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Matheus Fragata

Crítica | Pânico 4

Wes Craven redefiniu o gênero do suspense quando lançou “Pânico” em 1996 conseguindo assustar, divertir e principalmente se comunicar com o público – é impossível abandonar o filme na metade. Craven salvou os filmes slasher do abismo. Foi responsável pelo boom criativo que originou “Eu Sei o que Vocês Fizeram No Verão Passado”, “Lenda Urbana”, “Premonição”, entre vários outros. E agora volta corrigindo erros do passado (“Pânico 3”) e salvando mais uma vez o suspense previsível dos filmes decadentes e estagnados de hoje em dia.

Sidney Prescott volta a sua cidade natal, Woodsboro, para lançar seu livro de autoajuda revelando as dificuldades que passou graças ao psicopata Ghostface. Justamente em seu retorno, Ghostface volta a aterrorizar os estudantes da diminuta cidade. Agora cabe a ela, Gale e Dewey impedirem que o massacre se repita novamente enquanto tentam proteger a sobrinha de Sidney, Jill.

Novo grito, novas regras, nova década

O roteiro é novamente escrito por Kevin Williamson e mais uma vez consegue surpreender a todos espectadores com sua trama essencialmente imprevisível e lotada de reviravoltas. O teor crítico de sua escrita é elevadíssimo – detona toda essa geraçãohorror gore que destruiu o gênero do terror. Os reboots ou remakes também não foram poupados. Existe também outra crítica que é mais severa e sóbria destinando-se a atualidade ávida por fama e tecnologia. A metalinguagem – identidade da série –  volta em outros personagens reapresentando as regras dos plots de filmes de terror atuais. Com isso, resgata a atmosfera revolucionária inaugurada pelo primeiro filme da série em que as críticas direcionavam-se aos clichês e as infinitas sequências que amaldiçoaram o gênero.

Sua história prende o espectador do início ao fim surpreendendo a cada instante. Aqui, Ghostface apresenta-se diferente dos outros três da série. Muito mais violento, doentio, cruel e visceral, garante as ótimas cenas de mortes que preenchem o filme.  É vital citar que “Pânico” nunca foi uma franquia de terror que tem o intuito de amedrontar o espectador. A carga humorística é fortíssima, por isso não se sinta mal em dar boas risadas logo após uma morte violenta.

A vantagem deste “Pânico”, em especial, é que ele nunca se leva a sério. Isso resultou em uma narrativa bem criativa com algumas piadas bem elaboradas chegando até a se autossatirizar explicitado pelo clímax. Na minha sessão ocorreu algo interessante – lá nos minutos finais do longa, Sidney solta o melhor quote de todos os diálogos e a reação na plateia (claramente fãs da série, inclui-se eu aqui) foi unânime, uma chuva de aplausos. Falando em diálogos, os clássicos telefonemas de Ghostface estão muito bem revitalizados e memoráveis como sempre.

Infelizmente nem tudo é uma beleza na escrita de Williamson. Os problemas do filme são visíveis e incomodam um pouco. A principal proposta era a reinvenção do gênero. Então por que continuar com a inexplicável e tradicional demora (eterna) de um personagem chegar a outro local para salvar seu parceiro em uma cidade minúscula? Ou até mesmo a impossível falta de mira do xerife Dewey? Outras falhas existem, mas após assistir duas vezes percebi que é plausível o teletransporte mágico de Ghostface , mais rápido que todo o elenco, em termos de transitar pela cidade. A escolha de deixar o trio principal com menos tempo em tela também foi desnecessária.

Outra coisa que foi mantida e acredito que sempre será, é a explicação do psicopata da vez sobre o porquê de toda a matança após retirar a máscara e revelar sua identidade – sempre a maior surpresa. E, neste caso, é praticamente impossível decifrar  o assassino durante o longa – que para mim desde o primeiro filme da franquia se assemelha muito aos minutos finais de cada episódio de Scooby Doo.

Quando o clássico encontra o novo

O trio principal retorna. Neve Campbell, Courteney Cox e David Arquette estão bem melhores e mais a vontade em seus papéis que nos filmes anteriores. Campbell deixou de ser a adolescente indefesa e torna-se uma mulher preocupada com o futuro. Sua atuação demonstrou uma sobriedade muito interessante e até mesmo algumas caras inéditas, mas mesmo assim nada tirará Campbell da mediocridade. Courteney Cox volta mais impetuosa do que nunca com a inquieta Gale Weathers – de longe assume o pódio das atuações do trio original. Arquette deixa de mancar, mas continua com a mesma cara de idiota ingênuo do xerife Dewey. A velhice lhe ajudou a definir um pouco mais suas expressões conferindo um ar mais interessante ao personagem.

O quarteto novato também não faz mal e chega a impressionar de vez em quando. O maior destaque é Hayden Panettiere incorporando a cômica Kirby,  que ganha seu momento impar durante um dos questionários de Ghostface. Emma Roberts encara facilmente seu papel dando conta da transformação necessária de sua personagem. Anthony Anderson e Adam Brody são os novos policiais de Woodsboro e soltam a melhor piada do filme envolvendo Bruce Willis.

Dane Farwell é o dublê que dá vida ao Ghostface. Infelizmente, nesse filme ele não repetiu o célebre ato de limpar a faca entre os dedos após a sanguinolência, mas continua com sua expressiva cabeça inclinada sinistra. Roger Jackson dubla o antagonista durante os telefonemas. Ele alterou a voz do psicopata, mas mesmo assim continua marcante, aterrorizante e estranhamente sexy.

Colorindo o horror

A fotografia de Peter Deming abandona as distorções das lentes usadas no primeiro “Pânico” e dá mais relevância a sua iluminação. A modelagem da luz é bem feita nos interiores e cumpre o papel de tornar tudo sombrio, denso e pesado, às vezes saturando mais um tom amarelado e outras um mais azulado. Já nos exteriores a história não se repete. Geralmente, em cenas noturnas em que o enquadramento do plano captura uma fonte de luz intensa como faróis e postes existe uma superexposição de luz que deforma a imagem. Isso poderia ter sido facilmente evitado se tivesse fechado um pouco mais o diafragma de suas câmeras garantindo um efeito de luz mais legal de olhar. A maquiagem também merece um destaque especial.

Beltrami em pânico

Marco Beltrami é um compositor muito imprevisível. Já recebeu duas indicações ao Oscar, mas alguns de seus trabalhos são simplesmente abismais. Fez a música de todos os filmes da franquia que são conhecidas por serem desconhecidas. O filme que redefiniu o gênero não ter um tema próprio é uma coisa muito triste. Na essência, a trilha original funciona raramente. As incessantes composições são extremamente melodramáticas que acabam cansando os ouvidos após alguns minutos. Existem exceções como o caso da cena do estacionamento em que a música casa perfeitamente.

Novamente quem salva a música é a trilha licenciada que conta com praticamente duas canções (a que abre e a que fecha o filme) durante toda a projeção. São elas “Something to Die For” e “Bad Karma”.

Voltando da Rua Elm

Wes Craven estava desaparecido. Voltou ano passado com o fraco “A Sétima Alma” e agora, honrando seu título de mestre do suspense da atualidade, entrega um dos melhores filmes da série. As referências a vários outros filmes slasher são muitas, além de homenagear a própria franquia ao relembrar o metalinguístico “longa” “Stab”. Como havia assistido o quarto filme antes do segundo, desconhecia a existência deste curta que conta inúmeros planos hitchcockianos – uma bela homenagem de um mestre do suspense para uma lenda do gênero.

A violência, a crítica ácida e o humor negro se fazem presentes em todos os atos da película. Craven tem uma habilidade impressionante em criar psicopatas incrivelmente carismáticos. Freddy Krueger é criação sua e Ghostface é meu vilão favorito. Ele desconstruiu a imagem mítica e inalcançável desses psicopatas – repare como Ghostface apanha de Sidney em todos os filmes da franquia e também a ausência de planos que lhe conferem um ar de grandeza, fora o grande diferencial – ele sabe falar.

Craven também sabe utilizar vários recursos sonoros para criar uma atmosfera extremamente tensa elevando o suspense as alturas. Seja com o rangido de uma porta débil como o eco do estacionamento deserto, o espectador fica completamente imerso no mundo minuciosamente criado por ele. Ele anima o público logo no inicio de todos seus filmes com aberturas fantásticas – basta assistir uma delas e você já conhece o método cinematográfico do diretor.

E conseguiu novamente remodelar o gênero que já apresentava sinais de esgotamento há tempos, vide “Jogos Mortais” e “O Albergue” que claramente esqueceram o que o terror e o suspense significam, medo, não nojo. Além disso, até mesmo suas imagens escondem críticas a nossa sociedade ávida por reconhecimento, basta reparar no último plano do filme que o fecha com chave de ouro.

Qual o seu filme de terror favorito?

“Pânico 4” cumpre o que promete. Apresenta os novos clichês em um tom debochado e tenta salvar o gênero mais uma vez. Para os adolescentes de 1996 que assistiram o primeiro filme nos cinemas, a impressão deve ser de uma nostalgia tamanha. Então se você gostava desses filmes de terror teen, não perca seu tempo duvidando se o filme merece um bilhete de cinema. Apenas vá com o intuito que você irá se divertir (e muito). Agora, eu já sei responder a pergunta de Ghostface com muita segurança.


by Matheus Fragata

Crítica | Meia-Noite em Paris

Talvez seja exagero dizer que Woody Allen estava perdido em uma abstinência criativa nos últimos tempos. Em 2009, lançou “Tudo Pode dar Certo” estrelando Larry David. Apesar de divertido, o filme era velho em sua essência e não trazia nada de novo na direção de Allen. Ano passado, veio “Você vai Conhecer o Homem de seus Sonhos”. Aquele longa metragem deixou claro que o lendário diretor precisava compor uma obra interessante. O filme carecia de uma história que conquistasse o espectador, Woody estava se baseando em recursos de humor já utilizados, os personagens eram chatos e os atores também não ajudavam. Comecei a me perguntar onde será que estava o Woody Allen que tive o prazer de conhecer em “Vicky, Cristina, Barcelona” em 2008. O filme rodado na Espanha revelava-se ser a obra mais sexy, física e provocante do diretor. Mantendo o cronograma de produzir um filme por ano, Allen volta completamente renovado e pronto para te conquistar mais uma vez.

Gil viaja a Paris com sua noiva, Inez, e seus sogros, John e Helen, as vésperas de seu casamento a fim de buscar inspiração para escrever seu primeiro livro. Lá o casal encontra Paul, um amigo de faculdade de Inez e logo os programas deles resumem-se a sair com Paul. Após uma degustação de vinhos, Gil decepciona-se com a noiva que tem o tratado de modo indiferente há alguns dias. Alegando que gosta de caminhar em Paris a noite para observar suas brilhantes luzes, ele tenta voltar sozinho para o hotel. Bêbado, cansado e perdido, resolve descansar na escadaria de uma igreja, mas seu mundo viria a mudar radicalmente após a badalada da meia-noite. Gil descobre que existe um mundo em que o passado é presente. Lá encontra todos seus ídolos e personalidades históricas dos anos loucos de 1920 que o ajudarão a concluir seu romance.

Paris, Je t’aime

Fazia anos que Woody Allen não escrevia um roteiro com uma história tão boa como esta. Seu roteiro é extremamente imaginativo, criativo, curioso e inteligente. Aqui a simplicidade é o que o torna absolutamente único. É praticamente impossível não se apaixonar por esta nova obra de Allen. Ele mudou radicalmente suas manias ao apresentar vários elementos novos. O principal deles é a abordagem romântica da história, poucas vezes utilizadas em suas obras. O humor também sofre alterações drásticas. Ele abandona o humor ácido evidentemente crítico para um bem mais suave, gentil e bondoso, que se revelou também ser mais agradável – finalmente as piadas abandonaram o caráter infeliz de um personagem rabugento insatisfeito com a vida.

Entretanto, apesar de Woody ter inovado bastante, ainda existem algumas características que são marca registrada do roteirista. Como habitual, a carga irônica da narrativa é bem acentuada. A traição também é presente. As críticas ao nosso modo de vida, hábitos e até a própria sociedade são muito sutis – é preciso estar atento para captar todas. O modo que Allen consegue correlacionar a atualidade com o passado encantador é completamente única. Assim, adiciona mais um significado místico para a hora mágica – a meia-noite.

Além disto, o capricho mais marcante de Allen está em um estado de ebulição nunca visto antes. Existem muitos diálogos rápidos durante o filme – muita informação em questão de segundos. Existe uma falha técnica por parte de nosso País. O filme conta diversas conversações em francês que não são traduzidas pela legenda o que é uma tristeza, pois nunca o espectador vai absorver toda informação que ele oferece. O mais interessante de sua história é que ela conversa com o público. Allen não duvida do intelecto do espectador apresentando detalhadamente cada personalidade fantástica que Gil conhece. Então é necessário que a plateia tenha certo nível cultural para entender as melhores piadas do longa – principalmente a que envolve o cineasta Luis Buñuel.

A história é uma declaração de amor de Woody a Paris e toda riqueza histórica que a cidade e ele faz isso através da riqueza psicológica de seus personagens. E, mesmo com toda a vastidão de personagens interessantes, o roteirista inova com seu protagonista. No início do filme, é impossível acreditar que Gil é o personagem principal da narrativa pelo destaque que ele proporciona aos coadjuvantes ofuscando sua presença. No mundo atual, Gil é subestimado por sua noiva, odiado pelos seus sogros, carece de auto-estima e aparentemente hipocondríaco, porém tudo se transforma quando o personagem cai nos anos 20. Lá ele tem amigos, é prestigiado, sente-se importante por estar entre os maiores nomes da cultura que não o menosprezam de maneira alguma.

Assim Woody faz uma das críticas mais sutis a nossa sociedade. Atualmente, sofremos com o péssimo hábito de dar nossa opinião sobre tudo e todos mesmo que ninguém a tenha requisitado detonando a grande falta de educação. Enquanto no passado, os artistas seguram seu argumento até que alguém o peça. Alguns até preferem nem conhecer a obra do amigo para não afetar o relacionamento. Outra crítica perfeita transmitida por Gil é sobre aproveitar as coisas simples da vida como uma simples caminhada na rua durante a chuva – isso é apontado demasiadas vezes no filme. Outro argumento inteligente do roteirista é o nosso apego pelo passado independente da época vivida. Nunca vivemos o presente como se deveria, mas perdemos nosso tempo sonhando com uma época já extinta causando um sentimento de pseudonostalgia – sempre, no passado, o mundo (e seus habitantes) foi melhor.

Woody também aborda o consumismo de utensílios inúteis – desta vez é importante que o espectador interprete da forma que lhe convém. Novamente o protagonista é um dos muitos alteregos do diretor. O espectador encontrará filosofias – a melhor delas sobre as luzes da cidade – que parecem ser proclamadas da boca do próprio Allen assim como em “Manhattan”. Os diálogos que apresentam estes pensamentos têm um comportamento curioso. Os que acontecem no mundo contemporâneo não chegam nem perto qualidade apaixonante dos apresentados durante os anos 20. Isto é uma jogada inteligente do roteirista que, assim, encontra outra possibilidade de inserir mais uma crítica. Será que a inteligência dos homens regrediu?

Os franceses sempre foram ridicularizados, alvos de piadinhas cretinas em incontáveis filmes americanos, porém aqui acontece exatamente o contrário. Allen confere a maldade, o desinteresse, a ignorância, a passividade e o termo “pseudo intelectual” aos coadjuvantes americanos de sua obra. Entretanto, consegue ampliar sua crítica ao mundo. Nunca o termo “pedante” foi utilizado tão corretamente como neste caso – se pararmos para pensar, vemos que vivemos em uma sociedade pedante, arrogante, burra, cega pela ganância e orgulhosa, que insiste em cometer os mesmos erros e fingir que conhece qualquer assunto, desconhecendo a maioria dos que costuma colocar em pauta.

Voltando para a realidade fantástica da história, o roteirista entrega o conflito majoritário da narrativa – paixão impossível que o protagonista começa a viver. Além de seu affair apaixonado pela Cidade das Luzes, Woody dedica um amor especial aos personagens inspirados nos artistas da década de 20.

Aproveitando a ambientação noturna que a história segue, consegue humanizar os conceituados artistas que Gil encontra inserindo-os em ambientes familiares, coloquiais, confortáveis e despretensiosos. Assim, consegue dar uma dimensão de bondade enorme a esses personagens que esquecem as rivalidades e o stress do trabalho na utopia criada por Woody.

Outro truque inteligente do diretor, ator e escritor é a moderação dos eventos e da inserção de novos personagens em seu texto. Com isso, faz com que o espectador anseie para que o relógio volte a anunciar a meia-noite assim que o protagonista volta para o “mundo real”.

Personalidades reinterpretadas

Owen Wilson tem progredido bastante nos últimos tempos seu desempenho como ator. Ele não é ruim, é apenas mal aproveitado e mal dirigido na maioria das vezes – só que isto não acontece aqui. Sob pressão de Woody Allen, Wilson conseguiu elaborar um personagem encantador com sua interpretação simples e complexa. A linguagem corporal que o ator cria é expressiva. Com uma postura curvada, a cabeça pendida para o chão, passos vacilantes acompanhados da mão sempre enfiada no bolso reforçam a grande insegurança que o personagem sente. Às vezes, o ator pende para o lado caricato da atuação com fantásticas expressões faciais – sim, Owen consegue construir caretas únicas neste filme.

Existe a transformação necessária de seu trabalho, mas não é baseada em expressões corporais e faciais, mas sim na pronunciação de suas falas e seus olhares. Ele consegue transmitir o amor que sente pela época com o entusiasmo de seus diálogos, a inquietude de seu corpo e o olhar estupefato carregados de paixão. O contraste da emoção desenvolvida pelo ator é bem significativa. Assim que abandona o mundo fantástico e volta para o real, toda a expressão de alegria sme e voltam as de felicidade travestida. O ator também consegue trabalhar em harmonia com todo o elenco.

Obedecendo as exigências do roteiro, Rachel McAdams é detestável em cena. Sua atuação é muito boa conseguindo criar a antagonista perfeita. Ela é uma atriz que não regula ou censura os sentimentos da personagem, por isso sua atuação é muito natural e espontânea. Ela aposta em expressões faciais e gestos completamente infantis denotando a figura mimada de Liz. Marion Cotillard é outro destaque do elenco de peso do filme. Sua atuação é completamente adequada à época que a personagem vive. Esbanja elegância em suas cenas com seus traços suaves e delicados. Outro destaque feminino é Kathy Bates. Ela dá a carga humorística necessária a toda cena que participa. Carla Bruni em sua primeira atuação é uma grande surpresa – conseguiu tornar sua personagem consideravelmente interessante.

Corey Stoll também é outro espetáculo em cena enquanto desenvolve Hemingway. Aqui o trabalho com a elocução da fala truncada é bem diferente da apresentada por Wilson. É possível notar a convicção assustadora de Stoll em seus diálogos – realmente encarnou o romancista. A expressão corporal do ator é praticamente perfeita. O andar truculento e bêbado é impressionante – fidelíssimo a personalidade real visto que Hemingway é considerado o escritor americano mais alcoólatra de todos os tempos. “Um homem inteligente, às vezes, é forçado a ficar bêbado para gastar um tempo com suas bobagens” – Ernest Hemingway.

Quem merece um parágrafo totalmente dedicado é Adrien Brody. A única cena que ele aparece já vale o ingresso. Totalmente esplêndido, conquista o espectador logo na primeira frase. Não vou falar qual artista ele encarna para não estragar a ótima surpresa. Sua atuação é de longe a melhor do filme inteiro. O olhar alucinado, compenetrado e avoado proporcionado pelo artista captura a essência da figura genial que interpreta. Além disto, gesticula compulsoriamente para reforçar sua idéia inebriante com expressões faciais exageradas e divertidíssimas.

A Luz da Meia-Noite

O iraniano Darius Khondji mostrou um novo significado para a arte da cinematografia quando trabalhou com David Fincher em “Se7en”. A atmosfera carregada, poluída, porca, feia, nojenta e asquerosa de sua iluminação tenebrosa explicitou o lado visceral esquecido muitas vezes pelo cinema – ganhou um admirador naquele instante. Felizmente, Khondji fez um trabalho bem mais delicado neste filme.

Uma característica que o cinegrafista manteve durante o filme inteiro foi destacar os cabelos dos personagens. Isto é bem visível em Versalhes em que a iluminação refletida pelos cabelos louros de Wilson e McAdams contrasta fortemente o verde saturado das árvores dos jardins megalomaníacos do palácio. O cinegrafista puxa fortes tons amarelos na maioria do filme e isso fica mais intenso quando Gil entra na década de 20. O truque é bem simples, mas a realização é complexa. Ele deixa o fundo do plano bem amarelado e cheio de sombras inferindo o toque vintage necessário a obra, além de reforçar a riqueza cultural da época.

Já a modelagem da luz incidente na face dos atores é outro deslumbre. As fontes de luz são bem suaves deixando a escuridão envolver parcialmente o rosto dos artistas – o efeito comporta-se como uma pintura em movimento. Ele também insere névoas charmosas e românticas nos cenários. Assim, ele desconstrói propositalmente todo trabalho pesado para reforçar o amarelo a fim de tornar a cena palpável, lotada de texturas encantadoras para deixá-la completamente onírica, ilusória e imaterial lembrando ao protagonista que ele não pertence a aquele mundo.

O cinegrafista também aproveita para usar reflexos. Utiliza o recurso com o auxílio de um espelho fosco que embaça a imagem tornando o reflexo algo bem fantasmagórico, porém charmoso. Darius aproveita o reflexo natural da água, vide o estonteante plano geral de Giverny (Monet, realmente, escolheu a dedo o lugar para passar o fim de seus dias e deixar o seu famoso jardim com todos os tons que queria para “impressionar”quem admirasse seus quadros em qualquer ano que fosse visto). Destaque para o cuidado conferido por Khondji na simulação da iluminação interior das cabines dos carros. Nestes planos, consegue distorcer a luz deixando-a brilhante e levemente translúcida.

Todo o departamento de arte é dedicado aos mínimos detalhes para a reprodução dos anos 20. O trabalho da direção de arte é mais notável na decoração inusitada dos cenários do que a composição artística dos mesmos – Paris possui diversas locações conservadas com séculos de idade. O destaque fica para os figurinistas e para os cabeleireiros. O vestuário do elenco é fidelíssimo a época acompanhando até seus estilos musicais como o charleston e o can can. Os recortes dos vestidos mantém a silhueta tubular, sem demarcação dos seios ou quadris respeitando a moda parisiense marcada pela simplicidade e leveza daquele momento. Os penteados femininos trazem mais riqueza cultural ao filme. O estilo à La garçonne de cabelos curtos com forte apelo sexual é desenterrado do séc. XX. O novo filme de Woody é uma enciclopédia completíssima dos anos loucos.

Concepção licenciada

Woody Allen adora trabalhar com músicas licenciadas – é extremamente difícil encontrar um filme que tenha músicas originais. As inúmeras faixas que o diretor escolheu são perfeitas compondo uma coletânea única de canções dos anos 20, 30, 40 e 60. Há um grande destaque para as composições de Cole Porter como “Let’s do It”, “You do something to me” e “You’ve got that thing”.

Mas quem rouba a cena são as instrumentais francesas carregadas de emoção e sentimento. “Si tu vois ma mère” que conta com o som fantástico do sax de Sidney Bechet vira o tema principal do filme pela repetição incontável da música – característica da direção de Allen. Já a outra música que chama a atenção do espectador é a bela “Parlez moi d’Amour” construída pelo inigualável som do acordeon francês.

Infelizmente a trilha sonora do filme ainda não está disponível na internet por isso peço desculpas pela falta de análise deste aspecto do filme. Só posso dizer que a seleta música foi escolhida a dedo e funciona muito bem chegando, inclusive, a emocionar o espectador.

Bonsoir, Messier Allen!

Woody Allen é um diretor de histórias. Não importa se elas são boas ou ruins, simplesmente as transformam em filmes únicos – cada um com seu charme especial. “Meia-Noite em Paris” tem vários atrativos sendo os principais deles, a própria cidade e a vida cultural sempre efervescente . Allen fotografa várias cartões postais no início do longa como ninguém. Ele encontra pontos da cidade belíssimos que provavelmente passam despercebidos pelos próprios parisienses. O diretor enquadra os principais monumentos de Paris com planos distintos que fogem do senso comum surpreendendo pela beleza. As imagens seguem uma linearidade, desde a aurora do dia até a noite encantadora, incluindo belíssimas imagens de uma tarde chuvosa.

Outro aspecto muito interessante do diretor acontece na cena de Versalhes. O modo que ele posiciona os atores no enquadramento transmite outra mensagem. Repare que enquanto Paul anda, aprecia e disserta sobre as maravilhas do jardim, Inez anda atrás dele e atrás dela se encontra a mulher de Paul. E por último, o patinho feio do grupo, Gil acompanha sem muito interesse. Woody exige muito de seus atores e isto não é novidade, porém isso tomou outra proporção neste filme. Diversas vezes no filme, trabalha na base dos planos-sequência – planos que registram uma sequência inteirasem cortes. Utilizando a técnica da Steadicam, acompanha os atores se movimentando no espaço durante o plano-sequência a fim de quebrar a mesmice da imagem. Os planos-sequência de Woody são bem longos então imagine o condicionamento que os atores se submetem para decorar os extensos diálogos da cena.

O diretor foge das edições/mutilações frenéticas dos blockbusters atuais. Geralmente, no meio de um diálogo, a imagem segue o personagem falante. Allen não segue esse padrão. Algumas vezes, ele oculta a expressão do ator que se comunica  para explorar a reação de segundos ou terceiros.

Em diversos filmes anteriores, o cineasta colocava seus alteregos para conversar diretamente com o público pelo contato direto do olhar do personagem com a lente da câmera. Com este filme, Allen deixa mais do que claro que prefere seu lado intelectual como escritor de livros e peças de teatro do que roteirista de Hollywood, tanto que ele foge para Paris e vai conversar com os grandes gênios da literatura em noites especiais e festivas do que discutir suas idéias em ambiente hollywoodiano.

Os atores também foram escolhidos de modo perfeito. Todos se parecem com os escritores, artistas e músicos dos anos loucos. Mais um ponto positivo para o diretor.

Minuit à Paris

“Meia-Noite em Paris” marca um belo retorno para o cineasta que há tempos não realizava um filme tão belo, simples, inteligente, sensível e emocionante como este. Após o termino da sessão, a vontade que fica é de assistir a que vem logo mais. É bem interessante ver como Allen se saiu com o elenco totalmente novo e o trabalho com Owen Wilson e Adrien Brody. Se você está procurando uma comédia doce com uma história encantadora e conhecimento sobre a maravilhosa década de 20, meu conselho é que não perca seu tempo. Apenas vá, delire e aproveite. Agora, só espero a primeira oportunidade de voltar para Paris, procurar a almejada escadaria, aguardar a badalada da meia-noite e embarcar em uma aventura completamente inesquecível. Afinal, a escadaria daquela igreja eu já conheço!

Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, EUA/Espanha – 2011)

Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Owen Wilson, Rachel McAdams, Michael Sheen, Marion Cotillard, Tom Hiddleston, Léa Seydoux, Adrien Brody, Corey Stoll,  Kathy Bates
Gênero: Comédia, Romance 
Duração: 94 min. 


by Matheus Fragata

Crítica | Se Beber, Não Case! Parte II

Antes de Se Beber, Não Case!, os besteiróis americanos possuíam certa falta de qualidade, um descuido com a parte artística e atores abismais. Não eram atraentes e tinham pouca graça. Contavam piadas para os americanos, não para o mundo. Isso não quer dizer que não existiam exceções como American Pie – isto não inclui as sequencias imbecis, entre outros. Porém, quando o filme de Todd Phillips estreou, houve uma revolução na comédia americana. Com um humor sutil e inteligente, o trio Phil, Alan e Stu conquistaram uma legião de fãs. O sucesso foi absoluto, a crítica o consagrou, a bilheteria o destacou e Bradley Cooper começou a fazer sucesso. Agora, depois de dois anos, o wolfpack retorna com mais uma ressaca imperdível.

Traumatizado da experiência da despedida de solteiro de Doug, Stu quer se casar da maneira mais calma possível. Mais paranóico que nunca, ele convida Phil e Doug para seu casamento, mais reluta em chamar o lunático Alan. Após a insistência de seus amigos, Stu aceita chamar Alan. Em sua noite de despedida de solteiro, o noivo implora para que seus amigos não aprontem com ele, mas as coisas novamente saem do esperado. Após uma noite louca, Stu, Alan e Phil acordamem Bangcoc. Logo que o efeito do álcool ameniza, eles percebem que Teddy, o irmão mais novo da noiva de Stu, está desaparecido. Assim, o trio tem uma corrida contra o tempo para encontrar o garoto e chegar ao casamento de Stu na hora. Mas desta vez eles contam com a inesperada ajuda de Mr. Chow.

Açúcar, Tempero e Tudo que Há de Bom

O roteiro escrito por Craig Mazin, Scot Armstrong e Todd Phillips segue exatamente o mesmo estilo de narrativa interessantíssimo criado pelos originais Jon Lucas e Scott More. Logo no primeiro minuto de projeção, lança os protagonistas em uma situação desesperadora para depois contar como eles acabaram ali. Se você assistiu o primeiro filme, indiretamente assistiu o segundo graças a escolha desta fórmula do sucesso. Infelizmente, isso torna as reviravoltas previsíveis, a falta do elemento surpresa e o desfecho pouco surpreendente como em seu predecessor. A opção de construir uma narrativa tão semelhante a anterior garantiu um tempo maior para a elaboração das piadas.

Neste filme, assumem um tom muito mais agressivo, sexual e grosseiro com situações mais apelativas em tornar tudo o pior cenário possível. Como de costume, os moralistas podem sair ofendidos, principalmente por uma cena que mostra uma epifania de Alan – considero-a nada menos que genial. A maioria das piadas resume-se no humor negro inteligente e rápido. O maior ponto positivo do roteiro é exatamente este: ser tão engraçado e ridículo quanto o primeiro filme.

Porém, assim como muitas pessoas, encarei negativamente esta escolha dos roteiristas. Foi muito legal na primeira vez, mas certamente não custava nada que eles entregassem uma narrativa diferenciada, afinal a proposta do primeiro filme era a reinvenção do gênero. A abordagem deles é tão igual que o filme conta novamente com um animal exótico – esta decisão foi esperta, depois de Alan, o macaco é o melhor personagem do filme – outra modificação na face de Stu, a desnecessária ausência de Doug na ressaca, entre outras características. Até mesmo falas são copiadas do roteiro anterior como o clássico “What the fuck is going on?!”,além de escolher cenas em interiores que reciclam a arte já ultrapassada de 2009.

Entretanto, eles acertamem retornar Mr. Chow na história – o personagem garante várias das melhores piadas do filme. Novamente, fornecem pistas muito sucintas sobre o paradeiro do desaparecido da vez, que pode ser desvendado, no entanto, por um espectador concentrado. Fora isso, há uma intertextualidade interessante com o filme anterior, visto que muitas piadas são causadas por meras citações das loucuras anteriores do trio. A mudança para Bangcoc, um ambiente mais hostil que Las Vegas, também justifica a abordagem mais rústica do humor. Destaque para a original analogia apresentada pelo sogro a respeito de Stu.

Também houve poucas mudanças quanto ao comportamento dos personagens da história, umas negativas e outras positivas. Phil é o mais afetado. Durante o filme inteiro o personagem parece deslocado e perdido servindo apenas como mediador da situação, além de contar com poucos momentos engraçados. Alan é mais desenvolvido ganhando um destaque maior e uma importância significativa para a evolução da busca. Já Stu continua paranóico e traumatizado carregado de ataques de nervos hilários. Apesar disso, a sensação de mais coisas poderiam ter sido aproveitadas é grande.

The Wolfpack is back

Além das ótimas piadas que o roteiro garante, a qualidade das atuações também não desaponta. Bradley Cooper se esforça bastante conseguindo articular eficientemente as poucas tiradas cômicas que seu personagem possui. Cooper tem sorte de ter um carisma marcante. Duvido que Phil ficasse relevante na trama se outro ator tivesse tomado o papel.

Ed Helms é humorista e aqui, finalmente, teve seu tempo para brilhar – atente para a parte da boate. Utilizando diversas vozes, gritinhos de pânico, expressões de ressaca das mais convincentes, a postura esquisita, gestos imprevisíveis, conquista o público imediatamente. Sua atuação é uma das melhores – repare a mudança de comportamento de seu trabalho antes, durante e depois de sua despedida de solteiro. Seu timing cômico é perfeito. Talvez o único aspecto negativo tenha sido o abandono de sua risada irônica do primeiro filme.

Mais idiota que nunca, Zach Galifianakis explicita como é um ator complexo, variado e criativo. Em Um Parto de Viagem, seu Ethan Tremblay era um personagem baseado em gestos afeminados, sotaque alternativo e expressões corporais marcantes. Em comparação com o filme anterior da franquia, sua atuação mostrou-se muito mais oportunista, improvisando sempre que possível, garantindo assim, mais uma vez, as melhores piadas do filme. Galifianakis aposta com tudo em suas fantásticas caretas – principalmente a de choro. Além disto, inova com diversos sons bizarros e a pronunciação de sua fala, ambos completamente únicos. A maior sorte dos três atores é química surpreendente que acontece entre eles.

Justin Bartha é esquecido na ressaca e não pôde mostrar muita coisa nova. Ken Jeong é a maior surpresa do filme. Combinando ele e Galifianakis em cena, é praticamente impossível não rir. Jeong é extremamente caricato e sabe qual é o seu forte, no caso, gestos extremamente exagerados e o sotaque inigualável. Destaque para a macaquinha prego Crystal – a mesma de Uma Noite no Museu. Ironicamente, ela proporciona um carisma mais marcante que metade do elenco. Certamente uma bela adição no elenco cômico da cinessérie.

Jeffrey Tambor, Paul Giamatti, Jamie Chung, o péssimo Mason Lee, Sasha Barrese e Gillian Vigman completam o elenco.

Efeito manguaça

É impressionante que Lawrence Sher ainda não tenha sido convidado para se associar a ASC (American Society of Cinematographers). Seu estilo fotográfico é interessante e bem realizado, mas infelizmente este filme ficou fotograficamente inferior ao primeiro. Muito disto deve-se pela troca de Las Vegas por Bangcoc, uma cidade bem menos iluminada e charmosa. Isso foi bom para o cinegrafista que obrigatoriamente teve que modelar a luz com mais cuidado.

Sua fotografia é atenciosa em muitas cenas que se passam em interiores. Diversas vezes, ele satura fortes tons amarelados esfriando-os estrategicamente em alguns pontos com fontes luminosas bem fracas como lâmpadas fosforescentes inserindo tonalidades azuis claras. Isso dá um contraste inteligente entre o azul e o amarelo formando cores interessantes. O resultado disto pode-se perceber na maioria do filme. Com o truque, o cinegrafista destaca os personagens dos cenários e das locações reforçando que eles estão em um meio totalmente estranho ao que estão acostumados.

Já nas cenas exteriores, seu esforço é mínimo: apenas utiliza o eficiente truque de fechar um pouco seu diafragma para diminuir a incidência de luz. Assim o fotógrafo evidencia a atmosfera hostil completamente poluída, carregada e sombria de Bangcoc. O amarelo enjoativo de sua fotografia casa perfeitamente com tudo que o novo filme propõe incluindo o humor mais peculiar. Sher também usa reflexos, desfoques e reproduz com competência a iluminação azul-rosada da boate que os personagens visitam.

Destaques para a direção de arte que novamente surpreende no tratamento dado ao quarto que os protagonistas acordam perdidos. Eles desgastam paredes e as envelhecem garantindo o aspecto porco e nojento. O figurino se faz presente nas vestimentas de Galifianakis. Como sempre, completamente ridículas reforçando o apelo cômico moderno do personagem.

Maldição da comédia

A maioria dos filmes de comédia nunca consegue se destacar no aspecto musical sem recorrer diretamente as músicas licenciadas. Já havia dito antes que Se Beber, Não Case! revolucionou diversos aspectos técnicos e artísticos, destacando-se imediatamente no ramo. Apesar da trilha original ter recebido mais cuidado, não emplacou e acabou esquecida e, infelizmente, a história se repete no segundo filme.

O compositor Christophe Beck cria músicas interessantes, mas completamente passageiras. Quando as composições originais aparecem, se resumem em um constante arpejo bêbado e trôpego de um baixo. A música tem a ver com a situação dos personagens e reforça o clima desconfortável que eles se encontram. Novamente a composição do clímax é bem arranjada.

A maior presença musical do filme fica por conta da trilha licenciada. Ela conta novamente com Danzig “Black Hell”,“Stronger”, “Dark Fantasy” e “Monster” de Kanye West, “The Downeaster Alexa” de Billy Joel, “Reminder”de Jay-Z, “The Beast In Me” do imortal Johnny Cash,“Imma Be”do Black Eyed Peas, “Pusherman” de Curtis Mayfield, “Love Train” de Wolfmother e “Turn Around Part 2”de Flo Rida. A edição das músicas é tão eficiente que todas casam perfeitamente com as cenas sendo que algumas conseguem tirar piadas por si só.

One shot, one kill

Todd Phillips tem a mania tem transformar seus projetos em trabalhos completamente únicos. O olhar do diretor é preciso e fatal – ele sabe o que o público gosta e o que vai dar dinheiro. Com a rápida ascensão na carreira, Phillips teve a oportunidade de levar Cooper e Galifianakis para o sucesso.

Suas características se mostram novamente presentes em seu novo filme. Ele gosta de filmar a natureza do ambiente que seus filmes passam. No primeiro longa da franquia, gravou a abrangência do deserto de Nevada e a madrugada iluminada de Las Vegas. Em Um Parto de Viagem fez o espectador sentir-se viajando com Downey Jr. e Zach nas estradas cercadas de florestas de pinheiros dando uma parada a fim de mostrar a estonteante beleza do Grand Canyon. Agora neste filme, aproveita as imagens paradisíacas e calmas da Tailândia cheia de bananeiras e encostas perdidas no meio do Golfo da Tailândia. Apesar de se esbanjar nos riquíssimos planos gerais da natureza, não perde a oportunidade de criticar com a linguagem implacável das imagens.

Logo nos créditos iniciais, mostra o cotidiano do povo de Bangcoc denotando o contraste de regiões que beiram a miséria para os riquíssimos e luxuosos arranha-céus. O diretor também gosta de usar o efeito do time-lapse em seus filmes. Time-lapse é uma opção fotográfica de acelerar a imagem. Geralmente é utilizado para mostrar panoramas da mudança das estações do ano.

Phillips conversa muito bem com seus atores e consegue arrancar o melhor da maioria deles. Inclusive, ele se arrisca a fazer coisas que não está habituado, como sequencias de ação. O resultado surpreende. O diretor conseguiu arquitetar uma cena de ação muito melhor que de vários filmes que pertencem ao respectivo gênero. Ela é fantástica, além de ser completamente visível e compreensível – existem filmes de ação que a edição é tão nervosa que mal dá pra perceber o que se passa na tela. Além disto, ele sabe lançar suas piadas no momento mais oportuno, como fica provado pelo grau de qualidade desta parte.

Talvez o diretor tenha abusado demais em usar certos recursos que muitos acharão completamente desnecessários quando conferirem. Porém eles fazem parte da cultura daquele país então a inserção destes elementos já era previsível desde o início da divulgação do filme. O humor continua esdrúxulo de forma habitual, exatamente a cara de Todd Phillips.

Ressacas Incríveis

Apesar de ser praticamente a mesma coisa que o primeiro, apenas com piadas renovadas e a viagem ter passado para Bangoc, Se Beber, Não Case! Parte II é tão divertido quanto o primeiro. Fazia tempo que um filme de comédia não me fazia gargalhar no meu mais puro devaneio – o pior de tudo é que a maioria da platéia do cinema não tinha achado graça da piada enquanto eu me esbaldava em rir por uns dois minutos seguidos.

O novo filme não tem o mesmo impacto quanto o primeiro, mas traz um humor mais interessante de conferir. A qualidade de suas atuações, principalmente o trio principal, é memorável e as músicas também são ótimas. Até mesmo a fotografia quebra o tabu dos filmes acéfalos de comédia. Devo avisar que nas sessões que fui, vi uma grande quantidade de crianças. Isto não é bom, visto que a maioria delas não compreendia as piadas e mal conseguia ler as legendas, além de muito provavelmente terem saído tão traumatizadas quanto Stu. Então, senhores pais, informem-se antes de levar seus pequenos para conferir um filme com uma temática como esta.

Só por curiosidade, se eu tivesse tido a oportunidade de avaliar o primeiro filme daria a nota máxima. Acho injusto um gênero tão mal visado e compreendido como a comédia não ter a chance de ter seus filmes com notas tão boas quanto a de vários pseudo dramas que existem por aí.

Se Beber, Não Case! Parte II (The Hangover Part II, EUA - 2011)

Direção: Todd Phillips
Roteiro: Craig Mazin, Scot Armstrong e Todd Phillips, baseado nos personagens de Jon Lucas e Scott More
Elenco: Bradley Cooper, Ed Helms, Zach Galifianakis, Justin Bartha, Ken Jeong, Jeffrey Tambor, Mason Lee, Sasha Barrese, Jamie Chung, Paul Giamatti, Gillian Vigman
Gênero: Comédia
Duração: 102 min

https://www.youtube.com/watch?v=k-EBgeqViYs


by Matheus Fragata

Crítica | X-Men: Primeira Classe

Criados por Stan Lee e Jack Kirby em 1963, os X-Men começaram a engrandecer a maior empresa de quadrinhos do mundo. No início, não fez muito sucesso entre o público, mas com o passar dos anos conquistaram uma legião de fãs. Após infinitas edições de quadrinhos e mudança de escritores, a série começou a perder a lógica com personagens que ressuscitavam mais que o japonês Goku ou curando a paraplegia de Charles Xavier para depois deixá-lo paraplégico novamente – isso acontece umas quatro vezes. Então, para esquentar a curiosidade e abranger os consumidores, eis que surge a ideia de adaptar o maior grupo de heróis da Marvel para os cinemas. Assim, em 2000, X-Men: O Filme estreia arrecadando milhões de dólares e novos leitores para os quadrinhos. Após mais dois filmes sobre a série e um filme solo de Wolverine, a Twentieth Century Fox lança X-Men: Primeira Classe, um prólogo das adaptações anteriores que conta com uma proposta completamente renovada e muito mais atraente e interessante.

Enquanto Erik Lehnsherr perdia sua família em um campo de concentração na Polônia, Charles Xavier dormia tranquilamente em sua mansão. Erik passou anos sob tortura de Sebastian Shaw, um oficial nazista, a fim de que despertasse seus poderes mutantes de manipular metais. Após alguns anos, agora livre de Shaw, Erik começa a caça-lo ao redor do globo enquanto Charles termina sua tese da faculdade de genética. Depois de um envolvimento com o governo, Charles encontra Erik tentando destruir Shaw que revela ser também um mutante. Erik fracassa, mas ganha a amizade de Xavier que promete ajuda-lo a encontrar o ex-oficial nazista.

Novamente, Ex-Humanos…

O roteiro de Ashley Miller, Zack Stentz, Jane Goldman e Matthew Vaughnn assume uma forma muito inteligente para a reinvenção da série. Os roteiristas optam em apresentar e desenvolver os fantásticos personagens em vez de encher os minutos de projeção com uma pancadaria desmiolada entre mutantes, vide o filme do Wolverine. O maior acerto são os diálogos perfeitos entre Erik e Charles. O modo que a história evolui a amizade entre os dois é muito interessante. Ela conta com crises, superações, confidencias e momentos especiais que tornam o processo convincente até para o espectador mais exigente.

A trama é tão bem construída que o desfecho do clímax é surpreendente conseguindo emocionar a plateia e leva-la a uma profunda reflexão sobre valores éticos e morais. O desenvolvimento da relação de Xavier com Erik é iniciado pelo contraste – este tão pesado e evidente que é digno do mestre de criar opostos (Frank Miller) – da vida que ambos levaram. Uma baseada no puro ódio e sede de vingança enquanto a outra explora a falta do contato materno e uma solidão suprimida por Raven. Além de ser uma história de amizade, o roteiro comporta-se como uma história de transformação e de origens. Praticamente todos os personagens da narrativa sofrem drásticas mudanças psicológicas, físicas e de opinião.

A situação histórica em que a narrativa se encontra é elaborada e condizente, além de se correlacionar com o personagem de Erik. Em plena crise dos mísseis durante a Guerra Fria, o filme lança questionamentos políticos e o comportamento dos governantes diante o medo de uma iminente Terceira Guerra Mundial. Assim como os homens, Erik projeta sua ira em um inimigo, mas a partir que este se ausenta, lança sua raiva contra os humanos. Ou seja, ele recusa de todas as maneiras encontrar a paz e a diplomacia.

Os princípios de aniquilação da raça inferior desprezada por Magneto são tão válidos quanto os utópicos entre mutantes e homens de Xavier. Ambos estão certos, mas um não viveu a vida do outro, o que leva a divergência de seus argumentos. Erik pensa o futuro do destino dos mutantes, já Charles vive os problemas do presente, ignorando os que estão por vir. Este enorme conflito entre os personagens revelam uma maturidade e complexidade jamais vista na franquia. Além das questões profundas acerca da psique dos personagens, o roteiro explora a juventude inserindo novos mutantes, a “primeira classe”.

Assim, a plateia encontra características inéditas da personalidade de vários personagens. Nunca o espectador conseguiu imaginar o letrado Professor X em uma pessoa tão viva, divertida e galanteadora como Charles Xavier de 26 anos. O roteiro abandona a figura patética e amorfa causada pela paraplegia para um personagem que se diverte, festeja, com tempo de “galinhar” com cantadas inteligentes, mas também centrado em seus objetivos e extremamente maduro.  Já Magneto, perdido em sua obsessão por Shaw, passa a maioria de sua juventude caçando o oficial ao redor do globo no melhor estilo 007. Tão importante quanto Charles e Magneto, Mística é privilegiada neste filme.

Novamente o roteiro elabora mais questões, entretanto, estas um pouco mais superficiais, porém importantíssimas para a personagem. Raven é vaidosa e se traveste com a aparência de outra pessoa para que ninguém fuja assustado de sua forma original grotesca. No início, seus conflitos e questionamentos são típicos de uma mulher adolescente preocupada com a rejeição. Tudo muda quando conhece Hank McCoy, o Fera, que também tem uma mutação que afeta a estética de seu ser levando sua expectativa de um possível romance às alturas. Outra reviravolta surge quando Erik, o “mutante orgulhoso”, incide na vida do grupo. Ele tenta entender o porquê que uma criatura tão majestosa desperdice seu potencial em conflitos meramente mundanos. Esta insistência de Magneto em mudar o comportamento de Mística deixa claro ao espectador uma paixão e fascínio pela mutante. Consequentemente, também revela que Mística é uma personagem instável de fácil manipulação.

De Primeira Classe

A música composta por Henry Jackman é a mais inspirada de todos os filmes da franquia, inclusive superando John Powell. Todas possuem um tom triunfante, de que uma revelação que está pra acontecer, de algo que não se pode mais esconder casando perfeitamente com a proposta do filme. Se o espectador aguçar os ouvidos durante a sessão é bem capaz que a música acabe entrando em sua memória, mas ela vai passar completamente despercebida caso a plateia não preste atenção.

Muitos críticos dizem que quando a trilha sonora é perfeita, ela é imperceptível formando uma relação de dependência do filme para com ela e vice-versa. A última vez que escutei uma trilha tão boa foi em Tron: O Legado conduzida brilhantemente por Daft Punk.

O tema principal do filme composto por Jackman é muito interessante, mantendo as características que listei acima. O compositor não se limita a utilizar somente violinos em suas músicas. A variedade de instrumentos é enorme. Ele compõe com o auxílio de violoncelos, tambores, pianos, trombones, coros, etc. O que mais se destaca em sua banda sonora é utilização jovem de guitarras que, na maioria das vezes, tem o som de suas cordas completamente distorcido.

Além do tema principal, Jackman capricha muito no tema de Magneto. Completamente imponente, expansivo, agressivo, rápido, forte e grave, combina com a personalidade ríspida do vilão. A música é tão boa que é escolhida para fechar o filme com chave de ouro. A trilha também conta com a ajuda de Edith Piaf – a cantora favorita de Sebastian Shaw revelando certa ironia.

Para equilibrar o complexo arco dramático garantido por Xavier, Magneto, Shaw e Mística, os roteiristas apresentam os novos mutantes que garantem o necessário alivio cômico. Destrutor, Banshee, Fera, Angel e Darwin divertem o público com piadas interessantes. Até mesmo os antagonistas integrantes do Clube do Inferno têm mais carisma do que todos side-kicks de Magneto na trilogia anterior. Sebastian Shaw, Emma Frost, Azazel e Maré Selvagem garantem a vilania necessária para conduzir o desfecho da narrativa. O roteiro também oferece várias curiosidades sobre os X-Men, além de contar com duas referências aos filmes anteriores, sendo uma delas impagável.

Porém, mesmo com tantas qualidades surpreendentes para um filme de super-heróis mutantes, o roteiro apresenta algumas falhas. O que incomoda bastante são as soluções forçadas para a resolução das decisões de Mística. Na metade do filme, Emma Frost desaparece por um tempo considerável de cena transparecendo certo descaso dos roteiristas com a personagem. A história também dá uma nova dimensão de falta de personalidade nos comparsas de Shaw. Enquanto o antagonista é satisfatoriamente desenvolvido, Azazel é totalmente alegórico e Maré Selvagem não tem uma única fala durante o filme todo. Outra coisa que pode incomodar alguns fãs dos quadrinhos é a total falta de fidelidade do filme com a história apresentada pelos gibis. Entretanto, a nova versão é extremamente lúcida e muito mais interessante que o emaranhado confuso das HQs.

O Primeiro Rei da Escócia

O elenco do novo X-Men é muito superior aos da trilogia anterior. Se você pensa que Hugh Jackman, Patrick Stewart e Ian McKellen fazem falta, está muito enganado. James McAvoy, Michael Fassbender e Kevin Bacon seguram o filme com suas maravilhosas e inspiradas atuações.

McAvoy redefine a imagem de Charles Xavier que cada espectador carrega em suas memórias conferindo uma dimensão e profundidade jamais vista. Ele se dedicou de corpo e alma para o papel impressionando a plateia. O ator aproveitou a condição física do personagem para uma marcante expressão corporal, principalmente pelo gesto da telepatia. Seu sotaque britânico espontaneamente natural dá outro nível aos diálogos. Sua atuação elegante e complexa conquista rapidamente a atenção do público que anseia por mais outra cena com sua participação.

Michael Fassbender é outro espetáculo em cena. Tão competente quanto McAvoy, constrói um Magneto mais ameaçador e interessante do que o apresentado por Ian McKellen. Novamente, a linguagem corporal do ator é extremamente significativa. Ao contrário dos gestos leves de McKellen, Fassbender explícita a ira do personagem quando começa a levitar os metais com movimentos extremamente pesados e brutais. Para reforçar a falta do amplo domínio dos poderes do personagem, o ator utiliza várias expressões faciais de esforço físico e mental. Mas a magia acontece quando os dois contracenam. Em determinada cena, revelam o sincronismo e a química perfeita que acontece entre eles. Destaque para o clímax em que a força da atuação dos dois é monstruosa garantindo uma das melhores cenas que já tive o prazer de assistir em toda minha vida.

Kevin Bacon é a cereja do bolo. O ator que andava desaparecido por um tempo das telonas volta com força total apresentando uma de suas melhores performances. Seu Sebastian Shaw é muito carismático e cruel. Bacon arrisca bastante sua atuação – ele pende para o lado caricato em muitas cenas, mas o resultado é muito bom. Conhece o seu ponto forte e o usa diversas vezes. Muitas de suas falas são reforçadas por expressões faciais muito singelas que podem passar despercebidas aos olhos desatentos. O destaque de sua atuação fica por conta da magnífica cena de abertura do filme.

Jennifer Lawrence apresenta o lado doce e agradável de Mística, mas nada em sua atuação chega a destacá-la em momento algum. Porém é perceptível que a atriz se esforça durante as cenas e, assim, sua atuação progride ao decorrer do filme. January Jones é medíocre. Emma Frost poderia ter maior impacto em sua primeira aparição se não fosse a infeliz escolha de escalar esta atriz para o papel. Durante o longa inteiro, Jones mantém a mesma cara azeda, apática e pouco atraente para uma personagem que possui características completamente opostas as apresentadas pela atriz. Nos quadrinhos, Frost tem o marcante traço de usar sua sensualidade para atingir seus objetivos. Jones até tenta explorar este lado da vilã, porém a falta de firmeza de sua atuação compromete o desenvolvimento da personagem.

Enquanto humano, Nicolas Hoult apresenta um interessante Hank McCoy, mas após a transformação do personagem sua atuação perde força. Rose Byrne, Oliver Platt, Jason Flemyng, Edi Gathegi, Lucas Till e Zoe Kravitz completam o elenco.

Fotograficamente Mutável

Os dois primeiros filmes da série não possuíam um tratamento fotográfico aceitável. Isso só foi acontecer a partir do terceiro filme que apesar de narrativamente fraco, conta com um visual belíssimo. Aqui, o diretor de fotografia Jason renova o visual da série com muita competência.

É interessante notar as diferenças da cinematografia britânica com a americana. O inglês indicado duas vezes ao Oscar privilegia as sutis distorções nas imagens causadas pelo inteligente manejo de suas lentes. No melhor estilo “kubruckiano”, o cinegrafista aumenta de forma bizarra objetos em primeiro plano. Com estes efeitos de distorções visuais, é capaz de aumentar as dimensões físicas dos cenários na imagem quando na realidade o espaço é bem menor do que o apresentado pela ilusão. Às vezes, também utiliza a técnica a fim de aproximar os personagens da plateia. O melhor exemplo disto seria a tomada em que a câmera desliza sobre o capô de um carro. Neste plano, a distorção nas bordas da tela é muito visível.

Sua modelagem de luz agrada todos os gostos.  Ele evita manter tons e cores por muito tempo. As cores que o cinegrafista satura em determinadas cenas sempre possuem um significado. Em determinada cena que se passa em um bar, reforça fortes tons amarelados. Isto acontece para enfatizar a cena que é extremamente física, além de marcar o nojo de Erik pelos clientes que estão no bar. Na abertura do filme, a escolha de tons frios, acinzentados e sombrios misturados com a chuva e a lama casam perfeitamente com a hostilidade do campo de concentração. Já na câmara principal do submarino de Shaw, satura exageradamente o branco do cenário, reforçando a insanidade do antagonista.

Enquanto na casa de Xavier, as cores voltam a ser amistosas e mornas devolvendo o conforto aos personagens. Também gosta de utilizar a contraluz dando um sentido mais artístico ao recurso utilizado diversas vezes sem o menor sentido por cinegrafistas americanos. Além disto, usa muitos desfoques em sua cinegrafia. O mais interessante da fotografia do filme são os criativos reflexos que Matheson encaixa em diversos objetos. Existe um plano no final do filme que é fantástico. Com o efeito inteligente do reflexo de espelhos planos cria um plano gigantesco, complexo e infinito.

Os efeitos visuais não são de todo ruins, mas também quase nunca surpreendem. O que chama a atenção do espectador não é a qualidade visual do efeito, mas sim a física que os animadores criaram para eles. O comportamento dos redemoinhos de Maré Selvagem é belo e o efeito visual do clímax merece reconhecimento pela incrível modelagem dos inúmeros elementos que acontecem simultaneamente na cena. O figurino tem seu mérito por resgatar o visual clássico da série: as eternas cores do amarelo e preto.

A direção de arte trabalha cenários inacreditáveis como a recriação de Las Vegas dos anos 60, a câmara e o escritório de Shaw, o campo de concentração, a sala que os mutantes se reúnem na CIA, o interior do cassino e o bar em que Erik faz uma visita são meros exemplos da perfeição dos cenários. A maquiagem recria o visual de Mística, mas fica devendo na reprodução de Fera. Ele ficou simplesmente bizarro.

Vaughn Gogh

Matthew Vaughn subiu rapidamente ao estrelato pelo sucesso estrondoso de seus dois filmes anteriores, Stardust: O Mistério da Estrela e Kick-Ass: Quebrando Tudo. Com este filme, Vaughn volta a trabalhar com o universo que mais gosta – o dos quadrinhos. O diretor mostrou-se bem eclético na direção visto que Kick-Ass é um filme ultraviolento enquanto este é muito mais leve. Novamente, o inglês acerta em cheio na direção dos atores principais da película. A ambientação vintage, moda seiscentista do filme, criou uma atmosfera única conferindo a identidade visual que todo diretor almeja em sua carreira.

O aspecto mais interessante de sua direção é o enquadramento de seus atores dentro do plano. O diretor evita a todo custo os planos conjuntos – aqueles que enquadram dois ou mais atores a partir do busto ou da cintura. Estes planos devem compor 25% do filme. O diretor prefere isolar seus atores no centro do plano forçando-os a fazer um pseudo monólogo, além de exigir mais da atuação do elenco.

O diretor também aproveita as chances que o roteiro lhe oferece, por exemplo, os inúmeros locais que o filme se passa. Assim, mantém um ritmo muito bom em seu filme. Poucas vezes o diretor abre as imagens do filme. Quando deixa os planos bem abertos, faz com a finalidade de mostrar o gigantismo dos efeitos visuais ou da paisagem. O cineasta apresenta também o uso bem violento da câmera nervosa. O resultado é único quando ele começa a tremer compulsoriamente a imagem.

Às vezes, Vaughn desliza na estética do filme. O visual dos poderes Shaw é ridículo e tosco, desassociando a figura maléfica do antagonista. O gosto duvidoso do diretor também aparece na edição do filme. Ele opta por dividir a tela em várias imagens consecutivas sobrecarregando o espectador com muita informação. Esta escolha foi absolutamente desnecessária já que não adiciona nenhum dinamismo a mais para a cena, somente atrapalha o andamento do filme. A sorte é que isto acontece poucas vezes.

Porém o diretor compensa com momentos de tirar o fôlego. Logo no início do filme, recria perfeitamente a cena que abre X-Men: O Filme com uma carga dramática bem maior. E logo na cena seguinte consegue causar um impacto na plateia apenas com a construção inteligentíssima do segmento que aposta no contraste do visual arrebatador do cenário junto da iluminação da fotografia. Depois, no clímax, surpreende novamente o espectador com a simples inserção de um slow motion fantástico que multiplica a dramaticidade assustadora da cena. A forma que ele conduz o clímax é magistral, principalmente por parte da edição originalíssima que o diretor cria. Ali seu toque é certeiro, intercalando a imagem silenciosa e agonizante da moeda com a da sinapse do grito ensurdecedor e desesperado de McAvoy.

A extinção da mediocridade

Com X-Men: Primeira Classe, Matthew Vaughn finalmente provou que filmes de super-heróis têm capacidade de abandonar a visível mediocridade que condenam inúmeros filmes dos personagens da Marvel. Logo, este novo X-Men é equivalente à qualidade de Batman Begins. O cuidado de toda equipe com o conjunto da obra é memorável. O filme é recomendado a todos os públicos. Mesmo que você não seja fã de quadrinhos, deveria dar uma chance a este filme. Os poucos defeitos que possui não atrapalham que ele assuma o pódio de filmes adaptados das HQs da Marvel. Com o marketing mais genial da história, o filme inaugura um ar completamente novo para a legião de mutantes. Espero que o próximo filme tenha uma narrativa tão encantadora e inteligente quanto esse. Só dou as minhas boas vindas a esta nova trilogia que promete. E muito.

X-Men: Primeira Classe (X: First Class, EUA - 2011)

Direção: Matthew Vaughn
Roteiro: Ashley Miller, Zack Stentz, Jane Goldman, Matthew Vaughn, Sheldon Turner, Bryan Singer
Elenco:  James McAvoy, Laurence Belcher, Michael Fassbender, Bill Milner, Kevin Bacon, Rose Byrne, Jennifer Lawrence, Beth Goddard, Morgan Lily, January Jones, Zoë Kravitz, Jason Flemyng, Nicholas Hoult
Gênero: Ação, Aventura, Ficção científica
Duração: 131 min.

https://www.youtube.com/watch?v=kyQKi5-k0UU&ab_channel=X-MenMovies


by Matheus Fragata

Crítica | Tudo pelo Poder

We’re not in Ohio anymore…

Muitos leitores devem se perguntar, naturalmente, sobre o significado do título original de “Tudo pelo Poder”. Permitam-me explicá-lo. Ides é Ido em inglês. Os idos definem a metade – exatamente o dia 15, dos meses de março, maio, julho e outubro. Nos demais meses corresponde ao dia 13. Uma curiosidade que ninguém faz questão de saber – isso inclui a distribuidora nacional que traduziu o título com o ar de sensacionalismo.

Entretanto, o fato histórico mais interessante que assombra os idos até os dias atuais aconteceu durante o Ido de Março do ano 44 a.C. Naquela noite, no senado romano, Julio César foi friamente assassinado por vários de seus protegidos, entre eles Marco Júnio Bruto e Caio Cássio Longino. Segundo o poeta Dante Alighieri, as almas de Brutus e Cassius ainda sofrem no Círculo da Giudecca – círculo mais profundo e implacável do Nono Círculo do Inferno, o reduto dos traidores.

O título original do filme fala por si só. Clooney definiu sua obra com apenas quatro palavras muito bem selecionadas. “Tudo pelo Poder” não é apenas um filme de disputas políticas em meio à corrida presidencial estadunidense. Ele é muito mais do que isso e certamente lhe deixará espantado ao término da sessão.

O texto pode conter spoilers. Fique atento a isto.

O Gov. Mike Morris está confiante com sua candidatura a presidência estadunidense. Ele tem tudo o que a oposição não tem: carisma, um rosto simpático, marketing de qualidade e, principalmente, o jovem Stephen Meyers – o melhor assistente de campanha presidencial no mercado. Entretanto seu assessor-chefe, Paul Zara, inveja o sucesso rápido de seu protegée e não perderá a oportunidade de despedi-lo em qualquer momento oportuno. Apesar de seu talento, Meyers ainda é ingênuo para perceber a magnitude do jogo perigoso no qual trabalha. Tom Duffy, assessor do partido Republicano, percebe que o jovem é vulnerável e o convida para uma conversa casual. Tomado pelo desejo de reconhecimento e de crescer, Meyers não recusa o convite e encontra o seu adversário. Infelizmente, essa escolha traz diversas adversidades ao rapaz que se encontra com o emprego em jogo quando descobre que seu encontro com Duffy virou matéria de tablóide. Além de ter que resolver sua situação problemática, Meyers encontra outro desafio ainda pior que põe em risco a própria candidatura do Gov. Mike Morris – este, vindo de seu affair amoroso, a estagiária Molly Stearns.

O Preço do Orgulho

Uma das melhores características de “Tudo pelo Poder” é o seu roteiro. Há tempos que não tinha o prazer de assistir a um filme com uma história tão boa, densa, coesa, intrigante e bem amarrada. Créditos ao trabalho esplêndido de George Clooney, Grant Hesloy e Beau Willimon ao adaptar a peça “Farragut North” com extrema maestria. Sua escrita evolui com muita calma. O início possui um tom cômico que se esvanece até atingir a tragédia.

Tudo que uma corrida presidencial tem direito está presente no longa. Os conflitos são inúmeros graças a gama extensa de personagens muito bem trabalhados. Os três roteiristas não temeram a política americana e lançaram críticas duras, porém eufemizadas, ao sistema eleitoral estadunidense e às atitudes dos seus governantes. Entretanto, como havia dito na introdução do texto, o filme quebra esse ato ineficaz e já explorado em inúmeros filmes políticos logo em seus primeiros minutos. “Tudo pelo Poder” é muito mais do que personagens discutindo sobre a vã filosofia política atual e candidatos se atacando através da imprensa, afinal isso já vemos cotidianamente. Aqui o destaque são os bastidores, os famosos e desconhecidos backstages – nesse caso, os escritórios que organizam as campanhas dos candidatos e os vários desafios que são impostos em pleno ano presidencial.

A eleição americana é um evento tão importante para o mundo quanto a Copa e as Olimpíadas. Todos esperam com aflição o resultado que define quem será o homem mais poderoso e influente do planeta. Às vezes, os eleitos nos trazem esperanças e outros, profundo desprezo e decepção – leia-se George W. Bush. O roteiro retrata apenas uma fase da corrida presidencial que já proporciona ao espectador a amplitude do desafio que é ser eleito nos EUA. O estado escolhido é Ohio e, com ele, diversos conflitos nos backstages para o público conhecer no meio de sua narrativa.

A história nos prende através da afeição gerada pelos personagens. Clooney soube muito bem criar fortes vínculos na relação personagem/público. Infelizmente, a narrativa sofre de um forte problema: a previsibilidade – não é preciso ser cartomante para adivinhar quais rumos os conflitos vão seguir. Logo no fim do primeiro ato, já é possível desvendar todo o desenlace e destino final de cada personagem de “Tudo pelo Poder”. Isso acontece por um simples motivo, as histórias já são conhecidas pelo público. Não por ser clichê, copiada de outros filmes. Mas sim do fato que a maioria do material apresentado na tela já ter acontecido algumas vezes na realidade. Ou seja, a narrativa do filme pode ser resumida com uma boa manchete de jornal.

Além da previsibilidade, o filme possui outra característica que pode ser encarada negativamente por alguns. Eu, pelo contrário, achei a decisão dos roteiristas muito ousada. O longa possui reviravoltas ordinárias – aquelas que servem apenas para manter o público acordado e os rolos do filme girando. Entretanto, existem três plot twists de magnitude tão forte que conseguem criar, temporariamente, subgêneros adicionais em seu enredo. A última vez que havia visto isso foi quando assisti ao interessante “Repo Men” – neste, o roteiro ficou completamente comprometido graças à inconsistência da história, mas a violência gráfica compensou o deslize.

“Tudo pelo Poder” é um filme de drama baseado em conflitos políticos. Todavia, com essas três reviravoltas, ele passa a ser também um longa de personal vendetta com toques extremamente mínimos de investigação. Felizmente, Clooney teve a capacidade e inteligência de não deixar que isso acabasse sendo maior que a história em si. A solução brilhante dos roteiristas foi simples: a reviravolta seguinte a anterior tinha mais impacto na narrativa. Impacto o suficiente a ponto de encaminhar o roteiro novamente para os trilhos certos mantendo uma unidade narrativa formidável. Repare que isso causa um diálogo muito criativo com a trajetória do protagonista – o início, equilibrado, o meio em completa desarmonia e o fim, o retorno a um novo equilíbrio imperfeito muito mais pesado e sombrio.

O roteiro não teria a força narrativa que possui se não fosse pelo trabalho do elenco invejável do longa. A mais recente promessa de Hollywood, Ryan Gosling, mostra que não brinca em serviço mais uma vez. Seu Stephen Meyers é uma mistura de suas atuações em “Amor a Toda Prova” e “Driver” com alguns elementos novos. No início do filme, Gosling mantém uma atmosfera serena e pacífica em seu personagem vidrado no trabalho. Através de seus olhares significativos, o público rapidamente percebe que Meyers confia cegamente no Gov. Mike Morris e que possui grande afeição e admiração pelo mesmo. Entretanto, após sua primeira decepção com o candidato, seu olhar torna-se ofendido e magoado. Agora, percebemos que Meyers já não estima mais o governador como antes. Ryan Gosling entende que os olhos são a janela da alma.

Após a segunda decepção com Mike Morris e por outras razões, Gosling torna-se extremamente melancólico carregando um semblante sombrio cheio de ódio e rancor. Boa parte da transformação do personagem é mais visível através de sua caracterização externa. Stephen é um homem que cuida muito de sua aparência – sempre o personagem se mostra arrumado e bem penteado. Consequentemente, o exterior físico acaba refletindo o emocional do personagem. Nos últimos atos, o espectador encontra um Stephen Meyers muito diferente do que o apresentado nos minutos iniciais da projeção.

Gosling constrói com extrema competência o perfil de seu personagem, mas muito da qualidade de sua atuação aparece quando contracena com George Clooney, Phillip Seymour Hoffman, Marisa Tomei e, principalmente, Evan Rachel Wood que interpreta a doce e simpática Molly Sterns. Tanto Rachel Wood quanto Gosling transformam seus personagens ao decorrer do longa. Ambos são manipulados, ingênuos e inocentes no primeiro ato, porém acabam com seus destinos sofrendo mudanças amargas e consequências pesadas. É a partir do grande conflito que Molly sofre no meio do filme que conhecemos, de fato, os dois personagens. Molly acaba desesperada tomando medidas extremas evidenciando sua imaturidade, provavelmente influenciada pelos mimos do pai político.

Já quando Meyers se depara com o mesmo conflito em consequência de seu envolvimento com Molly, Gosling revela a principal característica de seu personagem: o orgulho. Meyers condena de maneira abusiva e severa o erro que a estagiária comete gerando um grande desconforto psicológico em Molly – Rachel Wood consegue transmitir competentemente os sentimentos de sua personagem. Entretanto, o protagonista é completamente incapaz de reconhecer seu próprio equívoco ao se encontrar com Paul, além de não aceitar o efeito dominó negativo proveniente da escolha.

Enquanto Gosling e Rachel Wood se esforçam ao criar personagens complexos, Clooney, Tomei e Hoffman se divertem com seus papéis. Não é novidade para ninguém que conheça George Clooney que o ator aparenta interpretar a si próprio, mas isto não é ruim. Na verdade, toda a aptidão do ator vem disto. Clooney encaixa tão bem em seus papéis que é difícil acreditar que sua personalidade seja diferente daquela apresentada em cena. Ou seja, mais uma vez, George Clooney atua com muita competência ao encarnar o contido Mike Morris. Seu momento que merece mais destaque ocorre durante o diálogo situado em uma cozinha entre Clooney e Gosling. Naquela cena, as expressões moldadas pelo ator são fantásticas.

Já Phillip Seymour Hoffman retorna com outro desempenho estupendo. Hoffman caracteriza Paul Zara através da cobiça, do ciúme, do mau-humor e pelo seu perfil linha-dura paranóico ranzinza. Hoffman não torna seu personagem caricato, mas demonstra com muita sutileza a razão de suas ações contra Meyers. Tente reparar bem nos olhares que ele lança discretamente à Gosling em algumas cenas. A outra antagonista é Ida Horowicz interpretada por Marisa Tomei. Particularmente, não gostei da atuação da atriz. Achei-a por demasiado caricata.

Entretanto, é interessante notar que Ida representa os esquemas indignos que alguns jornalistas realizam para alavancar a carreira. Fora isso, a relação dela com os assessores da campanha simboliza a cautela que os últimos devem ter com a imprensa. Por último, mas não menos importante, vem Paul Giamatti com seu Tom Duffy. O personagem aborda a corrupção moral e ética, fora a manipulação sábia do jogo político. Este sim é o verdadeiro antagonista. Com apenas um evento simples, conseguiu causar uma reverberação negativa de proporções cósmicas.

I Like Mike

Muitos são os méritos de George Clooney na direção de “Tudo pelo Poder”. Depois do megadeslize em “O Amor não tem Regras”, ele soube retornar ao padrão de qualidade de “Boa-Noite e Boa-Sorte”. Aqui, o diretor já se mostra presente nos segundos iniciais do filme ao botar a sua criatividade combinada com a do diretor de fotografia Phedon Papamichael. Na cena, os dois organizam um contraste inteligente com a iluminação que realça a figura de Gosling em relação ao cenário enquanto o ator profere, sem entusiasmo durante o teste de som, o discurso do candidato. Com esse jogo de luz, Clooney cria uma forte ironia entre a importância do argumento com o desinteresse do resto.

O diretor tem muita criatividade ao organizar a linguagem do filme. Inúmeras vezes, ele cria diálogos interessantíssimos apenas com a estética perfeita de sua fotografia. Obviamente, por ser um filme de corrida presidencial estadunidense, as cores da “verdadeira América” esbanjam em diversas cenas. O branco, o vermelho e o azul são saturados toda vez que aparecem no cenário, todavia isto não significa que até mesmo Clooney se perdeu no fanatismo ufanista de seu país. Novamente, Clooney e Papamichael criam outra cena estupidamente rica de significado.

Já atrás da bandeira, o diretor escolhe outro enquadramento. Durante a discussão entre Gosling e Hoffman, Clooney os fotografa acompanhados das listras vermelhas e brancas da bandeira em primeiro plano no esquema típico de cenas de diálogos – o famoso “Plano e Contra-plano”. O branco representa a pureza e a inocência (Gosling) enquanto o vermelho simboliza resistência e valor (Hoffman). Ao finalizar a cena, o diretor fotografa Gosling com um plano aberto de inestimável beleza. A silhueta do ator cabisbaixa, angustiada e arrependida numa contraluz suave com a bandeira gigantesca em terceiro plano simbolizando a “traição” que Meyers cometeu contra o seu próprio país ao sentir peso avassalador das consequências de sua atitude. Certamente esta foi uma das cenas mais ricas e inteligentes que já vi na vida.

Além desta metáfora visual, existem outras duas que merecem ser citadas. Uma acontece assim que Tom Duffy liga para Meyers tentando combinar o encontro. No plano, Clooney e Papamichael utilizam reflexos para demonstrar o quanto o protagonista está dividido e tentado em aceitar o convite. O outro ocorre com a brilhante projeção de sombras das gotas da chuva na face de Gosling. Uma metáfora simples para demonstrar que o personagem está arrasado, chorando em seu interior, mas por ser extremamente orgulhoso, se recusa a demonstrar seu sofrimento.

Clooney tem muito cuidado com sua produção. Com apenas US$ 12,5 milhões, o diretor conseguiu fazer maravilhas. A direção de arte é impecável com os detalhes do marketing fictício do candidato inspirado em diversas outras campanhas. Fora isso, Clooney também cria uma relação de personagem/cenário muito bacana. Em qualquer filme, o espectador consegue ter uma idéia do perfil e dos hábitos de seus personagens através dos cenários, sejam eles, casas, salas ou escritórios. Em “Tudo pelo Poder” isto acontece de maneira difícil de interpretar. Perceba que boa parte do filme se passa em quartos de hotel ou em escritórios de campanha – locais totalmente uniformes e desprovidos de identidade. Novamente, algo que era para ser negativo torna-se fantástico pela ousadia. Assim, o espectador só passa a conhecer os personagens única e exclusivamente pelas suas atitudes.

Outro fato curioso, desta vez vindo da edição, é que o espectador nunca conhece satisfatóriamente o candidato Mike Morris. Repare que toda vez em que o personagem abre discurso a fim de expandir suas ideias ao povo, Clooney corta a oração e joga uma cena envolvendo os assessores no backstage.

O diretor não se limita apenas ao visual. O cinema também é, obrigatoriamente, uma experiência sonora e Clooney captou isso muito bem. Tudo se inicia com a excelente trilha sonora de Alexandre Desplat encaixada com um olhar muito clínico sobre as cenas. O compositor firma um toque melancólico em inúmeras músicas definindo e modelando ainda mais a atmosférica trágica, seja com o sopro fatigado no saxofone ou com as teclas débeis do piano. Simplesmente sensacional. Fora isso, o compositor também faz alguns experimentos com instrumentos totalmente eletrônicos como o sintetizador – influência direta do Oscar ganho por Trent Reznor e Atticus Ross pela trilha de “A Rede Social”. Em outros momentos, Desplat compõe marchinhas patrióticas com flautas saltitantes, tambores afetados, distorções maneiras da guitarra e violinos nervosos para a campanha de Mike Morris. Esta foi uma das melhores trilhas sonoras do ano passado. Não deixo de recomendar a vocês que procurem ouvi-la em algum canal do Youtube. Garanto que não haverá arrependimentos.

Não só a trilha sonora é fantástica, mas como também existe um detalhe de sonoplastia muito legal. Em determinada cena, Gosling liga para Clooney – este, completamente vidrado em descobrir de onde vem a ligação. Para enfatizar isto, o diretor abafa o áudio ambiente e destaca o som perturbador do vibra call do celular. Segundos depois, quando Clooney encontra o protagonista, há outra inserção de som – desta vez barulhos truncados dos flashes das câmeras fotográficas. E isto tudo ocorre com o zoom muito bem organizado na cena. Neste aspecto, George Clooney tirou nota 10.

Com “Tudo pelo Poder”, George Clooney virou um dos meus diretores favoritos. Sua técnica é impecável, apesar das transações bruscas nos planos de alguns diálogos. Ele sabe assustar e emocionar com precisão assustadora no meio do suspense de seu filme. Além disso, ele procou ter paixão pela arte ao elaborar imagens densas cheias de sentimento e valor.

Assim como quando Stephen Meyers caminha pelo corredor envolto pelas sombras, perde o último resquício de sua ingenuidade e torna-se um homem amargo, implacável e egoísta enquanto se prepara para fazer o pronunciamento sobre o seu sucesso, George Clooney caminha para fora do ostracismo, para o reconhecimento, para a imortalidade. O seu momento como diretor ainda não aconteceu em “Tudo pelo Poder”, mas eu sei que ele está muito próximo de conseguir. Como eu sei disto? Ora, Clooney tem um dom raro que apenas seletos diretores têm. Este dom chama-se Toque de Midas, o toque de saber finalizar sua obra na hora certa e deixar seu público totalmente atônito.

“You can lie, you can cheat, you can start a war, you can bankrupt the country, but you can’t fuck the interns!”


by Matheus Fragata

Crítica | Super 8

Muitos espectadores devem ter se perguntado  que raios é um Super 8 ao descobrir a existência do novo filme de J.J. Abrams. Pois bem, eis que Super 8 era um formato cinematográfico popular entre os anos 50, 60, 70 e 80 graças aos esforços da Kodak. É uma película de oito milímetros que captura imagens em preto e branco, cores e até acompanhadas de áudio em câmeras mais recentes. O formato da película atingiu uma popularidade assustadora entre os jovens por causa de sua grande acessibilidade. Estudantes gravavam filmes amadores para suas escolas e cidadãos usavam as câmeras do formato para uso doméstico produzindo vídeos caseiros. Atualmente, as filmadoras deste tipo de filme deixaram de ser fabricadas. Entretanto, a Kodak ainda disponibiliza rolos de Super 8 sendo encontrados com relativa facilidade na Inglaterra. Bom, já o filme… Ele é um sentimento nostálgico muito divertido e bem realizado.

Joe, Alice, Charles, Cary, Martin e Preston são pré-adolescentes que acabaram de entrar em férias. Comisso, Charles encontra a oportunidade de concluir seu filme sobre zumbis rodadoem película Super8. Então, as seis crianças combinam de se encontrar na estação de trem da cidade em que  moram para rodar uma determinada cena. Chegando lá, Charles dá ordens para iniciar a gravação assim que um trem passa ao lado da estação a fim proporcionar um alto “valor de produção”. Enquanto eles gravam a cena, um carro colide com o trem provocando um violento descarrilamento. Entretanto, o trem era da força aérea e a carga que continha foi liberada. Essa carga é viva e não pertence ao nosso mundo. Agora, a criatura começa a aterrorizar a cidade de Lílian e cabe às crianças sobreviverem a seus ataques enquanto o exército se mobiliza para capturar o infame alienígena.

Ligeiras ideias que fazem toda a diferença…

J.J. Abrams fez uma baita compilação no roteiro de “Super8”. É clara a inspiração tirada diretamente de vários filmes de Steven Spielberg, produtor do longa. Definir o filme é uma tarefa fácil – é uma mistura de cenas e conflitos de “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”, “Jurassic Park”, “E.T. – O Extraterrestre” e até mesmo de “Os Goonies”. Ele não se ocupa em criar uma narrativa unicamente original, ela é sim repleta de clichês. Entretanto, isso não afeta negativamente o desenvolvimento do longa. Graças a essa revisitação de conflitos já explorados em outros filmes, Abrams garante uma sensação nostálgica completamente única a seu filme.

O mais legal do roteiro de Abrams é sua fluidez assustadora. O roteirista não enrola ao entregar os conflitos majoritários logo no início da história. Ou seja, o filme é muito rápido e sacia a curiosidade do espectador a cada cena graças o desenvolvimento inteligente de cada plot. Abrams também não deixa de surpreender o público com o destaque conferido ao sub plot amoroso do filme que acaba se tornando mais interessante que o conflito principal do filme – o alien comporta-se mais como um brinde para o espectador.

A história de romance juvenil proibido entre Joe e Alice é simplesmente encantadora e muito bem explorada. Joe é um garoto completamente retraído graças a um motivo que não irei revelar – Joe funciona como o típico protagonista ofuscado pelos coadjuvantes. Entretanto, sua confiança e coragem retornam aos poucos conforme seu relacionamento com Alice fica mais estável.

Já Alice é o completo oposto de Joe. É independente, corajosa e orgulhosa, mas ainda carrega indiretamente a culpa de uma fatalidade que considera ter sido causado pelo seu pai. Eis que entra outro conflito – o que ocorre entre Louis Dainard, pai de Alice, e Jackson Lamb, pai de Joe. Jackson, o delegado da cidade, é um personagem desacreditado que projeta sua ira e decepção em Louis, acabando por afetar diretamente o relacionamento de seu filho com Alice. Jackson se preocupa tanto em proteger tudo e a todos graças ao desastre que ocorre em sua vida, que acaba se  esquecendo do próprio filho, deixando-o completamente estranho e alienado de sua vida. Prova disso são diálogos incômodos entre os personagens. Entretanto, Abrams releva em excesso esse conflito entre os pais dos garotos para solucioná-lo de maneira bem simplória o que pode decepcionar alguns. A situação final era perfeita para criar um clímax digno para esse conflito bem construído. O roteirista, além de explorar essa relação de pai/filho típica de filmes de Spielberg, tenta mistificar a figura da mãe de Joe através do colar que se comporta como um talismã para o personagem. Aliás, relações em ambientes familiares não faltam a narrativa de “Super8”. Um exemplo disto é a divertida família Kaznyk.

Os amigos de Joe são outras peças raras contando com um carisma inestimável. Abrams trabalhou com estereótipos inspirados nos personagens juvenis de “Os Goonies”. Com coadjuvantes tão bons, Abrams encontra a oportunidade de inserir um grande trunfo de seu roteiro, o humor essencialmente inocente e juvenil. O roteirista entende muito bem a essência conturbada da pré-adolescência. Em tal fase da vida, é comum soltar piadas em horas completamente inapropriadas, descobrir e decepcionar-se com o primeiro amor, decidir o que fazer da vida e finalmente, a constante busca pelo reconhecimento de todos. Todas essas características estão presentes no psicológico dos amigos de Joe, principalmente no de Charles. Interessante, também, a distinta metalinguagem de seu roteiro. Através dela, ele apresenta ao público atento o funcionamento de departamentos cinematográficos como maquiagem, efeitos visuais, fotografia e direção.

Outro aspecto que Abrams soube trabalhar muito bem desde o início de sua carreira é o mistério. Neste caso, o suspense que envolve a figura emblemática do alienígena. Isto aconteceu na primeira temporada de “Lost” e em “Cloverfield”. Aqui a história não poderia ter sido diferente. Ele trabalha com os estranhos efeitos que ocorrem na cidade após a libertação da criatura. Desaparecimentos de animais, pessoas, eletrodomésticos e da própria eletricidade do local são meros exemplos do pandemônio que o alien causa aos cidadãos de Lilian que culpam, inocentemente, os comunistas. O ET de Abrams não é uma criatura bondosa como o ser “ET phone home”. Ele mata deliberadamente e violentamente quem se tornar um obstáculo para atingir seus objetivos, afinal está desesperado.

Abrams lança uma relação de causa e efeito na psique conturbada do extraterrestre. O personagem está cansado, irritado e só quer voltar em paz para seu planeta, porém o exército está convicto em recuperar sua carga para continuar a torturá-lo. Com isso, Abrams faz uma crítica muito subjetiva questionando os métodos manipuladores, perigosos, covardes e conspiratórios das forças armadas dos EUA, além da própria essência destrutivamente curiosa do homem. Abrams cria características muito interessantes ao seu novo alien. Ele sugere que a comunicação do ser é feita telepaticamente através do tato. Porém, o roteirista não explica isto muito bem. Ainda tenho dúvidas se o receptor da mensagem tem direito a uma réplica para o alien. E por que lançar uma ideia de que o monstro causa interferência em dispositivos eletrônicos sendo que isso acabou completamente alheio ao arco narrativo do personagem? Ele tentou criar uma história de ficção científica excelente, mas não era preciso extrapolar a ponto de não saber o que fazer com tantos elementos.

Crianças cineastas

O elenco de “Super 8”é muito bom chegando até a surpreender por parte das crianças. Joel Courtney interpreta Joe Lamb. Courtney é um ator de expressões sucintas que necessitam de atenção do espectador para percebê-las. Um exemplo disto é quando Charlie avisa Joe que chamou Alice para atuar em seu filme. Naquele instante, Courtney libera uma expressão muito natural e contida dando a dica que seu personagem é afim de Alice. Ele carrega certo semblante de tristeza em seu olhar e em sua postura franzina. Transmite perfeitamente a angústia e a incerteza do personagem para o espectador. Faz isto com tanta competência que consegue emocionar ao explicar como devemos superar as adversidades impostas pela vida. Já quando contracena com Fanning, ele toma um ar misto de euforia contida, vergonha, nervosismo e de muita inocência. Aliás, inocência é o que não falta no psicológico de Joe.

Foi a primeira vez que vi Elle Fanningem cena. E, parece que toda a família Fanning tem talento para a atuação. Arrisco até a dizer que ela poderá superar sua irmã em um futuro próximo. Fanning também trabalha com expressões sutis que constroem o perfil da personagem tapando alguns buracos do roteiro. Quando a garota se encontra em cena com Ron Eldard, o ator das expressões desesperadas, rapidamente sua feição fica ligeiramente assustada dando a entender que sua relação com o pai não é uma das melhores. Ela também consegue disfarçar a paixão de sua personagem por Joe. Fora isso, Elle consegue envolver o espectador em sua aura de atuação mais do que qualquer outro ator do elenco. Isso é evidente quando Charles grita “corta” para encerrar a cena de seu filme. Entretanto, algumas vezes a atriz não consegue gritar o suficiente quando Alice corre perigo.

Riley Griffiths revela uma veia cômica excelente em sua atuação como Charles. Ele diverte a todo instante com seu personagem mandão, preocupado e insatisfeito. Seutiming supera o de vários comediantes atuais formados. Em um momento em que os garotos tentam abrir uma porta, ele começa a tagarelar rapidamente que é impossível abri-la com um tom choroso típico da idade dos personagens. Também solta frases do tipo “I don’t wanna die” no meio do caos. Estes exemplos podem ser encarados como momentos clássicos em que a teatralidade do ator fica bem elevada, entretanto ele consegue tornar isso fluido e nem um pouco indigesto para a cena.

Outro ator jovem que é excelente é Gabriel Basso interpretando o covarde Martin. O caráter de seu personagem é muito interessante. Mesmo sendo covarde, chorão e ter o hábito de vomitar quando nervoso, Martin acompanha os garotos em todos os momentos de risco da narrativa. Muito diferente de Preston, personagem interpretado por Zach Mills, que é o garoto mais acomodado e distante do grupo. Ryan Lee interpreta o esquisitão piromaníaco Cary. Lee trabalha com expressões de muita animação transparecendo todo o prazer que seu personagem sente ao explodir objetos.

O elenco adulto não consegue superar o carisma das crianças. Kyle Chandler não compromete como o pai de Joe, mas também não cativa o espectador. Noah Emmerich passa o ar detestável do militar Nelec com eficiência, tornando-o um personagem bem cruel que não regula recursos para conseguir informações importantes. E que dicção monstruosa que Glynn Turman confere ao Dr. Woodward. A elocução de suas falas carregadas de preocupação e um singelo ódio são de arrepiar. Destaque para David Galagher interpretando o idiota Donny.

Concepção elétrica!

Fiquei surpreso ao descobrir que o diretor de fotografia do longa seria Larry Fong. Para os esquecidos, ele é o responsável pelo auxílio na entrega das imagens fantásticas de “300”, “Watchmen” e “Sucker Punch” – filmes de Zack Snyder. Entretanto, Fong refez parceria com J.J. Abrams adequando sua fotografia novamente ao estilo do diretor. Fong inicia seu trabalho ao saturar levemente as cores do longa sem manter nenhum padrão de cor em cenas exteriores. Graças a essa escolha de deixar o filme um pouco mais colorido, o cineasta garante o espírito jovem da história.

Nas cenas interiores, o fotógrafo trabalha com iluminações comuns. O amarelo e o azul são presentes na paleta fotográfica de “Super8”. Nessas cenas interiores que esses tons predominam, é possível conferir uma modelagem mais atenciosa à incidência da luz, no contorno e na projeção de sombras. Aliás, Fong arrisca brincar com projeções de sombras em algumas cenas em uma evidente referência a “Cloverfield”. O cineasta também agrada J.J. Abrams com inúmeras tomadas repletas de contraluz. Esse efeito artístico é expressivo em praticamente todas as cenas noturnas. O curioso é que Fong usa a contraluz sem a finalidade de construir silhuetas. Entretanto, existe uma transformação fotográfica inspiradíssima na cena mais legal do filme, o descarrilamento do trem.

Nesta cena, Fong usa e abusa dos famosos flares e flashes de luz clássicos em filme de Abrams. Além disto, o contraste gerado pelo vermelho rosado das explosões com o forte azul da noite confere uma beleza inestimável à cena. Fong também trabalha com uma incidência bem forte na iluminação desta parte. Outra característica constante na fotografia de “Super 8” são as superexposições de luz que refletem nas lentes das câmeras ocasionando periodicamente alguns feixes luminosos horizontais na imagem. O efeito é muito bem feito e fantástico de se conferir. Novamente, Fong consegue criar uma identidade visual para outro trabalho seu. Essa superexposição proporciona um ar cósmico, místico e mágico – a atmosfera arrebatadora do longa.

Outra característica notável no trabalho do cinegrafista é a junção de seu trabalho com outra área muito importante de todos os filmes, o departamento elétrico.  Graças a essa fusão comum, porém poucas vezes notada, Fong consegue oscilar violentamente a luz das lâmpadas do cenário. Com isso, o cinegrafista insere um tom ameaçador, instável, perigoso e tenebroso a diversas cenas, além de uma modelagem de iluminação única. Esse truque fotográfico era muito popular em filmes dos anos 80 e 90 – “Indiana Jones” e “Jurassic Park” são exemplos disto.

A direção de arte é exemplar na composição de vários cenários, inclusive ao da cidadezinha de Lílian. Assistir a “Super 8”é como viajar no tempo de volta para os anos 80. Alanchonete local, o quarto completamente apaixonado por filmes slasher de terror, os carros, lojas de conveniência, as casinhas e, lógico, a câmera Super 8, estão lá para satisfazer sua possível saudade desta época. O departamento também não decepciona ao recriar galerias subterrâneas e a destruição massiva do pós-descarrilamento. Os efeitos visuais também dão um baile de qualidade. Seja no clímax “originalíssimo”, no descarrilar o trem ou na concepção artística fantástica do alienígena.

Nem tão “Super”, mas eficiente ao extremo

A música de Michael Giacchino já se apresenta como um elemento importantíssimo ao filme logo no início quando as estrelinhas da Paramount dançam na tela do cinema. No início, seu violino é de arrepiar, mas depois o efeito passa assim como a música começa a deixar de surpreender. Giacchino não se esforça em criar composições longas – a maioria das músicas do filme não chega à marca dos minutos. Porém, não posso negar que elas são inspiradas e marcantes. Claro que Giacchino não consegue superar o tema icônico de John Williams para “E.T. O Extraterrestre”, mas está no caminho certo.

Várias composições de sua trilha são variantes do interessante tema principal do filme. É interessante notar que esses desdobramentos da trilha são construídos por escalas rítmicas e crescentes de violino. Com isso, o compositor cria uma atmosfera sufocante e extremamente tensa e melancólica. É como se a violenta música oferecesse um perigo real para as crianças. Entretanto, conforme o tema toca, ele muda subitamente a atmosfera sombria de sua música para uma cheia de esperança e alegre. Às vezes, Giacchino utiliza sinos e pianos para escapar da mesmice com o violino e trompetes. No final, essas composições que contam com mais instrumentos são as que mais conquistam.

A trilha licenciada é diretamente retirada do final dos anos 70. Ela conta com “Le Freak” do Chic; “Easy”dos Commodores; “Bye Bye Love” do The Cars; “Heart of Glass” de Blondie e “Don’t Bring Me Down” da Electric Light Orchestra.

A Conquista de um Sonho

J.J. Abrams sempre teve um interesse por alienígenas. Não é difícil perceber que em seu currículo encontram-se projetos que envolvem aliens. Seja em “Star Trek” ou “Cloverfield”, Abrams sempre enfiava um ET no meio do enredo. Agora, em “Super8”isto fica mais que evidente. Além disto, outro grande sonho do cineasta era trabalhar com Steven Spielberg. Obviamente, Spielberg não resistiu à oferta de participar de um projeto com um roteiro tão semelhante aos seus trabalhos iniciais.

O cineasta mostra uma maestria impecável ao orquestrar a sequência do descarrilamento do trem. Esta é uma cena que entrou para a história do cinema. Ela é consideravelmente longa, complexa e cheia de recursos para tornar a atmosfera única. Abrams explode tudo e joga névoa, terra, madeira e metal em cena enquanto grava com diversos planos holandeses para ilustrá-la. Assim, Abrams ensina ao senhor Michael Bay como envolver o espectador nessas cenas catástrofe. Afinal, de nada adianta explodir o mundo se o espectador pouco se lixa para os personagens. Evidentemente, este não é o caso.

Outra mania de Abrams é ocultar o ser alienígena de todas as maneiras possíveis. Placas, copas de árvores, cacos de vidro, reflexos, sombras são alguns exemplos de como o diretor esconde o monstro. No final, revela sua criatura por alguns momentos, porém utiliza um recurso muito desesperado para humanizá-la. Curiosa, também, a técnica de rápidos enfoques que o cineasta realiza em diversas cenas. Isso pode ser encarado negativamente porque chama a atenção do espectador para a câmera. Entretanto, o resultado confere um estilo brilhante à imagem.

O cineasta falha apenas nas dicas visuais que concede ao público. Graças a essas dicas, Abrams torna o longa previsível em alguns momentos- chave. Porém, é fácil pensar que você está assistindo a um filme de Spielberg, ao invés de uma obra conduzida por Abrams graças a enorme semelhança na direção dos dois. O desfecho do filme é igualzinho ao de “E.T. – O Extraterrestre” e “Contatos Imediatos de Terceiro Grau”. Outra cena que se passa em um ônibus é praticamente igual a um segmento de “Jurassic Park – O Mundo Perdido”. Com isso, Abram perde a oportunidade de criar cenas originais de seu longa excluindo a tão comentada cena desastre. Já atmosfera de seu filme é muito envolvente.

O suspense das cenas que acompanham o alienígena é arrebatador. Abrams pensa com cuidado a arquitetura visual e sonora destas partes. Seja nos gritos atordoantes do monstro, em objetos voando ou no ritmo irregular do barulhinho da bomba de gasolina, o diretor enerva a curiosidade de seu público ávido em descobrir o que irá acontecer. Outro aspecto positivo da direção de Abrams é seu trabalho com o elenco infantil. Sua mão certeira tornou a comédia fluída e a tragédia emocionante. Não posso esquecer-me da velocidade monstruosa do longa. Ele deve ser o filme mais rápido que já vi, não por sua duração, mas pelo manejo exemplar de seu ritmo. Abrams provou ser um mago em experiência cinematográfica tanto em envolver o espectador como em seu divertimento.

Super Clichê, Super Nostálgico!

Não há duvidas que “Super 8”é repleto de clichês, porém isto não é encarado de maneira negativa tornando o longa um caso raríssimo. Ele é um ótimo entretenimento envolvente e divertido. As atuações mirins são excelentes e a música não compromete. Além disto, conta com uma fotografia que desenvolve uma identidade visual única para o longa. O filme é uma viagem fabulosa para os anos 80 que lhe trará certa nostalgia, mas não se preocupe, pois você sairá satisfeito da sessão. Aliás, fique durante os créditos para conferir um curta rodado no formato original Super 8. Quando chegar a casa, provavelmente você vai sentir que assistiu a um ótimo filme sobre aliens. Entretanto, a necessidade de rever a um excelente filme sobre ETs pode surgir e ele, certamente, será obra Steven Spielberg.

Super 8 (Idem – EUA, 2011)

Direção: J.J. Abrams
Roteiro: J.J. Abrams
Elenco:  Joel Courtney, Elle Fanning, Riley Griffiths, Ryan Lee, Gabriel Basso, Zach Mills, Kyle Chandler, Ron Eldard
Gênero: Ficção Cientifica 
Duração: 112 min.


by Matheus Fragata

Crítica | O Exorcista

Em 1973, o terror mudaria para sempre. Não só ele, mas uma das maiores referências para o medo é criada para toda a eternidade.

Há pelo menos dez anos, fui a uma locadora que tinha próxima da minha casa. Lá estava passando “O Exorcista” em uma pequenina tv de tubo de 15”. Como sempre ouvia alguns amigos da minha mãe comentando como ficaram aterrorizados ao vê-lo nos cinemas, minha curiosidade não era pequena para assisti-lo, apesar da minha pouca idade.

Com algum esforço, assisti, achei interessante e gostei do que vi, mas nada, nada se compara amadurecer e assistir a esse clássico no cinema depois de 42 anos de sua estreia. Outra experiência marcante!

William Peter Blatty – que assina o livro e a adaptação para as telas, criou um monte de clichês que vemos hoje em dia. Seja o uso de crianças correndo riscos, padres descrentes, famílias em crise, brincadeiras com o oculto, etc.

Porém, o melhor de seu trabalho é ter conferido profundidade psicológica para a maioria dos personagens do filme, em especial para o Padre Damien Karras – interpretado brilhantemente por Jason Miller.

Blatty consome tempo de tela construindo a teia de relações entre os personagens com muita eficiência. Além disso, Blatty e outros roteiristas da época entendiam algo que os roteiristas contemporâneos (Nolan e afins para citar nomes) não conseguem incorporar em seus textos de forma leve: a transgressão de gêneros.

Ele incorpora alívios cômicos através de dois personagens: o diretor de cinema Burke Dennings e pelo detetive William Kinderman. Sim, é possível dar ótimas risadas em “O Exorcista”. Porém, de nada adiantaria um texto de primeira linha sem um trabalho de elenco fantástico.

Realmente, ninguém deve nada. Todas as atuações principais são dignas de Oscar graças aos incríveis contrastes entre o desenvolvimento dos personagens durante o filme.

Ellen Burstyn, de diva maravilhosa do cinema para uma mulher acabada pela depressão, cansaço e desgaste físico e psicológico. Linda Blair, de pré-adolescente vivendo a inocência de um conto de fadas clássico para o terror explícito, pedófilo, cruel e insano da possessão demoníaca. Max von Sydow – grande presença em cena! —, de padre explorador de relíquias para no minuto seguinte ser o responsável por liberar um antigo terror e combatê-lo até o fim. E Jason Miller, de cético, racional, cínico e pacífico para crente, frágil, descontrolado e agressivo.

Mas acredito que quem faz toda a diferença na produção de “O Exorcista” é o gênio William Friedkin – hoje, completamente afastado dos grandes estúdios e realizando filmes de vez em quando.

Já em 1973, quando os estúdios, obrigatoriamente, soltaram as amarras dos diretores, confere características autorais para o filme de sua vida.

O terror é construído através do drama. Nós acompanhamos a árdua luta de Chris para descobrir o que está acontecendo com Regan através de inúmeros e dolorosos exames médicos e outros desgastes. Depois disso tudo, ele começa a trabalhar o horror em rápidas exposições.

Seu lance é mostrar por poucos segundos, chocar e colocar uma tela preta logo em seguida – as imagens persistem na sua cabeça durante o black aumentando o efeito do trauma.

Isso acontece quando Regan vira sua cabeça completamente para trás, desce as escadas assimilando uma aranha, durante alguns poltergeists que acontecem em seu quarto e na descoberta da estátua do demônio Pazuzu.

Friedkin também usa um recurso cinematográfico que muitos consideram que Fincher inventou em Clube da Luta, a inserção rápida de uma imagem que dura menos de um segundo em tela – no caso, o rosto estilizado do demônio (pra mim, também uma referência a Nosferatu de Murnau).

O diretor também se comporta como uma raposa, esguia, esperta e traiçoeira. Brinca com o sagrado e profano, misturando-os em diversas passagens.

Trata a instituição da Igreja Católica com muito respeito, sem muitos de deboches nos diálogos, para então mostrar uma santa profanada por uma colagem que simulam um falo gigante – este, presente na estátua diabólica do início do filme, e seios espetados. Usa o crucifixo como sinal de proteção para Regan, para logo depois usá-lo para a memorável cena da masturbação com o crucifixo, se automutilando.

Representa o ritual do exorcismo e a presença dos padres com planos onipotentes e depois usa um longo plano extremamente ambíguo com Sidow e Miller repetindo a mesma frase em sua tentativa de exorcismo.

Pouco depois, joga a ambiguidade no lixo e assume o profano de vez durante o clímax do filme trabalhando com excelente encenação. Regan sentada na cama, livre das amarras, com expressão cansada e Merrin, morto, estirado ao chão. Novamente, a conotação sexual é sugerida para os atentos. Ainda trabalhando no profano, expõe Damien espancando a possuída, ensandecido por ela ter matado Merrin, entre outros motivos. Ordena que o demônio a deixe e pegue sua alma em troca. O acordo é selado.

Em mais uma reviravolta nesse jogo espetacular de sagrado x profano, Merrin controla a possessão e se suicida. O crime espiritual mais hediondo condenado pela Igreja Católica é cometido por um padre. Mas sua causa é nobre, afinal ele salva Regan… Ou, a ele mesmo… Seria um suicídio? Ou um sacrifício?

Reforçando ainda mais a inteligência dessa sequência, o amigo mais próximo de Damien Karras, também padre, corre até o local que o exorcista agoniza, completamente quebrado esperando a morte chegar. Ainda combatendo a força da entidade que está em seu corpo, Damien se confessa para ser absolvido de seus pecados – sem a menor dúvida, esta é a cena mais tocante do filme.

Além da direção espetacular de Friedkin, outros artistas de ponta deixam sua marca como os mixadores de som Robert Knudson e Christopher Newman. Os dois pensaram na experiência sonora de uma maneira incrível para o cinema.

Tudo é muito bem distribuído nas diversas caixas de som. Ruídos, sons de picaretas esmagando a rocha, passos, assovios do vento e os próprios sons que Regan emite enquanto possuída. O Oscar de melhor som foi mais que merecido. Porém, é impossível notar como o trabalho realmente é incrível apenas com um sistema estéreo de som.

O fotográfo Owen Roizman faz outra maravilha com suas luzes muito peculiares. Seguindo um padrão estabelecido nas cenas noturnas de suspensa, Roizman brilha na cena do exorcismo. Posiciona as luzes sempre no plano inferior, no chão, abaixo dos atores – algo completamente estranho para a época.

Já neste esquema inusitado, ele utiliza luzes duras, gerando sombras características do movimento expressionista alemão. Tudo isso confere uma atmosfera única para as cenas de horror. Vide o plano histórico do padre Merrin chegando à casa da família MacNeil. Outro ponto, este do departamento de arte, é a transformação que o quarto de Regan vai passando conforme a possessão progride. Antes, repleto de brinquedos e móveis para virar um reduto abandonado apenas com a cama almofadada e abajures. De quarto infantil para hospício gélido.

“O Exorcista” é só mais uma prova de como os anos 1970 foram incríveis para o cinema – talvez sua última Era de Ouro. 42 anos não foram suficientes para tirar o brilho dessa joia do horror. O filme simplesmente não envelhece como tantos outros dos anos 1980 e 90.

Até hoje seus efeitos práticos impressionam – não faço ideia de como fizeram as levitações. Pode não assustar mais que o filmes de hoje, mas com certeza ainda é um dos mais aterrorizantes.

Afinal, poucos são os filmes que fixam imagens poderosas em sua mente na hora de dormir. Isso, meus caros, é obra de mestre.


by Matheus Fragata

Crítica | Batman vs Superman: A Origem da Justiça - Edição Definitiva

Obs: contém spoilers

Fui um dos poucos que defendeu BvS com unhas e dentes desde a estreia do longa. Massacrado pela crítica e com recepção abaixo da esperada pelo público, Warner e Zack Snyder foram pegos de surpresa, afinal este longa era a maior aposta do estúdio para os lançamentos destinados ao verão americano. O negócio foi tão urgente que em questão de dias após a estreia, foram liberadas cenas deletadas que conferiam melhor entendimento para a narrativa do filme.

Pouco depois disso, já anunciaram que o polêmico filme receberia uma versão estendida contendo 30 minutos de cenas inéditas. Hoje, finalmente podemos conferir como Snyder havia pensado no longa por completo e, certamente, se trata de uma obra melhor. Entretanto, pontuo, no meu extenso texto no qual discorri sobre o longa, apontei que se tratava de uma obra diferente, que se tratava de um novo modelo deblockbuster que tinha sido germinado com Mad Max: Estrada da Fúria – um projeto menos arriscado do que os convencionais.

Vendo agora o novo BvS, percebo que essa gênese foi firmada “por acidente” pela Warner já que a versão estendida se trata do bom e velho blockbuster aliado a uma narrativa um pouco mais acelerada. Esse novo modelo de filme já teve até outro exemplar neste ano com o péssimo Warcraft.

Mas voltando ao filme analisado aqui, é possível sentir diferenças díspares entre uma versão com a outra. Primeiro, riram bastante da minha cara quando afirmei que era preciso analisar BvS compreendendo as entrelinhas do longa, juntando o escopo gigantesco da obra com os detalhes minuciosos oferecidos pelos diálogos excelentes de Terrio e Goyer e das atuações de Henry Cavill e Ben Affleck. Pois então, agora, com os trinta minutos adicionais, muito do que estava nas entrelinhas está, de fato, em tela.

Logo no começo da nova versão, observamos o cuidado imagético e na decupagem que Snyder teve com a sequência que se passa no deserto de Nairomi. Nela compreende-se muito melhor como haviam incriminado injustamente Superman pelas mortes ocorridas no vilarejo. Além de tratar melhor as subtramas envolvendo o testemunho da mulher que culpa o alienígena pelo massacre. Essa nova subtrama se enreda com outros núcleos já tratados na versão original como as que acompanham a senadora Finch, a investigação de Lois – considerada por muitos como inútil na versão dos cinemas, o drama de Wallace Keefe. Além disso, se conecta até mesmo com um núcleo inédito da investigação de Clark Kent contra o Batman.

A partir disto, dá para perceber como os roteiristas pensaram em uma narrativa muito melhor amarrada, ainda que falhe miseravelmente em como expor a maneira que Lex Luthor descobre que Bruce Wayne é Batman – gravíssimo buraco de roteiro. Entretanto, muitas coisas tomam mais forma no filme. O maior ganho é no ponto de vista de Superman.

Diversas novas cenas deixam o filme mais equilibrado entre os dois protagonistas, além de delinear melhor o personagem. Vemos Clark ficar cada vez mais obcecado em acabar com as ações de Batman em Gotham. As diferenças entre o modus operandi dos dois fica escancarada, mas Snyder sempre exime o homem-morcego de culpa já que coloca o dedo de Lex Luthor em todas as mazelas decorridas por conta das ações do herói intransigente.

Vemos muita coisa discorrer depois que Batman marca à ferro o criminoso na primeira cena que Snyder apresenta o herói. Ele até mesmo levanta um debate sobre linchamento físico e desprezo pelas leis, mas isso fica por aí. Só serve como catalisador do ódio de Superman contra Batman. A investigação de Clark concentra muito disso e oferece novos levantamentos muito interessantes a esse novo Superman. Vemos que enquanto Clark faz de tudo para ser encarado como humano, pegando até balsas e ônibus para se locomover como qualquer um, se submeter às leis do povo quando pode simplesmente voar até seu destino ou fazer o que quiser em contraste com a reclusão de Bruce Wayne e seu método implacável de combate ao crime sempre agindo na base da coerção criminosa.

Não só Clark que ganha novos reforços para definir melhor seu personagem. Lex Luthor também recebe maior atenção como antagonista, mas a partir de ações de seus capangas que caçam a mulher que deu o falso testemunho contra Superman – ela é contratada por Luthor para mentir sob juramento, a la queima de arquivo. Até mesmo as mortes da senadora Finch e Wallace Keefe são recebidas com mais peso já que descobrimos algumas coisas inesperadas sobre o atentado e o nível de conhecimento dos dois sobre o caso. Já a investigação de Lois Lane se torna muito mais relevante conseguindo descobrir elementos que provam a inocência de Superman.

Esse novo corte até justifica por que Superman não conseguiu enxergar a bomba anexa à cadeira de rodas de Keefe, mas também não explica como raios Lex Luthor sabe dessas fraquezas do herói já que só possui um kryptoniano morto de cobaia. Além de mostrar o auxílio que o super-herói ofereceu aos feridos após a explosão. São detalhes importantes que oferecem um panorama bem avançado para o entendimento dos personagens que são sim muito mais complexos do que temos visto ultimamente no gênero dos filmes de super-herói.

 

Até mesmo há versões diferentes de cenas importantes como a do velório de Clark e da visita de Batman a Lex Luthor na prisão com direito a menção ao Asilo Arkham conectando BvS com Esquadrão Suicida. Nas lutas, há alguns rapidíssimos planos novos, além de alguma adição de sangue digital. Nada de muito diferente da versão de cinema.

Além de esclarecer pontos que geravam discussões acaloradas, o corte definitivo prova de vez a eficiência de Zack Snyder como diretor. O cuidado na apresentação de cada cena é notável. Acompanhamos muitos personagens secundários vendo televisão com noticiários ou eventos que tenham ligação à narrativa. Há direito até a uma referência à Watchmen. Snyder se redime de algo que havia apontado na minha análise como um fator negativo: a completa ausência de establishing shots. Finalmente vemos como ele cuidou da conexão das cenas de modo eficiente.

Ou seja, não há mais aqueles irritantes cortes para o preto presentes na versão de cinema que deixava escancarado a falta dos planos de estabelecimento de cena. Esses novos planos deixam as sequências muito mais elegantes como à da festa onde ocorre o segundo encontro de Bruce Wayne com Diana Prince ou até mesmo na apresentação do Batman onde acompanhamos uma dupla de policiais assistindo a um jogo de futebol americano.

A edição definitiva de Batman vs Superman é a melhor versão do último filme da DC lançado nos cinemas. Corrige diversos dos “problemas” do longa, mas também prova muito do que era ponderado ou reclamado poderia ter sido presumido pelo espectador caso interpretasse as entrelinhas do modo adequado. O corte de cinema possui esses pontos que podem ser desenvolvidos e que agora com essa versão foram devidamente confirmados de vez.

Não culpo a Warner por ter picotado tantas cenas do longa. Filmes são também produtos e devem ser encarados como tal em certas circunstâncias como a de um grande lançamento como este. A incerteza dada com o retorno morno da trilogia Hobbitcontribuíram para que o estúdio não fosse megalomaníaco na duração de 3 horas que o longa teria. Já é complicado inserir quatro exibições diárias em uma sala exibidora para um filme de 180 minutos e mais complicado ainda é confiar que o público aguentará assistir uma obra tão longa com cenas de ação tão distantes entre si ao decorrer do filme. Também duvido que a crítica fosse mais bondosa com o longa – apontariam que é longo demais, chato e sem ação mesmo que esse corte flua muito melhor do que o anterior.

No mais, mantenho a nota que havia dado anteriormente ao filme como já justifiquei dentro do texto algumas vezes. Enfim, novamente uma verdade de gerações na sétima arte volta a dar as caras: não existe poder maior no Cinema do que a montagem.

Batman vs Superman: A Origem da Justiça (Batman v Superman: Dawn of Justice, EUA - 2016)

Direção: Zack Snyder
Roteiro: David Goyer, Chris Terrio
Elenco: Ben Affleck, Henry Cavill, Amy Adams, Jesse Eisenberg, Jeremy Irons, Gal Gadot, Laurence Fishburne, Diane Lane, Kevin Costner, Holly Hunter
Gênero: Ação, Aventura
Duração: 181 min

https://www.youtube.com/watch?v=RtFFXs3nN40

Leia mais sobre DC


by Matheus Fragata

Crítica | Mad Max: Estrada da Fúria

Faz trinta anos desde que Max Rockatansky apareceu nas telonas no bizarríssimo Mad Max: Além da Cúpula do Trovão. Trinta anos de hiato para George Miller absorver, aprender e estruturar o grande retorno que o personagem merecia, apesar dos diversos problemas que permearam todo esse período de pré-produção.

O novo Mad Max é na verdade um híbrido. Um meio termo entre reboot e continuação. Miller, criador do gênero pós-apocalíptico – principalmente o que tange o wasteland, pega algumas características do filme clássico de 1979 para inserir no novo de 2015. O passado do protagonista ainda é o mesmo, um ex policial que perdeu mulher e filho, inserido em um cenário hostil do pós-apocalipse gerado pelo fim dos combustíveis fósseis. O resto do filme é completamente novo.

Max, após ser sequestrado, encontra-se em uma situação inesperada na Cidadela de Immortan Joe (Hugh Keays-Byrne). Uma das mulheres do vilão, Imperatriz Furiosa, fugiu com um caminhão-tanque acompanhada de suas outras esposas. A partir disso, Joe lança uma campanha de guerra com todos os seus soldados para recuperar suas noivas. Em meio a uma perseguição enlouquecida, Max escapa e passa a ajudar Furiosa a escapar da loucura de Immortan Joe e sua trupe.

George Miller, em parceria no texto com Brendan McCarthy e Nick Latouris, tem uma abordagem completamente diferente aqui. Não há perda de tempo para explicar sobre quem é Max ou até mesmo do apocalipse. Aliás, este é um roteiro muito atípico para grandes produções. Os diálogos são escassos, o desenvolvimento de personagens é quase inexistente, não há o menor didatismo sobre a mitologia apresentada. Trata-se de um guia para orientar algumas reviravoltas – bem previsíveis por sinal, e as incríveis sequências de ação.

Mas mesmo atípico, o roteiro é formulaico. Sua trama inteira gira em torno de um McGuffin e usa diversas vezes recursos arbitrários para motivar as atitudes heroicas de Max – deus ex machina. Entretanto, este filme é o exemplo mais claro de como fazer uma obra de arte com artifícios carregados de preconceito.

Entretanto, mesmo com um andamento excelente no ritmo da história, o roteiro peca por um dos motivos que listei acima: a falta de exploração desta nova mitologia. Aqui, é sugerido que ocorreu uma guerra nuclear no planeta. Logo, a radiação deu origem a diversos mutantes e outros seres deformados. Somos apresentados a vislumbres de uma organização militar, uma nova ordem social, soluções para a fome e sede, a uma cultura/religião nova que venera a imagem do volante em sua, digamos, santidade. Os rituais dos Garotos de Guerra e suas deficiências genéticas também. Entre muitas outras coisas interessantíssimas que constroem o universo diegético desta retomada de Mad Max. É uma verdadeira lástima que Miller nos ofereça algo tão rico para apenas deixá-lo de lado ou tratar apenas como alegorias visuais. O espectador clama em conhecer um pouco mais daquela cultura insana que bebe das fontes do Heavy Metal e da mitologia nórdica.

Porém, isto nunca acontece. O diretor simplesmente não encaixa um bendito diálogo entre Furiosa e Max ou em outros personagens para apresentar de alguma forma o que há por trás daquilo tudo, alguma origem. Existem duas alternativas para o porquê disso. Ou não houve interesse real de Miller em explorar esses elementos ou é apenas alguma brecha para serem desenvolvidos no próximo filme. De qualquer forma, este é o único ponto negativo do filme.

De resto, tudo é incrível. A história é satisfatória e os personagens, em sua superficialidade, são fascinantes. Isso se deve muito às atuações espetaculares de Nicholas Hoult com seu Nux e Charlize Theron interpretando Furiosa – de longe as figuras mais complexas do elenco. Até mesmo o quinteto de beldades mostra algo além de seus dotes.

Aliás, ainda acho engraçada a proposta do universo de Mad Max orbitar à falta de combustíveis fósseis sendo que todos os possantes veículos ostentação que preenchem a tela devem consumir incontáveis litros de gasolina por quilômetro. Mas reconheço que isso não é demérito, só algo bem contraditório.

Este novo Max de Tom Hardy tem pouquíssimas semelhanças com o de Mel Gibson. Miller trouxe uma proposta inédita para o personagem. Max é alguém que praticamente perdeu sua humanidade. Ele fala pouco e as palavras custam a sair de sua boca. Tem uma dificuldade tremenda em formar frases. A solidão pesa. Fora isso, por meio de flashbacks bregas, o personagem é assombrado por algo sinistro envolvendo crianças. Novamente, o diretor usa isso apenas como recurso de motivação. Nada é explicado, apenas sugerido – uma pena.

Apesar de Hardy manter boa atuação, algumas vezes, durante suas falas, o ator puxa um sotaque carregadíssimo, além de uma     entonação que lembram muito o trabalho de voz que ele havia feito para seu antigo papel como Bane, o vilão de O Cavaleiro das Trevas Ressurge. Nada que comprometa, claro, porém é preocupante ver alguém com talento caindo em vícios de atuação.

Na direção, George Miller finalmente tem a tecnologia e orçamento desejados para fazer o filme de seus sonhos. E ele consegue. Nada falha aqui. É uma aula de como fazer um orçamento de 100 milhões de dólares parecer 250.

A ideia de fazer um longa inteiro para uma constante perseguição é fenomenal merecendo destaque somente para isso – importante lembrar que outros filmes já se utilizaram disso como Encurralado, Corrida Contra o Destino e Need for Speed. Entretanto, ele surpreende, tem sua identidade própria e entrega mais do que poderíamos pedir. As sequências de ação são majestosas, belíssimas em sua complexidade de construção e exalam o espírito demente da insanidade radical de seus personagens sedentos por violência. O retorno do bom e velho exploitation mora neste Mad Max do século XXI. Fora isso, mesmo com duas horas de pura adrenalina, Miller consegue sustentar a montagem sem perder o fôlego. O resultado disso, o filme não cansa.

Toda a concepção visual é marcante. Em vez de trabalhar com os tons dessaturados e opacos provenientes na fotografia de filme do gênero, Miller, em conjunto com o fotógrafo John Seale, usa tons saturadíssimos e contrastados. Seus vermelhos, cinzas, beges e azuis saltam da tela e enchem os olhos.

Mas não somente a fotografia de Seale e os enquadramentos majestosos de Miller que tornam o visual tão apelativo. O design de produção acerta em tudo a respeito de figurino, maquiagem – utilizando até graxa, e, principalmente, os carros. Cada um concebido para ser único e ter sua função de combate. É quase impossível encontrar algum veículo igual a outro o que agrega muito valor pra obra. Aliás, quase todos os efeitos são feitos com praticáveis. Ou seja, a computação gráfica é mínima. O resultado disso é fenomenal. Dá pra sentir o peso dos veículos em cada colisão ou capotamento.

Miller também continua sua marca de autor com a utilização de personagens na terceira idade, mas aqui também há o empoderamento das mulheres. O filme é completamente girl power do início ao fim tanto que Max é apenas um coadjuvante assumido. Furiosa é a protagonista aqui, muito melhor explorada, assim como o quinteto das noivas de Immortan Joe.

Diesel, Graxa e Sangue

O retorno de Mad Max para as telonas é pavimentado pela estrada do sucesso. Nunca antes a franquia fora tão explosiva, interessante e rica em detalhes como agora. Os poucos pecados que Miller comete envolvem justamente não explorar essa mitologia inédita ou seu suposto protagonista monossilábico e inserir algumas críticas bem rasas ao capitalismo perpetuando a relação esquizofrênica de diversos cineastas com Hollywood.

Tirando isso, o filme é incrível – o melhor do ano até agora. A ação é quase ininterrupta, épica, bem filmada e coreografada. Existem diversas referências aos filmes anteriores para o deleite dos fãs – incluindo o clássico Interceptor V8. Até mesmo a trilha sonora de Tom Holkenborg possui grande presença com sua música eletrônica, sintetizadores e percussão inspirada em ritmos tribais – como sempre, graças à longa parceria, o compositor bebe na fonte de Hans Zimmer.

George Miller provou de uma vez por todas que é um nome importantíssimo para o cinema mundial.  Isto aqui é entretenimento de ótima qualidade com valor artístico expressivo.

 Em clara referência a própria história da franquia, o personagem Nux, vocifera “I live! I die! I live again!”. Realmente, Mad Max viveu. Mad Max morreu. E agora, Mad Max vive novamente mais louco do que nunca!

Mad Max: Estrada da Fúria (Mad Max: Fury Road, EUA/Austrália - 2015)

Direção: George Miller
Roteiro: George Miller, Brendan McCarthy e Nick Latouris
Elenco: Tom Hardy, Charlize Theron, Nicholas Hoult, Hugh Keays-Byrne, Rosie Huntington-Whiteley, Josh Helman, Zoë Kravitz, Nathan Jones, Riley Keough, Abbey Lee, Courtney Eaton, Megan Gale, Melissa Jaffer, Iota
Gênero: Ação
Duração: 120 min

https://www.youtube.com/watch?v=hEJnMQG9ev8


by Matheus Fragata

Crítica | A Era do Gelo: O Big Bang

Após o retorno mitológico da turma de Procurando Nemo aos cinemas, também neste ano tivemos a volta da trupe Sid, Manny e Diego para as telonas. Porém, desde 2002, muita coisa mudou. Mesmo apresentando um encantador primeiro filme do qual carrego memorias afetivas queridas, não consigo negar que a saga foi perdendo notória qualidade, apesar do sopro de alívio que foi A Era do Gelo 3 após o péssimo segundo filme. As coisas saíram de seu rumo de vez com Carlos Saldanha fugindo do núcleo criativo. A Era do Gelo 4, mesmo divertido, era mais um exemplar de obra fraca e rapidamente esquecível. Este novo A Era do Gelo: O Big Bang não colabora muito para elevar a franquia para a qualidade de seu primeiro filme.

Scrat, em suas peregrinações rotineiras para encontrar o encaixe perfeito para sua noz, acaba ativando um disco voador congelado em um iceberg. Preso dentro da nave, o esquilo parte para o espaço. Sem saber controlar o dispositivo de modo apropriado, entra em colisão com diversos asteroides. Nisso, infelizmente, o maior de todos eles entra em rota de colisão com a Terra. Observando o gigantesco meteoro, Manny, Sid, Diego, Vovó, Crash, Eddie, Ellie, Shira, Amora, Julian e Buck partem para tentar resolver o problema que pode levar toda a vida no planeta para a extinção. Além dessa ameaça astronômica, Manny e Ellie são obrigados a lidar e conviver com seu genro e convencer Ellie a não se separar de sua família após o casamento com Julian. Fora isso, um bando de dino-aves persegue Buck atrapalhando o progresso do grupo até seu destino final.

O pessoal da Blue Sky realmente está raspando o tacho com o roteiro deste A Era do Gelo. Absurdamente simples, o texto foi escrito por quatro pessoas – um número bastante alto considerando a fraca qualidade de sua história. Apesar da ideia de mandar Scrat ao espaço parecer absurda, ao menos há uma boa justificativa disso dentro do primeiro filme. Em determinado momento, Manny, Sid, Diego e o bebê entram em uma caverna congelada onde se deparam com dinossauros congelados e também uma nave alienígena. Logo, dentro do escopo maior, sim, mesmo que absurda, a ideia já tinha rendido uma boa piada há quatorze anos.

Agora, a partir de um esquete de trinta segundos, se fez um longa de noventa e quatro minutos. Como é de se esperar, a história é verdadeiramente raquítica na qual é devidamente difícil manter o interesse com o que se passa na tela, apesar de algumas boas e poucas piadas inteligentes. A narrativa, mesmo se baseando no absurdo, não cativa muito bem simplesmente por um singelo motivo que faz toda a diferença: os personagens estão perdendo sua essência.

Isso é algo muito grave para uma franquia de cinco filmes até então. É como se víssemos o ogro Shrek virar algo muito distinto do que ele é. Manny não é mais tão ranzinza, Sid não serve para muita coisa além de encaixar muitas piadas anacrônicas que envolvem sites de relacionamento ou outras referências pop contemporâneas aos anos 2010. Com Diego, talvez tenhamos o núcleo mais empobrecido do longa inteiro. Os roteiristas não trabalham com interesse nele, o transformam em um personagem apêndice que não contribui em nada para a narrativa. Nem mesmo com a namorada Shira, tigresa vinda do filme anterior, há um algum trabalho inspirado ou diálogos que mostrem um pouco mais do namoro dos dois. A dupla rende apenas uma boa piada no fim inteiro.

Aliás, de personagens verdadeiramente úteis para a aventura temos apenas Manny e Buck – muito mais afetado e histérico do que o visto em A Era do Gelo 3 – já que se comportam como os líderes do grupo guiando o resto dos bichos para a montanha que, segundo uma profecia clichê gravada em rocha, pode ser a solução para salvar o mundo. O retorno de Buck, a carismática doninha domadora de dinossauros, já é um peso a mais na quantidade gigantesca de personagens que esse longa possui. Mesmo com ele, as boas ideias não dão as caras, já que o intuito do personagem é apenas ser caricato pela graça da caricatura. Graças a essa reinserção de Buck, ainda surgem mais três personagens que cumprem o papel desnecessário de antagonistas. Nem mesmo o design das dino-aves conseguem salvar os novos personagens já que são bastante semelhantes com os raptores vistos em O Bom Dinossauro.

Também não há carisma ao redor da família de répteis voadores já que seu plano maléfico de dominação global é deveras estúpido – algo que até mesmo os roteiristas tentam elaborar piadas, mas que acabam soando como desperdício de tempo de tela.

Como a jornada até a montanha por si só não consegue fugir do marasmo – é impressionante a falta de habilidade dos escritores em conseguirem tornar o gênero generoso dos road movies em algo tão enfadonho – eles inventam um drama clichê e preguiçoso com Manny, Ellie, Amora e Gavin. É algo tão batido e reciclado que remonta diretamente às piadas vindas com a relação nada amistosa entre genro bobão e sogro vigilante mal-humorado já vista na trilogia Entrando Numa Fria. Partidas de esportes que refletem disputas de egos, situações desesperadoras para desencorajar a noiva a se afastar da família, a prevaricação pré-casamento, a conquista da confiança, entre outros clichês tão notórios do gênero estão presentes nesta subtrama nada divertida.

Ainda insistindo em Gavin e Manny, os roteiristas falham em realmente criar um momento dramático apostando em algum diálogo mais denso ou até mesmo com Manny, Ellie e Amora. No fim, a inserção do personagem surfista/skatista de Gavin é totalmente gratuita, nada inspirada, forçando um conflito bobo que não consegue mover a emoção do espectador.

Não satisfeitos com o “drama” do casamento de Amora, a ameaça do meteorito e as trapalhadas das dino-aves antagonistas, os escritores ainda insistem em concentrar mais dois núcleos no filme. De tempos em tempos, acompanhamos o ponto de vista de Scrat fazendo suas trapalhadas no espaço. Felizmente, as passagens são divertidas conseguindo fazer o humor do filme brilhar um pouco. Porém, é importante frisar que os esquetes cômicos que o esquilo concentra sempre são baseadas no slapstick, a comédia que vem do sofrimento físico de outrem. A verdade é que o talento da equipe em trabalhar com Scrat remonta ao magnífico legado de Chuck Jones com os Looney Tunes, principalmente na dupla Pernalonga e Patolino. Logo, quem aprecia esse humor, certamente será recompensado pelas novas piadas.

Como a história que acompanha o núcleo na Terra é tão raquítica – praticamente só a personagem da avó de Sid salva o filme, o esquilo astronauta acaba ganhando muito mais tempo em tela. Entretanto, a partir do momento que isto é notado, é difícil ignorar o sentimento de vergonha alheia, afinal um filme com tantos personagens apostar tanto em um esquilo silencioso é um sinal mais do que claro de que essa franquia já não tem mais nada a dizer.

Já mais próximo ao fim do filme, temos enfim a apresentação de Brooke, a preguiça fêmea que vive numa caverna de cristais “zen”, apaixonada por Sid. Aqui, finalmente há a apresentação de uma boa ideia, mesmo que ela seja cliché e remonte à Cocoon, porém, por total falta de habilidade, o núcleo também se torna desinteressante e péssimo em questão de minutos. Tudo isso ocorre após a apresentação de um personagem irritante chamado Shangri-Lhama. Novamente uma ideia que também nos faz recordar, no decorrer da exibição, de filmes melhores. No caso, Zootopia.

Mesmo que Shangri-lhama seja chatíssimo, felizmente, sua participação é curta. O difícil é aturar a dupla histérica constituída por Crash e Eddie ao longo de quatro filmes. Os gambás realmente foram concebidos para não evoluírem em nada mesmo com tantas obras. As piadas são as mesmas, sempre baseadas em escatologias, trocadilhos fracos e slapstick comedy totalmente desprovido de inspiração.

Na direção do longa, a dupla Mike Thurmeier e Galen T. Chu, ao menos conseguem levar o filme adiante sem muita dificuldade. Não chegamos de fato a ficar cansados assistindo à esse novo A Era do Gelo. Ele consegue até mesmo ser um pouquinho divertido. Mas assim como o quarteto de roteiristas, a dupla custa a mostrar domínio inspirado com a câmera ou através de enquadramentos inteligentes.

Tirando um ótimo plano sequência durante a cantoria para reapresentar Buck aos espectadores, os diretores se limitam a mimetizar o que Carlos Saldanha já havia feito nos filmes anteriores. Ou seja, uso intenso de inserções musicais, slow motion, ótima decupagem para descrever a ação e planos simples de timing cômico correto para desenvolver as piadas. Ou seja, na técnica, mesmo que pouco surpreendente, o trabalho é corretíssimo e até apostam em algumas coreografias musicais interessantes.

 Na tecnologia da animação, há aqui mais um exemplar surpreendente de avanço tecnológico. Seja na física que afeta o cenário durante a chuva de meteoros, na pelugem dos bichos, na exuberante vegetação, nos cristais translúcidos, no uso impressionante do efeito tridimensional e até mesmo nas próprias animações fluidíssimas dos animais.

Esse fator da animação ser tão bem-feita é primordial para que a comédia corporal dê certo. Os destaques ficam nos personagens que mais dependem desse humor como Scrat, Sid, Crash, Eddie e Buck. São favorecidos também pela game sempre espetacular que a Blue Sky apresenta nas expressões faciais para seus animais antropomorfizados.

Assim como a qualidade dos filmes A Era do Gelo cai gradativamente a cada sequência, o mesmo acontece com a dublagem brasileira. Não digo do desempenho dos dubladores que sempre fazem um trabalho bom, mas sim da localização do texto. Esse filme é, de longe, um dos que mais conta com a presença de gírias. É uma quantidade realmente absurda a ponto de empobrecer a língua portuguesa já que, por exemplo, os personagens nunca dizem que precisam “sair” ou “fugir” de um lugar, mas sempre “vazar”. Além de outras frases que já tem data de validade como “Tá tranquilo, tá favorável” ou outra besteira do tipo.

A Era do Gelo: O Big Bang remove toda as dúvidas que os fãs da franquia poderiam ter: a série está atingindo o fundo do poço. Entretanto, é óbvio que não se trata de um longa insuportável. Assistir à animação é fácil, até mesmo agradável – tirando a cena que apresenta o Shangri-Lhama. Mas vejo que ao contrário de outras franquias de empresas concorrentes, A Era do Gelo foi se infantilizando cada vez mais, adquirindo retratos ainda mais superficiais apostando em humor preguiçoso. Como é um longa bastante colorido, bem realizado tecnicamente e, por vezes, divertido, a obra tem um público seleto muito jovem, o das crianças que ainda estão na primeira infância. Caso seja um pouco mais velho, fica o aviso: é bem provável que não se divirta tanto quanto as criancinhas que estejam na sala de exibição.

Sinceramente, uma pena ver um desenho tão carismático e cheio de potencial se contentar com tão pouco.


by Matheus Fragata

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