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Crítica | Atômica

Com o advento dos filmes de super-herói, Hollywood subitamente descobriu que seu carro-chefe que sustentaria toda a indústria viria com a ajuda das páginas dos quadrinhos.

É um tanto irônico pensar como as comics estão profundamente envolvidas com o Primeiro Cinema, aquele dos anos 1900, e como voltaram a ser a prioridades dos estúdios hoje em fazer novas adaptações. O cinema narrativo nasceu da adaptação de tirinhas cômicas de jornal da época antes de produções mais complexas e completas surgirem em apresentações especiais ou seriados.

Hoje, as tirinhas deram lugar para os quadrinhos. Nessa retomada vinda nesse milênio, tivemos os blockbusters que definiram o novo cinema. Os filmes de super-heróis. Mas caminhando paralelamente a ele, diversos cineastas buscaram inspiração em quadrinhos que passam longe de ter a popularidade de Batman, Superman ou Homem-Aranha da vida.

Estrada para a Perdição, Oldboy, O Procurado, A Fonte da Vida, Do Inferno, Oblivion, Homens de Preto, Expresso do Amanhã, Valerian e a Cidade dos Mil Planetas, O Máscara, Azul é a Cor mais Quente, Uma História de Violência são exemplos disso. Este novo Atômica também é mais um exemplo dessas HQs fora do mainstream que viraram uma produção hollywoodiana.

O título e o marketing de Atômica conferem um retrato não muito fidedigno ao filme, pois, na verdade, ele é bem menos “atômico” do que aparenta. Na narrativa, acompanhamos a jornada de uma espiã do MI-6 chamada Lorraine Broughton. A missão dela não é nada simples. Precisa se infiltrar na Alemanha Oriental poucos dias antes da queda do Muro de Berlim em 1989. Ela investigará o assassinato de um colega da agência que portava uma valiosa lista com os nomes de todos os espiões e agentes duplos em atividade. Se a lista cair nas mãos da KGB, significaria uma reviravolta brutal que colocaria a União Soviética em vantagem na Guerra Fria.

História simples e burocrática

Se há uma palavra que defina o roteiro de Atômica inspirado na HQ The Coldest City é esta: burocracia. O que certamente impressionado dado que o roteiro é escrito apenas por Kurt Johnstad. Como perceberam, se trata de uma narrativa que orbita um mcguffin, tanto para o lado antagonista, assim como para o antagonista. Não há milagre que salve o roteiro dessa proposta simples de missão única.

Infelizmente, Johnstad opta por preservar a pior das características da HQ original: o formato da narrativa. Atômica é uma história contada em flashbacks, naquele manjado esquema da protagonista ser interrogada pelo departamento sobre toda a missão que já aconteceu buscando entender melhor os triunfos e falhas ou simplesmente para catalogar toda a (olha ela aí) burocracia.

Isso já é anticlimático por dois motivos: sabemos que a narrativa da missão será interrompida diversas vezes para que acompanhemos a reação dos outros personagens e, a mais grave, tira totalmente a tensão que sentiríamos nas cenas “tensas” nas quais a protagonista corre risco de morrer, afinal já sabemos que ela volta a Londres para contar de suas desventuras para a agência.

Isso me broxou já nos primeiríssimos momentos de Atômica e as coisas também não melhoraram quando acompanhamos os trechos centrados em Berlim e na investigação da personagem.

Muito disso se deve completamente ao tratamento dado a protagonista e como Charlize Theron e o direto David Leitch optam por retratar a personagem. A verdade nua e crua é que Atômica é um filme realmente chato. Se trata de um filme de espionagem e temos poucas cenas de ação ao longo de uma história inchada que se arrasta por quase duas horas.

A experiência não seria tão maçante caso a protagonista tivesse algum carisma. Aqui, realmente Lorraine é uma personagem fria e amarga, envolta em uma nuvem misteriosa que não permite que conheçamos absolutamente nada sobre sua história, paixões ou motivações. Óbvio, se trata de um filme contado a partir do ponto de vista de uma espiã, mas céus, nunca senti tédio assistindo a um 007 ou Bourne da vida por conta da aura misteriosa dos personagens. Ao menos eram humanos.

Por conta dessa frieza de Charlize Theron, mantendo a mesma expressão tediosa em praticamente o filme todo, além do texto não tentar injetar o mínimo de humanidade na personagem, acabamos não ligando para a protagonista e tampouco para sua missão. Há sim uma conexão emocional que é apenas esboçada entre ela e o parceiro espião assassinado no começo da obra, mas isso logo é esquecido completamente.

Enquanto toleramos a chatice de uma investigação mal amarrada, um suspiro emocionante surge na figura de Sofia Boutella e sua personagem Delphine. Uma relação amorosa entre as duas surge tão abruptamente quanto a nova personagem. E é isso. Vemos uma noite de amor cheia de estilo e slow motion pelas lentes de Leitch, mas nunca realmente é explorada essa reviravolta na vida da espiã. Ou seja, até mesmo no foco mais humano e quente de Atômica, temos uma relação supérflua e insossa, servindo apenas para inserir um elemento de desfecho previsível que também não provoca uma mínima mudança na impassível Lorraine.

Há outros personagens bastante desperdiçados como o de John Goodman, mas nada chega no nível da performance exagerada de James McAvoy. Seu personagem é totalmente telegrafado e bastante irritante – ao menos um deles conseguem retirar alguma emoção do expectador. McAvoy interpreta o espião infiltrado David Percival, também do MI-6. Ele serve como guia para Lorraine conhecer os becos certos da Berlim Oriental enquanto grita, bebe e age como um panaca em todas as cenas. Se mantendo um tosco em todos os momentos, todas as reviravoltas envolvendo Percival ficam longe de surpreender. São previsíveis e tão forçadas quanto o personagem histérico e bêbado.

De resto, a investigação é razoavelmente confusa com um entra e sai de personagens com papeis importantes na narrativa que, nos momentos decisivos do filme, durante uma extração para fora da Berlim Oriental, consegue te acordar e lembrar que está assistindo um filme de ação.

Muito desse efeito maçante acontece pelo formato repetitivo e das interrupções já citadas. Faça um drinking game com esse filme depois e repare que quase todas as cenas de diálogo começam com alguém bebendo ou fumando por qualquer razão aparente além de agregar “estilo” para a encenação. O trabalho com diálogos de Johnstad também passa longe da perspicácia e cinismo humorado habituais do gênero. Com atuações inconstantes, diálogos genéricos, história confusa e burocrática que anda em círculos a todo o momento e personagens apáticos, o que salva em Atômica? Na verdade, uma boa quantidade de coisas que consigam justificar uma ida ao cinema.

Estética que Salva

Se não podemos dizer que o texto de Atômica é um primor e que mal sustenta a própria história, o mesmo não pode ser dito da direção de David Leitch, diretor consagrado pelo bom trabalho em John Wick.

É visível desde os primeiros minutos de filme que Leitch quer provar um ponto com a estética empregada na encenação: de que ele é um bom diretor cheio de potencial. Atômica é um festival de belas imagens sombrias, regadas à neon com tons que mesclam erotismo e frieza em uma bela metáfora visual para a protagonista.

Sentimos a presença do diretor em toda a decupagem e, de certo modo, isso pode ser considerado um fator negativo para algum espectador, pois é um elemento que te tira do filme para notar o trabalho de Leitch. Ou seja, é uma direção de mão pesada, mas que cria coisas interessantes.

Todo o conceito visual do filme, retirado totalmente dos anos 1980, é absurdamente belo. Seja pelas decorações dos cenários, dos carros e do figurino. Detalhe que isso é feito comportando as diferentes realidades econômicas entre Berlim Oriental e Ocidental, uma muito mais miserável que a outra, além de possuir padrões arquitetônicos distintos.

Uma das sequências mais legais ocorre justamente em um cinema da Berlim Oriental no qual se exibe o clássico Stalker de Tarkovsky. É uma boa homenagem, além de marcar uma das melhores cenas de ação de Atômica. O que é um fato engraçado, pois o filme carece muito disso e algumas são problemáticas.

A mais complicada delas é uma que ocorre no apartamento do agente assassinado. Em diversos momentos é possível perceber que os capangas “seguram” ou esperam Charlize os atingir para que a coreografia funcione. Mas enquanto essa falha luta falha bastante, há uma que é impossível desgostar.

Trata-se do pouco comentado plano-sequência falseado de nove minutos que acontece no clímax do filme. É o melhor momento de Leitch na direção conseguindo tornar a ação verdadeiramente brutal na qual sentimos o impacto de cada soco e tiro, além de uma leve e rara agonia sobre a sobrevivência de Lorraine. O destaque principal fica para o ótimo trabalho de maquiagem que consegue enganar com eficiência, dando a impressão de ocorrer no tempo real da ação. Charlize e os capangas tornam-se figuras deformadas por conta dos ferimentos recebidos no duelo.

Porém, o diretor se prolonga demais no plano-sequência ao continuá-lo depois que os personagens abandonam a escadaria do prédio. Infelizmente, o encerramento do plano é banal, destoando completamente da elegância da realização da técnica. Isso pesa contra a encenação, pois deixa escancarado que Leitch pensou no recurso apenas como uma perfumaria estética para inserir ainda mais estilo e personalidade em um filme frígido em sua maior parte.

Há também pecados de encenação que esgotam com velocidade. Praticamente toda cena de diálogo ou de introspecção é apresentada da mesma forma: algum personagem está fumando ou bebendo enquanto faz carão para a câmera.

Outra mania levemente irritante que Leitch agrega em Atômica é a trilha musical. Desde 2014, com Guardiões da Galáxia, Hollywood parece querer empurrar hits musicais dos anos 1970 e 1980 em todo filme – e em excesso. Atômica não foge disso. Temos diversas faixas de canções consagradas que o espectador reconhecerá imediatamente, mas nunca há um propósito para o uso delas. Ao contrário de James Gunn, Quentin Tarantino e Edgar Wright, David Leitch não se preocupa em estabelecer um contexto para o uso de determinada canção.

Quando isso acontece no filme inteiro diversas vezes, é capaz de gerar certo aborrecimento, além do efeito sempre indesejado do videoclipe.

Nem tão Atômica

Um dos últimos filmes de verão da Universal é também um de seus mais fracos. Atômica não empolga pela pretensão de sua história confusa e extremamente burocrática repleta de personagens insossos que não cativam. Os poucos que conseguem despertar alguma atenção, são trampolins de desenvolvimento para a protagonista, ainda que totalmente falhos, já que raramente vemos alguma mudança em Lorraine.

Entretanto, caso tenha muita curiosidade, pode ser que embarque nessa jornada de espiões por conta das boas coreografias de luta e também para ver um plano-sequência que poderia ser maravilhoso, mas que fica preso na faixa do ótimo. Além disso, há a bela fotografia e ótimo design de produção que tornam o filme uma experiência visual muito agradável.

Atômica precisava ser mais vivo e beber na fonte de outras grandes franquias de ação e espionagem, mas tropeça feio ao escolher o rumo de tramas cerebrais e gélidas como O Espião que Sabia Demais.

Atômica (Atomic Blonde, EUA, Alemanha, Suécia – 2017)

Direção: David Leitch
Roteiro: Kurt Johnstad, Antony Johnston
Elenco: Charlize Theron, James McAvoy, John Goodman, Sofia Boutella, Toby Jones, Sam Hargrave, Eddie Marsan, James Faulkner
Gênero: Ação, Drama, Espionagem
Duração: 115 min.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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