recebeu seus créditos, Joe Cornish, Adam McKay e Paul Rudd – o ator protagonista auxiliou no desenvolvimento final do texto após a saída de Wright, trabalham a história de Scott Lang – o segundo Homem-Formiga nos quadrinhos.
Scott acabou de sair da prisão. Agora, aspirando uma nova vida, obstinado a sustentar sua filha vinda de um relacionamento fracassado. Entretanto, seus colegas de cadeia que já serviram pena, o informam de um novo golpe. Um furto na casa de Hank Pym, um idoso figurão que possui um cofre gigantesco.
Com as dificuldades financeiras e a impaciência para ficar próximo da filha, Scott aceita o trabalho na esperança de encontrar um cofre repleto de dinheiro e melhorar sua vida. Entretanto, após concluir o furto, encontra apenas um macacão velho e empoeirado. Sem saber que aquele é o uniforme do Homem-Formiga, Scott usa a roupa e descobre um gigantesco novo mundo ao diminuir de tamanho. Porém, assim que usufrui do traje, Scott é chamado por Hank Pym, o anterior Homem-Formiga, para resolver um problema massivo.
O presidente da sua empresa de tecnologia, o maníaco Darren Cross, conseguiu recriar um novo uniforme que replica a tecnologia do traje do super-herói. Porém suas intenções são de militarizar a tecnologia. Algo que Pym repudia intensamente. Assim a dupla Pym e Lang formam uma parceria para realizar um furto de um item muito específico.
O texto de Homem-Formiga é um dos melhores da Marvel. O filme cativa pela sua simplicidade e agilidade para a progressão da divertidíssima história. É uma surpresa muito agradável o fato do roteiro possuir sua identidade própria, além da característica comédia de Edgar Wright que permeia o surreal e o nonsense. Ético ou não, o uso dessas piadas oferece um novo ar para os sempre semelhantes roteiros da Marvel. Ao menos, até certo ponto, a trama de Homem-Formiga não é movida apenas por um macguffin.
Entretanto, mesmo utilizando o esqueleto de técnicas batidas e seguras, a Marvel oferece alguma liberdade criativa para piadas, direção e até mesmo em um momento único que acontece no fim do longa – isso já aconteceu antes no excelente Guardiões da Galáxia.
Ainda é triste notar que a Marvel não pretende amadurecer nada suas produções. Por exemplo, nesta daqui, era possível deixar a relação de Hope com Cross muito mais complexa, envolvendo um triangulo amoroso complicando o dilema familiar dela. Além disso, o filme é deficitário em desenvolver todos seus personagens, principalmente o antagonista Darren Cross – genérico e copiosamente maniqueísta. Entretanto, como o longa praticamente nunca se leva a sério, isso não se torna um problema.
Também há o fator do carisma que os atores inserem em seus papéis. Paul Rudd convence muito bem como super-herói e nos cativa pelo carisma. Michael Douglas, apesar de manter a figura rabugenta durante a projeção inteira, domina e compreende seu personagem. Evangeline Lily e Corey Stoll também mostram que são atores mais versáteis.
Este é um dos primeiros longas oriundos do estúdio que realmente exibem o protagonista a se tornar um herói. Sequências de treinamento, autoconhecimento e até mesmo o carinho depositado nas pequeninas e carismáticas formigas – muito relevantes ao longa, fazem com que a figura do herói cresça e ganhe uma empatia fantástica conosco.
Já a direção fica por conta de Peyton Reed, diretor acostumado a fazer filmes pequenos de comédias românticas. Considerando que este é o primeiro trabalho em uma produção “grande” de ação, Reed faz um trabalho impecável. Felizmente, o diretor se inspirou com certeza em Edgar Wright para dirigir diversas sequências como as que envolvem o planejamento do assalto, o clímax e as muitas montagens paralelas que o filme possui – em excesso. Aliás, um personagem inteiro muito provavelmente tem a criação de Wright – o falastrão Luis, vivido por Michael Peña.
Obviamente, devido à redução de tamanho do protagonista, esse é um dos primeiros filmes da Marvel a apresentar cenas de ação verdadeiramente diferentes – e todas filmadas com maestria. O filme praticamente se transforma quando Paul Rudd se transforma no Homem-Formiga. Tudo se torna mais interessante, seja no design de produção, na fotografia e na própria direção do filme. Nesse escopo, o diretor de fotografia Russell Carpenter, foge da fotografia sem identidade que perdura nas cenas ‘normais’ para utilizar jogos de luzes mais audaciosos, mais tons coloridos e o trabalho fenomenal com objetivas voltadas para a macrofotografia.
Homem-Formiga é um filme extremamente divertido que me transportou de volta para minha infância quando eu vibrava, me maravilhava com as histórias incríveis do Homem-Aranha de Sam Raimi. Ele te cativa pela sua simplicidade, pelos personagens divertidíssimos e graças aos novos ares da ação inédita e pequenina. Até mesmo a trilha foge do padrão ao inserir ritmos típicos do jazz. Aliás, é genial o casamento das lutas selvagens entre os personagens pequenos com os planos que englobam o ponto de vista que estamos habituados.
O longa é um dos mais engraçados e divertidos da Marvel, porém alguns problemas que persistem em quase todos os filmes deste universo se fazem presentes aqui também. A quebra do drama, da tensão e da atmosfera por conta do uso estúpido de piadinhas empurradas pelo produtor manda-chuva Kevin Feige, por algum milagre, casa com a proposta despojada de Homem-Formiga. Logo, este é um dos filmes que não são afetados pelo vício do produtor – Guardiões da Galáxia também se livrou de perder qualidade por causa das piadas.
É engraçado notar que essas duas produções consideradas pequenas e pouco importantes para a obra maior do estúdio, conseguem se tornar as melhores produções já vindas dele. Melhores até que Era de Ultron. Talvez a Marvel tenha que tratar todos seus filmes como “pequenos”. Quem sabe, se isso acontecer, a qualidade dos outros longas mais tradicionais também não melhore? Afinal, um Vingadores levar uma surra de um Homem-Formiga ou Guardiões da Galáxia nos quesitos diversão, originalidade de produção, audácia de texto e carisma é uma baita vergonha. Leia mais sobre Marvel Studios
Homem-Formiga (Ant-Man, EUA - 2015)
Direção: Peyton Reed
Roteiro: Joe Cornish, Edgar Wright, Peyton Reed, Adam McKay e Paul Rudd
Elenco: Paul Rudd, Michael Douglas, Evangeline Lily, Corey Stoll, Michael Peña, Anthony Mackie, Bobby Cannavale, Judy Greer
Gênero: Aventura, Comédia
Duração: 118 min
https://www.youtube.com/watch?v=pWdKf3MneyI