Crítica | Mogli: O Menino Lobo (2016)
A Disney, sem a menor sombra da dúvida, é o estúdio mais arraigado dentro de sua estrutura inabalável do studio system desse novo século. A razão é simples, basta observar o calendário de lançamentos já anunciados até 2019 – uma lista, aliás, que tem potencial de expansão. Só nesse ano, temos lançamentos em quase todos os meses. Seu modelo de negócios raramente foi ameaçado ao longo das décadas, mas agora, nesses anos 2010, o estúdio ri à toa. Os filmes de super-herói modelaram a tendência para o modelo de negócios com margem de lucro de baixo risco. A Disney entende disso como ninguém com suas adaptações Marvel. Entretanto, o estúdio não se limitou a isso. A companhia é megalomaníaca e voraz: expande em diversas áreas.
Além de seus super-heróis, temos suas tradicionais animações e também de trabalhos, agora em frequência industrial, dos filmes Pixar. Não só isso, o modelo de negócios, esse studio system disfarçado, exige os famigerados season movies, sejam eles de Verão ou Inverno. Nessa leva já vimos diversas obras de recepção mista como John Carter, Tomorrowland, Tron Legacy, Príncipe da Pérsia, O Cavaleiro Solitário, Piratas do Caribe, Oz: Mágico e Poderoso ou até mesmo Horas Decisivas. Dentro desse segmento, entram os filmes de releitura de animações clássicas, um movimento iniciado pela Disney e que acabou guiando esse mercado também explorado pela Universal Pictures.
Esse “revisionismo” de suas obras clássicas, seja contos de fadas ou não, é algo próprio dessa década. Seis anos depois, é possível declarar que o longa responsável por engrenar essa fatia de mercado foi o remake de Alice no País das Maravilhas. Com o bilhão de bilheteria gerado pelo sucesso do filme de Tim Burton, os empresários da Disney notaram que a ideia deu certo. O público consumiu e o filme de sucesso virou fenômeno: estava na boca do povo. A construção dessa rede de segurança orçamentária levou tempo. O dinheiro da renda vinda da Marvel permitiu transformar o fenômeno em tendência. Eis que em 2014 surge Malévola, releitura de A Bela Adormecida – além de ser outro longa que chegou muito perto de atingir o bilhão.
O segundo acerto consolidou de vez e dissipou todas as dúvidas que a Disney poderia ter. Pouco tempo depois, uma compilação surge com Caminhos da Floresta. Em 2015, também gerando renda assustadora, Cinderela chega aos cinemas. É exatamente nessa linha que chega esse novo Mogli, porém, contando o enorme diferencial do espetáculo visual que essa história comporta.
Nessa versão, o roteirista Justin Marks trabalha um pouco mais inspirado na obra clássica de Rudyard Kipling, mas mantém, em boa parte, a estrutura feita por Walt Disney no filme de 1967. Um novo filme para novos tempos que clamam por ação, porém mantendo a essência da história com algumas alterações. Marks pretende, de início, elaborar um estudo de personagem mais aprofundado para Mogli que nunca foi desenvolvido com muito peso dramático em outras obras cinematográficas do estúdio.
Mogli é encontrado por Baguera, uma pantera negra. Acometido de simpatia pela criança, ele o leva até uma alcateia de lobos onde passa a ser criado por Raksha, uma das lobas dominantes. Aceito como um igual entre os animais da selva, Mogli vê sua vida mudar totalmente após uma longa estiagem. Com apenas uma única fonte de água na selva, presas e predadores são forçados a declamarem trégua para que todos possam beber água em paz. Porém, Shere Khan, um tigre de bengala, o animal mais cruel, perverso e assassino da selva confronta o jovem humano. Por conta de um trauma do passado, Khan detesta humanos e não admite a permanência de Mogli na selva. Sem saída e jurado de morte, o garoto parte em uma jornada fantástica com Baguera na tentativa de chegar na vila dos homens.
Bebendo muito da fonte vinda do filme original, Marks consegue criar elementos interessantes, investir onde era preciso mais dedicação e elaborar releituras de personagens. Marks acerta em explorar mais a alcateia que criou Mogli. Apresenta alguma boa relação do menino lobo com sua mãe e seus irmãos filhotes sugerindo até mesmo um vínculo mais profundo com um deles, um cerne que logo é deixado de lado. Na verdade, essa introdução serve apenas para mostrar unidade dentro da alcateia, sua hierarquia e suas leis.
Em pouco tempo, o roteirista já mostra qual será o conflito principal para Mogli. A crise de “espécie” que o garoto tinha na animação é descartada para apresentar um desenvolvimento da descoberta e aceitação de Mogli como homem. Isso se dá pelo uso de instrumentos, algo que nenhum dos animais sabe manipular nesse universo, já deixando clara a distinção entre Mogli e os bichos. Entretanto, a alcateia não admite que a natureza humana – representada pelos instrumentos, do garoto desperte. É um conflito muito interessante que é satisfatoriamente desenvolvido ao longo do filme com a participação de Balu ser vital para a evolução dele nesse sentido.
Ao contrário do filme original, é Mogli quem é plenamente trabalhado – Balu é explorado em menor escopo. Dessa vez, boa parte dos personagens clássicos tem um propósito narrativo melhor exposto seja com Kaa, Rei Louie e Shere Khan. Porém, graças a isso, paradoxalmente, o protagonista se comporta como uma bolinha de pinball. É jogado a diversos cantos a cada cena com pouquíssimo poder de escolha como se ele não pensasse muito por si só.
Nisso, entram os equívocos de Marks, tanto na história como na releitura de um personagem muito querido: Balu. Apesar de manter a filosofia de vida despojada do urso, o roteirista altera a essência da relação da amizade com Mogli. Uma das amizades mais puras que o Cinema já nos trouxe é repleta de segundas intenções e manipulação. Obviamente, isso acaba afetando a experiência do espectador que já viu ao filme original. Nisso, complica-se a transformação de Balu em um ser responsável, paternal. Com Baguera, nada muda, o personagem ainda segue como um exemplo de responsabilidade, mas Marks pouco se importa em agregar um conflito ou mais complexidade à pantera. Os elefantes de Coronel Hathi são imbuídos de significado religioso servindo apenas como muleta de conflito à Mogli, nada de muito especial ou criativo.
Entretanto, novas características foram bem-vindas para Kaa e Rei Louie, ambos funcionam como antagonistas ameaçadores e cheios de malícia. O discurso genocida e desejo em manipular o fogo – elemento, este, que é citado incessantemente durante o longa, de Louie é intocado, mas muito melhor argumentado, além de receber um tratamento muito interessante de máfia italiana misturada com um déspota repleto de tesouros inúteis.
Esse cuidado com os personagens também atinge Shere Khan que absolutamente rouba a cena a cada sequência dedicada a ele. Um backstory é criado, sua motivação é mais genuína, seu ódio, mais evidente. Uma pena que as escolhas de Marks para desenvolver a caçada à Mogli tomem rumos inesperados e incoerentes com o discurso do vilão que faz uma aposta muito alta para cumprir seu objetivo. Seus diálogos são bem construídos, em particular, ainda que um deles aposte já na velha metáfora cliché sobre o ninho dos cucos. Já o desfecho do filme também peca por destruir parte do trabalho do protagonista, além do já tradicional embate final em cliffhanger assim como com Mulan ou Tarzan.
A proposta de Jon Favreau é audaciosa: adaptar uma fábula repleta de animais fantásticos em live action. Porém, esse sonho torna-se realidade graça ao poderio monstruosa da tecnologia de computação gráfica que diversas companhias apresentaram em comunhão com a Disney. Em técnica, o filme é estupendo, praticamente impecável.
Em grande parte, o longa é construído via computação gráfica – desde os modelos para os animais, da vegetação, topografia, efeitos climáticos como vento e chuva até boa parte da iluminação. Nisso o cinematografista Bill Pope erra pouco apostando no tratamento convencional de luz suave e delicada para iluminar o único ator presente em carne e osso: Neel Sethi. Além disso, há espaço para a luz dura retratando o sol intenso que castiga a selva em algumas cenas. Pope e o departamento de VFX apenas erram ao falhar na simulação da projeção das sombras de árvores virtuais quando Sethi caminha embaixo de suas copas.
É difícil notar isso, pois Favreau se inspira bastante nos enquadramentos de Reitherman na animação de 1967. Ou seja, seus planos são sempre bastante abertos que além de funcionarem como objeto para contemplação, auxiliam na liberdade da construção dos efeitos e na atuação do pouco carismático ator protagonista graças a quantidade bem limitada de closes.
Como Sethi falha bastante em expressões faciais e com suas interações com os outros bichos criados virtualmente –algo que acredito ser realmente muito difícil, ainda mais para um ator estreante. Porém sua similaridade física com o personagem é notável, além de Favreau ter dado grande orientação visando aproveitar ao máximo das expressões corporais do garoto que remetem às animações do clássico até certo ponto.
Favreau realmente demonstrou um grande amadurecimento criativo em Mogli. Ele trabalha a ação de forma realista em grande maioria, não tem medo de caminhar sua atmosfera para tons bastante sombrios, coloca elementos pesados nas entrelinhas, além de tratar, esteticamente, Mogli como um verdadeiro menino da selva. Ele é marcado por arranhões, sujeira, cortes, cicatrizes e até mesmo sangra em algumas cenas. Favreau sabe construir bem a tensão ao colocar o garoto em risco em diversos momentos o que torna todo esse universo mais crível.
Além disso há toda a criação visual de extrema exuberância e cuidado com detalhes. Todo o cenário é vivo, pulsante, vibrante, repleto de cores. Sua decupagem e movimentação de câmera aproveitam isso tudo. Acaba sendo muito mais plural que As Aventuras de Pi, outro filme de proposta similar, graças as constantes trocas de cenários. É fácil se encantar pela imponência da floresta, do templo abandonado de Rei Louie ou da selva sombria de Kaa. Há até mesmo um belíssimo time lapse que remete às construções visuais de Darren Aranofsky em Noé. Fora isso, seu tratamento para com Mogli é muito mais direcionado para a interpretação de Rousseau do “bom selvagem”.
Já sobre os animais, não há o que dizer. Toda a modelagem, textura e animação tornam as feras críveis e cheias de vida, cada uma com suas particularidades. Porém, acredito que justamente com Balu, a proposta fotorrealista acabou prejudicando muito a variedade de suas expressões. Se o espectador não dedicar boa parcela, não perceberá quase alguma mudança notória em sua face.
Os poucos deslizes que Favreau comete são graves ao tentar prestar homenagens ao filme original. Isso se dá na inclusão das duas únicas canções que retornam: Bare Necessities e I Wanna Be Like You. O encaixe não funciona de forma alguma, além de serem sequencias muito limitadas, nada criativas, por conta até da fisiologia dos personagens, agora “realistas”. Acaba deixando toda a atmosfera estranha e fora de lugar. Era melhor deixar as canções restritas aos créditos finais que prestam uma homenagem mais inteligente à animação. Aliás, Favreau e John Debney, compositor da trilha musical, acertam ao puxar um pouco dos arranjos clássicos de George Bruns – ainda que os novos temas sejam muito mais voltados para o típico blockbuster contemporâneo.
O outro tropeço do diretor é uma falha de construção de montagem, próxima ao final, que praticamente arruína a geografia da selva e a distância estabelecida ao longo do filme com o conflito Shere Khan vs. Mogli.
Entretanto, a pior característica é restrita à nossa versão nacional da película: a dublagem brasileira. Ao escolher atores famosos ante os profissionais que redublaram há pouco tempo o filme de 1967, a Disney acabou prejudicando muito dois dos personagens: Balu e Mogli. Já com uma performance fraca, por vezes caricata, de Neel Sethi, o garoto consegue sair prejudicado pelo talento nacional de sua voz muito alheia ao drama que se passa em tela, artificial ao extremo da performance de Arthur Valadares. A dublagem de Mogli só não é a pior do filme por conta de Marcos Palmeira que passa a impressão de um Balu lesado por conta de sua fala arrastada, monótona que não colore ao menos uma mísera variação relevante em seus tons de voz. É difícil ter empatia por um urso tão alheio de tudo ao seu redor.
Ao menos o restante do elenco nacional não é tão ruim limitando-se na maioria com trabalhos medíocres. Quem se destaca é Julia Lemmertz e Thiago Lacerda dublando Raksha e Shere Khan, respectivamente. Como não vi a versão legendada, não sou capaz de oferecer uma análise competente.
Este novo Mogli: O Menino Lobo é um marco para o nosso cinema de hoje, pois deixa bem claro para onde a indústria caminha. Filmes repletos de efeitos visuais estonteantes que chegam a limar a presença física do ator em set e de adereços físicos de design de produção. Explorando coisas novas, trazendo um conflito diferente para o protagonista com bom espirito de aventura sem medo de exibir cenas mais sombrias, além da inevitável mensagem ambientalista, o remake peca pouco com erros triviais e por preguiça de investir mais em seus personagens coadjuvantes, principalmente Baguera. O grande espetáculo aguarda uma nova geração que provavelmente sairá encantada com essa história atemporal de Kipling e Disney, porém creio que não substituirá tão facilmente a memória afetiva daqueles que cresceram com o belíssimo clássico de 1967.
Crítica | As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras
Provavelmente para o meu azar e definitivamente para a sorte de minha mãe, eu não entrei na febre consumista gerada pelo sucesso das Tartarugas Ninja. Mesmo tendo nascido em plenos anos 1990, o grupo de répteis ninjas nunca me despertaram grande fascínio ou curiosidade. Estava ocupado demais cuidando de meus Pokémons e assistindo religiosamente aos episódios do infindável Dragon Ball Z. Hoje, por mais que eu fosse desinteressado pelas aventuras reptilianas na infância, não consigo negar a audácia e espírito empreendedor de Kevin Eastman e Peter Laird.
O primeiro longa concebido na produção de Michael Bay após a compra da Nickelodeon sobre os direitos autorais do grupo ninja se aproximava do tom mais sombrio idealizado por seus corajosos criadores. Mesmo apostando em um público diferente, o filme foi um sucesso de bilheteria. Agora, a sequência abandona esses ares mais densos e aposta na pegada mais leve oferecida pelo seriado animado de 1987.
Com a prisão de Destruidor, as tartarugas mutantes Raphael, Michelangelo, Leonardo e Donatello aproveitam a vida noturna de Manhattan – ainda que escondidos no anonimato. Porém, logo esse período de tranquilidade é suspenso. O invasor alienígena Krang libertou Destruidor de seu encarceramento para que ele auxilie na construção do portal para a Dimensão X a fim de transportam sua máquina de guerra suprema para dominar o mundo. Além disso, os brutamontes geneticamente modificados, Rocksteady e Bebop, tornarão tudo ainda mais complicado.
Appelbaum e Nemec retornam com um roteiro menos deplorável do que apresentaram anteriormente. Aliás já é ótimo deixar claro que Fora das Sombras é um avanço em relação ao As Tartarugas Ninja de 2014 – porém isso não salva o novo trabalho dos recorrentes erros da dupla atrapalhada. Agora visando um público mais infantil, os autores parecem não se preocupar em oferecer boas soluções para os inúmeros problemas que criam visando inserir reviravoltas para injetar vida ao filme. Para reparar na “qualidade” dessas resoluções segue um exemplo: Casey intima um bartender a fornecer um GPS para localizar Bebop e Rocksteady. Como ele não colabora com seu pedido, Casey passa a destruir o bar até que ele ceda o dispositivo. Inacreditavelmente, o plano do vigilante dá certo. Ao longo do filme, outras soluções mais absurdas, fáceis, de cunho deus ex machina estão presentes.
Essas escolhas são dúbias demais por três motivos: tudo é muito previsível, tudo é muito clichê e tudo é muito preguiçoso. Isso atinge diretamente o trabalho com os novos personagens – principalmente Casey Jones, já que Bebop e Rocksteady sempre foram personagens de alívio cômico com desenvolvimento pífio até mesmo no seriado animado. A dupla mutante de capangas cumpre bem o seu propósito ainda que os roteiristas recorram, ocasionalmente, a piadas sem graça, escatologia e pouca ou nenhuma variedade de linhas de diálogo para os criminosos.
Com Casey Jones, a dupla arrisca elementos novos na história do personagem agora representado nas telonas como um policial impaciente que sonha em se tornar detetive, mas que mantém uma segunda vida como vigilante mascarado. Muito do núcleo pede bastante da suspensão da descrença, porém rende ótimos momentos cômicos em seus encontros com as tartarugas. Passado isto, há um interesse romântico com April, mas nada consegue elevar o personagem. É o equivalente a Rocksteady e Bebop do lado dos heróis, só que desprovido de carisma e interesse. A atuação de Stephen Amell, um dos piores atores da safra, não colabora em nada, mas é risível vê-lo contracenar com Megan Fox, outra atriz tão “boa” quanto Amell.
Felizmente, as tartarugas possuem muito mais tempo em tela trazendo um ótimo conflito que move um drama interno no grupo, ainda que seja inteiramente copiado de Shrek 2. Trata-se do velho dilema do ser ou não ser monstro, já que a gosma que energiza o portal de Krang tem a capacidade de reverter a mutação das tartarugas – algo que não faz muito sentido se pensarmos melhor. Logo, esse conflito tem relevância por abordar situações – muitas vezes forçadas, que tangem o preconceito, a intolerância, a honestidade, honra, liderança e integridade do grupo o que afeta diretamente Leonardo que é a única tartaruga que recebe algum desenvolvimento adequado para a história. Claro, tudo muito superficialmente tratado, mas exposto satisfatoriamente, afinal, é complicado esperar algo surpreendente em Fora das Sombras. Infelizmente, o conflito inteiro é redundante, a jornada não se conclui apropriadamente.
Já Destruidor, Krang, April O’Neil, Vernon e Baxter Stockman são personagens de uma nota só. Não há nada que salve, incluindo a atuação bem medíocre do elenco “humano”. Só Tyler Perry salva com bons momentos de comédia e caricatura.
Na direção, por nossa sorte, sai Jonathan Liebesman, entra o desconhecido Dave Green. Assim como Liebesman, Green mimetiza os vícios de Michael Bay. A diferença mesmo se encontra no tom cômico, caricato e infantil que o longa assume. O diretor mexe bastante a câmera, optando por alguns planos sequência logo no primeiro ato – um desperdício aliás, já que a ação de combate só vem a partir da metade do filme. Algo que ele mantém e que continua bizarra é a movimentação das tartarugas que sempre se movimentam com acrobacias radicais. Aparentemente, é impossível para elas andarem no simples passo de tartaruga.
A ação, em grande parte, também é boa e diverte bastante. Mesmo que ele utilize muitos instrumentos bizarros ou que não casam com a continuidade da cena, consegue montar a sequência de modo que o espectador entenda perfeitamente o que se passa na tela. Todavia, todo o cuidado em organizar uma boa sequência some quando o clímax da obra chega. Investindo muito pesado no CGI e com vários elementos acontecendo entre as lutas corporais das tartarugas, é praticamente impossível compreender as coreografias.
O único elemento técnico artístico que pode comprometer é a trilha musical de Jablonsky, o compositor mais desonesto de Hollywood. Quando suas composições não copiam seus trabalhos anteriores de Transformers, plagia o trabalho de outros profissionais. Antes, seu alvo favorito era Hans Zimmer. Agora, é Junkie XL. Em algumas das cenas de ação, é impossível não notar que Jablonsky está copiando descaradamente os ritmos frenéticos da trilha de Mad Max. Com isso, não é só o roteiro que consegue ter seus momentos de vergonha alheia...
Não há muita coisa que sustente esse As Tartarugas Ninja: Fora das Sombras. É um filme bem banal, clichê, previsível e bastante irrelevante, mas que funciona bem como entretenimento fácil e divertido. A ação, em sua maioria, é boa e os efeitos visuais devem agradar. Os problemas, como de costume, se concentram mais no roteiro que burocratiza demais uma narrativa simples oferecendo soluções e desenlaces ainda mais frágeis. Certamente não é o filme que os fãs do quarteto mutante de tartarugas ninjas renascentistas tanto clamam, mas é uma obra que pode se revelar um prato cheio para uma nova geração de crianças.
Crítica | O Sangue dos Elfos - A Saga do Bruxo Geralt (Livro 3)
Após escrever dois livros de compilação de contos sobre o bruxo Geralt de Rívia, Andrzej Sapkowski partiu para um território técnico inexplorado na saga até então: um romance completo. Depois de ler os contos, importantíssimos para entender a história de O Sangue dos Elfos, é muito improvável que restem dúvidas do talento e criatividade de Sapkowski em criar universos fantásticos e épicos repletos de histórias rápidas, cativantes e muito divertidas.
A qualidade apresentada em O Último Desejo e A Espada do Destino é tão monumental que deixaria qualquer leitor ávido para ler mais sobre as aventuras de Geralt. Porém, já tinha receios enquanto essa primeira empreitada de Sapkowski nos romances, afinal contos de pequenas narrativas são muito diferentes de uma aventura que engloba um livro inteiro.
Em parte, meus medos se confirmaram com O Sangue dos Elfos. Incluindo o maior deles: o autor não consegue fazer a narrativa fluir como se deve. Até chegarmos na trama principal do livro, temos que aguentar cinquenta páginas sobre a batalha de Cintra e uma trova de Jaskier – o Dandelion dos games, para um grupo multiétnico intolerante entre si. Esse capítulo de Jaskier tem dois propósitos: demarcar para o leitor como a região de Teméria é fragmentada – semelhante à Europa da Idade Média, e de resumir os contos anteriores para que o leitor de primeira viagem não fique tão perdido com a narrativa.
Quando enfim a narrativa engrena, descobrimos que um grupo está caçando Ciri, a garotinha prometida pelo Destino a Geralt. Como os dois estão juntos em Kaer Morhen, fortaleza decrépita dos bruxos, Geralt terá de protege-la e treiná-la para se preparar para o pior. Porém essa rotina subitamente muda com a chegada da feiticeira Triss Merigold, antigo caso amoroso de Geralt, que pretende levar Ciri para treinar feitiços já que ela possui o cobiçado sangue antigo, o sangue dos elfos.
Quem leu as narrativas anteriores notará logo nos primeiros capítulos como Sapkowski se atrapalha na estrutura do livro. Os capítulos não se comportam como verdadeiros trechos contínuos de uma história só, mas sim como episódios – assim como nos contos. A diferença é que os “contos” não se fecham por si só, mas contribuem para uma grandiosa narrativa de múltiplos protagonistas. Logo, o leitor é onisciente com todos os planos e acontecimentos que ocorrem em Teméria, seja no pequeno escopo com Geralt ou nos grandes plots cínicos envolvendo uma reunião chatíssima dos diversos reis do território que se vem obrigados a colaborar entre si para deter os avanços do exército de Nilfgaard.
Entre os sete capítulos, notamos as embasbacantes diferenças de qualidade que eles carregam entre si. Na verdade, há somente dois que são verdadeiros testes de paciência de tão chatos e burocráticos: o que acompanha a reunião dos reis do Norte e outro que traz a reunião dos magos e feiticeiras do Capítulo das feiticeiras. De modo curto e grosso, são um porre. Ambos têm objetivos similares e chegam nas mesmas conclusões depois de muitas páginas de diálogos pacatos. É o pontapé inicial para a narrativa de grande escopo que Sapkowski pretendeu fundamentar com O Sangue dos Elfos. Os dois núcleos tramam na captura de Ciri.
Caso aguente superar esse miolo morfético do livro, o leitor é recompensado com as boas histórias envolvendo Ciri e Geralt que agora se torna coadjuvante de sua própria história. O melhor “conto” envolve a rotina de Ciri e seus treinamentos com Eskel e Geralt. Nesse capítulo, diversas características novas são apresentadas para os personagens, principalmente para Triss Merigold que recebe contornos muito marcantes em seu conturbado relacionamento com Geralt. Diálogos impagáveis envolvendo a biologia feminina e o constrangimento que essa causa nos bruxos fazem o capítulo brilhar nos arrancando boas risadas.
Porém, é trata-se de uma jornada mais sombria que as anteriores. Os constantes pesadelos de Ciri envolvem todos os personagens em um bom drama, assim como as palavras não ditas entre Triss e Geralt – sempre apaixonado por Yennefer. A adição dos outros bruxos certamente é bem-vinda. Coen, Eskel, Lambert e o velhaco Vizimir trazem o alívio cômico e informações necessárias para deixar a mitologia desse universo ainda mais rica.
Depois, acompanhamos uma jornada longa até Oxenfurt com Geralt, Ciri e Triss unindo forças com a trupe do anão Yarpen Zigrim, também um personagem explosivo de alívio cômico que torna a aventura um pouco mais leve. Apesar de ser uma narrativa bem melhor do que os outros capítulos burocráticos, após um tempo, também se torna um tanto enfadonha. Mas também serve para agregar mais conhecimento sobre a história de Teméria e seu longo conflito com os elfos, agora reunidos numa gangue chamada Scoia’tael e sua conexão com Ciri. Logo, é um capítulo funcional, mesmo se comportando como um filler de narrativa.
Quando finalmente chegamos à Oxenfurt, a narrativa se separa entre Geralt que concentra seus esforços em encontrar o mago Rience que também procura por Ciri. No geral, o capítulo também é parado, com pouco destaque para Geralt. O capítulo é abarrotado de personagens, novos e antigos, como Jaskier, Phillipa Eilhart, Shani e o espião Dijkstra. Ao clímax, finalmente o leitor ganha o payoff esperado com bastante ação e magia, porém a história com Rience não tem conclusão. Tudo termina em um flácido e inexpressivo cliffhanger.
No fim, voltamos a acompanhar o ponto de vista de Ciri, agora morando no orfanato de Neneke em Ellander. Ela aguarda por Geralt, mas sabe que ele está em busca dos grupos que querem matá-la. Já avisada que estudaria magia com Yennefer, ela espera pela chegada da feiticeira. O retorno da personagem com arome de lilás e groselha é um dos pontos altos do livro. Adiciona bastante comédia e o dinamismo necessário para salvar o capítulo.
Ler como Cirilla aprende a se tornar feiticeira, a se comunicar na língua antiga enquanto tenta preservar o treinamento de bruxa ensinado por Eskel e Geralt mantém nosso interesse ativo. Nisso, já com seus 13 anos e se tornando cada vez mais bela, é curioso como Sapkowski cria os diálogos com Yennefer, uma feiticeira que se mantém bela graças ao uso da magia. Então temos diversos diálogos das duas conversando sobre sexo, virgindade e principalmente de Geralt.
Como as duas personagens são extremamente marcantes e cáusticas, o último capítulo do livro se revela também o melhor. Mas também apresenta o maior porém do romance inteiro. Ao contrário de grandes escritores de sagas gigantes como Tolkien e J.K. Rowling, Sapkowski não oferece nenhuma conclusão para a aventura fundamentada aqui.
Absolutamente todos os pontos que ele inicia não possuem desfecho. Ciri parte com Yennefer para o incerto, a última vez que vemos Geralt, ele está ferido sob os cuidados da feiticeira nada confiável Phillipa e o mistério com Rience permanece aberto. O livro inteiro é um gigante capítulo para O Tempo do Desprezo, quarto livro da saga do bruxo.
Para quem já leu os excelentes livros de contos que são absolutamente necessários para entender O Sangue dos Elfos, admito que talvez seja uma narrativa bem enfadonha que não se assemelha com as proezas de escrita que Sapkowski havia apresentado antes. Fica a promessa de que o quarto livro apresente conclusões e não crie ainda mais pontas soltas para essa aventura apresentada aqui. Já para o leitor de primeira viagem, o melhor caminho ainda é começar pelo início da grandiosa saga.
Nota: ★★★½
Crítica | Sobrenatural: A Origem
Acho uma doçura quando o destino nos dá um tapa de luva de pelica. Equivocadamente, disse que os filmes de terror que chegam aos cinemas já não conseguem mais surpreender, sustentando-se em artifícios baratos e preguiçosos para provocar o medo e o susto. Porém, com a chegada do novo capítulo da franquia Sobrenatural, notei que fui duro com a crítica ao Terror no texto de A Forca. O novo Sobrenatural tem o potencial de ser o melhor filme de terror do ano.
Abalada psicologicamente com a morte de sua mãe, Quinn Brenner procura a médium aposentada Elise Rainier afim de obter ajuda em sua obsessão em tentar se comunicar com o espírito de sua mãe. Elise, aceita ajudar a garota, mas logo desiste após descobrir que espectro maligno ronda a menina. Ela avisa a Quinn para parar de tentar se comunicar com espíritos, pois todos eles podem escutar.
A garota, ainda obstinada e intrigada com o que a médium havia avisado, insiste no erro ao tentar se comunicar por conta própria com sua mãe. Ao fazer isso, o espírito maligno que está em seu encalço se fortalece e passa a assombrar a garota com mais intensidade, chegando a machucá-la fisicamente. Agora, Quinn completamente assustada e sentindo que sua vida está em perigo pede para que seu pai, Sean, tente convencer Elise a ajudá-la a se livrar da assombração.
Leigh Whannell finalmente teve seu momento de brilhar. Desde Jogos Mortais, firmou parceria com o diretor sensação James Wan. Enquanto Wan dirigia, Whannell ficava encarregado pelos roteiros. Isso aconteceu também nos dois primeiros filmes da trilogia Sobrenatural.
Agora, com Wan entupido de projetos até 2018 e praticamente sem tempo para dirigir projetos menores, Whannell teve seu momento de glória e pôde, enfim, dirigir seu primeiro filme.
Mesmo sendo fã do trabalho de James Wan, admito que a mudança de ares na direção da franquia foi muito bem-vinda. Inclusive, rejuvenesceu o formato. Até mesmo no roteiro Sobrenatural: A Origem é muito mais denso que os filmes anteriores.
Por se tratar de um prequel, cronologicamente na temporalidade da franquia, este longa se passa antes dos outros dois. Logo, Whannell, também roteirista, teve a oportunidade de trabalhar mais com a melhor personagem da franquia: Elise Rainier – vivida pela magnífica Lin Shaye que parece ter encontrado o papel de sua vida.
Aqui, somos apresentados a um backstory rico para Elise. Seus relacionamentos, o motivo de sua aposentadoria e retorno à profissão. O roteirista também não decepciona em proporcionar uma história interessante com bons momentos, além de conectar com as tramas dos outros filmes de modo competente.
Whannell continua o trabalho que é o ponto-chave de Insidious divergir tanto em qualidade se comparado a outros filmes de terror abissais que tem chegado aos cinemas vide A Forca e Poltergeist. Trata-se da densidade da história. Ele se preocupa em criar uma mitologia única para esses filmes. Há sempre o núcleo familiar, satisfatoriamente desenvolvido, aliado à assombração e a chegada dos paranormais. Esta fórmula praticamente não se esgota pois foram retrabalhadas nos três filmes. Há sempre elementos novos e relevantes em cada um deles.
Aqui a principal característica é o luto da perda de um ente querido. A dificuldade em aceitar a tristeza. Além do confronto dos medos. O legal é notar que o trio de personagens principais possuem motivações únicas e recebem um cuidado peculiar para cada um – além de Elise e Quin, o fantasma maligno que serve como antagonista é bem trabalhado no final do filme.
Mesmo possuindo um texto tão bom, Whannell não consegue se livrar de algumas falhas. Alguns personagens só servem de muleta para justificar alguma tensão ou lançar clichês. Repare que assim que eles cumprem seus papéis narrativos, somem do filme sem alguma explicação. Isso acontece com os vizinhos de Quinn e sua melhor amiga. Seu pequeno irmão é ainda mais irrelevante para o filme – apenas é uma ponte para a dupla de caça-fantasmas.
Assim como nos outros longas, os piores personagens continuam sendo os caça-fantasmas, Specs e Tucker, que até agora só servem como alívio cômico – passou da hora de serem melhor trabalhados. Além disso, o filme soluciona rapidamente seu clímax com o uso de deus ex machina, porém, como o universo trabalhado permite o uso “racional” do macete, não é algo condenável. Mas o maior problema se concentra no final – a fala de Elise praticamente contradiz o que ela havia dito a Quinn no começo do filme.
Já na direção Whannell mostra-se alguém competente e bastante distinto de James Wan – que aliás, faz uma ponta como ator. Enquanto o malaio enche suas cenas com diversos planos, usa muitos adereços de cena “aterrorizantes” e aposta mais em jump scares, Whannell é mais sutil, aposta na encenação elaborada e destina boa parte do tempo para desenvolver a história. Não entro no mérito de quem dirige melhor – os dois se provaram bons cineastas.
Whannell constrói cenas simplesmente fantásticas como o plano sequência que sai da janela de um apartamento para a rua e vice-versa ao mostrar um suposto suicídio – essa é apenas uma cena das diversas que possuem encenações originais. Outro trabalho que já era bem explorado com Wan, foi aprimorado aqui: as boas transições entre o mundo imaterial e o real. O trabalho com pontos de vista e de escuta é sempre muito interessante.
Aliás, por um milagre, este é o primeiro Insidious que não vira uma palhaçada em seu terceiro ato. O terror se sustenta, a seriedade permanece. Agrego isso à direção de Whannell. O terror é bem construído, se baseia mais na atmosfera de tensão crescente e perigo do que o horror propriamente dito. O terror se concentra na criatura e na ambientação muito competente criada pelo design de produção e fotografia. O diretor aposta mais em deixar o espectador apreensivo com diversas sugestões e jogos de cena inteligentes do que construir os sustos baratos e idiotas que permeiam diversos filmes do gênero.
O diretor apenas peca na dosagem da música em cena da trilha musical de Joseph Bishara. Isso só se agrava no terceiro ato, durante uma perseguição em que a música preenche a cena chegando a destoar da imagem em si. Aliás, sempre o senso de urgência dessas cenas colabora para piorar o filme, afinal é possível utilizar a mesma tensão com encenações diferentes, mais voltadas para o suspense, utilizando apenas o silêncio e ambiência – algo que já se provou muito eficiente para causar medo.
Sobrenatural: A Origem é um ótimo filme de terror voltado mais para o suspense chegando a virar um drama relevante em seu terceiro ato. Caso você procure um filme que vise somente a te assustar com jump scares, sinto muito, mas este longa não é para você. Certamente será uma experiência frustrante e monótona. Agora, se realmente se importa com suspense, boa história e densidade narrativa, encenação inteligente, atmosfera medonha, boas atuações e um belo final, recomendo que dê uma visita ao cinema mais próximo de sua casa. Os fãs da franquia não devem deixar de assistir, pois este é um filme acima da média.
Sobrenatural: A Origem (Insidious: Chapter 3, EUA/Canadá – 2015)
Direção: Leigh Whannell
Roteiro: Leigh Whannell
Elenco: Dermot Mulroney, Stefanie Scot, Angus Sampson, Leigh Whannel, Lin Shaye, Tate Berney, Michael Reid MacKay, Steve Coulter, Hayley Kiyoko, Corbett Tuck
Duração: 97 min
Crítica | Poltergeist: O Fenômeno (2015)
Depois da Warner ressuscitar Mad Max na semana passada, a Fox e a MGM resolveram dar nova vida para o cult Poltergeist. Filme de 1982 dirigido por Tobe Hooper e produzido por Steven Spielberg. Porém, enquanto a Warner e George Miller obtiveram sucesso com o novo Mad Max, tudo falha miseravelmente neste novo Poltergeist: O Fenômeno.
A história segue a linha do original. Uma família se muda para uma casa nova onde estranhas assombrações acontecem após fixarem residência. Entretanto, tudo se complica quando a filha caçula é sequestrada pelos espíritos malignos da casa para o plano sobrenatural. Sem entender o que acontece na casa, a família procura um grupo de paranormais para ajudar a trazer sua filha de volta.
O Poltergeist original já não é um ótimo filme, porém obteve sucesso na época chegando a ser indicado para 3 Oscar. Este novo Poltergeist consegue ser pior que o original em praticamente todos os aspectos, principalmente no roteiro.
O texto de David Lindsay-Abaire é extremamente inconsistente. Ele investe tempo em um drama a respeito do desemprego e as dificuldades financeiras que atingem a família Bowen principalmente o pai, Eric – interpretado com competência por Sam Rockwell. E também na incrível fobia de tudo que o menino Griffin sente. Esses dois pequenos arcos servem para deixar o roteiro mais denso, mesmo que os outros personagens sejam completamente clichês e derivados. Entretanto, esses draminhas não servem absolutamente nada para a narrativa, já que o roteirista desiste de praticamente todos eles do meio para o fim do filme – o que torna ainda mais evidente o desinteresse do autor pelo filme.
Não bastasse isso, a história tem uma progressão bem medíocre. A única coisa nova que Abaire e Gil Kenan, diretor dessa bomba, propõe é a interação dos fantasmas com novos objetos eletrônicos como smartphones, aparelhos inexistentes em 1982 – algo que considero tão inútil quanto obrigatório para qualquer um que estivesse no comando dessa refilmagem.
Entretanto, o pior de tudo é que Gil Kenan tem poucos vislumbres criativos – pouquíssimos. Dirige o filme todo no piloto automático. E, pior, consegue formatar sua linguagem cinematográfica para o padrão de filmes televisivos. Isso nem o filme de 1982 tinha, porém é algo estarrecedor que um filme feito para o cinema, logo em 2015, tenha roupagem de filme de televisão. Isso acontece por conta dos enquadramentos pobres, muita câmera parada e decupagem simplória.
Kenan erra o tom do filme em praticamente todas as cenas. Tudo é apressadíssimo e espalhafatoso. A construção da tensão gerada por figuras clássicas como o palhaço e a árvore são resolvidas em pouquíssimas cenas. Porém, o mais deplorável, é mistura de horror e comédia que Kenan propõe aqui. Simplesmente não funciona. As piadas são toscas, beirando o pastelão, e quebram a raríssima tensão que ele consegue construir entre uma cena e outra. Além disso, Kenan não consegue aterrorizar ninguém. Apenas alguns sustos gratuitos gerados pela edição rasteira.
Não só a direção esquizofrênica e o protótipo de roteiro são responsáveis por enterrar o filme, o design de produção praticamente faz questão de minar toda a proposta do roteirista a respeito das dificuldades financeiras que a família Bowen vive. Quase declarando falência, a família ostenta diversos televisores de última geração, traquitanas diversas, uma SUV da Dodge – ou duas, a casa inteira é decorada com equipamentos de custo razoável, etc. É simplesmente muito esquisito que uma família americana tenha tantos problemas bancários com essa diversidade de luxo, principalmente em um país onde é comum as feiras de garagem para quitar dívidas e etc. Fora isso, durante uma cena que apresenta a ideia, tanto idiota quanto interessante, sobre o uso de um drone, o espectador é apresentado para uma amostra de como não fazer efeitos visuais. Tudo aparenta um visual cartunesco, borrachudo, enfim, brega.
Talvez o único departamento que faz um belo trabalho seja o de fotografia. O cinematografista Javier Aguirresarobe ornamenta uma luz que faz referência direta ao filme de 1982 misturando as tendências do uso de luz difusa predominante nos filmes atuais. Finalmente a maldita luz estroboscópica que era tão tosca no original ganha relevância e justificativa diegética na versão de 2015 – além de ser muito bem trabalhada, é claro.
Poltergeist – O Fenômeno não apresenta nada de novo para o gênero. Trabalha com clichês em tudo, seja nos personagens ou nas situações, e ainda por cima consegue destruir todo o argumento que lançaria alguma complexidade para esta nova versão. A história não compensa graças a seus diversos furos, a direção não compensa, nada realmente compensa a sua ida ao cinema para ver essa bizarrice. É difícil compreender porque raios permitiram uma refilmagem tão porca como essa, sem nenhum respeito pela obra original. A única coisa que vem à minha cabeça é que realmente quiseram elevar o Poltergeist de 1982 para o estado de arte. Parabéns, conseguiram, pois, comparar qualquer filme sério com isso daqui é complicado. No final das contas, o novo Poltergeist sempre será assombrado pelo sucesso do filme original.
Uma lástima, pois tinha muito potencial para explorar novos arredores desta franquia tão querida e polêmica para o cinema.
Crítica | Batman: Venom
Em 1989, encantados pelo sucesso que Batman fez nos anos 80 e, para aproveitar o embalo do lançamento do filme de Tim Burton, os diretores da DC Comics resolvem lançar outra série paralela traçando contos ligados ao universo da série de quadrinhos. Em novembro do mesmo ano, é lançada a série “Um Conto de Batman” – no original,Legends of the Dark Knight, trazendo diversos artistas para registrar sua marca e contar uma excelente história sobre o herói. O sucesso foi tanto que até hoje ela é publicada nos Estados Unidos.
Algumas edições entraram para a história ao serem ovacionadas pelos fãs do Morcego. Uma delas é “Batman: Venom” ou “Batman: Veneno” em português. Concordo que ela seja uma das grandes aventuras do herói, mas não creio que entre para a minha lista de favoritos.
A minissérie começa com Batman tentando resgatar uma garotinha. Entretanto, a situação é mais complicada do que o imaginado. Ela está presa graças a uma imensa rocha que a impede de fugir do pequeno espaço em que foi confinada e o lugar inteiro está prestes a ser inundado. Batman tenta remover a rocha com toda sua força, mas não consegue levantar os 650 quilos de peso e a pequena Sissy morre afogada.
Devastado com sua falha, Batman vai até a casa do pai para informar sobre a morte da menina. Ele parece não se importar e oferece ao herói uma droga experimental que estava sintetizando. Diz que lhe aumentará a força de maneira descomunal e que nada mais poderá detê-lo. Batman, mesmo fragilizado, recusa, afinal ele não busca alternativas fáceis para realizar suas proezas.
Obcecado com sua falha, Batman treina excessivamente para conseguir levantar os 650 kg, mas como o previsto, não consegue. Frustrado e cheio de raiva, Bruce começa a brigar com todos ao seu redor e volta para a casa do “farmacêutico”. Chegando lá, Batman pega a droga e começa a usá-las. Quase que imediatamente o herói sente os componentes do comprimido agindo em seu organismo. Algo está diferente.
Os dias se passam e Bruce percebe que já está conseguindo levantar quase 700 quilos. Entretanto, mesmo com tanto ganho de força física, Alfred percebe que há algo de diferente no herói. Algo de maligno. Seu patrão tem sentido muita raiva e o trata como lixo. Os efeitos colaterais se intensificam a cada dia. Eventualmente, as pílulas carinhosamente chamadas de venom – SIM! A mesma droga que Bane irá utilizar no futuro, acabam e o já viciado Bruce Wayne retorna a casa de Randolph Porter para conseguir mais.
O evidente vício de Bruce se torna ainda mais claro quando aceita matar Jim Gordon para arranjar um outro punhado de pílulas. Antes de ir cumprir sua incumbência, Batman conhece o General Slaycroft que financia as pesquisas de Porter. Depois de algumas reviravoltas, o herói encontra-se completamente drogado, virou um nóia como diria a nossa gente aqui no Brasil. Não há mais ninguém para ajudá-lo. E algo pior ainda está por vir. Batman descobre que o General pretende usar a droga de Porter em um grupo seleto de soldados a fim de criar o exército perfeito – completamente sem-noção de seus atos. Super-soldados que só cumprem ordens sem sentir remorso ou compaixão. Assassinos frios, poderosos e implacáveis. Será que Batman conseguirá se recuperar a tempo e impedir que Gotham seja destruída por esses zumbis militares comandados por um homem sem coração?
Não sei se você, caro leitor, percebeu que o argumento da história de Danny O’Neil é excelente. Jogar na cara de nosso herói favorito que ele é apenas um humano e não um super-humano é uma das melhores ideias que poderia ocorrer em uma HQ de Batman. Ele tem suas fraquezas, mas não é a kryptonita, mas sim a velhice, a doença, enfim, as amargas limitações humanas. Para então apresentar-lhe algo que é capaz de melhorar sua capacidade em um de seus momentos mais frágeis é simplesmente genial.
A qualidade soberba da história segue as três primeiras das cinco edições de Venom, que acompanham o declínio de Bruce Wayne ante as drogas, começa a cair a partir da quarta edição em que Batman esbofeteia tubarões para salvar Alfred. Pois é… Quem diria, hein, senhor O’Neil, que uma premissa tão boa como esta acabasse com um desfecho tão mediano.
O principal problema da HQ é o antagonista fraquíssimo. Tudo bem que o verdadeiro antagonista seja a droga, mas o General Slaycroft é simplesmente bizarro. Até Bane de Joel Schumacher tem mais carisma que este cara. O personagem é totalmente unidimensional que deixa o leitor com raiva, só que não do vilão, mas da falta de insumo criativo para melhorar ou definir com mais cuidado a obsessão do general que nunca, em nenhuma passagem, é explicada. Suas motivações são uma incógnita. O único aspecto que consegue infligir alguma emoção no leitor é o filho do antagonista, Timothy Slaycroft Junior, que também se torna totalmente banal no fim da pequena saga.
Outro deslize cometido por O ‘Neil é o desfecho apressado e bem fraco da comic. O encerramento do farmacêutico Randolph Porter é insatisfatório sendo que este é anunciado através de um diálogo breve entre Gordon e Batman. Para um personagem, como Porter, que começa gerando suspeitas que ele possa ter sido o autor do assassinato de sua própria filha, uma conclusão como esta é completamente risível.
Entretanto os aspectos negativos param por aí. Não se deixe enganar, leitor, a história que O’Neil traz aqui seria sublime se não fosse a preguiça da concepção dos antagonistas e do desfecho. Ver meu herói favorito se afundar nas drogas em busca de suprir um desejo tão primitivo foi uma tristeza para mim. Quando Batman chega ao fundo do poço, você sente pena do herói. Anseia por entrar no quadrinho para retirá-lo de tal situação tão deplorável.
Além deste declínio angustiante, vemos Bruce agir de forma tão desnecessariamente violenta que podemos imaginar ele traindo seu juramento mais sagrado. O conflito que causa com as pessoas que mais se importam com ele também é de extrema amargura.
Sobre a arte de Batman: Venom há pouco para dizer. Os desenhos são de Trevor Von Eeden e Russell Braun coloridos por Jose Garcia Lopez. Eles não são obras-primas, mas são bonitos com certeza. Algumas imagens são épicas como a impagável passagem do morcegão estapeando tubarões. Outras, têm tanta força que causam um impacto no leitor. É o caso dos quadrinhos que retratam Bruce completamente viciado. As capas da segunda e terceira edição também são fantásticas. O sorriso demente estampado na cara de Batman causa arrepios, assim como vê-lo totalmente barbudo, derrotado e desemparado sentado em sua batcadeira.
A arte tende a ser desleixada com elementos em segundo plano – repare que os desenhistas evitam trabalhar com desenhos recheados de elementos de profundidade. Entretanto, existem algumas metáforas visuais bem inteligentes como aquela em Bruce liga para Alfred em uma cabine telefônica para depois socar o vidro extravasando sua frustração. No quadrinho seguinte, o símbolo do herói aparece bem em meio do afiado buraco que o herói “esculpiu” no vidro dando a ideia que se Bruce continuar naquele rumo, ele colocará seu legado em risco.
Entre altos muito altos e baixos abissais, “Batman: Venom” é uma história essencial para qualquer fã do herói. Com sua mensagem anti-drogas mais clara que a água, essa HQ ganhou um espaço no meu catálogo das melhores comics de Batman. Se você for um bat-fã, não tenho medo de recomendar esse belo conto. E até mesmo para quem não gosta muito do homem-morcego, pergunto: você tem certeza que não quer ler uma história em que Batman chega ao fundo do poço? Ora, se você for um leitor de Superman, aí está algo para se gabar. Como diria Batman – “Superman é escoteiro demais para essas coisas.” E ele não poderia estar mais correto.
Crítica | Rock of Ages: O Filme
Além da fase dos super-heróis, Hollywood beberica de outra fonte. A era dos chick flicks está acabando, finalmente. Chegamos a época das comédias adultas que, ironicamente, englobam uma parcela do público juvenil chick flick. Entretanto, outro sub-gênero tem chama a atenção dos produtores hollywoodianos. Os musicais estão voltando na moda graças às peças monumentais da Broadway. Ora, exemplos recentes são encontrados com o mínimo esforço. Os divertidos e muito bem executados “Os Produtores”, “Hairspray” e “Mamma Mia” seguem essa nova linha. “Ah, que paraíso!”, exclamam os chefões das produtoras megalomaníacas. Sim, eles conseguiram novamente. Juntaram a Hollywood viciada em adaptações de grana fácil com as peças de teatro da prestigiosa Broadway. A vida é boa.
Dois jovens, Drew e Sherrie, têm seus destinos interlaçados. Ela abandonou sua cidadezinha e encontrou um garoto da cidade A vida de superastro é uma ambição antiga para os dois, mas para atingir tal sonho, é preciso começar por baixo. O Imponderável age e ambos começam a trabalhar na casa de shows The Bourbon Room que está com a conta no vermelho devido à ausência de visitas de famosos e novas promessas do rock n’ roll. Ele, assistente de palco aspirante a cantor. Ela, garçonete com fibra de artista. Juntos, uma história de amor fadada a inúmeros desafios.
Dennis Dupree e seu fiel amigo, Lonny, gerenciam a Bourbon Room e, obviamente, estão desesperados com a situação financeira. Mas a sorte bate a porta da boate. Paul Gill, agente do mega/hiper/superastro Stacee Jaxx arranja um show da lenda viva do rock na casa. Entretanto, Jaxx não está em sua melhor forma. Afundado em doses de uísque e sem novas músicas, o cantor vive do sucesso de suas canções antigas. Entretanto, a vinda de Stacee mudará o destino de todos os outros, para pior. A sorte também não sorri para o embriagado cantor. Uma repórter da Rolling Stone trará surpresas a ele. Fora que uma ativista religiosa, esposa de um candidato a prefeito de L.A., tenta expurgar Stacee Jaxx e suas canções deste planeta.
Uma Era de Rock ‘n’ Roll
Nem posso afirmar os méritos originais dos roteiristas de “Rock of Ages”, afinal, trata-se de uma adaptação a partir de uma peça da Broadway. Aliás, não há muitos méritos no roteiro básico de Justin Theroux, Chris D’Arienzo e Allan Loeb. Três cérebros para um resultado para lá de mediano, porém divertido. Eles cumprem sua função primária – e olha que tem escritor por aí que nem consegue ao menos isso. A narrativa é muito simples. O espectador que prestar o mínimo de atenção entenderá perfeitamente a conclusão da obra.
Entretanto, não é justo avaliar um filme despretensioso com critérios para analisar Bergman. A história manjada não me incomodou em momento algum. Aqui, temos o desenvolvimento ordinário como o de qualquer outra comédia romântica – menino conhece menina, se apaixonam, um grande mal-entendido leva a ruptura da relação, catarse de uma das partes, o reencontro, casal acaba junto e feliz para sempre. O roteiro também se aproveita de muitas muletas para encaminhar essa linha narrativa fácil. Em determinado momento, uma garçonete – que o público nunca havia visto mais gorda, ou seja, nunca tinha aparecido e que também nunca mais aparecerá na projeção, surge e dá um conselho de vida para a pequena e ingênua Sherrie.
O problema não reside na solução primária, mas sim no meio que isso acontece. Qualquer outro personagem existente poderia ter desempenhado o mesmo papel. Aliás, teria rendido um diálogo melhor. Depois de um tempo, o espectador aceita com mais facilidade algumas situações impostas pelo roteiro cheio de estereótipos e clichês. Sim, temos aqui a clássica cena do casal apaixonado conversando atrás do famoso sinal de Hollywood – não é preciso olhar muito para trás para encontrar uma situação igualzinha a essa ou até mais criativa no recente “Amizade Colorida”.
Nesse ponto do texto, o leitor já deve ter entendido que o filme é excessivamente previsível, cheios de conflitos primários e, pior, dura mais do que deve, pois em determinado ponto a história encontra-se tão saturada que até Jó ficaria sem paciência. Dá-lhe coadjuvante para aturar o casal protagonista por duas horas. Encare assim, “Rock of Ages” é uma chanchada muito bem produzida. Compare: a história é completamente fugaz e só serve para encaixar os excelentes números musicais, personagens estereotipados e sexualizados com pinceladas pontuais cheias de sátiras bem humoradas.
Entretanto, existem prós nesse roteiro precário. As saídas para inserir os números musicais são interessantes e criativas. E, por mais incrível que pareça, os personagens deixam o semblante unidimensional a partir da metade da fita quando finalmente temos uma sequência muito bela apresentando os novos conflitos que sustentarão a trama no sofrível terceiro ato. Há, também, uma reflexão interessante sobre o bom e velho rock n’ roll e a ex-modinha das inescrupulosas boys band – mas como havia escrito antes, é bem provável que este seja um mérito da obra original. Para listar uma última característica estapafúrdia do texto destes cavalheiros, em determinado momento, Sherrie conhece uma “mentora” – muitos marmanjos vão babar nesse segmento da projeção. Essas são, de longe, as piores partes do filme, pois além de todo o viés da personagem ser clichê, horrível, o espectador é obrigado a ouvir diálogos “lenga lenga” chatíssimos, além de, claro, uma lição de moral sobre o amor super desinteressante.
Já li em alguns fóruns por aí que todo musical tem uma história ruim. Isso é completamente equivocado. Grandes musicais como “A Noviça Rebelde”, “Mary Poppins” ou “Cantando na Chuva” tem histórias maravilhosas. E o cinema contemporâneo já ofereceu o excelente “Chicago” para detonar de vez essa declaração.
Os atores não comprometem, mas também são poucos os que não conseguem quebrar a barreira da superficialidade do roteiro. Por exemplo, repare na bela Julianne Hough que interpreta Sherrie. Ela dá para o gasto – sabe dançar a coreografia e canta bem com a ajuda da pós-produção. Enfim, o que incomoda é que a garota não desenvolve nada. Não há o que procurar naquela personagem mais rasa que piscina para recém-nascido. Aquilo que o roteiro propõe, é o que essa moça oferece – nada. Nem mesmo quando o texto oferece um pseudodrama. Atualmente, parece que para atuar em Hollywood, basta ter uma carinha bonita.
O desempenho de Julianne Hough não teria sido um problema, caso o elenco inteiro fosse ruim. Não é o que acontece. Entenda, os personagens são completamente caricatos e a atriz resolveu fazer algo diferente, algo mais “sóbrio”. Isso acabou destoando à personagem do contexto propositalmente ridículo do filme – Opa! Esse é um ótimo sinal que a direção não estava atenta em seu elenco! Até mesmo a medíocre Malin Akerman se sobressai e capta com facilidade a essência de sua personagem – a repórter da Rolling Stone. Entretanto, surgiu uma luz no fim do túnel para Julianne. Sua parceira de cena no terceiro ato, Mary J. Blige é igualmente ruim. A própria concepção da personagem já é péssima e, infelizmente, a atriz não é uma exceção à regra. Enfim, Blige entrega a atuação que todos nós já vimos em diversos outros filmes. Ela é uma xerox perfeita das Mama’s Soul da antiga Louisiana. Misericórdia! Até mesmo suas falas parecem copiadas de outros filmes. Graças aos céus, ou aos produtores minimamente sensatos, que sua personagem tem pouquíssimo tempo em tela.
Já Diego Boneta consegue superar o roteiro e faz um Drew Boley interessante. Catherine Zeta-Jones está ótima como Patricia Witmore em sua cruzada para acabar de vez com Stacee Jaxx. Entretanto, os maiores destaques são Alec Baldwin, Paul Giamatti e Russell Brand. Cada um deles esbanja criatividade em suas atuações, principalmente Russell tornando seu personagem, de longe, o melhor do longa inteiro.
O hype em cima de Tom Cruise vingou. Ele realmente está excelente e aparenta ter se divertido muito com o papel, afinal ter mulheres belíssimas desmaiando apenas com a sua “orgástica” presença não deve ser algo muito chato. Sua atuação é um liquidificador. Veja bem, misture os trejeitos de Steven Tyler, Mick Jagger, Alice Cooper, Gene Simmons, David Bowie e Steve Perry em um liquidificador. O resultado disso é ultra sexualizado e impagável Stacee Jaxx. Não há o que falar de Tom Cruise. Ele está perfeito no papel. Alguns podem ficar incomodados pela atuação totalmente erotizada – veja bem, até o modo de andar do personagem remete isso. Entretanto, creio que isso causou uma profundidade maior em seu conflito. Stacee está no fundo do poço e praticamente só vive de sexo, drogas e rock n’ roll antigo. Uma hora ele certamente se tornaria aquilo do que vive. É uma pena que o espectador não tenha oportunidade de conhecer um pouco mais o passado do personagem, afinal, em sua excelente apresentação, Cruise já encarna todos os trejeitos decadentes do astro. Aliás, repare que o ator quase nunca esboça um semblante de felicidade. Apesar de toda a sua fama, Stacee Jaxx vive em um pseudo estado letárgico para se alienar do mundo.
Se o espectador retirar todos os traços cômicos do personagem e encarar essa atuação com um pouco mais de seriedade, mesmo que o filme nem peça isso, você encontrará um ótimo argumento para o roteiro de um filme solo desse personagem.
We built this city!
A Warner investiu pesado da produção de “Rock of Ages”. Isso é inquestionável. A qualidade técno-artística desse filme é de cair o queixo. O design de produção de Jon Hutman mais o departamento de arte junta todos os adereços imagináveis do rock n’roll clássico dos anos 80. Graças ao trabalho muito competente dos profissionais que cuidam da arte, é fácil para o espectador ficar totalmente envolvido naquele universo musical e colorido.
Lembro-me de ter escrito há um tempo que o maior sonho ou pesadelo de um diretor de fotografia é trabalhar com o jogo de iluminação de shows ou boates. No meu caso, como aspirante a DF, é um sonho. Digo isso porque a liberdade que o cinematografista tem ao modelar a iluminação é infinitamente maior a que ele teria em uma tomada destinada a diálogos ou a demais externas. E ver um trabalho tão fantástico como o que Bojan Bazelli fez aqui é uma inspiração. O jogo de iluminação é sublime. A fotografia sofre transformações que é de encher os olhos para quem aprecia essa arte tão especial. A luz dança com os atores enquanto vários tons coloridos são misturados em harmonia. Eu iria me estender demais se continuar a escrever sobre a iluminação do longa, mas garanto a vocês que este é um trabalho impecável. Só há um porém na fotografia de Bazelli – o cara não é um gênio de composição, ou seja, existem muitos planos mal construídos em alguns momentos pontuais da obra, mas nada que prejudique a experiência.
Adam Shankman é quem comanda a direção. Ele tinha experiência de outros filmes musicais –“Hairspray” e, com certeza, isso ajudou bastante a melhorar o resultado final. Shankman consegue deixar a história fluída graças aos muitos números musicais, mas não é preciso dizer que o ritmo despenca nas cenas destinadas aos diálogos. Além de sua falha em não conseguir fazer a personagem Sherrie vingar em quase momento algum.
Indo direto ao ponto. Shankman é espetacular na direção dos vários videoclipes. O trabalho de coreografia é impecável sendo um dos melhores que já vi em filme do gênero nessa fase do cinema. A construção das cenas e de sua continuidade – repare nas escolhas dos planos durante as canções, dá arrepios no espectador. Todas contam com uma deixa inteligente e um propósito narrativo significante para dar início ao espetáculo. Além disso, Shankman muitas vezes utiliza o recurso de ritmar as imagens com a música – isso quando a coreografia também já conta com um ritmo viciante. O dom de usar animais exóticos em cena também é forte nesse diretor que exagera na quantidade nos reaction shots destinados ao macaco de estimação de Cruise.
Entretanto, venho aqui destacar a melhor parte do filme em que esse diretor atinge o status tão almejado de gênio - mesmo que apenas por um momento e duvido muito que ele venha a conseguir novamente. Entenda, caro leitor, que evito usar esse adjetivo a todo custo. Estamos num momento em que tudo, tudo, tudo, tudo é encarado como genial, mas discordo em 90% das vezes que alguns dos meus amigos empregam essa palavra de efeito tão grandioso. Enfim, para salvar o terceiro ato da decadência narrativa total, temos um momento espetacular que é, de longe, o melhor do filme inteiro. (SPOILER) Naquele momento, estão Zeta-Jones (perfeita em cena) e Russell Brand (também) enfrentando-se em uma entrevista antes de um show de Stacce Jaxx no Bourbon Room. Ali começa o último medley de canções que Shankman arquitetou de forma brilhante. No meio da discussão, Brand começa a cantar no megafone a eterna “We Build This City” da Starship. Após alguns segundos, Zeta-Jones começa a bater um obstáculo de transito no chão em tempo ritmado e inicia a cantar a também inesquecível “We’re Not Gonna Take It” da Twisted Sister. (Fim do SPOILER).
Meus amigos, a execução desta ligeira cena – cerca de três minutos, mais o som alto do cinema, é algo tão fantástico que garanto a vocês que este será o momento em que sentirão os arrepios de que falei acima. Definitivamente o ponto mais alto de todo o filme, afinal um medley dessas canções foi mais que bem-vindo. Fora que ainda conta com cameos de Sebastian Bach (Skid Row) e Kevin Cronin (REO Speedwagon) cantando junto com Russell!!! Certamente genial e espero que marque história como uma das cenas mais memoráveis do cinema. Sim, a ideia é super simples. E é assim que as coisas geniais da arte devem ser. Simples, cheias de espírito e muito emocionantes. Ao menos na minha opinião. Mas, passado isto, o filme retorna a sua mediocridade até a conclusão sem conseguir empolgar no clímax mesmo com o auxílio de outra canção maravilhosa.
Bom, não poderia encerrar o texto sem comentar a trilha sonora do filme. Há pouco o que dizer – eu adoro Rock n’Roll e suas variantes, no caso, Glam Metal, mais conhecido como rock n’ roll farofa. Enfim, muita gente se divertirá ao relembrar eternos clássicos que marcaram a história do rock. Dentre várias bandas, temos Journey, Starship, Scorpion, Wolfmother, Guns N’Roses, Whitesnake, Def Leppard, Bon Jovi e muitos outros. Creio que nos adultos o efeito será ainda maior. Eles se lembrarão de shows inesquecíveis, de estourar o novo aparelho de som estéreo dos pais que devia ser sensação no momento ao ouvir o verdadeiro e puro rock no máximo, dos vizinhos velhos xingando a juventude alheia, das idiotices da adolescência, das loucuras que aconteciam no meio da multidão fanática pelos astros do rock e, claro, quem sabe, da noite da concepção de seus filhos que mudaram totalmente o rumo de suas vidas.
Don’t Stop Believin’, my friends
Apesar de todos os problemas do roteiro e de algumas atuações, “Rock of Ages” se salva pela produção impecável e, claro, a incrível trilha sonora que conta exclusivamente com interpretações dos próprios atores. E, pasmem, o elenco canta muito bem – destaque para Cruise, Zeta-Jones e Brand. O humor também se faz presente. Algumas cenas esbanjam comicidade sendo que algumas se baseiam apenas na comédia da situação e, ainda, quebram preconceitos da época que perduram até hoje. Caso você ache que não vai se conter durante a projeção, resolver encarnar Steven Tyler e cantar no meio do filme, a Warner lançou uma versão “cante junto” destinada a isso. Procure nos cinemas de sua cidade se há essa versão que até eu fiquei curioso em visitar.
Entregando uma chanchada moderna, “Rock of Ages” cumpre o que havia prometido desde seus trailers. É uma visita despretensiosa muito divertida a cultura dos anos 80 e as músicas da época. Além disso, é uma excelente oportunidade de fazer uma geração totalmente nova a escutar a música de verdade, feita de instrumentos físicos, suor, gargantas arranhadas e de muita inspiração.
A vida é boa, mas certamente é muito melhor quando acompanhada de Rock N’ Roll.
Crítica | Espelho, Espelho Meu
Os irmãos Grimm são considerados os pais dos contos de fadas – também é incorreto classificar seus textos como meros contos de fadas. Apesar da aura sombria de muitas de suas histórias, os Grimm foram os pioneiros em almejar as crianças como seu público-alvo. Provas disso são as releituras de alguns contos extremamente perturbadores de Charles Perrault – autor de uma das versões mais famosas de “Cinderella” e “A Bela Adormecida”. Seus inúmeros contos ganharam reconhecimento mundial e até hoje são heranças e lições de vida que muitos pais passam a seus filhos e que certamente passarão para a próxima geração. Entre “João e Maria”, “Os Músicos de Bremen” e “Rapunzel”, um dos contos dos Grimm ganhou muito destaque no séc. XX. Culpa de um certo rapaz chamado Walt Disney ao adaptar o conto em uma das animações mais marcantes de toda a História do Cinema.
Hoje, 75 anos depois de “Branca de Neve e os Sete Anões” estrear em 1937, o conto ganha duas releituras – “Espelho, Espelho Meu” e “Branca de Neve e o Caçador”. Por ora, vamos nos contentar com a adaptação que traz Julia Roberts como a Rainha.
Branca de Neve vivia em um reino mágico e alegre governado pelo Rei, seu pai. Este, terrivelmente abalado pela perda de sua amada esposa, reencontraria a sorte e o amor em tempos. Ou não. Encantado pela inebriante beleza de uma jovem ruiva, o Rei não hesita em chamá-la para governar ao seu lado. A jovem, astuta e traiçoeira, aceita o convite e se casa com o pai de Branca de Neve. Assim, tem início o pior pesadelo da jovem princesa. Almejando a totalidade do poder do reino, a Rainha Má enfeitiça seu marido e lhe ordena que vá para a Floresta Negra – esta, habitada por um terrível monstro. Foi a última vez que se ouviu falar do Rei. E o reino caiu em desgraça.
Muitos anos depois, Branca completa seus dezoito anos e fica ainda mais bela que sua cruel madrasta que começa a sentir o preço da velhice. Doente e completamente obcecada pela própria beleza, a Rainha dobrará seus esforços para destruir Branca de Neve de uma vez por todas. Entretanto, ela não contava que um jovem príncipe rico fosse bater a porta de seu castelo. A Rainha encontra a oportunidade de salvar o reino da iminente falência, mas o príncipe não está interessado em se casar com ela, mas sim em conhecer Branca de Neve.
Ensandecida pela vaidade e orgulho, a Rainha comanda que matem a princesa na Floresta Negra, mas novamente nada acontece como planejado. Branca escapa e encontra sete corajosos anões que oferecem abrigo para a mais bela jovem de todas. Com isso, uma nova e forte amizade será formada culminando o pior pesadelo da Rainha.
Texto, texto meu…
O roteiro escrito por Melissa Wallack e Jason Keller nada tem a ver com o livro homônimo de Gregory Maguire lançado em 2003 em que, em sua narrativa, Branca de Neve acaba se encontrando com a doentia família Borgia. A releitura toma como inspiração o conto dos irmãos Grimm.
Em um filme como este não se deve esperar muitos aspectos bons, porém, para a minha surpresa, elas chegam logo nos segundos iniciais de projeção. O diretor Tarsem Singh encontra uma das mais interessantes homenagens as origens do Cinema ao utilizar o zootrópio – um instrumento estroboscópico datado de 1834 que cria a ilusão de movimento a partir de imagens paradas (principal característica do cinema, não?) – para dar início a uma animação extremamente estilizada e bela a fim de introduzir o público à diegese – “realidade” da ficção de um determinado espaço fílmico, do filme. O mais inteligente desta sacada é imaginar que os próprios irmãos Grimm devem ter utilizado o zootrópio para difundir suas histórias na Alemanha de 1800.
Claro que nesta introdução os roteiristas não resolveram quebrar a cabeça e encaixaram a clássica narração em off para a alegria dos saudosistas dos filmes que começam com as mesmas palavras dos livros de contos de fadas fazem uso – “Once upon a time…”. Bom, a sensação de acolhimento para com a história do filme é eficiente – remete aos tempos de infância. Mais uma vez o diretor acerta, mas não ganha pontos de originalidade, já que esse recurso está mais do que ultrapassado.
Entretanto, com um começo tão repentinamente legal, não demora a aparecer os primeiros defeitos hediondos do longa. O roteiro constantemente oscila entre altos e baixos, drasticamente baixos. Logo na apresentação do Príncipe Alcott ao público – interpretado competentemente por Armie Hammer, é conhecida a primeira inconsistência do texto de Wallack e Keller. Na cena, Alcott e seu parceiro, Charles Renbock, estão explorando a Floresta Negra. Charles insiste para que os dois saiam daquele lugar perigoso afirmando que há um monstro por perto. O príncipe sempre rebate dizendo que não acredita em tal asneiras. Depois de alguns eventos e misteriosos barulhos, o príncipe avista uns seres e logo os chama de gigantes. Para quem não acredita em monstros, acreditar em gigantes faz todo o sentido, não é?
Mas espere! Os problemas desta mesma cena estão longe de acabar. Nela, inicia-se a primeira batalha importante do filme. Ali, tive o desprazer de conhecer a pior montagem que já tinha visto em apenas uma sequência. Completamente amadora e despreparada, a escolha das imagens e o tempo de exibição em tela revelam uma péssima abordagem do diretor. Boa parte do tempo, o espectador encontra planos sujos e poluídos totalmente desprovidos de significado já que nem a porcaria da ação eles conseguem mostrar. Fora isso, o ritmo do intercâmbio entre uma imagem para outra é irregular chegando até a superar o frenesi epilético de imagens pipoca de Mr. Michael Bay – por exemplo, qualquer cena dos filmes de autoria de Michael Bay. Em um período de apenas 1 minuto, o diretor faz 62 cortes na mesma cena. Isso dá uma média de um plano por segundo, mas lembrem-se do que escrevi logo acima. A distribuição dessas imagens é completamente irregular. A cena só consegue ser salva do desprezo total graças ao departamento de arte e de sua criatividade com as famosas pernas de pau circenses. Felizmente, o diretor consegue corrigir essas falhas de montagem nas outras cenas de ação.
Na verdade, boa parte do filme é salva pelo departamento de arte. Esses sim merecem total reconhecimento, pois em nenhum momento cometem um deslize que beira o ridículo. O filme conta com cenários bem trabalhados que metaforizam, junto da fotografia competente de Brendan Galvin, o psicológico de alguns personagens. Não digo que são metáforas inteligentíssimas, mas já ganham pontos apenas por existirem. Não são todos os diretores que se preocupam em estimular o espectador.
Repare que os cenários que constroem o palácio da Rainha são, em sua maioria, majestosos e extravagantes, tecendo um paralelo com a vaidade doentia da personagem. A modificação da arquitetura dos cenários, de sua decoração e das cores da iluminação quando a inteligente função do Espelho Mágico é revelada dão uma amplitude maior para o perfil da persona da Rainha. Fora isso, Galvin não economiza em sua paleta a cor branca por motivos óbvios.
O figurino de Eiko Ishioka – o filme é dedicado a ela, também faz metáforas visuais no baile a fantasia que acontece em determinado momento do filme. Citando os exemplos mais óbvios, a Rainha veste uma fantasia que remete ao pavão, um animal pomposo, extravagante e violento quando se sente ameaçado. Já Branca de Neve se fantasia de cisne branco representando a pureza virginal, a delicadeza e a bondade da moça. O príncipe Alcott está fantasiado de lebre – animal veloz que age por impulsos, certamente uma metáfora mais complexa. Claro que nesse caso, o figurino beira o ridículo e o roteiro não perde a oportunidade de fazer uma piada. Aliás, uma virtude rara é a de fazer piadas dentro da diegese do próprio filme. Concluindo o pensamento sobre o figurino, Ishioka geralmente trabalha com cores muito vivas e formas exageradas. Além disso, cria uma concepção interessante sobre o vestido clássico de Branca de Neve. Sim, aquele apresentado na animação de 1937.
Nessa parte do texto, me sinto obrigado em comentar novamente sobre o roteiro. Ele tem as três virtudes do fracasso de qualquer filme: é raso, previsível e clichê. Os roteiristas tentam ser originais a todo o momento, porém nunca a sensação de “já vi isso antes” abandona a cabeça do espectador. Encare isto como quiser. Depois de ter visto inúmeros filmes, quase nunca saio surpreendido do cinema e não me incomodo mais com isso.
Keller e Wallack conseguem criar algumas interpretações interessantes e atuais, mas como eu escrevi antes, nada disto é inédito. Arrisco-me a dizer que a originalidade vem com a interpretação da função do Espelho e da entidade mágica que vive nele. O conflito de repugnância do Espelho em relação a Rainha é muito interessante e com certeza deveria ter sido mais explorado. As atualidades concentram-se em críticas e alguns conflitos bem pífios. Os preconceitos contra os anões, que depois acabam, consequentemente marginalizados é o melhor exemplo disto. Mas como se trata de um filme que é destinado quase que integralmente as crianças, não vejo problemas em encaixar algumas lições de moral que realmente valem a pena serem mostradas pela enésima vez.
Também temos a questão monetária e o perigo da falência do reino que é apenas citada, mas nunca de fato comprovada. As soluções são simples. Imaginem: temos um reino pobre? Ótimo, então mostre alguns camponeses passando frio e mendigando comida para algum personagem da nobreza que resolve visitar o vilarejo local. Bom, muito bom… Agora adicione uma fotografia com tons sombrios, frios e sujos. Peça ao departamento de arte para criar alguns trapos para cobrir esses camponeses (aliás, os figurinos dos camponeses são inspirados em alguns quadros do Van Gogh, como este aqui) e deixar o cenário da forma mais horripilante que conseguir. Perfeito! Perfeito? Não! Nada disto adianta quando seus roteiristas decidem cortar um dos pilares que sustentam um conflito primordial da narrativa. Isso acontece quando a Rainha resolve cobrar uns impostos aos personagens pobres que até então não possuíam um vintém para comer – o pior de tudo é que ela de fato consegue um saco repleto de moedas de ouro.
Entretanto, esta enorme contradição criada pelos roteiristas tem uma função vital para a evolução do enredo. Mas este foi um preço alto demais. Não custava quebrar um pouco mais a cabeça e imaginar uma solução mais plausível e inteligente. Mesmo com essas falhas um tanto estratosféricas do roteiro, ele tem uma história divertida. Muito disto vem das inúmeras gags muito bem encaixadas nas cenas do filme. O mais interessante e que essas piadinhas contém certo apelo sexual – claramente para divertir os pais dos pequenos também.
Para fechar de vez a análise do roteiro, comento sobre os sete anões. Assim como na animação, os anões tem grande importância na história. São eles os responsáveis pela catarse definitiva da Branca de Neve, além da transformação psicológica e física que a personagem sofre ao decorrer do filme. Os roteiristas tiveram o bom senso de mudar as características marcantes dos anões. Em vez de Zangado, Feliz, Dunga, Soneca, Atchim, Mestre e Dengoso, temos Napoleão, Half Pint, Açougueiro, Grubb, Grimm, Risada e Lobo. Todo o trabalho de caracterização se deve muito a atuação interessante de seus respectivos atores, além do trabalho primoroso do figurino – muitas vezes o carisma e a comicidade de Jordan Prentice, Mark Povinelli, Joe Gnoffo, Danny Woodburn, Sebastian Saraceno, Martin Klebba e Ronald Lee Clark que salvam a cena.
Aliás, a verdadeira diversão do filme se encontra nas boas atuações e na fantástica Julia Roberts – ela simplesmente rouba a cena todas as vezes. Roberts reformulou totalmente a Rainha Má. Diga adeus àquela vilã pálida, de mau gosto, enfadonha, chata e monótona da animação da Disney. A antagonista de Julia Roberts ficou simplesmente genial. A atriz cria uma vilã que possui um semblante que remete a Rainha de Copas de Helena Boham Carter em “Alice no País das Maravilhas”. Roberts não está caricata em excesso, consegue ser detestável na medida certa e diverte o espectador boa parte das vezes. Ela faz emanar vida de uma personagem que sempre herdou os ares melancólicos de incontáveis adaptações. As feições da atriz transmitem com clareza do que se trata o perfil psicológico de sua personagem. Dessa vez a Rainha Má é um misto de criança adulta completamente obcecada por sua beleza. Fora isso, é possível retirar uma interpretação interessante sobre a relação da personagem com a entidade do Espelho. Ali, é possível depreender que há sim um complexo de inferioridade da Rainha graças as réplicas ríspidas do Espelho. Enfim, em suma, posso afirmar que Roberts faz valer o preço do ingresso com sua atuação ácida, sarcástica e irônica.
Também não dá para reclamar de Lily Collins — ela foi selecionada para o papel por ser parecida com a diva Audrey Hepburn. A moça entrega uma concepção não muito diferente no início, mas após a metade do filme, Collins torna sua Branca de Neve uma personagem cheia de carisma. No início, a atriz usa movimentos suaves e leves portando-se como uma verdadeira princesa de contos de fadas. Com sua transformação psicológica, Collins cria uma Branca de Neve menos passiva sobre o seu destino. Dessa vez a princesa não precisa de príncipes para se virar. Claro que o conceito também não é novidade e já está no senso comum de vários roteiristas que adaptam esses contos. “Branca de Neve e o Caçador” trará o melhor exemplo desta nova princesa do séc. XXI. Kristen Stewart fará Branca de Neve ser a princesa mais Maria Macho de todas. É interessante explicar também o porquê desta revolução conceitual da mulher em obras ficcionais. Com o feminismo explodindo e tomando mais força ao redor do mundo, a clássica situação da damsel in distress será cada vez menos comum em filmes, games, livros, séries, novelas etc. Também merece destaque o ótimo Nathan Lane que interpreta Brighton, o “escravo” da Rainha. Sean Bean, o eterno Eddard Stark de “Game of Thrones”, completa o elenco.
Enfim, para concluir o estudo sobre o filme, nada mais conveniente do que argumentar mais a fundo sobre a direção de Tarsem Singh. Ele já dirigiu outro grande filme que chamou a atenção do mundo pelo seu visual único construído com a melhor computação gráfica existente. “Imortais” marcou a volta de Singh após um intervalo de cinco anos longe da poltrona de diretor. Reconheço que não foi um retorno perfeito, já que o filme sofre com seu roteiro insosso e suas atuações medíocres.
SIngh deixa sua identidade no filme e algo a mais. Mais uma vez, o espectador encontrará um visual belíssimo auxiliado pela montagem criativa em algumas mudanças de cenas.
Tarsem parece ser um diretor de extremos. A violência em “Imortais” era algo extremamente brutal. Já em “Mirror, Mirror”, o diretor infantiliza a trama sempre que possível. Isso acontece muitas vezes na sonoplastia. O uso de barulhinhos toscos, onomatopéias, grunhidos abobados é freqüente. Pode-se dizer que temos um trabalho sonoro circense – o que é muito raro de acontecer no cinema contemporâneo. Se me recordo bem, os filmes clássicos dos Trapalhões utilizavam abusivamente o recurso.
O diretor também usa os efeitos visuais para infantilizar a cena duas vezes durante o filme. A primeira acontece quando ele insere um rosto em um capanga sem face da Rainha – detalhe que esses bichos já emitiam sons que beiram o ridículo. A outra se da na concepção visual interessante do monstro que assombra a Floresta. Ele também sabe criar piadas boas para os adultos, mas não consegue se livrar do carma da comédia escatológica mesmo que esta tenha sido usada de maneira criativa em uma das cenas mais divertidas do filme. Também há uma relação psicológica importante no posicionamento do palácio em relação com o vilarejo. Repare que o castelo no topo de uma encosta distante em que é possível observar todo o vilarejo. Isso deixa subentendido a opressão, a vigilância e intolerância que a Rainha tem para com os aldeões.
Tarsem acerta ao fazer uma Branca de Neve que não é uma completa imbecil como aquela imortalizada por Disney em 1937. Isso é evidente no fim do longa quando a lendária maçã aparece. Percebendo o tom extremamente sombrio da cena, o diretor não faz cerimônias para deixar a atmosfera mais leve em questão de segundos. É ai que se dá a segunda característica marcante de sua direção. A primeira pista está na arquitetura externa do palácio. Repare como ela remete as formas arquitetônicas asiáticas, principalmente a indiana se tomar como referência o Taj Mahal. As torres do palácio emanam arte asiática, seja nos finiais, nos amruds ou nos tambores.
Outras influências asiáticas aparecem ocasionalmente nos figurinos. Toda essa influência oriental vem a tona com a cena final. O filme acaba com uma dancinha a estilo “Jai-Ho” de “Quem quer ser um Milionário?”. A canção da cena é igualmente viciante e claramente inspirada nas músicas indianas. Claro que foi o gênio Alan Menken que a compôs – ele é um compositor extremamente famoso da Disney. Já ganhou oito Oscars. Mas por que inserir tantas referências orientais, principalmente indianas, em diversos aspectos do filme e ainda terminar a obra com a influência mais do que gritante do cinema de Bollywood? Ora, isso é simples de responder. Tarsem Singh é indiano.
A história ainda não acabou…
Se, por algum motivo, você está explodindo de ansiedade para assistir mais filmes sobre o conto da Branca de Neve, basta aguardar até junho. A estréia de “Branca de Neve e o Caçador” terá uma crítica confirmada aqui no site.
“Espelho, Espelho Meu” é um filme divertido. Conta com inúmeros pecados, falhas gritantes de roteiro, sonoplastia demasiadamente idiota, montagem mal realizada em algumas cenas e um diretor que ainda está aprendendo a reger sua orquestra. Entretanto, as atuações de qualidade, o departamento de arte competente, a estética fílmica única de Tarsem Singh e, talvez, a musiquinha alegre no final do filme fazem valer o ingresso.
Crítica | Sucker Punch: Mundo Surreal
Você sabe o que é um “sucker punch”? É um golpe banalizado pelo boxe e amplamente utilizado em lutas de rua. Trata-se de um soco oportuno na face do adversário e, geralmente, o agressor tira as forças de suas vísceras para acabar com a luta com o golpe fatal. Este é o típico final blow. Já o filme, é o final blow de sua paciência.
Baby Doll é uma recém-órfã que teve diversos problemas com seu padrasto. Isso resultou no sua passagem só de ida para o sanatório Lennox House onde sofrerá uma lobotomia. Lá ela descobre que é possível escapar de seu trágico destino com a imaginação e a fantasia. Em sua cabeça, o manicômio torna-se um cabaré onde todos ficam hipnotizados com sua “dança”. E enquanto dança, distorce a realidade criando um mundo cheio de perigos que oferece os instrumentos para sua fuga: mapa, fogo, chave, faca e um mistério…
Infelizmente nem tudo era imaginário
O roteiro de Zack Snyder e Steve Shibuya seria um ótimo game, mas nunca um excelente filme. Infelizmente, ele escolheu a opção cinematográfica e assinou o óbito de sua obra insana. A trama é praticamente inexistente, apenas serve de desculpa para inserir seus universos fantásticos mirabolantes onde as protagonistas detonam alguns zumbis nazistas, dragões, orcs, samurais steampunk e robôs. Ou seja, o lado “real” da película é mal desenhado, desinteressante e vazio (embora o lado fantasioso também seja) seguindo apenas uma passagem de transição para outra cena megalomaníaca e acéfala de ação.
Entretanto, isso não seria nem relevante de escrever se o filme se contentasse em ser apenas uma idiotice despretensiosa, coisa que ele revela não ser graças a infeliz cena final. Toda besteira apresentada durante os cansativos 110 minutos de projeção é desconstruída por causa da psicologia barata a lá Pokémon/ Rocky Balboa proferida por Sweet Pea realizando uma das piores piadas de mau gosto que eu já havia escutado.
Além destes orgasmos mentais de Snyder, por mais incrível que pareça, sua história contém bonequinhos de ação – mais conhecidos como personagens. Baby Doll, Amber, Rocket, Blondie e Sweet Pea protagonizam sua história e acompanham a qualidade ruim do roteiro. Todas carecem de carisma e não deixam o espectador aflito com o destino de cada uma graças à invulnerabilidade no mundo fantástico, visto que praticamente nenhuma criatura oferece um perigo real para elas.
Fora isso, o enredo de sua história é bem previsível – na metade do filme já tinha matado o final. Ele conta também com uma reviravolta clichê que não surte o impacto esperado na plateia por causa do falta de envolvimento emocional da mesma com os personagens. E os diálogos, que são simplesmente vergonhosos pelo amadorismo da escrita. O melhor exemplo disto é a introdução de cada “missão” que as garotas encaram. Elas sempre são apresentadas ao objetivo por meio de um “sábio” (o melhor personagem que se assemelha muito ao cargo de Charlie em “As Panteras”) que conta com os piores quotes que já vi. Por exemplo: “Se você não lutar por nada, cairá por qualquer coisa!”
No entanto, nem tudo é um horror no roteiro de Snyder. A proposta de casar a imaginação com a ideia de liberdade é bem interessante. Também comporta as escapadas para o imaginário como fases de games com objetivos muito bem definidos. Algumas coisas conseguem até beirar a genialidade como a identificação dos personagens e dos itens em suas versões fantásticas e originais. Por exemplo, o porteiro do hospício com um isqueiro qualquer para a figura canastrona do prefeito com o ornamentado isqueiro dourado. Tudo isso surpreende somente uma vez e depois, a repetição infinita de elementos ultrapassados acaba por se tornar enfadonha.
Ilustrando a imaginação do outro
Contando com as sinuosas beldades Emily Browning, Abbie Cornish, Jena Malone, Vanessa Hudgens, Jamie Chung e Carla Gugino, conseguem ser sensual ao exxxtremo, mas não chegam nem perto de entregar uma atuação de qualidade.
Emily Browning é a protagonista de bochechas rosadas, mas sua atuação não faz jus à importância de sua hierarquia. Sempre com sua cara patética, convence no inicio, mas quando sua figura tem a obrigação de tornar-se fantástica, ela está lá com a mesma cara de pôquer do início da fita. Um ponto positivo de sua atuação fora os litros de lágrimas que ela conseguia reproduzir a todo instante
Vanessa Hudgens, Jena Malone e Jamie Chung são estereótipos de taras sexuais masculinas (loira, morena, asiática) e entregam o que foi pedido sem esforço e também sem atrativos, há não ser o sexual. Abbie Cornish é a única que se esforça e consegue surpreender bastante com sua personagem. Diversas vezes deu para sentir que ela realmente queria interpretar ao contrário de suas colegas automáticas. Carla Gugino comparece sem destaques, apenas com um sotaque russo medonho.
O elenco masculino exacerba a canastrice com a caricatura de seus personagens. Cada um com uma participação pior que a outra sendo que o líder do ranking é Oscar Isaac encarnando o canalha mor. Seus momentos variam e de vez em quando se sai bem, afinal nada consegue ser ruim por completo. Scott Glenn pega o melhor personagem e se diverte com o papel, aliás, qual homem não teria um grande sorriso no rosto contracenando com menininhas em trajes reveladores. Entretanto, é uma pena que seja seu personagem seja o profeta das piores falas do elenco inteiro.
Apresentando: “Epilepsia”
Larry Fong repete a dose fotográfica em outro filme de Snyder. Depois das belas imagens e cores de “300” e “Watchmen”, surpreende mais uma vez. Entretanto, realizou tudo com uma grandiloquência e exagero – coisa que não aconteceu nos outros filmes.
As cores de “Sucker Punch” são mortas e acinzentadas com um tom bucólico, muitas vezes, frio e pálido. Ela é escura até no mundo fantástico assumindo contrastes pesados e parcialmente enjoativos. Fong estapeia a plateia com um plano mais belo que o outro, mas faz isso incessantemente. Imagine comer seu doce favorito. Agora imagine comer seu doce favorito durante 110 minutos, sem água! Já deu para sentir o drama.
O bombardeio visual é tão intenso e desregulado que enjoa e não deixa o espectador de queixo caído após acostumar com a beleza estonteante. Consequentemente ele não fica ávido por mais – a chave mestra do Show Business. A moderação é o segredo de qualquer coisa e o exagero é o protagonista de Fong desmerecendo seu magnifico trabalho. Esta caracteristica é perceptível durante o filme inteiro, porém durante a cena do trem tudo é multiplicado por mil onde a câmera que já era inquieta, acha ângulos impossíveis enquanto rotaciona em 360º com bullet time – o efeito consagrado por “Matrix”.
De vez em quando, Fong se atrapalha para bater o tom das cores em outro ângulo. Diversas vezes pude observar uma variação considerável no tom acinzentado da película, uma coisa que a pós-produção poderia ter corrigido sem o menor esforço. Essas falhas fotográficas geralmente ocorrem nas cenas de interiores do cabaré, principalmente no interior esverdeado onde Madame Gorski treina sua meninas.
Os efeitos visuais baterão de frente com os do novo “Transformers” pela qualidade inacreditável. Todos belos cenários do mundo imaginário são composições dos animadores competentes. Até mesmo quando é necessário modelar as beldades adolescentes, conseguem fazer tudo de forma orgânica e verossímil. Fora o feito histórico da realização do dragão melhor trabalhado das últimas gerações.
A direção de arte também acompanha a qualidade técnica impecável do filme compondo os cenários do cabaré e do sanatório com todo aspecto e charme dos anos 60 misturado com a sujeira envelhecida do reboco detonado da parede manchada com espelhos enferrujados. O figurino marca pela bela e provocante caracterização fetichista de cada personagem.
O videoclipe sem fim
A música conseguiu desvalorizar ainda mais a fotografia de Fong. Ela tem um papel muito importante no roteiro – Madame Gorski aperta o play do toca fitas para a pancadaria começar.
Infelizmente isso concebeu uma cara de videoclipe para todas as sequencias de ação, o que não é bom, afinal, filme é uma coisa e videoclipe é outra. A trilha original é composta de mixagens e de reinterpretações de algumas musicas, entre elas “Where’s My Mind”, “Asleep”, “Army of Me”, “Love Is The Drug” e “Sweet Dreams” (esta conta com o melhor videoclipe). No entanto, a mixagem de “I Want it All” do Queen ficou bem ruim e dificilmente agradará alguém.
Novamente marcada pelo excesso, as musicas não empolgam servindo apenas para preencher as pancadarias femininas decorrentes e repetitivas. Os ótimos efeitos sonoros aguçam a audição pela barulheira das explosões e gritinhos, mas mais uma vez o exagero das doses cavalares de imagens fantásticas, acompanhadas por músicas góticas com um barulho altíssimo, quase faz o espectador ter um AVC durante a sessão.
Zack Snyder, o imprevisível
Após realizar feitos inestimáveis na carreira que dariam inveja a qualquer diretor, entre eles os já citados “300”; “Watchmen” e “Madrugada dos Mortos”, Snyder resolve colocar sua imaginação no papel quando, na verdade, deveria ter ficado em sua cabeça.
Muitos sabem que Mr. Snyder é uma concepção visual do séc. XXI. É fácil identificar um filme seu graças à fotografia marcante de Fong que sempre trabalha com ele e os tão famigerados slow motions. Aqui o efeito também aparece em excesso, a ponto de ser inserido até quando um balde cheio de batatas se espatifa no chão. Os atores ficaram a mercê da própria sorte que estava ausente durante as filmagens assim como Snyder. É bem preocupante um diretor dar tanto destaque com o visual (aqui se inclui as interessantes lutas coreografadas) a ponto de esquecer os seres que está filmando, vide o caso de Vanessa Hudgens.
A direção dele é bem pesada no início, destacando o assassinato, estupro e violência doméstica. Porém este tom fúnebre/mórbido não acompanha a jornada para o fantástico.
Outra característica do diretor é a brutalidade muitas vezes acompanhada de mutilações sangrentas, mas sua opção de abaixar a censura da fita pode ter comprometido um pouco a diversão. Aqui o sangue dá lugar à poeira, luz, engrenagens e ao vapor. A maturidade de “Watchmen” também vai embora e deixa Snyder criar seu paraíso masturbatório jovem estúpido, recheado de referências atuais de animes, RPGs, games e universos paralelos que muitos adorarão e alguns odiarão.
Sucker Punched right in the face!
Ao contrário de “Scott Pilgrim”, “Sucker Punch” é um filme/videoclipe cansativo, extremamente repetitivo, uma overdose de “atualidade”, exagerado e instável, apesar de ser tecnicamente impecável. Ao tentar fugir do que ele é, põe em cheque toda composição do filme. Ele pode ser um prato cheio para amantes do gênero e do mundo abordado que você pode conferir no trailer. Apenas lembre-se de desligar o cérebro, uma coisa que eu me esqueci de fazer e, que com toda a certeza prejudicou, e muito, a hipnose da dança de Baby Doll.
Crítica | Terremoto: A Falha de San Andreas
Por diversas vezes Hollywood já nos apresentou vislumbres do fim do mundo ou de situações de cataclismo. Porém, não era somente o mundo que ia pelos ares, mas também a qualidade cinematográfica que, em si, já não eram grandes coisas. Roteiros repletos de furos, frases de efeito, personagens caricatos, comédia pastelão. Quase todos esses elementos fazem parte dos filmes de Roland Emmerich – considerado o maior pedigree do gênero ou de Michael Bay – outro perito no assunto. Porém, Brad Peyton foge um pouco desses vícios. Ainda bem. Mas entrega um filme bem normal.
Nós acompanhamos as desventuras do bombeiro especializado em resgates, Ray e do sismólogo Lawrence. Ray, em meio a uma separação, tem que conciliar sua exigente profissão com as horas de lazer com sua filha, Blake, além de resolver as pendencias do divórcio com sua ex-mulher, Emma. Enquanto isso, Lawrence e seus alunos desenvolvem um novo método para prever terremotos. Em meio a isso tudo, ele prevê que a famosa falha de San Andreas está para romper dando origem ao maior terremoto já visto na história da humanidade. Nisso, após alguns desencontros, Ray terá de usar os recursos que o corpo de bombeiros oferece para resgatar sua família enquanto a terra treme.
O texto assinado por Carlton Cuse, Andre Fabrizio e Jeremy Passmore é repleto de clichês, como esperado. Porém, junto com o diretor Brad Peyton, eles conseguem apresentar alguns vislumbres mais realistas durante as transições das frenéticas cenas de ação. Entretanto, já com tantos filmes catástrofe que apresentaram mais complexidade como Guerra Mundial Z, Terremoto perde bastante. Aposta na zona segura, como de hábito. Durante o colapso da costa oeste dos EUA, Peyton exibe algumas reações mais factíveis, realistas. As pessoas jogam a ética no lixo, depredam, roubam, etc. Trata-se da sobrevivência do mais forte.
O mais interessante é como o diretor insinua a ambiguidade do herói Ray, interpretado pelo sempre ótimo Dwayne Johnson. Em seus minutos iniciais, o longa aparenta seguir uma narrativa de heroísmo e trabalho dos bombeiros durante a catástrofe, mas logo tudo muda e se concentra em três narrativas: a busca de Ray por sua filha, a tentativa de sobrevivência de Blake e o núcleo cientifico e didático de Lawrence. O bizarro é ver como o protagonista abandona seu posto para resgatar seus familiares utilizando diversos métodos, digamos, ilegítimos. A ênfase dada para a profissão e heroísmo dos bombeiros é posta completamente de lado. O filme perde com isso. Vira apenas uma narrativa simples e sem graça de uma história que já vimos milhões de vezes antes. Os diálogos são bem limitados, genéricos e, pior, repetitivos e martelam sobre a iminente redenção do protagonista graças a um fardo do passado, completamente clichê.
Porém, o roteiro não é abismal. Já fico contentíssimo que não tenha pendido para a caricatura de personagens como os filmes de Emmerich ou a ação desenfreada de Michael Bay. É apenas algo normal, rotineiro para Hollywood e para nós. Peyton dirige bem, porém seu filme é brega do início ao fim. Consegue tornar o terremoto algo realmente incrível de se contemplar – inclusive consegue destruir a ponte Golden Gate de um jeito bem inusitado. Os efeitos visuais são um espetáculo à parte. Apenas a modelagem de seres humanos virtuais é meio vagabunda. Sempre quando o plano envolve gente sendo arremessada, pisoteada, explodida pelos ares, perde-se qualidade nos efeitos – as pessoas ficam com aspecto borrachudo.
O que torna o filme é brega é a encenação de Peyton. O filme orbita o melodrama descaradamente. As motivações dos personagens são clássicas do gênero e os close ups com diversas expressões de terror, desespero e desalento, abundantes. Parece que às vezes o diretor tenta forçar uma empatia maior aos personagens buscando gerar alguma emoção. Entretanto, isso não funciona. Usar exageradamente a trilha sonora, principalmente no clímax do filme, também não ajuda.
Terremoto: Falha de San Andreas entrega mais do que promete. Sem dúvidas é um filme fraco, mas que conta com atuações boas de Dwayne Johnson e Paul Giamatti, além de caos e destruição realizados com maestria pelos magos dos efeitos visuais. Tirando isso, não há muito o que explorar nesse filme. Se você gosta de filmes catástrofe, este é um filme obrigatório. Aliás, se possível, e se for viável, assista ao filme em sua versão 4D. Assisti o longa inteiro com um baita sorriso no rosto graças a esta tecnologia. É algo incrível e que agrega muito a experiência do espectador, além de ser muito divertido. Para terem uma ideia, apesar de eu já ter visto alguns filmes em 4D, apenas um, Gravidade, julguei merecedor do meu dinheiro. Finalmente, posso recomendar as trepidações, espirros d’água, giros, ventos, sopros e luzes que realmente fazem a diferença em Terremoto. Portanto, atente que a nota que darei para o filme é baseada na versão 4D. Com certeza, se eu tivesse visto a versão normal, o filme teria uma nota diferente.