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Crítica | Jessica Jones: 2ª Temporada – 12 Horas de Tortura

Contém spoilers

Com início promissor, através da primeira temporada de Demolidor, a parceria entre Marvel e Netflix aparentava trazer grandes frutos, com séries de qualidade, com atmosfera diferente do que vemos nos seus longas-metragens. Pouco a pouco, no entanto, essa promessa foi por água abaixo, com a fraca primeira temporada de Jessica Jones, Luke Cage e os desastrosos Punho de Ferro e Defensores. Não foi com grandes expectativas, portanto, que chegamos a esse segundo ano da heroína / detetive particular e, para nossa surpresa, a temporada conseguiu ser ainda pior do que nossos maiores temores em relação a ela.

Uma boa premissa permeava o primeiro ano de Jessica Jones – toda a questão envolvendo o estupro faz do seriado bastante relevante – o grande problema está em sua execução e na típica enrolação que vimos nas séries da Marvel-Netflix. Essa segunda temporada vai ainda além, sendo ela toda praticamente uma grande barriga, com poucos pontos que, de fato, se salvam – fazendo dessa não somente uma série dispensável, como verdadeiramente insuportável, não sendo capaz de, sequer, proporcionar momentos de entretenimento (especialmente quando temos no mercado atual de séries produções como The Handmaid’s Tale ou Better Call Saul).

Claro que a tarefa de seguir para um segundo ano de Jessica Jones não é algo fácil, considerando que o carismático e, ao mesmo tempo, assustador, Killgrave de David Tennant não está mais no elenco (ao menos não da maneira tradicional). Seria preciso criar algo potente a fim de produzir aquela sensação de urgência tão necessária para nosso envolvimento e, considerando que o subtexto do estupro já foi trabalhado na primeira temporada, era de se esperar que veríamos algo diferente aqui.

A escolha tomada pela showrunner Melissa Rosenberg foi a de trabalhar o passado da protagonista: como ela conseguiu seus poderes, quem fez experimentos nela, o que aconteceu com seus pais e por aí vai. De certa forma, temos a história de origem que não vimos na temporada inaugural, uma bela inversão e bastante promissora, mas que acabou caindo no mesmo problema dos seus “primos”, Punho de Ferro e Defensores – mas chegaremos lá mais adiante. Assim sendo, é bastante condizente que o antagonismo aqui caia sobre os ombros da mãe de Jessica, que a protagonista descobre estar viva, também com poderes, todos esses anos depois.

Em paralelo, núcleos distintos são trabalhados. Primeiro Malcolm (Eka Darville), assistente de Jones, que mostra, desde o princípio, sua recuperação das drogas e que está disposto, até mais que sua chefe, em trabalhar e ajudar as pessoas. Em segundo, temos Trish Walker (Rachael Taylor), cujo arco gira em torno de suas aspirações profissionais, pessoais e sua insegurança, sempre querendo ser especial de alguma forma. Por fim, temos a subtrama de Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss), que descobre ter uma grave doença e que conta com poucos anos (na melhor das hipóteses) de vida.

Rosenberg, sem dúvidas, foi ousada em trabalhar esses núcleos separadamente da trama principal – ainda que todos sejam unidos por certos elementos, eles, em geral, não afetam uns aos outros, com pontuais exceções. O grande problema dessa escolha é que é criada uma narrativa fragmentada, uma grande novela que parece deixar todos os frutos de tais histórias para uma futura terceira temporada. Ainda que a conclusão do arco de Hogarth seja extremamente gratificante, capaz de nos deixar com aquele sorriso no canto da boca, nada justifica a lentidão que recai sobre a narrativa em razão dessas divisões e trocas de foco constantes.

Mas, sendo justo, o problema central não está na exploração paralela desses personagens, isso gera rupturas, mas o que há de mais grave é o inchaço de cada uma dessas tramas e aqui incluo a principal. O que poderia ser desenvolvido em uma ou duas horas, na íntegra, acaba levando capítulos e mais capítulos, em um eterno vai e vem que faz parecer como se as roteiristas não confiassem no espectador, como se precisassem bater na mesma tecla infinitas vezes para entendermos o que está acontecendo. Essa repetição incessante ainda impede que tais arcos sejam desenvolvidos de maneira apropriada e permanecem, do início ao fim, no mesmo lugar, apenas para que, nos dois episódios finais, algo de relevante aconteça.

Exemplo disso é a relação entre Jessica e sua mãe, que mantém o mesmo pressuposto, variando entre a necessidade de prender a mãe e a vontade de ajudá-la de alguma forma. Não ajuda, claro, o fato de todos os personagens serem extremamente voláteis, mudando de opinião, da água para o vinho, após um breve “papinho”, com diálogos que não dizem nada, além do óbvio. Tudo isso gera uma gigantesca artificialidade, que nos faz enxergar os personagens como construções fictícias e não, de fato, pessoas – a magia cinematográfica se esvai e, assim, somos mais e mais distanciados dessa narrativa que parece ter medo de sair do mesmo lugar.

Sem grandes atrativos no roteiro, caberia à imagem em si de nos proporcionar algo capaz de cativar nosso interesse, seja através da direção, fotografia ou direção de arte. Infelizmente, nenhum desses é capaz de entregar algo minimamente atraente, visto que seguem por um caminho mais básico que o mero ‘arroz com feijão’. Mas vamos por partes.

Estamos falando de uma série que busca criar uma atmosfera noir, como é deixado bem claro pela introdução e a ocasional voz em off da protagonista. Isso, no entanto, jamais aparece na imagem, com sequências que se passam, majoritariamente durante o dia e sem qualquer filtro. Não há aquele aspecto de mistério de filmes de detetive, o que vemos é algo nada inspirado que teme até em utilizar os tons roxos que vimos durante a primeira temporada – apenas em breves momentos, de fato, chegamos a ver isso, mas de forma tão pontual que acaba soando como um ponto fora da reta.

Sequer entrarei em maiores detalhes sobre o design de produção, que cria ambientes extremamente esquecíveis, jamais ousando, ou fazendo com que as casas, ou salas reflitam a personalidade dos personagens ou até mesmo o clima que o roteiro buscava construir. De fato, parece que não existe a mínima preocupação com direção de arte, a tal ponto que precisamos dos diálogos para entendermos, em certos momentos, onde os personagens estão. Nem mesmo o laboratório da IGH se destaca – poderia facilmente aprender algumas lições com Stranger Things, que sabe criar a necessária tensão em volta do laboratório no qual Eleven foi cobaia de experimentos.

Já a direção, mesmo passando por diversas mãos, parece seguir uma mesma cartilha, insistindo nos péssimos enquadramentos over the shoulder nos quais a cabeça da personagem de costas ocupa metade da tela, algo que vemos em todas as séries da Marvel-Netflix. Para piorar, não é criado qualquer suspense através da imagem, visto que, quando algo de diferente ocorre, isso é feito de uma hora para a outra, sem que diferenciados enquadramentos deem a entender que algo está prestes a ocorrer, algo mais condizente com filmes de ação e não com algo que busca recriar o tom noir.

Ao menos, os esforços de todo o elenco, de uma forma geral, são capazes de, ao menos um pouco, nos impedir de desligar a televisão e jamais assistir Jessica Jones novamente. Krysten Ritter é uma que demonstra estar totalmente à vontade no papel, decididamente mergulhando na protagonista, entregando emoções genuínas, conseguindo nos envolver mais que qualquer outro elemento dessa produção. As coadjuvantes, porém, não devem nada a Ritter – Carrie-Anne Moss é o retrato de uma mulher empoderada, que mesmo em situação de fragilidade, não aguenta desaforo de ninguém, com uma atuação tão envolvente que nos faz imaginar o quão mais interessante seria uma série de sua personagem do que a da protagonista em si. Já Rachael Taylor, como Trish, soa tão verdadeira que nos faz odiá-la em certos pontos e amá-la em outros, parecendo, de fato, como uma pessoa de verdade. Uma pena que o texto a impeça de sair do mesmo lugar.

Não podemos esquecer, claro, de Eka Darville, como Malcolm e Janet McTeer, como Alisa, mãe de Jessica. O primeiro segue um caminho similar à Taylor, entregando uma atuação bastante sincera, que nos faz entender as motivações artificiais de seu personagem. Já a segunda encarna perfeitamente o caos de sua personagem, sempre instável, impulsiva e imprevisível – mais importante, porém, é como ela, de fato, age como se fosse mãe de Jessica, nos fazendo acreditar nessa relação entre as duas.

O formidável elenco do seriado, no entanto, não é capaz de fazer milagres e, de fato, somente uma intervenção divina salvaria essa desastrosa temporada de Jessica Jones, que parece ter sido feita nas coxas, almejando única e exclusivamente o lucro e não contar uma boa história. Aliás, o pouco que tinham para contar é dilatado em quase treze horas, tornando essa uma jornada insuportavelmente longa, que parece nos deixar sempre no mesmo lugar.

Ao menos, nos momentos finais, temos alguma substancial mudança, que pode tirar Jessica Jones desse status quo caso o seriado seja renovado para seu terceiro ano. Caso permaneçamos no mesmo lugar no qual fomos deixados durante toda essa temporada, porém, estaremos diante de mais uma tortura de quase doze horas, que deixa bem claro que aquele início promissor da parceria entre Marvel e Netflix foi totalmente por água abaixo.

Jessica Jones – 2ª Temporada (Idem, EUA – 08 de março de 2017)

Showrunner: Melissa Rosenberg
Direção: Anna Foerster, Minkie Spiro, Mairzee Almas, Deborah Chow, Millicent Shelton, Jet Wilkinson, Jennifer Getzinger, Zetna Fuentes, Rosemary Rodriguez, Neasa Hardiman, Jennifer Lynch, Liz Friedlander, Uta Briesewitz
Roteiro: Melissa Rosenberg, Aida Mashaka Croal, Lisa Randolph, Jack Kenny, Jamie King, Raelle Tucker, Hilly Hicks, Jr., Gabe Fonseca, Jenny Klein, Aida Mashaka Croal, Jesse Harris (baseado em quadrinhos de Brian Michael Bendis e Michael Gaydos)
Elenco: Krysten Ritter, Rachael Taylor, Eka Darville, Carrie-Anne Moss, J.R. Ramirez, Terry Chen, Leah Gibson, Janet McTeer, Callum Keith Rennie, Hal Ozsan, John Ventimiglia, Lisa Tharps, Maury Ginsberg, Angel Desai, Daniel Marcus, Rebecca De Mornay, Elden Henson, Wil Traval, David Tennant, Jay Klaitz
Episódios: 13
Duração: 55 min. cada episódio (aprox.)

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Publicado por Guilherme Coral

Refugiado de uma galáxia muito muito distante, caí neste planeta do setor 2814 por engano. Fui levado, graças à paixão por filmes ao ramo do Cinema e Audiovisual, onde atualmente me aventuro. Mas minha louca obsessão pelo entretenimento desta Terra não se limita à tela grande - literatura, séries, games são todos partes imprescindíveis do itinerário dessa longa viagem.

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