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Crítica | Os Defensores – 1ª Temporada

Quando a Marvel fechou uma parceria valiosa com a Netflix em 2014, garantindo o desenvolvimento de quatro séries sobre alguns de seus personagens mais obscuros, começava ali a jornada para Os Defensores. Da mesma forma como fora realizado no cinema, onde os filmes de Homem de Ferro, Thor e Capitão América pavimentavam um caminho para a união dos Vingadores, aqui teríamos a união de Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage e o Punho de Ferro, formando o time de heróis “urbanos” da editora, e também levando esse método de storytelling revolucionário para a televisão; a Marvel é pioneira nesse tipo de construção, sem dúvida alguma, e nunca antes esse tipo de narrativa seriada havia sido testada em um… seriado.

Ironicamente, as séries desse universo Marvelflix seguiram um caminho similar ao do cinema: tal como Homem de Ferro, a primeira temporada de Demolidor foi um sucesso absoluto em seu lançamento (garantindo imediatamente uma renovação), e facilmente uma das melhores produções lançadas sob o selo da Marvel. Porém, Jessica Jones, Luke Cage e (principalmente) Punho de Ferro atingiram resultados bem abaixo de seu primogênito, assim como Thor e O Primeiro Vingador serviram como meras pontes para Os Vingadores, filme que no fim acabou compensando a viagem incompleta com esses heróis. Se nenhuma dessas séries carece de falta de tempo (são 13 horas por temporada), quando chegamos a Os Defensores, vemos um resultado eficiente e que tira proveito melhor de alguns desses personagens, mas nem de longe é algo que faz jus a todo seu potencial.

A trama resgata fiapos narrativos de todos os quatro heróis principais, mas especialmente os de Danny Rand (Finn Jones). Caçando membros da organização criminosa do Tentáculo pelo mundo ao lado de Colleen Wig (Jessica Hardwick), a busca acaba levando-o de volta à Nova York, com tudo apontando para a misteriosa Alexandra (Sigourney Weaver) e sua organização. Em paralelo, os caminhos do advogado Matt Murdock (Charlie Cox), a investigadora Jessica Jones (Krysten Ritter) e o recém-libertado Luke Cage (Mike Colter) se cruzam por diferentes motivos, mas todos relacionados ao Tentáculo e Alexandra, forçando o grupo a unir-se com Danny para salvar a cidade.

De cara, já agradeço aos céus por esta série não seguir o padrão das demais e apostar em um número menor de episódios, saindo da torturante jornada de 13 episódios (eu amo Demolidor, mas até essa série sofre com isso) para a do ótimo número de 8, como foi o caso também com Stranger Things. Isso oferece um ritmo um pouco mais rápido para a trama, além de evitar fillers muito graves e que desviem totalmente da história central, vide os inúmeros flashbacks que tomavam capítulos inteiros das séries anteriores. Dessa forma, temos uma trama mais enxuta e direta, com mais detalhes sobre a organização do Tentáculo sendo revelados, e o pano de fundo aqui é muito mais interessante do que aquele sugerido em Punho de Ferro ou Demolidor.

Daí temos a ilustre presença de Sigourney Weaver como a vilã central da série. E ainda bem que Sigourney é Sigourney, já que a atriz oferece uma classe e presença que nenhum dos pavorosos textos da equipe criativa é capaz de merecer, já apresentando a personagem com uma série de frases expositivas e situações clichês, e Alexandra ainda precisa lidar com a sonolenta situação onde os demais membros do Tentáculo duvidam de sua capacidade para liderar; incrível como a Netflix nunca mostra indícios de superar o Rei do Crime ou Kilgrave como antagonistas marcantes. Felizmente, não temos nada do excesso irritante de ninjas aqui, voltando o foco para o retorno sobrenatural de Elektra Natchios (Elodie Yung), que é usada por Alexandra e o Tentáculo como uma arma para capturar o Punho de Ferro e garantir o retorno de seu grupo para K’Un Lun – o sempre onipresente Stick (Scott Glenn) explica que o Tentáculo foi formado por membros expulsos do monastério místico.

A maioria dos mencionados fillers acabam servindo como alguns dos melhores momentos do seriado: interações entre seus personagens. Claro, essa é com certeza a parte mais empolgante da série, já que acompanhamos as histórias individuais dos heróis há 2 anos, então não deixa de provocar um sorriso ver Matt Murdock e Jessica Jones caminhando pela rua ou até mesmo o advogado Foggy Nelson (Elden Henson) em uma rápida interação com Luke Cage. É também quando temos os momentos com mais profundidade e naturalidade, especialmente na dinâmica divertida entre Murdock e Jones – com a fala calma e serena do advogado sendo contrastada pela personalidade agressiva e largada da detetive – e quando temos Cage e Rand juntos, já provocando os fãs devotos com a semente da dupla Heróis de Aluguel. Quando os quatro dividem a cena durante um diálogo em um restaurante, a tela praticamente explode, já que todo o elenco é absurdamente carismático… Com exceção de Finn Jones, que continua péssimo em seu retrato exageradamente intenso e caricato de Danny. Uma pena.

Pra piorar, os showrunners Douglas Petrie e Marco Ramirez carecem de personalidade. Logo no terrível primeiro episódio, temos uma das experiências mais esquizofrênicas do ano, onde o diretor SJ Clarkson sofre para tentar criar alguma unidade entre os quatro protagonistas, contentando-se em simplesmente reciclar elementos estilísticos de cada uma de suas séries, o que resulta em uma verdadeira bagunça visual e estrutural: os tons mais escuros e alaranjados de Demolidor logo dão espaço a planos holandeses para Luke Cage no Harlem (sempre com algum rap na trilha sonora, claro) e por aí vai, falhando em criar uma linguagem única para o grupo, tal como Joss Whedon fez em Os Vingadores; afinal, seria estranho se Whedon tivesse preservado os planos holandeses de Kenneth Branagh ou a direção retrô de Joe Johnston. Clarkson ainda demonstra manias estranhas e que felizmente são abandonadas quando diretores mais eficientes assumem o projeto, como a estranha decisão de enquadrar alguns diálogos no canto da tela, os já mencionados ângulos inclinados e… luzes piscando em corredores e apartamentos. O motivo? Bem, é bonito nas primeiras três vezes que observamos.

Um quesito no qual Os Defensores definitivamente aprimora em relação a alguns de seus antecessores é a ação. Após as coreografias pavorosas e sem empolgação de Punho de Ferro (um lutador marcial que ganhou poderes em outra dimensão merecia algo mais elaborado), a equipe de X faz um ótimo uso dos diferentes estilos e características de seus personagens, rendendo combates isolados divertidos, vide a pancadaria mais brutal e pesada de Luke Cage contra os movimentos ágeis e calculados de Danny ou qualquer cena que envolva Elektra lutando com algum membro do grupo. A primeira vez em que os quatro dividem a cena é outro momento espetacular, trazendo mais um exemplar do tipo de cena que virou uma das marcas registradas de séries da Marvelflix (juntamente com sexo de roupa e hoodies): uma luta no corredorpara servir, no final do episódio 3, onde a série enfim engata.

Mas se percebemos um nítido trabalho de coreografia, uma boa cena de ação depende muito do diretor que assume cada episódio. Por exemplo, Peter Hoar faz maravilhas ao usar planos longos e um obturador um pouco mais reduzido durante a comentada cena do corredor, assim como variar os enquadramentos para enfatizar um confronto mais pessoal entre Murdock e Elektra; o treinamento desta é outro momento fantástico, onde planos longos e abertos garantem ainda mais imersão e valorizam o trabalho dos dublês. Aliás, em uma nota um pouco mais distinta, é preciso dar créditos para a inteligência da direção de fotografia durante o primeiro encontro entre Jessica Jones e o Demolidor uniformizado, onde vemos um equilíbrio lindo entre luzes de coloração âmbar e azul, captando a essência visual de ambos os personagens e seus seriados diferentes, em um raro momento de simbolismo através da cinematografia e o belo jogo de cores.

Por outro lado, Felix Enríque Alcalá é um diretor que abusa dos cortes e dos planos fechados, e essa técnica aliada ao truque do obturador acabam tornando as ações… toscas, e artificiais, como vemos na luta entre os heróis os membros principais do Tentáculo, no penúltimo episódio – note a artificialidade com que Jessica Jones é empurrada em uma parede. Outro demérito que pode passar despercebido pela maioria, mas que me incomodou profundamente, é a mixagem e edição de som em todas essas lutas. Os efeitos sonoros de socos, movimentos e principalmente de espadas surge consideravelmente mais alto do que as demais camadas sonoras, além de soarem cartunescos e repetitivos demais, quase como se os editores não tivessem uma biblioteca de sons muito variada.

O grande clímax é outra grande decepção, seja por sua execução ou ideia. O plano formulado pelo grupo chega quase a ser risível de tão simplista e sem graça, rendendo um embate genérico e sem muita empolgação, com o velho clichê do “herói que luta com alguém querido enquanto tenta convertê-lo de volta ao bem”, representado por Murdock e Elektra – incrível como parece completamente tirado de O Soldado Invernal e a relação entre o Capitão América e Bucky Barnes. E ainda por cima, a série tem a audácia de apostar no falso sacrifício de um personagem importante, sendo que a própria revelação da emissora de que TODOS os personagens terão novas temporadas em suas série individuais, já mataria qualquer suspense – mas, claro, a série revela o real destino de tal personagem nos segundos finais da série. Um final decepcionante, no mínimo.

No fim, Os Defensores se sai ligeiramente melhor do que a maioria de seus antecessores, com as aventuras do Demolidor permanecendo como a joia dourada desse universo televisivo até o momento. Ficou provado que os personagens e suas interações funcionam muito bem, mas que a Netflix crie juízo e contrate diretores, roteiristas e showrunners mais capazes, já que o seriado ainda se esforça para encontrar uma identidade e não parecer um mero Frankenstein de estilos.

Os Defensores – 1ª Temporada (Iron Fist – Season 1, EUA – 2017)  

Showrunner: Douglas Petrie e Marco Ramirez
Direção: SJ Clarkson, Phil Abraham, Uta Briesewitz, Peter Hoar, Stephen Surjik, Felix Enríque Alcalá, Farren Blackburn
Roteiro: Douglas Petrie, Marco Ramirez, Drew Goddard, Lauren Schmidt Hissrich
Elenco: Charlie Cox, Krysten Ritter, Mike Colter, Finn Jones, Sigourney Weaver, Simone Missick, Jessica Henwick, Rosario Dawson, Deborah Ann Woll, Elden Henson, Elodie Yung, Scott Glenn,Wai Ching Ho
Emissora: Netflix
Episódios: 8
Gênero: Aventura
Duração: 50 min

https://www.youtube.com/watch?v=idQmQQBcCmE

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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