Crítica | Death Note (2017)
Em certa altura de Death Note, Light (Natt Wolff) pergunta ao pai policial (Shea Whigham) como ele aguenta toda a situação embaraçosa da investigação. O pai responde que nem tudo é preto ou branco, que eles estão no meio, e que às vezes deve-se escolher, entre os males, o menor. Se os realizadores do filme seguiram o conselho do personagem, e esse melodrama que nos foi apresentado é realmente o menor dos males, então tenho medo do maior.
Light é um estudante que, certo dia, vê cair do céu um caderno negro, o Death Note do título. Quem tiver seu nome escrito nele, morre. O portador do caderno tem ainda a opção, entre tantas outras, de descrever a morte da pessoa, sendo inclusive capaz de controlar o comportamento desta por um período de dois dias antes de sua morte.
O objeto, por sua vez, foi deixado por Ryuk (a voz de Willem Dafoe no corpo virtual de Jason Liles), um deus da morte, simplesmente pelo fato de ele ter de “achar um novo dono”, aspecto nunca explicado. Uma premissa que desperta, com o mínimo de reflexão, algumas hipóteses interessantes – aspecto que a obra original soube desenvolver, mesmo com todas as suas falhas.
essa adaptação do famoso mangá de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata, tudo que há de minimamente oriental é, da maneira mais simplista e sem comprometimento crítico, transposto para um EUA histérico. Isto reflete-se, no pontapé da história (quando o ocasional vira proposital), na concepção da morte e dos seus agentes (Ryuk é um sujeito ativo na história, absolutamente violento e mal intencionado, agente de um plano sistemático e nunca explicado, em vez de ser uma entidade observadora e de ações sutis e significativas, reduzida a frases de efeito e reviravoltas baratas), ou até nos próprios temas que a história aborda.
No filme produzido pela Netflix, Light logo alia-se com Mia (Margaret Qualley), uma colega de escola que se apaixona pelo garoto ao saber do poder que tem em mãos. Começam a fazer justiça com as próprias mãos, matando criminosos de noticiários. E, para ganhar notoriedade, Light faz com que suas vítimas escrevam mensagens nomeando seu alter-ego divino, Kira – pronúncia de killer (assassino) em japonês, em referência ao nome na obra original.
Partindo de uma cena sádica à Premonição (ironicamente, série do mesmo diretor de outra adaptação norte-americana de mangá, Dragonball Evolution) e do drama pessoal de Light – o bullying sofrido por Light e o assassinato de sua mãe por um bandido –, o roteiro constrói-se sobre futilidades atrás de futilidades.
Não há senso de gravidade, nem sensibilidade por parte dos protagonistas. Tudo é tratado no começo como um passatempo e depois como uma mediação erótica da explosão de libido entre Light e Mia (não há o pudor austero dos japoneses, como a autosuficiência do Light do quadrinho, senão a entrega à carne). Como se o poder de tirar a vida de alguém num piscar de olhos fosse análogo a uma pirueta, valendo-se dos argumentos mais básicos de um defensor da pena de morte.
O filme tenta se retratar, mostrando a sociopatia das personagens ao confrontar a investigação do misterioso L (Lakeith Stanfield), indivíduo perspicaz que consegue traçar o caminho de Kira… afinal, ele leu o roteiro: só assim para tirar as conclusões que tira, de uma hora para outra. Os raciocínios são reduzidos ao mínimo, e a personagem mostra-se frágil, insegura, adolescente como o casal matador.
Sem contar que a montagem é forçada à síntese. Com isso, os furos de roteiro são escancarados, trazendo mil dúvidas à cabeça do espectador. E o pior é que essa pressa produziu um filme sem sabor intelectual ou estético. Com muita boa vontade, ri-se das atuações vergonhosas, e da trilha sonora eletrônica e remixada. No meio de tanta falta de bom senso, bem que a cena final numa roda gigante é a cereja perfeita com “The Power of Love” ao fundo (pena que não tocaram “O Amor e o Poder” de uma vez).
Incoerente, sem tempero visual senão através de planos contorcidos, descontrolado, histriônico, incômodo, este Death Note é malogrado desde seus princípios – como reimaginação de uma mesma premissa sob uma perspectiva cultural diferente –, apoiando-se em estereótipos e numa infantilidade inescapável.
Death Note (Idem, EUA – 2017)
Direção: Adam Wingard
Roteiro: Charley Parlapanides, Charley Parlapanides, Vlas Parlapanides e Jeremy Slater
Elenco: Nat Wolff, Lakeith Stanfield, Margaret Qualley, Shea Whigham, Willem Dafoe e Jason Liles
Gênero: Fantasia, Ação, Mistério
Duração: 101 min
https://www.youtube.com/watch?v=R0BaQa0VNKk
Crítica | Dupla Explosiva
Obras que, de maneira quase metalinguística, brincam com seus próprios gêneros, têm se tornado cada vez mais comuns em Hollywood, rendendo-nos Kingsman: Serviço Secreto como perfeito exemplar disso. Não estamos falando de paródias, que, essencialmente, são filmes de comédia, mas sim filmes de ação, por exemplo, com boas doses de humor, que funcionam perfeitamente como homenagens aos clássicos que referenciam. Dupla Explosiva faz exatamente isso, herdando de obras como Máquina Mortífera (mesmo estando longe de um filme policial), Carga Explosiva, dentre outros, para construir essa premissa de um assassino de aluguel com um segurança pessoal.
A trama nos situa no meio de uma crise política na Bielorrússia, que teve o seu cruel ditador, Vladislav Dukhovich (Gary Oldman), deposto pelo povo. O julgamento do ex-líder, porém, não caminha para a sua condenação, visto que não existem provas que o incriminem de fato. A única esperança é o testemunho do assassino de aluguel, Darius Kincaid (Samuel L. Jackson), que deve ser transportado do Reino Unido para o tribunal internacional em Haia. Quando o comboio que levava a testemunha ao local é atacado, a agente da Interpol, Amelia Roussel (Elodie Yung) pede a ajuda de Michael Bryce (Ryan Reynolds), que cuida da segurança de alvos importantes, para que esse escolte Kincaid em segurança até o tribunal.
O roteiro de Tom O’Connor, em seu segundo trabalho como roteirista, estabelece uma premissa bastante básica, porém funcional, que, imediatamente, já nos mostra tudo o que está em jogo, definindo, portanto, a importância dessa missão que acompanhamos. O grande problema é que O’Connor não sabe utilizar tal simplicidade para desenvolver seus personagens, mantendo-os como figuras rasas, unidimensionais, movidos exclusivamente por um aspecto crucial de suas existências. Esse aspecto, claro, contribui para a extrema previsibilidade do longa-metragem, que não guarda sequer uma surpresa para o espectador – a partir do momento que Bryce e Kincaid, finalmente, se juntam, já sabemos tudo o que acontecerá.
Felizmente, Samuel L. Jackson e Ryan Reynolds conseguem nos divertir do início ao fim, com seus personagens constantemente alfinetando um ao outro. Sem qualquer ajuda do texto, os dois atores apresentam uma boa química, essa que funciona para nos manter atentos, muito embora a narrativa vá nos cansando cada vez mais, tanto pela previsibilidade, quanto pela sua longa duração, beirando as duas horas. Essa extensão é claramente provocada pelo excesso de sequências de ação, todas muito parecidas umas com as outras, por mais que não escondam muito a violência, utilizando-a de maneira a criar o humor. Isso, claro, nos faz ansiar por momentos de cômicos diálogos entre os dois personagens centrais da obra.
Ao menos a direção de Patrick Hughes não cai no velho problema dos cortes em excesso e câmera muito próxima e tremida, permitindo que entendamos o que está acontecendo em tela. Ironicamente, a já mencionada ausência de novidade, porém, faz desse um filme que não há muito o que se ver, de verdade. Não ajuda, também, o fato de que a montagem não sabe muito bem se decidir entre focar exclusivamente em um personagem ou alternar constantemente entre eles, causando um belo estranhamento no espectador. As sequências com Bryce e Kincaid separados são uma verdadeira bagunça e, em geral, longas demais, fazendo-nos ter completa consciência do tempo de duração da obra.
Dupla Explosiva, mais um exemplar de traduções genéricas de bons títulos, portanto, não foge do comum, entregando-nos uma comédia divertida, mas que nos cansa muito antes de chegarmos ao seu fim. Com um roteiro simplista, que não sabe se aprofundar em seus personagens e sequências de ação nada memoráveis, a obra se sustenta quase que exclusivamente em seu elenco. Mesmo Samuel L. Jackson e Ryan Reynolds juntos não são capazes de tornar esse filme em algo mais que puramente esquecível.
Dupla Explosiva (The Hitman's Bodyguard, Estados Unidos, China, Bulgária, Holanda – 2017)
Direção: Patrick Hughes
Roteiro: Tom O'Connor
Elenco: Samuel L. Jackson, Ryan Reynolds, Elodie Yung, Salma Hayek, Gary Oldman, Abbey Hoes, Alan McKenna
Gênero: Ação, Comédia
Duração: 118 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=t7Q0Lr_bTfk&t=3s
Crítica | A Torre Negra
Há uma premissa que diz que toda história já foi contada. Desde os primórdios da humanidade, a necessidade de relatar acontecimentos reais ou fantasiosos fez parte da inerência dos indivíduos e, até os dias de hoje, as mais diversas narrativas foram criadas para satisfazer o imaginário popular ou como forma metafórica de enxergar os acontecimentos da vida. A grande maioria de tramas criadas ao longo do tempo tem profunda relação com a emergência do gênero da ficção fantástica, o qual é essencialmente fincado com a criação de mundos longínquos e inacessíveis ao mundano e ao superficial. Após uma grande saturação deste tipo de narrativa, fez-se necessário conhecer as fórmulas para quebrá-las e conseguir fornecer uma perspectiva nova para aquilo que já conhecíamos. E infelizmente não é isso o que acontece com A Torre Negra.
Apesar da épica série criada por Stephen King ser um de seus maiores sucessos críticos e comerciais, não se pode dizer o mesmo da adaptação aos cinemas. A história gira em torno de Jake (Tom Taylor), um jovem garoto atormentado por diversos pesadelos envolvendo criaturas amedrontadoras e cenários pós-apocalípticos, todos perscrutados por gigantes máquinas canalizadoras de essência e uma alterosa torre negra (cenário que empresta o nome ao título). Conhecendo o estilo de escrita do autor, poderíamos esperar uma narrativa completamente fincada no gore, no terror e nas incríveis viradas, mas, na verdade, permanecemos um pouco mais de noventa minutos observando passivamente mais uma obra extraída das páginas da Jornada do Herói, de Joseph Campbell.
Apenas com a premissa, é possível prever exatamente o que vai acontecer em cada um dos atos. Primeiro, o protagonista é bombardeado por pequenos frenesis inexplicáveis e frequentes que mostram uma tecnologia nunca antes vista, cenários desérticos e criações maniqueístas do bem e do mal que lutam pela supremacia do mundo - mais precisamente pela destruição ou proteção da Torre. Já no prólogo, percebemos que esse lugar (o qual não consegue puxar muita atenção por parte do público) é responsável pelo equilíbrio cósmico dos multiversos, servindo como fonte natural de proteção contra forças das trevas. Toda a atmosfera é construída com grande maestria, mas essa majestuosidade desvanece em um estalar dos dedos à medida em que a narrativa se torna mais e mais saturada.
Os antagonistas são claros: criaturas monstruosas disfarçadas com máscaras humanas e que trazem o “melhor” dos dois mundos - em outras palavras, tanto a tecnologia quanto a magia. Matthew McConaughey prova mais uma vez sua versatilidade em cena ao abandonar seus estereótipos sulistas e encarnar uma das figuras mais demoníacos do panteão de King, o Homem de Preto. Qual o problema então? O transporte do personagem literário para as telonas parece ter deixado de lado toda o arco construtivo, tornando-o vazio e sem quaisquer nuances aparentes. Em oposição, temos o arquétipo clássico do herói, Roland (Idris Elba), o último pistoleiro sobrevivente do constante ataque das forças do mal e que abandonou todos os seus ideais para caçar sua nêmese e varrê-lo para a inexistência.
Há algo de inebriante com a química destes dois atores em cena, visto que um traz solilóquios sobre a arte de atirar e o outro simplesmente nega esse autocontrole com um soslaio de olhos. O fato do Homem de Preto poder entrar na mente de seus adversários e obrigá-los a fazer o que quer é interessante ao extremo, porém pobremente explorado pelos inúmeros acontecimentos não finalizados em cada uma das viradas, principalmente pela necessidade do nosso protagonista atender ao chamado à aventura e iniciar sua jornada em terras desconhecidas. Desse modo, Jake ignora o fato de sua mãe, seu padrasto e até mesmo seu terapeuta o tacharem como esquizofrênico, partindo em busca de um modo para encontrar algo que tire todo o peso existencial que carrega: o do fim do mundo (uma jogada um tanto quanto cabalística e previsível, mas que funciona como blockbuster).
A construção visual segue o mesmo molde da mini franquia Percy Jackson: o herói dá adeus para uma figura muito próxima a si, vendo-a se sacrificar para que passe pelas irreversíveis transformações interiores e exteriores. É possível ver uma transposição de uma obra para outra de forma reciclada e sem qualquer originalidade - tudo bem, talvez os relances de “novo” venham com a união entre o passado e o futuro em uma concepção um tanto quanto intrigante do Mundo Médio (uma clara inclinação para a Terra-Média tão bem arquitetada por J.R.R. Tolkien em O Senhor dos Anéis). Até mesmo a montagem e a intercalação de planos gerais e fechados segue as saídas formulaicas dos épicos “pipoca” em número tão absurdo na indústria cinematográfica hollywoodiana, mas com um diferencial gritante: as cenas de batalhas praticamente não existem e, se estão lá, são mal coreografadas.
Em determinada sequência, perto do desfecho do terceiro ato, temos a tão aguardada batalha entre as duas maiores forças do filme. Jake já havia se revelado a criança-chave para destruir a Torre e permitir que a escuridão se alastrasse pelos mundos e utilizava o restante de suas forças para manter o contato entre o Homem de Preto e Roland, incitando-os a lutar pela salvação ou pela destruição de tudo aquilo que conheciam. O confronto é tão vazio quanto o próprio conceito da obra cinematográfica, e os personagens, para completar, estão engolfados em um cenário puramente escuro, tornando ainda mais difícil diferenciar quem faz o quê. O cúmulo dessa pretensão vem com a morte do antagonista - uma das menos digeríveis do ano.
Personagens previsíveis, uma história já conhecida e cenários destruídos que puxam uma inspiração falha das distopias futurísticas e deixam pontas soltas e várias explicações sem pé nem cabeça ao longo da narrativa. Os protagonistas, sejam vilões ou heróis, funcionam isoladamente como análise para um potencial perdido; mas eles não trazem a conexão necessário para deleite do público. Eles estão apenas jogados em cena, e são reconstruções de outras montagens muito mais superiores de obras similares.
A Torre Negra funciona para aqueles que não esperam nada além de uma infinitesimal diversão com bons atores e uma mitologia superficial. Mas em termos cinematográficos, essa é apenas mais uma adaptação de um romance de Stephen King que deixa a desejar - e muito.
A Torre Negra (The Dark Tower, EUA – 2017)
Direção: Nikolaj Arcel
Roteiro: Akiva Goldsman e Jeff Pinkner, baseado na obra de Stephen King
Elenco: Idris Elba, Matthew McConaughey, Tom Taylor, Dennis Haysbert, Claudia Kim, Abbey Lee, Katheryn Winnick, Nicholas Pauling
Gênero: Drama, Fantasia
Duração: 95 min.
Crítica | Atômica
Com o advento dos filmes de super-herói, Hollywood subitamente descobriu que seu carro-chefe que sustentaria toda a indústria viria com a ajuda das páginas dos quadrinhos.
É um tanto irônico pensar como as comics estão profundamente envolvidas com o Primeiro Cinema, aquele dos anos 1900, e como voltaram a ser a prioridades dos estúdios hoje em fazer novas adaptações. O cinema narrativo nasceu da adaptação de tirinhas cômicas de jornal da época antes de produções mais complexas e completas surgirem em apresentações especiais ou seriados.
Hoje, as tirinhas deram lugar para os quadrinhos. Nessa retomada vinda nesse milênio, tivemos os blockbusters que definiram o novo cinema. Os filmes de super-heróis. Mas caminhando paralelamente a ele, diversos cineastas buscaram inspiração em quadrinhos que passam longe de ter a popularidade de Batman, Superman ou Homem-Aranha da vida.
Estrada para a Perdição, Oldboy, O Procurado, A Fonte da Vida, Do Inferno, Oblivion, Homens de Preto, Expresso do Amanhã, Valerian e a Cidade dos Mil Planetas, O Máscara, Azul é a Cor mais Quente, Uma História de Violência são exemplos disso. Este novo Atômica também é mais um exemplo dessas HQs fora do mainstream que viraram uma produção hollywoodiana.
O título e o marketing de Atômica conferem um retrato não muito fidedigno ao filme, pois, na verdade, ele é bem menos “atômico” do que aparenta. Na narrativa, acompanhamos a jornada de uma espiã do MI-6 chamada Lorraine Broughton. A missão dela não é nada simples. Precisa se infiltrar na Alemanha Oriental poucos dias antes da queda do Muro de Berlim em 1989. Ela investigará o assassinato de um colega da agência que portava uma valiosa lista com os nomes de todos os espiões e agentes duplos em atividade. Se a lista cair nas mãos da KGB, significaria uma reviravolta brutal que colocaria a União Soviética em vantagem na Guerra Fria.
História simples e burocrática
Se há uma palavra que defina o roteiro de Atômica inspirado na HQ The Coldest City é esta: burocracia. O que certamente impressionado dado que o roteiro é escrito apenas por Kurt Johnstad. Como perceberam, se trata de uma narrativa que orbita um mcguffin, tanto para o lado antagonista, assim como para o antagonista. Não há milagre que salve o roteiro dessa proposta simples de missão única.
Infelizmente, Johnstad opta por preservar a pior das características da HQ original: o formato da narrativa. Atômica é uma história contada em flashbacks, naquele manjado esquema da protagonista ser interrogada pelo departamento sobre toda a missão que já aconteceu buscando entender melhor os triunfos e falhas ou simplesmente para catalogar toda a (olha ela aí) burocracia.
Isso já é anticlimático por dois motivos: sabemos que a narrativa da missão será interrompida diversas vezes para que acompanhemos a reação dos outros personagens e, a mais grave, tira totalmente a tensão que sentiríamos nas cenas “tensas” nas quais a protagonista corre risco de morrer, afinal já sabemos que ela volta a Londres para contar de suas desventuras para a agência.
Isso me broxou já nos primeiríssimos momentos de Atômica e as coisas também não melhoraram quando acompanhamos os trechos centrados em Berlim e na investigação da personagem.
Muito disso se deve completamente ao tratamento dado a protagonista e como Charlize Theron e o direto David Leitch optam por retratar a personagem. A verdade nua e crua é que Atômica é um filme realmente chato. Se trata de um filme de espionagem e temos poucas cenas de ação ao longo de uma história inchada que se arrasta por quase duas horas.
A experiência não seria tão maçante caso a protagonista tivesse algum carisma. Aqui, realmente Lorraine é uma personagem fria e amarga, envolta em uma nuvem misteriosa que não permite que conheçamos absolutamente nada sobre sua história, paixões ou motivações. Óbvio, se trata de um filme contado a partir do ponto de vista de uma espiã, mas céus, nunca senti tédio assistindo a um 007 ou Bourne da vida por conta da aura misteriosa dos personagens. Ao menos eram humanos.
Por conta dessa frieza de Charlize Theron, mantendo a mesma expressão tediosa em praticamente o filme todo, além do texto não tentar injetar o mínimo de humanidade na personagem, acabamos não ligando para a protagonista e tampouco para sua missão. Há sim uma conexão emocional que é apenas esboçada entre ela e o parceiro espião assassinado no começo da obra, mas isso logo é esquecido completamente.
Enquanto toleramos a chatice de uma investigação mal amarrada, um suspiro emocionante surge na figura de Sofia Boutella e sua personagem Delphine. Uma relação amorosa entre as duas surge tão abruptamente quanto a nova personagem. E é isso. Vemos uma noite de amor cheia de estilo e slow motion pelas lentes de Leitch, mas nunca realmente é explorada essa reviravolta na vida da espiã. Ou seja, até mesmo no foco mais humano e quente de Atômica, temos uma relação supérflua e insossa, servindo apenas para inserir um elemento de desfecho previsível que também não provoca uma mínima mudança na impassível Lorraine.
Há outros personagens bastante desperdiçados como o de John Goodman, mas nada chega no nível da performance exagerada de James McAvoy. Seu personagem é totalmente telegrafado e bastante irritante – ao menos um deles conseguem retirar alguma emoção do expectador. McAvoy interpreta o espião infiltrado David Percival, também do MI-6. Ele serve como guia para Lorraine conhecer os becos certos da Berlim Oriental enquanto grita, bebe e age como um panaca em todas as cenas. Se mantendo um tosco em todos os momentos, todas as reviravoltas envolvendo Percival ficam longe de surpreender. São previsíveis e tão forçadas quanto o personagem histérico e bêbado.
De resto, a investigação é razoavelmente confusa com um entra e sai de personagens com papeis importantes na narrativa que, nos momentos decisivos do filme, durante uma extração para fora da Berlim Oriental, consegue te acordar e lembrar que está assistindo um filme de ação.
Muito desse efeito maçante acontece pelo formato repetitivo e das interrupções já citadas. Faça um drinking game com esse filme depois e repare que quase todas as cenas de diálogo começam com alguém bebendo ou fumando por qualquer razão aparente além de agregar “estilo” para a encenação. O trabalho com diálogos de Johnstad também passa longe da perspicácia e cinismo humorado habituais do gênero. Com atuações inconstantes, diálogos genéricos, história confusa e burocrática que anda em círculos a todo o momento e personagens apáticos, o que salva em Atômica? Na verdade, uma boa quantidade de coisas que consigam justificar uma ida ao cinema.
Estética que Salva
Se não podemos dizer que o texto de Atômica é um primor e que mal sustenta a própria história, o mesmo não pode ser dito da direção de David Leitch, diretor consagrado pelo bom trabalho em John Wick.
É visível desde os primeiros minutos de filme que Leitch quer provar um ponto com a estética empregada na encenação: de que ele é um bom diretor cheio de potencial. Atômica é um festival de belas imagens sombrias, regadas à neon com tons que mesclam erotismo e frieza em uma bela metáfora visual para a protagonista.
Sentimos a presença do diretor em toda a decupagem e, de certo modo, isso pode ser considerado um fator negativo para algum espectador, pois é um elemento que te tira do filme para notar o trabalho de Leitch. Ou seja, é uma direção de mão pesada, mas que cria coisas interessantes.
Todo o conceito visual do filme, retirado totalmente dos anos 1980, é absurdamente belo. Seja pelas decorações dos cenários, dos carros e do figurino. Detalhe que isso é feito comportando as diferentes realidades econômicas entre Berlim Oriental e Ocidental, uma muito mais miserável que a outra, além de possuir padrões arquitetônicos distintos.
Uma das sequências mais legais ocorre justamente em um cinema da Berlim Oriental no qual se exibe o clássico Stalker de Tarkovsky. É uma boa homenagem, além de marcar uma das melhores cenas de ação de Atômica. O que é um fato engraçado, pois o filme carece muito disso e algumas são problemáticas.
A mais complicada delas é uma que ocorre no apartamento do agente assassinado. Em diversos momentos é possível perceber que os capangas “seguram” ou esperam Charlize os atingir para que a coreografia funcione. Mas enquanto essa falha luta falha bastante, há uma que é impossível desgostar.
Trata-se do pouco comentado plano-sequência falseado de nove minutos que acontece no clímax do filme. É o melhor momento de Leitch na direção conseguindo tornar a ação verdadeiramente brutal na qual sentimos o impacto de cada soco e tiro, além de uma leve e rara agonia sobre a sobrevivência de Lorraine. O destaque principal fica para o ótimo trabalho de maquiagem que consegue enganar com eficiência, dando a impressão de ocorrer no tempo real da ação. Charlize e os capangas tornam-se figuras deformadas por conta dos ferimentos recebidos no duelo.
Porém, o diretor se prolonga demais no plano-sequência ao continuá-lo depois que os personagens abandonam a escadaria do prédio. Infelizmente, o encerramento do plano é banal, destoando completamente da elegância da realização da técnica. Isso pesa contra a encenação, pois deixa escancarado que Leitch pensou no recurso apenas como uma perfumaria estética para inserir ainda mais estilo e personalidade em um filme frígido em sua maior parte.
Há também pecados de encenação que esgotam com velocidade. Praticamente toda cena de diálogo ou de introspecção é apresentada da mesma forma: algum personagem está fumando ou bebendo enquanto faz carão para a câmera.
Outra mania levemente irritante que Leitch agrega em Atômica é a trilha musical. Desde 2014, com Guardiões da Galáxia, Hollywood parece querer empurrar hits musicais dos anos 1970 e 1980 em todo filme – e em excesso. Atômica não foge disso. Temos diversas faixas de canções consagradas que o espectador reconhecerá imediatamente, mas nunca há um propósito para o uso delas. Ao contrário de James Gunn, Quentin Tarantino e Edgar Wright, David Leitch não se preocupa em estabelecer um contexto para o uso de determinada canção.
Quando isso acontece no filme inteiro diversas vezes, é capaz de gerar certo aborrecimento, além do efeito sempre indesejado do videoclipe.
Nem tão Atômica
Um dos últimos filmes de verão da Universal é também um de seus mais fracos. Atômica não empolga pela pretensão de sua história confusa e extremamente burocrática repleta de personagens insossos que não cativam. Os poucos que conseguem despertar alguma atenção, são trampolins de desenvolvimento para a protagonista, ainda que totalmente falhos, já que raramente vemos alguma mudança em Lorraine.
Entretanto, caso tenha muita curiosidade, pode ser que embarque nessa jornada de espiões por conta das boas coreografias de luta e também para ver um plano-sequência que poderia ser maravilhoso, mas que fica preso na faixa do ótimo. Além disso, há a bela fotografia e ótimo design de produção que tornam o filme uma experiência visual muito agradável.
Atômica precisava ser mais vivo e beber na fonte de outras grandes franquias de ação e espionagem, mas tropeça feio ao escolher o rumo de tramas cerebrais e gélidas como O Espião que Sabia Demais.
Atômica (Atomic Blonde, EUA, Alemanha, Suécia – 2017)
Direção: David Leitch
Roteiro: Kurt Johnstad, Antony Johnston
Elenco: Charlize Theron, James McAvoy, John Goodman, Sofia Boutella, Toby Jones, Sam Hargrave, Eddie Marsan, James Faulkner
Gênero: Ação, Drama, Espionagem
Duração: 115 min.
Crítica | Descendentes 2
O trabalho de Kenny Ortega com filmes de baixo orçamento já é bem conhecido na indústria cinematográfica, ainda que seu currículo não seja um dos mais extensos. Seus toques sutis de comédia constantemente encontram personagens icônicos e até mesmo milenares, com perspectivas únicas e contemporâneas para histórias clássicas. Temos, por exemplo, um dos longas-metragens mais divertidos dos estúdios Disney, Abracadabra, recontando as narrativas esotéricas das Bruxas de Salem, ou até mesmo a franquia musical High School Musical, provendo ao público uma diversão um tanto quanto satisfatória com os melhores toques do teatro musical da Broadway. Entretanto, ao embarcar em mais um de seus projetos, Descendentes, não podemos deixar de perceber a falta do toque mágico para suas leituras modernas para os contos de fada - dependendo muito da nostalgia para que sua mensagem seja entregue.
É claro que, na indústria cinematográfica atual, as atemporais histórias que endossaram o nome de Disney como um dos maiores impérios audiovisuais de todos os tempos, como Branca de Neve, A Bela e a Fera e A Pequena Sereia, seriam passíveis de diversas releituras literárias e audiovisuais. Once Upon a Time, série da emissora ABC, fornece uma distorção sombria sobre os marcantes personagens, descontruindo a visão estereotipada dos príncipes, princesas e vilões desse panteão; Grimm mergulha de cabeça na mitologia germânica, misturando-a às narrativas metafóricas dos Irmãos Grimm; e onde isso deixa Descendentes? Em algum lugar inesperado, trazendo à vida os filhos dos vilões e heróis que tanto adoramos.
Enquanto o longa original teve como tema-base questões como ambição, perdão e confiança, a segunda iteração da nova franquia de Ortega entra como uma análise de como o encontro do bem e do mal tem suas consequências, negando o conceito maniqueísta e fechado de “felizes para sempre”. A trama principal gira em torno do relacionamento aparentemente pacífico, porém envolto em infelicidades e conturbações, entre Mal (Dove Cameron), filha de Malévola, e Ben (Mitchell Hope), filho de Bela, cujo futuro está claro: a sucessão ao trono e a soberania total de Auradon e da Ilha dos Perdidos - e a distinção óbvia já está nos nomes dos dois territórios (um indicando a luz, e o outro a escuridão).
Entretanto, Mal não se sente nem um pouco confortável com a nova vida, sendo obrigada a mudar de aparência e até mesmo de personalidade, tentando agradar tanto aos futuros sogros quanto aos seus conterrâneos em detrimento de aceitar quem realmente é. Os primeiros indícios de que essa internalização definitivamente não lhe está fazendo bem vêm com o prólogo musical, intitulado Ways to be Wicked (Maneiras de ser Mal, em tradução livre), uma das melhores peças de toda a franquia. A mistura do estilo clássico das trilhas sonoras das animações da Disney com a baque da guitarra elétrica é arranjado de forma harmônica ao mesmo tempo em que expressa, por meio da cantoria e da dança, o que ela realmente quer: equilibrar seu lado bom e ruim sem ter que abandonar um promissor futuro.
Não é de se esperar que a protagonista tenha um breakdown e decida abandonar tudo para voltar à sua antiga vida na Ilha, de onde saiu a mando dos planos maléficos da mãe e acabou se entregando ao amor verdadeiro. Ao perceber que a tão sonhada vida de princesa na verdade não era tudo aquilo, refugiar-se em seu antigo lar parece a melhor das opções, utilizando-se da nostalgia para abandonar as máscaras que vinha colocando e poder ser exatamente quem ela é. Tudo estaria bem - exceto por alguns corações partidos - caso seu território não houvesse sido tomado por uma força inesperada: Uma (China Anne McClain), filha de Úrsula, depois de se sentir abandonada pelo quarteto de descendentes que conseguiu uma nova vida em Auradon, canaliza todo o ódio e toda a frustração para espalhar seu reinado de medo e desbancar o antigo império de Mal, sua arqui-inimiga.
O resto da história é previsível: alguns arcos de redenção e de superação permeando uma narrativa um tanto quanto saturada, mas adornada com alguns números musicais interessantes e satisfatórios. Afinal, Ortega sempre teve uma grande capacidade para criar coreografias complexas e que utilizassem um ensemble numeroso como forma de endossar as relações entre os personagens em cena. Até mesmo em Abracadabra ele não abre mão de maneirismos teatrais - e isso geralmente funciona. Talvez os deslizes não importem muito, visto que esta é uma obra voltada especificamente para o público infantil contemporâneo, o qual consome um diferente tipo de produto baseado na sociedade em que se encontram - vemos o encontro do medieval com o moderno em Descendentes 2, seja na caracterização dos figurinos (peças de couro coloridas seguindo o mesmo padrão barroco dos contos originais) ou na presença de elementos extradiegéticos (latas de spray, automóveis e scanners 3D).
O longa não brilha, mas também não desaponta - principalmente para aqueles que já não tinham muitas expectativas. Como supracitado, os números de dança e as músicas híbridas conseguem ofuscar o pobre roteiro, o qual se inclina muito para os clichês românticos, ou a psicodélica e incomodante direção de arte. Porém, não podemos tirar o crédito de alguns pontos altos, principalmente na parte da criação de personagens: Evie (Sofia Carson), filha da Rainha Má, entra como arquétipo do guardião e do conselheiro, mostrando uma significante maturação do filme anterior para este. Diferentemente de Mal, sua melhor amiga, a qual não encontra lugar em Auradon, ela começou por conta própria um pequeno negócio de personal designer e pela primeira vez sente-se capaz de mudar o mundo - e isso inclui mudar a vida das centenas de crianças que carregam o fardo de serem filhos de vilões e vilãs.
Enquanto isso, os antagonistas Uma e Harry (Thomas Doherty), filho do Capitão Gancho, roubam a cena com suas personalidades cruéis e perversas. Harry merece uma citação especial por conseguir trazer os trejeitos de seu pai ao mesmo tempo em que nos entrega uma perspectiva original para a caracterização de um pirata - incluindo charme, ironia e sarcasmo constantes.
Descendentes 2 é, sem sobra de dúvida, superior ao seu confuso predecessor, e pode significar mais uma franquia de filmes originais Disney Channel. Apesar da previsibilidade narrativa, esta é uma obra direcionada para as crianças, as quais ficarão muito satisfeitas em perceber que as animações que seus pais assistiam ainda conseguem ser resgatas para sua infância - ainda que não com a mesma força ou a mesma grandiosidade.
Descendentes 2 (Descendants 2, Estados Unidos – 2017)
Direção: Kenny Ortega
Roteiro: Sara Parriott, Josann McGibbon
Elenco: Dove Cameron, Sofia Carson, Cameron Boyce, Booboo Stewart, Mitchell Hope, Thomas Doherty, China Anne McClain
Gênero: Infantil, Musical
Duração: 111 min
Crítica | Os Defensores - 1ª Temporada
Quando a Marvel fechou uma parceria valiosa com a Netflix em 2014, garantindo o desenvolvimento de quatro séries sobre alguns de seus personagens mais obscuros, começava ali a jornada para Os Defensores. Da mesma forma como fora realizado no cinema, onde os filmes de Homem de Ferro, Thor e Capitão América pavimentavam um caminho para a união dos Vingadores, aqui teríamos a união de Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage e o Punho de Ferro, formando o time de heróis "urbanos" da editora, e também levando esse método de storytelling revolucionário para a televisão; a Marvel é pioneira nesse tipo de construção, sem dúvida alguma, e nunca antes esse tipo de narrativa seriada havia sido testada em um... seriado.
Ironicamente, as séries desse universo Marvelflix seguiram um caminho similar ao do cinema: tal como Homem de Ferro, a primeira temporada de Demolidor foi um sucesso absoluto em seu lançamento (garantindo imediatamente uma renovação), e facilmente uma das melhores produções lançadas sob o selo da Marvel. Porém, Jessica Jones, Luke Cage e (principalmente) Punho de Ferro atingiram resultados bem abaixo de seu primogênito, assim como Thor e O Primeiro Vingador serviram como meras pontes para Os Vingadores, filme que no fim acabou compensando a viagem incompleta com esses heróis. Se nenhuma dessas séries carece de falta de tempo (são 13 horas por temporada), quando chegamos a Os Defensores, vemos um resultado eficiente e que tira proveito melhor de alguns desses personagens, mas nem de longe é algo que faz jus a todo seu potencial.
A trama resgata fiapos narrativos de todos os quatro heróis principais, mas especialmente os de Danny Rand (Finn Jones). Caçando membros da organização criminosa do Tentáculo pelo mundo ao lado de Colleen Wig (Jessica Hardwick), a busca acaba levando-o de volta à Nova York, com tudo apontando para a misteriosa Alexandra (Sigourney Weaver) e sua organização. Em paralelo, os caminhos do advogado Matt Murdock (Charlie Cox), a investigadora Jessica Jones (Krysten Ritter) e o recém-libertado Luke Cage (Mike Colter) se cruzam por diferentes motivos, mas todos relacionados ao Tentáculo e Alexandra, forçando o grupo a unir-se com Danny para salvar a cidade.
De cara, já agradeço aos céus por esta série não seguir o padrão das demais e apostar em um número menor de episódios, saindo da torturante jornada de 13 episódios (eu amo Demolidor, mas até essa série sofre com isso) para a do ótimo número de 8, como foi o caso também com Stranger Things. Isso oferece um ritmo um pouco mais rápido para a trama, além de evitar fillers muito graves e que desviem totalmente da história central, vide os inúmeros flashbacks que tomavam capítulos inteiros das séries anteriores. Dessa forma, temos uma trama mais enxuta e direta, com mais detalhes sobre a organização do Tentáculo sendo revelados, e o pano de fundo aqui é muito mais interessante do que aquele sugerido em Punho de Ferro ou Demolidor.
Daí temos a ilustre presença de Sigourney Weaver como a vilã central da série. E ainda bem que Sigourney é Sigourney, já que a atriz oferece uma classe e presença que nenhum dos pavorosos textos da equipe criativa é capaz de merecer, já apresentando a personagem com uma série de frases expositivas e situações clichês, e Alexandra ainda precisa lidar com a sonolenta situação onde os demais membros do Tentáculo duvidam de sua capacidade para liderar; incrível como a Netflix nunca mostra indícios de superar o Rei do Crime ou Kilgrave como antagonistas marcantes. Felizmente, não temos nada do excesso irritante de ninjas aqui, voltando o foco para o retorno sobrenatural de Elektra Natchios (Elodie Yung), que é usada por Alexandra e o Tentáculo como uma arma para capturar o Punho de Ferro e garantir o retorno de seu grupo para K'Un Lun - o sempre onipresente Stick (Scott Glenn) explica que o Tentáculo foi formado por membros expulsos do monastério místico.
A maioria dos mencionados fillers acabam servindo como alguns dos melhores momentos do seriado: interações entre seus personagens. Claro, essa é com certeza a parte mais empolgante da série, já que acompanhamos as histórias individuais dos heróis há 2 anos, então não deixa de provocar um sorriso ver Matt Murdock e Jessica Jones caminhando pela rua ou até mesmo o advogado Foggy Nelson (Elden Henson) em uma rápida interação com Luke Cage. É também quando temos os momentos com mais profundidade e naturalidade, especialmente na dinâmica divertida entre Murdock e Jones - com a fala calma e serena do advogado sendo contrastada pela personalidade agressiva e largada da detetive - e quando temos Cage e Rand juntos, já provocando os fãs devotos com a semente da dupla Heróis de Aluguel. Quando os quatro dividem a cena durante um diálogo em um restaurante, a tela praticamente explode, já que todo o elenco é absurdamente carismático... Com exceção de Finn Jones, que continua péssimo em seu retrato exageradamente intenso e caricato de Danny. Uma pena.
Pra piorar, os showrunners Douglas Petrie e Marco Ramirez carecem de personalidade. Logo no terrível primeiro episódio, temos uma das experiências mais esquizofrênicas do ano, onde o diretor SJ Clarkson sofre para tentar criar alguma unidade entre os quatro protagonistas, contentando-se em simplesmente reciclar elementos estilísticos de cada uma de suas séries, o que resulta em uma verdadeira bagunça visual e estrutural: os tons mais escuros e alaranjados de Demolidor logo dão espaço a planos holandeses para Luke Cage no Harlem (sempre com algum rap na trilha sonora, claro) e por aí vai, falhando em criar uma linguagem única para o grupo, tal como Joss Whedon fez em Os Vingadores; afinal, seria estranho se Whedon tivesse preservado os planos holandeses de Kenneth Branagh ou a direção retrô de Joe Johnston. Clarkson ainda demonstra manias estranhas e que felizmente são abandonadas quando diretores mais eficientes assumem o projeto, como a estranha decisão de enquadrar alguns diálogos no canto da tela, os já mencionados ângulos inclinados e... luzes piscando em corredores e apartamentos. O motivo? Bem, é bonito nas primeiras três vezes que observamos.
Um quesito no qual Os Defensores definitivamente aprimora em relação a alguns de seus antecessores é a ação. Após as coreografias pavorosas e sem empolgação de Punho de Ferro (um lutador marcial que ganhou poderes em outra dimensão merecia algo mais elaborado), a equipe de X faz um ótimo uso dos diferentes estilos e características de seus personagens, rendendo combates isolados divertidos, vide a pancadaria mais brutal e pesada de Luke Cage contra os movimentos ágeis e calculados de Danny ou qualquer cena que envolva Elektra lutando com algum membro do grupo. A primeira vez em que os quatro dividem a cena é outro momento espetacular, trazendo mais um exemplar do tipo de cena que virou uma das marcas registradas de séries da Marvelflix (juntamente com sexo de roupa e hoodies): uma luta no corredorpara servir, no final do episódio 3, onde a série enfim engata.
Mas se percebemos um nítido trabalho de coreografia, uma boa cena de ação depende muito do diretor que assume cada episódio. Por exemplo, Peter Hoar faz maravilhas ao usar planos longos e um obturador um pouco mais reduzido durante a comentada cena do corredor, assim como variar os enquadramentos para enfatizar um confronto mais pessoal entre Murdock e Elektra; o treinamento desta é outro momento fantástico, onde planos longos e abertos garantem ainda mais imersão e valorizam o trabalho dos dublês. Aliás, em uma nota um pouco mais distinta, é preciso dar créditos para a inteligência da direção de fotografia durante o primeiro encontro entre Jessica Jones e o Demolidor uniformizado, onde vemos um equilíbrio lindo entre luzes de coloração âmbar e azul, captando a essência visual de ambos os personagens e seus seriados diferentes, em um raro momento de simbolismo através da cinematografia e o belo jogo de cores.
Por outro lado, Felix Enríque Alcalá é um diretor que abusa dos cortes e dos planos fechados, e essa técnica aliada ao truque do obturador acabam tornando as ações... toscas, e artificiais, como vemos na luta entre os heróis os membros principais do Tentáculo, no penúltimo episódio - note a artificialidade com que Jessica Jones é empurrada em uma parede. Outro demérito que pode passar despercebido pela maioria, mas que me incomodou profundamente, é a mixagem e edição de som em todas essas lutas. Os efeitos sonoros de socos, movimentos e principalmente de espadas surge consideravelmente mais alto do que as demais camadas sonoras, além de soarem cartunescos e repetitivos demais, quase como se os editores não tivessem uma biblioteca de sons muito variada.
O grande clímax é outra grande decepção, seja por sua execução ou ideia. O plano formulado pelo grupo chega quase a ser risível de tão simplista e sem graça, rendendo um embate genérico e sem muita empolgação, com o velho clichê do "herói que luta com alguém querido enquanto tenta convertê-lo de volta ao bem", representado por Murdock e Elektra - incrível como parece completamente tirado de O Soldado Invernal e a relação entre o Capitão América e Bucky Barnes. E ainda por cima, a série tem a audácia de apostar no falso sacrifício de um personagem importante, sendo que a própria revelação da emissora de que TODOS os personagens terão novas temporadas em suas série individuais, já mataria qualquer suspense - mas, claro, a série revela o real destino de tal personagem nos segundos finais da série. Um final decepcionante, no mínimo.
No fim, Os Defensores se sai ligeiramente melhor do que a maioria de seus antecessores, com as aventuras do Demolidor permanecendo como a joia dourada desse universo televisivo até o momento. Ficou provado que os personagens e suas interações funcionam muito bem, mas que a Netflix crie juízo e contrate diretores, roteiristas e showrunners mais capazes, já que o seriado ainda se esforça para encontrar uma identidade e não parecer um mero Frankenstein de estilos.
Os Defensores – 1ª Temporada (Iron Fist – Season 1, EUA – 2017)
Showrunner: Douglas Petrie e Marco Ramirez
Direção: SJ Clarkson, Phil Abraham, Uta Briesewitz, Peter Hoar, Stephen Surjik, Felix Enríque Alcalá, Farren Blackburn
Roteiro: Douglas Petrie, Marco Ramirez, Drew Goddard, Lauren Schmidt Hissrich
Elenco: Charlie Cox, Krysten Ritter, Mike Colter, Finn Jones, Sigourney Weaver, Simone Missick, Jessica Henwick, Rosario Dawson, Deborah Ann Woll, Elden Henson, Elodie Yung, Scott Glenn,Wai Ching Ho
Emissora: Netflix
Episódios: 8
Gênero: Aventura
Duração: 50 min
https://www.youtube.com/watch?v=idQmQQBcCmE
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Crítica | Lady Macbeth
A Lady Macbeth de Shakespeare não demonstra qualquer afeto, alegria, nenhuma ética senão a da ambição, temendo que a consciência do marido atrapalhe sua conquista do trono. Não há incerteza, reflexão, nenhum arrependimento, apenas a confirmação da rigidez do seu caráter. É o mesmo que pode-se observar em Catierina Lvovna, a Lady Macbeth de Leskov. Pelo menos, até os instantes finais, quando uma sucumbe sob o peso do remorso, e outra vê saída em um final trágico, fatalizando seu ciúmes e sua vontade de posse. No caso da Katherine (Florence Pugh) de Lady Macbeth, longa estreante de William Oldroyd, sua firmeza é levada às últimas consequências, quando a personagem se petrifica e vemos que seu desejo é ser imperadora da própria mediocridade onde está presa.
Pontuadas as principais diferenças entre as personagens que basearam a protagonista do filme, cabe dizer que anda na corda bamba entre o pretensioso e o fresco. Este Lady Macbeth é o que Amor & Amizade foi para o circuito comercial do ano passado – ainda que particularmente prefira o baseado em Jane Austen.
Na adaptação da vez, o ambiente russo é substituído pelo inglês, no século XIX. Katherine acaba de se casar com o filho de um aristocrata rural e, desde então, suas liberdades foram absolutamente privadas. A moleca que não se esconde nem nos primeiros segundos de filme deve aprender a se portar como uma dama de vestido bufante em um cenário muito pouco glamouroso.
O marido (Paul Hilton) é um covarde, insatisfeito com a sua condição. Impotente, não transa com a mulher. Consequentemente, não gera um herdeiro. Relega Katherine à posição de abajur. Com a mesma brutalidade humilhadora, o sogro (Christopher Fairbank) também faz exigências quanto ao seu comportamento. Desde o começo, Katherine sabe, porém, que agora é uma senhora. E a partir de uma naturalidade da vingança, a personagem tenta contornar a situação para desfrutar do seu prazer.
Mas qual o espaço para a ambiguidade que carrega o nome “Macbeth”? A fotografia limpa evoca um filme em que as mediações estão dissolvidas; nega-se um espírito de época estereotipado como mostra de atualidade. Da mesma forma, os gestos bruscos, de menina malcriada, aproximam Katherine de uma garota do nosso século. As boas ideias são maltratadas pelo grande problema de Lady Macbeth: limitar-se à apresentação de peças em um tabuleiro.
A protagonista é a rainha, capaz de performar os mais diversos movimentos, enquanto a serviçal negra Anna (Naomi Ackie), o amante Sebastian (o falso galã Cosmo Jarvis), o marido, o sogro são todos peões, bispos ou torres à espera da punhalada final. E em cada uma dessas peças, o roteiro tenta invocar alguma discussão sobre racismo, classes, sexo, que em nada contribui para o restante do filme.
Oldroyd, diretor de teatro estreante no cinema, tem pouco há mostrar na direção. Num simplório jogo entre planos frontais e elipses, o filme tenta construir algum senso de iminência e imersão, combinando com o tom austero da história, mas também entra em conflito com os anacronismos propositais do roteiro. A economia de encenação repercute no desenho de som, visto que não há trilha sonora, mas a partir do segundo ato a pegada minimalista torna o filme mais enfadonho.
Nessa guerra de poltronas (o objetivo, afinal, é o domínio da vida privada pelo puro prazer do domínio e da rigidez do caráter) há muito pouco de interessante para ver quando ficam claros os poderes de cada um, e o que seria uma reviravolta só deixa o filme mais raso. Essa guerra de sexos entre os tempos é bem mais didática do que o filme parece reconhecer.
Lady Macbeth (idem, Reino Unido – 2017)
Direção: William Oldroyd
Roteiro: Alice Birch
Elenco: Florence Pugh, Paul Hilton, Christopher Fairbank, Naomi Ackie e Cosmo Jarvis
Gênero: Drama
Duração: 89 min
https://www.youtube.com/watch?v=V0e-z24MWvs
Crítica | Annabelle 2: A Criação do Mal
Talvez a realização mais assustadora acerca da franquia Invocação do Mal, seja o próprio fato de que esta é uma franquia, ou Universo Cinematográfico, como dita o marketing da Warner Bros e o atual modelo de mercado blockbuster. Nem mesmo James Wan tinha ciência da porta que estava abrindo em 2013, quando simplesmente tentou fazer um filme de terror de estúdio decente e à moda antiga, com um sucesso avassalador tanto de crítica quanto de público; era de fato um dos melhores longas do gênero em anos, e o que iniciara a admirável nova safra que temos experimentando em tempos recentes.
Agora, depois de uma continuação igualmente excelente e um spin off fraco sobre a boneca Annabelle, Wan promete explorar o sinistro arsenal do casal Ed e Lorraine Warren e oferecer histórias próprias a algumas de suas "relíquias", já tendo anunciado A Freira para o ano que vem, um vindouro derivado para o Homem Torto no futuro e, claro, a terceira parte de Invocação do Mal; que Wan batiza de "nave-mãe" da franquia. Porém, foi só com Annabelle 2: A Criação do Mal, que realmente vemos força nesse universo, e também a realização de que ele pode funcionar sem a direção de Wan, algo que nos havia deixado preocupados no primeiro longa da boneca em 2014. Todo o crédito definitivamente recai sobre o diretor David F. Sandberg.
A trama do filme serve como prequel para o filme de 2014, nos levando para 1908, onde o fabricante de bonecas Samuel Mullins (Anthony LaPaglia) trabalha naquela que viria a ficar conhecida como a icônica Annabelle. Após sua filha morrer em um acidente de trânsito terrível, Samuel e sua esposa (Miranda Otto) decidem abrir sua longa casa para receber garotas órfãs de um convento católico, que chegam alguns anos após o evento fatídico. Claro, não demora até que as jovens começam a perceber atividades estranhas na casa, especialmente em relação com a sinistra boneca do título.
É de se espantar que o roteiro deste filme seja escrito por Gary Dauberman, o mesmo responsável pelo péssimo texto do primeiro Annabelle. Se o anterior judiava do espectador com personagens rasos e superficiais, temos em A Criação do Mal um núcleo surpreendentemente dócil e convincente, mesmo que pautados em clichês e relações que já vimos um milhão de vezes no gênero. Especialmente com as protagonistas Janice (Talitha Bateman) e Linda (Lulu Wilson), o texto de Dauberman oferece uma relação sincera e bonita, com duas amigas órfãs que se consideram irmãs e lutam para preservar sua forte amizade; o que por si só já torna nosso investimento maior durante o início de todo o horror, e ambas as atrizes oferecem momentos fantásticos aqui, com Wilson agradando no inesperado timing cômico e Bateman por sua assustadora virada sombria no terceiro ato.
Além do trabalho eficiente com os personagens, Dauberman se sai muito bem ao expandir a mitologia desse universo aqui. Não só a história de origem contada para a boneca agrada por suas reviravoltas e segredos bem escondidos do público (aquele velho jogo de perguntas e respostas, com uma exposição gigantesca antes do grande clímax), mas também traz uma inesperada e satisfatória conexão com o primeiro filme - e admito que mesmo este sendo muito mais fraco, o elo de ligação lhe ofereceu uma profundidade muito maior, ainda que um tanto absurdo. O roteirista ainda tem a chance de apresentar novas "criaturas" para o lore da série, seja na figura fantasmagórica de uma mulher com rosto deformado até, meu preferido, um sinistro espantalho que daria pesadelos ao próprio Batman.
E o diretor David F. Sandberg certamente se diverte com todos esses conceitos. Saído de sua bem sucedida estreia com Quando as Luzes se Apagam, Sandberg tem uma carreira promissora e definitivamente inspiradora: com o sucesso de seu curta de terror, acabou atraindo a atenção da Warner e de James Wan, e agora já está contratado para comandar a adaptação da DC comics de Shazam. Aqui, o diretor continua demonstrando um invejável domínio na arte de se criar atmosfera e terror, e assim como tem mostrado-se uma tendência no "Conjuverse", nada de jump scares ou sustos baratos. Com seu tenebroso uso de corredores escuros e locais pouco iluminados, há diversas brincadeiras com luz e lâmpadas que remetem a seu trabalho anterior, e que também devem ter exigido um planejamento certeiro do fotógrafo Maxime Alexandre, que acerta em suas escolhas de tonalidade e textura para a época retratada - reparem no granulado 16mm, todo inserido durante a pós produção.
E, claro, toda essa brincadeira com o escuro ajuda a tornar as sequências de terror um verdadeiro festival de suspense, deixando o espectador ansioso pela revelação das (sinistras) aparições da história, e a forma como estas mesclam-se com a escuridão é uma ótima sacada: demora até o espectador perceber que a ameaça JÁ ESTÁ em nosso campo de visão. Aliás, aplausos aos responsáveis por criarem monstros tão marcantes como o que vimos aqui, desde o trabalho corporal fantástico do sempre sinistro Joseph Bishara, até o já comentado Espantalho, a boneca Annabelle e a velha mascarada. Quanto a personagem título, Sandberg sabiamente segue os passos de Wan e Leonetti ao nunca mostrá-la em movimento, sempre usando de cortes para ocultar as manifestações físicas da boneca, algo que é consideravelmente mais eficiente e sinistro; sem falar no excelente plano onde um personagem acaba tendo um destino terrível, mas a câmera é toda mantida na reação inexpressiva da boneca, enquanto os gritos de dor preenchem a paisagem sonora.
Sandberg também segue a tradição da franquia ao nos apresentar a casa dos Mullins com um belo plano sequência, já situando o espectador e tornando-o confortável com a espacialidade do local - ainda que seja uma decisão inteligente, vi aí um claro sinal de repetição em relação à estrutura dos longas. Porém, as ideias do diretor destacam-se até mesmo em pequenos momentos, como quando a jovem Janice senta-se de costas à freira Charlotte (Stephanie Sigman) e a câmera de Sandberg lentamente vai rodopiando ao redor das duas, uma decisão que mostra-se delicada à medida em que a conversa vai tornando-se mais informal. De forma similar, o diretor é sábio ao retratar a jovem Janice tentando caminhar sem suas muletas (ela tem poliomielete em uma perna) ao mesmo tempo em que enquadra as peças velhas de bonecas não completadas, criando um bom paralelo visual.
Sendo muito melhor do que seu fraco antecessor, Annabelle 2: A Criação do Mal mostra que o universo de Invocação do Mal é capaz de contar boas histórias isoladas, contando com uma direção muito eficiente e uma exploração fascinante da mitologia sinistra da franquia sobrenatural. Esse talvez seja o universo cinematográfico mais empolgante em atividade, e olha que fomos todos pegos de surpresa com sua criação.
Que James Wan continue apadrinhando novos contadores de histórias de terror.
Annabelle 2: A Criação do Mal (Annabelle: Creation, EUA - 2017)
Direção: David F. Sandberg
Roteiro: Gary Dauberman
Elenco: Lulu Wilson, Talitha Bateman, Stepahnie Sigman, Anthony LaPaglia, Miranda Otto, Kerry O'Malley, Philippa Coulthard, Samara Lee, Grace Fulton, Joseph Bishara
Gênero: Terror
Duração: 109 min
https://www.youtube.com/watch?v=EWjq_8ijmvo
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Crítica | O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos
Se Uma Jornada Inesperada era uma longa e maçante introdução e A Desolação de Smaug um amontoado de eventos de transição, A Batalha dos Cinco Exércitos é todo clímax. A adaptação tripla de Peter Jackson chega ao fim e fica claro de uma vez por todas como a divisão de obras em múltiplos filmes é falha, dada a perda de estrutura. O último filme funciona pela ação, mas não é o bastante.
A trama começa logo após o final do anterior, com o dragão Smaug (Benedict Cumberbatch) partindo para destruir a Cidade do Lago. Enquanto isso, os anões liderados por Thorin (Richard Armitage) retomam o controle da Montanha Solitária, mas temem pela segurança do reino quando seu rei fica obcecado por poder e ouro. Também sedentos por poder, um vasto exército de orcs parte para tomar o reino dos anões, atraindo também uma legião de elfos para defendê-los. Ah, tem o hobbit Bilbo Bolseiro (Martin Freeman) no meio também.
Isso aí, o protagonista da trilogia é reduzido a um mero protagonista neste último filme. Tudo bem que é uma decisão aceitável, já que a atenção que Thorin ganha aqui é muito interessante, especialmente graças à seu desenvolvimento como personagem, incluindo sua memorável pegada sombria. Me surpreende que o roteiro de Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson e Guillermo Del Toro tenha gastado um tempo considerável com a mudança do personagem, conferindo um envolvente clima “guerra fria” para levar ao estopim da batalha principal do título, tensão que aliás é muito mais interessante do que a ação em si.
Com exceção do excepcional confronto inicial com Smaug (sempre uma presença marcante e assombrosa, um milagre de CG), não é uma ação realmente empolgante. Mais genérico do que o habitual, Jackson oferece os mesmos movimentos de câmera, planos fechados que não nos permitem acompanhar toda a ação e uma mão pesadíssima para momentos que almejam a epicidade – com o slow motion e os ultra closes – mas que beiram o ridículo, seja em trocas de olhares embaraçosamente longas ou as subtramas estúpidas que o time de roteiristas tenta enfiar goela abaixo. O triângulo amoroso de Tauriel (Evangeline Lilly) com Legolas (Orlando Bloom) e o anão Kili (Aidan Turner) é vergonhoso, a insistência no ganancioso personagem de Ryan Gage é irritante e inconclusiva, e o clichê do herói Bard (Luke Evans) lutando para proteger sua família simplesmente não funciona.
E mesmo que eu não seja o maior fã da trilogia O Senhor dos Anéis, reconheço que um dos pontos altos de A Batalha dos Cinco Exércitos é a série de conexões que este faz com essa história. Imagino que os fãs devam ter tido orgasmos quando a bela Galandriel (Cate Blanchett) se une a Gandalf (Ian McKellen), Saruman (Christopher Lee) e Elrond (Hugo Weaving) para uma batalha com o sinistro Saruman (voz e movimentos também de Benedict Cumberbatch), assim como os lindos créditos finais.
O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos é um bom entretenimento capaz de oferecer cenas de ação pontualmente empolgantes. Vale mais pela conclusão da história geral iniciada com Uma Jornada Inesperada, mas que fique evidente como a divisão de histórias em múltiplos filmes – ou melhor, pedaços de filmes – não funciona.
O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos (The Hobbit: The Battle of the Five Armies, EUA/Nova Zelândia - 2014)
Direção: Peter Jackson
Roteiro: Fran Walsh, Philippa Boyens, Peter Jackson e Guillermo Del Toro, baseado na obra de J.R. Tolkien
Elenco: Martin Freeman, Ian McKellen, Richard Armitage, Benedict Cumberbatch, Orlando Bloom, Evangeline Lilly, Aidan Turner, Hugo Weaving, Christopher Lee, Cate Blanchett, Luke Evans, Lee Pace
Gênero: Aventura, Ação
Duração: 144 min
https://www.youtube.com/watch?v=OXvSP0vwXbM
Crítica | O Quinto Elemento (1997)
Ah pois é, nem se faz tanto tempo atrás em que podíamos ir ao cinema sem receio e ter a chance de assistir alguns filmes com tanta coragem em serem originais em seus conceitos e possuírem uma marca de autor dos cineastas que o comandavam. Sem medo algum de serem julgados por críticas sensacionalistas ou o gosto convencional popular da massa. E sim apenas buscar agradar aos espectadores com tanta criativa e boa qualidade em tela.
E no que se refere à ficção científica, encontramos exemplos como Blade Runner; Ghost in the Shell; Matrix; Planeta dos Macacos; Cidade das Sombras; filmes que se agarraram em ricos conceitos do gênero e o exploraram em formas que o o público geral talvez não esperava, e desfrutaram do lucro em serem reconhecidos hoje por legiões de fãs, mesmo que tenha demorado para certos críticos engolirem o ego e aceitarem algo novo e original.
Um filme assim que poderia vir facilmente de um diretor de nome solidamente renomado como Luc Besson. Reconhecido hoje por muitos por ser talvez o maior diretor Francês do gênero de ação, mas que nunca se ateve a só esse gênero e sempre se mostrou ser um alguém criativo no uso da linguagem cinematográfica escapista, mas com um polimento refinado Europeu como sua assinatura de autor.
Senhor diretor esse que infelizmente hoje parece se ausentar dos holofotes e buscar produzir mais por detrás dos bastidores escrevendo e produzindo alguns vários filmes bem conhecidos, e a maioria não tão boa. Busca Implacável 3, Colombiana Carga Explosiva 3; pra nomear algumas vergonhas. E raramente voltando ao posto de direção e trazendo consigo algumas boas idéias, mas aquém de sua gloriosa qualidade passada. Pegue por exemplo Lucy, um divertido e visualmente interessante filme de ação sci-fi, mas inevitavelmente esquecível.
Mas eis que aqui se encontra um filme como O Quinto Elemento, um perfeito lembrete da sua passada promissora fase, um lembrete do quanto ALTAMENTE original e criativo Luc Besson conseguia ser em sua concepção de roteiro e criação de um universo próprio com sua própria e rica mitologia, e sem medo algum de ter suas peculiaridades um tanto bizarras.
Quando uma nave alienígena do povo pacífico dos Mondoshawans é atacada, um misterioso artefato que é usado para reconstruir uma mulher humanóide, "Leeloo" (Milla Jovovich), que é descrita como o "ser perfeito". Com medo de seus captores desconhecidos, ela escapa do complexo e dá consigo com Korben Dallas (Bruce Willis), um taxista divorciado e ex-major nas forças especiais. Que mais tarde descobre que Leloo é uma arma viva conhecida como Quinto Elemento, um ser capaz de unir os quatro elementos em uma luz divina capaz de derrotar o grande mal, um planeta em forma de fogo que ameaça destruir todo o universo.
Talvez uma trama quase fantasiosa e com ambições épicas dignas de um verdadeiro filme de ficção científica. Não a toa que o seu nível de detalhes, que refletem o expansivo universo utópico futurista que forma este mundo, carrega em si imensa originalidade. Besson já visionara Quinto Elemento desde sua adolescência como jovem cineasta sonhador, e mostra na tela o cumprimento de um sonho realmente sendo-se realizado.
E ainda assim é notável vermos como ele consegue conceber na narrativa principal certos bizarros e interessantes traços de familiaridade com grandes filmes do gênero como o próprio 2001 – Uma Odisséia no Espaço, no que se diz respeito aos questionamentos científicos e éticos da criação humana presente em suas breves entrelinhas da trama que lida com as origens da criação e da busca da salvação do universo galáctico quando departimos na mirabolante e excitante jornada de Dallas para salvar sua nova amada e todo o universo.
Com familiares conceitos semelhantes de certa forma com o próprio Blade Runner de Ridley Scott, no que se refere principalmente à criação de um futuro utópico que reflete multi-urbanização em sua megalópole imensa, e a intensa dependência tecnológica. Conceitos esses que são sempre apresentados de forma muito sutil na caracterização da cidade e dos ambientes dos personagens, como o estreito cubículo en que Dallas vive, ou os inúmeros aparelhos tecnológicos que o vilão Zorg de Gary Oldman possuí em seu escritório, por aparente razão alguma.
E claro, da trama tomar esse formato de um bizarro thriller de ação, que ironicamente quase não possuí ação por assim dizer. Há uma boa, e inventiva, perseguição inicial entre prédios, e o grande tiroteio na ópera com direito a uma icônica breve luta Kung Fu intercalada com um soneto pop extremamente divertido. Essa é a ironia de Besson, pouco entrega de cenas de ação em seus filmes, mas quando entrega, consegue ser um ESPETÁCULO! Mas deve se dar crédito ao homem! Poucos são os diretores que conseguem ter um apuramento visual tão rico e conceitual como ele. Até mesmo em seus filmes mais fracotes, o visual é sempre um grande destaque aparte de tudo.
Aqui não é uma exceção. Com Besson mais uma vez usando e abusando de seu bom e velho parceiro Thierry Arbogast na fotografia, dando ao filme um formato cênico digno dos melhores épicos já feitos. Onde cada milimétrico espaço de cenário, grandes ou pequenos, possuem essa imersão nível 70mm capaz de trazer o espectador para dentro do filme. Não é nem uma necessidade lusófona de querer arrebatar ou impressionar, apenas algo que faz parte do estilo visual do diretor em querer imergir seu público para dentro do universo que ele cria. Algo que posso dizer que tanto faz falta em blockbusters genéricos de hoje.
Ainda mais com o filme sendo completamente certeiro em tudo que o compõe, sem perder tempo com tanta exposividade explicativa e sabendo bem equilibrar tudo isso em um sempre fluído e perfeito ritmo. E ainda trazer consigo esse tom humorado e bizarro tão espalhafatoso que, surpreendentemente, nunca cruza a linha do caricato bobo, e sim se mostrar ser constantemente engraçado e altamente divertido. É como um filme da Marvel hoje, só que melhor e que convence genuínas emoções dentro dos personagens.
Estes que são formados aqui por um elenco nada menos que altamente carismático onde claramente todos estão se divertindo, contando com um sempre ÓTIMO Iam Holm com sua fé e seriedade inabaláveis, convencendo ainda como um alívio cômico de ouro. Ainda mais que o birrento Chris Tucker como o apresentador famoso que só faz é gritar por socorro quando o caos se instala. Mas ele consegue arrancar umas boas risadas também. E ter Gary Oldman como vilão é apenas um convite de ser alguém memorável e intimidante, e é exatamente o que tem aqui!
E claro, a jovem Milla Jovovich rouba-cenas, com sua rica e surpreendente complexa heroína do universo. E também a um sempre ótimo Bruce Willis em sua versão John McClane taxista. Na época que ele ainda mostrava em se entregar aos papéis, mostrado aqui como um perfeito representante da falta de fé na humanidade mundana, mas com um olhar de pureza que no final lhe permite se tornar um verdadeiro herói inspirado pelo seu amor pela pureza de Leloo. E olhem só isso, um romance entre protagonistas dentro de um blockbuster que realmente funciona. Não é impossível de se fazer!
Tudo isso que formam aqui esse clássico Cult oras amado e apreciado ou apenas esquecido e injustamente depreciado por muitos em ambos os lados. E que hoje é capaz de nos fazer lembrar não só da boa época em que tínhamos Luc Besson se provando ser um dos diretores mais promissores e criativos no ramo (o que ainda é de certa forma, e que fez com tanta paixão esse que é um de seus filmes mais pessoais e autorais. Um filme que nos lembra de uma boa época onde podíamos ver filmes originais, criativos, e extraordinariamente divertidos com esse polimento Europeu tão admirável, realizando um rico entretenimento tão habilmente concebido e que tanta falta faz nos dias mundanos de hoje.
O Quinto Elemento (Le cinquième élément, França – 1997)
Direção: Luc Besson
Roteiro: Luc Besson, Robert Mark Kamen
Elenco: Bruce Willis, Milla Jovovich, Gary Oldman, Ian Holm, Chris Tucker, Luke Perry, Brion James
Gênero: Ação, Aventura, Ficção Científica
Duração: 126 min
https://youtu.be/fQ9RqgcR24g