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Críticas

Crítica | Fuga do Planeta dos Macacos

Em 1968, foi lançado o primeiro Planeta Dos Macacos. Naquela época, ninguém imaginava que o filme viria a se tornar uma franquia mundialmente conhecida, principalmente depois do horrendo De Volta Ao Planeta Dos Macacos de 1970, que para muitos era o encerramento da história dos macacos inteligentes. Porém em 1971, outra sequência era lançada, chamada de Fuga Do Planeta dos Macacos, que felizmente trouxe o retorno de Roddy McDowall, no papel do primata Cornelius. Ele fora substituído por David Watson no filme anterior, fato que gerou bastante controvérsia entre os fãs do primeiro filme.

O longa se inicia com o exército americano resgatando uma nave espacial que havia caído no mar. Porém, dentro dela não haviam astronautas, mas sim três macacos, respectivamente Cornelius (Roddy McDowall), Zira (Kim Hunter) e o Dr. Millo (Sal Mineo). Eles, primeiramente, são levados até a base do exército, depois para um Zoológico em Los Angeles, onde acabam revelando aos cientistas do local que são capazes de falar.

Diferente dos outros dois filmes, este assume inicialmente um tom mais cômico, com cenas bem leves e divertidas envolvendo a reação dos humanos com a incrível inteligência dos macacos recém-chegados do espaço. Porém, após o primeiro ato, o longa oscila de tom constantemente, com o final apresentando um tom completamente oposto ao que veio antes.

Então, mais para frente, Cornelius e Zira revelam para os cientistas e para o público, como eles sobreviveram à explosão da bomba que destruiu a Terra no futuro. É relatado que Dr. Millo havia aprendido como manusear a nave dos humanos, em algum momento durante o filme anterior, tornando possível que ele, Cornelius e Zira tenham embarcado nela e, estando no espaço durante a explosão da bomba atômica, conseguiram regressar no tempo, chegando até a presente linha temporal.

Trata-se de uma explicação bem aceitável e lógica dentro do contexto estabelecido pela franquia, pois viagem temporal sempre esteve presente e, como nem Cornelius nem Zira foram vistos durante a cena da explosão no filme anterior, há de se reconhecer que fora uma boa sacada para dar continuidade aos eventos de "De Volta ao Planeta dos Macacos". Logo,"Fuga" não se enquadra na categoria de filme filler, tendo um propósito maior, o de mostrar como os macacos dominaram o planeta.

Primeiro, Cornelius e Zira acabam contando para os humanos como os primatas conseguiram conquistá-lo e, em seguida, é revelado que Zira se encontra grávida. Com isso, os humanos começam a temer pela vinda do bebê e decidem que a gravidez da primata deve ser interrompida. Porém, o casal foge e o filho acaba nascendo em um circo comum. Infelizmente, os dois acabam sendo assassinados, mas não antes de Zira esconderem o filho em segurança no local onde nasceu e pronunciou suas primeiras palavras “mamãe”.

Eis o gancho perfeito para uma terceira sequência, mostrando como os macacos tomaram conta do planeta, com a óbvia participação do filho do casal do futuro. Contudo, há um erro crasso e primário de montagem na mencionada cena do bebê chimpanzé, onde vemos uma repetição desnecessária do primata falando “mamãe”, que acaba por ficar tosca quando notamos que realmente se trata do mesmo frame sendo repetido em loop.

O roteiro do filme, escrito por Paul Dehn, contém vários diálogos expositivos e, mesmo que alguns fossem necessários, muita explicação é jogada de   forma não orgânica para o espectador. Ainda que contenha algumas conveniências - nada muito absurdo que exija demais da suspensão de descrença ou que vá realmente estragar a experiência - o texto se mantém suficientemente redondo. 

Os cientistas interpretados por Bradford Dillman e Natalie Trundy apresentam uma ótima performance, principalmente na cena onde examinam os macacos, demonstrando as mais variadas reações ao seus comportamentos. Roddy McDowall volta ao papel de Cornelius e, assim como no primeiro filme, faz um trabalho exemplar com toda a movimentação, gestos e até os grunhidos tentando emular um macaco de verdade, nunca ficando forçado ou caricato demais. 

Infelizmente, eles desperdiçaram um personagem com bastante potencial logo no início do filme, o chimpanzé Millo (Sal Mineo). Poderiam muito bem ter levado o personagem até o clímax do filme, mas optaram por tirá-lo de cena bem cedo. Realmente, um infeliz desperdício.

A Fuga do Planeta Dos Macacos consegue tirar o gosto ruim que seu antecessor deixou. Explora muito bem alguns conceitos apresentados anteriormente, além de deixar claro que a franquia ainda tem muito a oferecer. As mudanças bruscas de tom e os muitos diálogos expositivos podem incomodar, porém não chegam realmente a desmerecer toda a obra. 

A Fuga do Planeta dos Macacos (Escape from the Planet of the Apes, EUA - 1971)

Direção: Don Taylor
Roteiro: Paul Dehn
Elenco: Roddy McDowall, Kim Hunter, Sal Mineo, Bradford Dillman, Natalie Trundy
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 98 min 


by Ayrton Magalhães

Crítica | De Volta ao Planeta dos Macacos

Planeta dos Macacos fez um sucesso indiscutível mesmo com um orçamento considerado pífio se comparado aos dias de hoje. Não demorou muito para que os roteiristas e produtores começassem a planejar uma sequência. De Volta ao Planeta dos Macacos alcançou as telonas em 1970, ainda que investir em continuações não fosse uma atitude tão comum na época. Franklin J. Schaffner, diretor do original, estava envolvido na produção de Patton: Rebelde ou Herói (Oscar de Melhor Filme em 1970) e não retornou para o posto. Quem assumiu o desafio foi o especialista em séries e filmes para a televisão, Ted Post. Aliás, muitos elementos na forma de narrar a sequência trazem à tona essa particularidade.

Além do diretor, o protagonista Charlton Heston (Taylor) entrou em conflito com os produtores, resignando sua participação à abertura e ao desfecho extremamente trágico da trama. Assim, somos apresentados a um novo protagonista, o astronauta John Brent (interpretado por James Franciscus). E a história sofreu muito tendo que apresentar outro herói humano nas mesmas condições do primeiro. Não levem a mal, pois o papel de Brent não chega a ser ruim, apenas uma repetição inferior. Ainda no elenco, Linda Harrison retorna como a belíssima Nova, enquanto Maurice Evans e Kim Hunter reprisam as atuações como Dr. Zaius e Zira, respectivamente. A ausência mais sentida do longa é a do arqueólogo símio Cornelius (Roddy McDowall, outro que não voltou). Já a adição mais bem acertada foi, sem dúvidas, a do ator James Gregory como o poderoso General Ursus, um dos personagens mais marcantes da série clássica.

A continuação parte do momento em que o anterior parou, naquele célebre final em que Taylor encontra a Estátua da Liberdade: o Planeta dos Macacos é, na verdade, a própria Terra no futuro. Com o monólogo inicial, homenageado até hoje em diversas produções cinematográficas, o público despede-se do protagonista original. Na tomada seguinte, somos apresentados a John, que segue a rota da nave em busca dos companheiros até se chocar ao planeta e, rapidamente, depara-se com a comunidade símia. Com uma premissa similar, mas sem o brilho de ver O Planeta dos Macacos pela primeira vez, a trama acaba sendo um pouco repetitiva.

Outro problema que afetou a continuação foram os cortes de algo que já era barato, devido a um problema financeiro que afetou diversas produções da Fox na época. Dessa forma, o orçamento para realizar De Volta ao Planeta dos Macacos foi de apenas R$ 3 milhões (menos da metade do original). Muita coisa do que vemos no roteiro da sequência não faz sentido, com uma enorme quantidade de situações com pouco nexo. Isso ocorreu porque muitos artifícios visuais que seriam usados na produção tiveram de ser cortados, prejudicando as cenas. Ainda assim, a falta de verba fica clara no andamento do longa, com efeitos especiais patéticos e uma caracterização ridícula para a civilização subterrânea que norteia esse filme. Aliás, em alguns momentos é possível perceber que os figurantes estão usando máscaras para disfarçar as falhas na maquiagem.

Entretanto, nem todos esses problemas foram suficientes para diminuir o interesse do público. De Volta ao Planeta dos Macacos arrecadou US$ 14 milhões em bilheteria e garantiu - ainda bem! - a oportunidade de mais um filme. Não dá para culpar somente roteirista ou diretor pela ausência de conteúdo no longa, mas também a exigência da produtora em fazer uma continuação rapidamente.

O título original do filme - Beneath the Planet of the Apes (em uma tradução livre, Abaixo do Planeta dos Macacos), dá uma pista de que tem algo muito maior localizado no subterrâneo daquilo que conhecemos no primeiro filme. Justamente, esse é o clímax de originalidade que encontramos na continuação. Toda a cidade de Nova York é apresentada em escombros no subterrâneo, onde vivem seres humanos que sofreram modificações genéticas e têm poderes telepáticos. Além disso, eles endeusaram a bomba atômica, em uma clara crítica social sobre a situação política e social dos EUA, sempre presente na franquia. A partir daí, a guerra militar entre macacos e esses seres pela posse do planeta norteia o enredo.

As cenas com ação e as sequências de batalha são bem conduzidas de uma forma geral e vários desses momentos não devem em nada ao que foi apresentado no original. Entretanto, respostas não eram o objetivo nesse longa e a maioria das cenas tornam a narrativa mais arrastada, deixando para trás questões como o passado dos humanos que passaram a viver no subterrâneo ou como os macacos evoluíram. Ao menos, essas adições ao enredo fazem com que o filme abandone aquela cara de remake do arco da prisão de Brent.

O problema principal é que a crítica social, uma característica tão marcante nos filmes da franquia, acaba perdendo-se em De Volta ao Planeta dos Macacos. A presença da bomba atômica é uma bela alfinetada em nações que, na época, competiam por questões bélicas, e também nas religiões intolerantes. Além disso, a juventude liberal dos macacos e os intelectuais pedindo o fim dos conflitos reproduziram bem o cenário da época. Porém, analisando o quadro geral, nada disso impressiona como nas sequências do original e, assim como na realidade, as mensagens acabam perdendo-se no ritmo frenético dado ao último ato.

De Volta ao Planeta dos Macacos termina com um final bem apocalíptico, por isso é incrível como conseguiram dar prosseguimento à trama de alguma forma. Por fim, o segundo filme da franquia acaba sendo tão intenso quanto o original, mas não surpreende, nem inova. A mensagem é interessante e a diversão garantida, mas ficamos com aquela sensação de já ter visto isso em algum lugar.

Pelo menos não estragou as chances da franquia continuar vivíssima no cinema.

De Volta ao Planeta dos Macacos (Beneath the Planet of the Apes, EUA - 1970)

Direção: Ted Post
Roteiro: Paul Dehn e Mort Abrahams
Elenco: James Franciscus, Kim Hunter, Maurice Evans, Linda Harrison, Paul Richards, Charlton Heston, James Gregory
Gênero: Aventura; Ficção Científica
Duração: 95 min

Texto escrito por Evandro Claudio

https://www.youtube.com/watch?v=4MtdtpPdhLE&ab_channel=FredericoAlmeida

 


by Redação Bastidores

Crítica | O Planeta dos Macacos (1968)

Existe um antes e depois no gênero de ficção científica na história do cinema americano. Coincidentemente podemos definir que o ano de 1968 foi o mais importante para chamar a atenção de Hollywood para o potencial de histórias que o gênero podia contar. Apesar do antes e depois ser definido por 2001: Uma Odisseia no Espaço através dos esforços hercúleos de Stanley Kubrick, dois meses antes o mundo também havia testemunhado o alvorecer de uma das obras-base da ficção cientifica no cinema: O Planeta dos Macacos.

Mesmo que Franklin Schaffner não seja nenhum Stanley Kubrick, é inegável reconhecer sua importância aqui. Ao contrário de muitas obras regressas do gênero, O Planeta dos Macacos não tinha tantas tosqueiras ou macacaquices que atiravam esses filmes na beira do ridículo e do risível. Na verdade, Planeta foi um dos primeiros a realmente se importar em firmar um universo crível extremamente importante para os espectadores entendessem o que raio aconteceu naquele planeta dominado por macacos. E claro, apostar em sua maior pérola: a reviravolta mais surpreendente que já vimos na História do Cinema.

Acompanhamos a jornada interestelar de um grupo de astronautas liderados por George Taylor (interpretado por Charlton Heston). Hibernando durante a jornada, a nave cai em um planeta perdido em uma galáxia distante. Três astronautas sobreviventes desbravam o lugar aparentemente inóspito, mas logo descobrem algo perturbador: criaturas parecidas com humanos, mas totalmente primitivas. Caindo nesse grupo, logo são caçados por seres misteriosos. Posteriormente, descobrimos que são símios como orangotangos, gorilas e chimpanzés, mas extremamente inteligentes. Uma sociedade invertida surge com os humanos ocupando a base mais ingrata de toda as classes. Nesse cenário bizarro, George Taylor tenta sobreviver, mas possui um grande revés: durante a caçada, leva um tiro na garganta que o impossibilita de falar.

Sobre Macacos e Homens

O filme se baseia na ideia principal do livro de Pierre Boule, mas há adaptações tremendas para “ajeitar” a obra ao gosto americano do espectador da época. Quem estava em alta por conta do sucesso de Além da Imaginação era o showrunner Rod Serling, revolucionando a ficção científica com suas reviravoltas e premissas impossíveis que caíram no gosto do povo. Logo, foi convidado para participar ativamente no processo criativo do roteiro em conjunto de Michael Wilson.

Justamente por isso, O Planeta dos Macacos tem lá seus ares de episódio de seriado, mas isso acabou se provando bom e eficiente. Serling e Wilson escrevem o roteiro pautados sempre pela concisão, longos hiatos sem diálogos e, principalmente, na latência insuportável do mistério que cerca aquela sociedade de símios.

Por isso, a abordagem conceitual é preservada, exatamente como visto nos outros trabalhos de Serling na televisão. Nosso protagonista é uma representação do pior lado do homem: egoísta, rude e totalmente desprovido de companheirismo. Mas ainda assim torcemos por sua sobrevivência por conta do impacto psiocológico que uma sociedade invertida súbita causaria.

Em um dos pouquíssimos diálogos entre o trio astronauta com Dodge e Landon, vemos como George enxerga o modo de vida na Terra, as ambições dos outros, etc. É um pessimista nato que odeia tudo e a todos recorrendo a viagem interestelar para ficar o mais longe possível de tudo o que a Terra representa. Nisso, um pequeno arco é criado para Landon, o astronauta que viaja em busca de glória e reconhecimento na Terra – por isso, seu desfecho, é bastante irônico e trágico.

A circunstância da mitologia dessa sociedade é o que movimenta o filme. Ainda preservando a sátira ao ‘humanocentrismo’, os roteiristas provocam o choque da revelação justamente durante uma caçada aos humanos primitivos e mudos que vivem nas selvas. Invertendo os papéis, toda a sequência é muito chocante mesmo sem a necessidade de recorrer à violência gráfica explicita. Quando nos colocamos nos lugares dos animais que caçamos hoje por esporte, o choque da crueldade sem sentido é potencializado.

A captura do protagonista nos joga ao núcleo dos símios inteligentes, compreendendo melhor a sociedade que se firmou naquele planeta. Lá temos a apresentação do trio de personagens mais desenvolvidos: os veterinários (cuidadores de humanos), cientistas e arqueólogos Cornelius e Zira; e o ministro da Ciência e Religião (fina ironia), Dr. Zaius.

O primeiro detalhe que nos chama a atenção até hoje é a maquiagem soberba de John Chambers. Conseguindo preservar a expressividade do olhar de Kim Hunter, Maurice Evans e Roddy McDowall, as máscaras de orangotangos e chimpanzés não prejudicam a performance do elenco a ponto de se tornarem distrações.

Cornelius e Zira logo viram aliados de George, mesmo com o protagonista ainda ferido e, logo, mudo. As constantes torturas físicas e psicológicas, além do risco de ser submetido aos experimentos de Zira fazem esse miolo de filme se comportar como uma agonizante história de sobrevivência. Também há uma espécie de romance de George com uma humana calada, a clássica personagem Nova, imortalizada por Linda Harrison.

Enquanto isso, dr. Zaius toma as rédeas para se comportar como um antagonista do filme. Após reviravoltas necessárias e lógicas, além de muitas frases de efeito marcantes (a principal, finalmente peças do mistério são colocadas em discussão. Novamente, o poder dos conceitos introduzidos pelo roteirista se faz presente. A sociedade ainda rudimentar dos símios é muito similar a um simulacro torto de uma sociedade humana e isso tem certa lógica dentro do filme. Leis e religião são discutidas, assim como punição e ordem de castas.

Basicamente, Serling busca inverter todos os conceitos básicos da Ciência humana para criar essa sociedade fictícia enquanto insere pistas arqueológicas de uma antiga civilização extinta daquele planeta. Mesmo nesse mundo sem humanidade racional, George continua deslocado. Nunca há uma grande catarse para o personagem, além da reviravolta final, mas não sentimos que há alguma transformação em seu egoísmo crônico.

Mas o filme ganha pontos por não se transformar em uma história de herói derrubando distopias preservando a proposta mais crítica e cínica do livro. O roteiro contém diversas mensagens importantes e conceitos que trazem reflexão, mas em termos de personagem, a relação entre Zira e George é a que mais chama a atenção.

Nessa sociedade de símios, Zira é a mais humanizada e a que mais gera algum fascínio no protagonista que até mesmo se despede da personagem com beijo nos lábios. Entre esses contrastes, também há o grande mistério da Zona Proibida na qual Zaius faz de tudo para que sua sociedade permaneça distante. Na reviravolta final entendemos bem a razão das escolhas duras e política intransigente do personagem: evitar que os símios encontrem o mesmo trágico fim que a humanidade.

Livramento de um gênero

O japonês Franklin Schaffner é um dos principais nomes para livrar o gênero da ficção cientifica do campo ridículo que estava restrita na sétima arte. Enquanto Serling revolucionava na televisão, os sci-fi continuavam no pastiche.

Shaffner se vira com o que tem. Dispondo de pouco dinheiro, a direção de arte de O Planeta dos Macacos é bastante apagada com construções razoáveis e uma nave espacial sofrível. Logo, a proposta anti-nuclear e pós apocalíptica do roteiro cai como uma luva para essa situação. Boa parte da obra se sustenta com as locações naturais fantásticas capturadas pelas lentes do diretor. Com planos abertos mostrando a insignificância do homem naquele cenário gigantesco, para focar a atenção do espectador, Shaffner usa zoom ins ligeiros.

Nem é preciso pensar muito para ver como esse recurso de linguagem envelheceu mal. Tira a elegância da estética profundamente teatral aplicada na encenação do diretor. De resto, Schaffner opta sempre por planos afastados ou conjuntos para mostrar os acontecimentos do filme deixando essa impessoalidade de assinatura.

Porém, é inegável: o diretor é eficiente ao filmar cenas de ação. Nada supera o domínio visual e de eficiência de decupagem ao mostrar proezas de diversos dublês na sequência da caçada. Outro grande momento se concentra na escolha inteligente da revelação final da twist do filme. Mantendo um vigor excepcional, também há sempre uma saudável movimentação de câmera que ele vinha desenvolvendo desde o começo de sua carreira na televisão nos anos 1950 – sempre foi celebrado por revolucionar a linguagem do formato.

Para completar esse espírito avant gard, há a trilha instrumental bem ousada de Jerry Goldsmith misturando percussões que podem muito bem ter criado o clichê para músicas instrumentais de “selva”, ou seja, muitos batuques e mistério.

God damn you all to Hell!

Em um projeto bastante desacreditado, surgiu a fagulha de uma revolução, além do nascimento de uma franquia que está viva até hoje. O Planeta dos Macacos é aquele divertimento obrigatório para todo cinéfilo ou fã da história do gênero de ficção cientifíca nos cinemas. Na melhor das realizações de sociedade invertida, surge o questionamento do nosso papel como espécie. Um filme catártico repleto de momentos importantes, além de uma das atuações mais poderosas de Charlton Heston.

Ninguém conhece melhor Planeta dos Macacos do que seu diretor. E conhecendo o projeto desde o início, Franklin Shaffner sabia que faria história. E assim foi feito.

O Planeta dos Macacos (Planet of the Apes, EUA – 1968)

Direção: Franklin Schaffner
Roteiro: Rod Serling e Michael Wilson, baseado no livro de Pierre Boule
Elenco: Charlton Heston, Roddy McDowell, Kim Hunter, Maurice Evans, James Daly, Linda Harrison, Robert Gunner, Lou Wagner, Jeff Burton
Gênero: Ficção Científica
Duração: 112 minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=VjcpRHuPjOI

 


by Matheus Fragata

Crítica | Planeta dos Macacos: A Guerra

Raramente inicio um texto desse modo. Mas há momentos em que vale a pena quebrar as convenções de uma introdução. Planeta dos Macacos: A Guerra é um desses casos por um motivo muito simples: esse filme está além da cortina de incertezas para afirmar, desde já, que se trata de uma das obras mais memoráveis que já surgiram na Sétima Arte.

Conheço os riscos de afirmar algo assim tão prematuramente. Filmes históricos demoraram décadas para serem reconhecidos e verdadeiramente apreciados, como foram os casos de Blade Runner e Cidadão Kane. Em termos de História recente, digo que a obra-prima de Matt Reeves é o blockbuster mais relevante de um estúdio desde 2008, quando a Warner e Christopher Nolan lançavam o majestoso O Cavaleiro das Trevas, um filme que é praticamente uma unanimidade quando analisado e já concretizado como um dos pilares da cinematografia americana do novo milênio.

O mesmo deve acontecer com a parte final da trilogia excepcional que a Fox e Matt Reeves construíram ao longo desses anos. O motivo desse filme quebrar a banca é muito simples: coragem e audácia. Coisas que raramente vemos em grandes produções hollywoodianas mais acostumadas a convenções narrativas fracas e obras mastigadas atualmente. Aliás, esse é o destaque da 20th Century Fox como um todo nesse ano imbatível. Mesmo com obras muito polêmicas, o estúdio cavou um caminho interessante com narrativas pouco convencionais como A Cura, Logan e Alien: Covenant.

Com segurança, Planeta dos Macacos: A Guerra faz parte dessa linha de pensamento do estúdio, embora nenhum outro lançamento chegue perto da qualidade indubitável que Matt Reeves apresenta nesse que, até então, considero como o segundo melhor filme desse ano.

A Origem do Confronto de uma Guerra

É curioso notar que o nome de Matt Reeves não está dentre os produtores do filme. Parece que houve uma junção criativa sem igual para preservar uma narrativa que, apesar de bastante comunicativa e clara para o público, é tão rara para um filme desse porte. O momento que Guerra aborda também pode ter propiciado uma virada tão favorável ao que é visto em tela: silêncio, contemplação, psicopatia e espírito humano.

Pela primeira vez em anos e na franquia, Matt Reeves assina o roteiro da obra, em conjunto com Mark Bomback. Para encaminhar essa história, Reeves opta por oferecer uma introdução similar a que havíamos visto em Confronto, porém, de abordagem mais sutil, retomando a história da trilogia através de curtos parágrafos.

Neles, também há uma pequena sinopse que oferecerei aqui: César e sua comunidade vivem em isolamento na floresta. Porém, um general veterano caça seu grupo. Apenas o extermínio é desejado. Através dessa violência, com perdas de ambos os lados, César terá que lidar com os seus piores sentimentos que motivam uma jornada pessoal por vingança e morte.

E é somente isso que ofereço sobre Guerra. Essa é uma daquelas produções que quanto menos souber, melhor ela fica. Justamente por isso, usarei a abordagem que mais odeio nesse texto: ser consideravelmente vago até que o filme estreie e toda a análise seja aprofundada com a abordagem analítica que merece.

O que mais impressiona dentro do texto de Guerra é quão impossível é dissociar a narrativa da estupenda direção de Matt Reeves. Isso é fato por conta do caráter extremamente silencioso da obra. É uma progressão natural dentro da trilogia que passou a ver cada vez menos falas. Dessa vez, não há núcleos humanos. Reeves opta em oferecer um estudo de personagem rico para César quase nunca abandonando o ponto de vista do protagonista.

As únicas vezes que isso ocorre, é para justificar algum ponto narrativo que terá influência importantíssima em uma resolução de arco no futuro. Mesmo com poucas palavras, Reeves delineia um desenvolvimento nítido para César com reviravoltas surpreendentes que tocam temas sensíveis em paralelo a História da humanidade. A jornada por vingança não entra em clichês de filmes de ação. Na verdade, o que ocorre aqui, é uma desconstrução de convenções narrativas do gênero.

Não serão raras as vezes que o diretor subverterá as expectativas do público. Isso toca até mesmo a própria premissa do filme em uma jogada muito audaciosa do estúdio. Porém, não se trata de uma enganação. O payoff explosivo está lá para os apreciadores de boa ação, mas Guerra é muito mais do que algumas setpieces caríssimas e bem dirigidas.

Pela performance excepcional de Andy Serkis como César auxiliada sempre pela encenação poderosíssima, raramente os roteiristas precisam recorrer a cenas que jorram exposição na cara – há somente uma, mas excelente. Isso ocorre por conta de Reeves tratar a trilogia inteira como uma unidade. Nós já sabemos quem é César e a filosofia que predomina em sua sociedade primitiva: macaco não mata macaco e macacos são fortes unidos.

Em Confronto, essa filosofia foi posta à prova, explorando o pior que a psique dos primatas ofereciam, de modo similar ao pior do pensamento humano. Aqui é o contrário com César flertando com a autoridade para proteger seu grupo mesmo que isso custe seus princípios. Então temos mais um filme que o conflito externo se trata de uma enorme alegoria para a guerra interna moral que César sofre em sua jornada.

O estopim inicial que dá origem a essa narrativa é consequência do filme anterior, reforçando o elo forte entre os filmes – no caso, deste com o segundo. Mas a preocupação do roteirista não é apenas com César. Os coadjuvantes, entre novos e antigos personagens, tem funções específicas para auxiliar no desenvolvimento do protagonista, pois sem alguns dos conflitos intelectuais apresentados aqui, as ações de César não seriam tão sentidas como são.

O destaque continua para Maurice, o orangotango de olhos gentis, a muda garotinha sem nome e para o Bad Ape, o único alívio cômico de toda a narrativa que surge apenas no final do segundo ato. Cada um tem o propósito específico de resgatar a luz no coração do protagonista cada vez mais tentado para a escuridão e infelicidade – isso é muito bem justificado na história.

Com começo e miolo praticamente sem falas devido à falta de humanos e de outros símios que conseguem se comunicar verbalmente – apenas César fala perfeitamente e Bad Ape constrói algumas frases, resta ao final a maior quantidade de bons diálogos. É nele que temos enfim a apresentação do antagonista principal, o Coronel interpretado no tom certo por Woody Harrelson.

Aliás, essa é uma das grandes marcas do roteiro de Guerra: o núcleo humano apenas no tempo necessário. Isso é um grande acerto. Mesmo gostando dos personagens de Confronto, muitas vezes o filme caia em clichês típicos para provocar tensão. Agora com um mundo muito mais deserto, selvagem e sem leis, o personagem do Coronel e sua tirania caem como uma luva. Em apenas uma cena, Reeves e Bomback conseguem delinear todo um passado crível, estabelecer uma nova ameaça, motivar genuinamente o vilão, além de sugerir uma enorme subversão de expectativa – um pedigree dessa franquia. Ao fim, o terceiro inteiro torna-se outra alegoria bebendo na fonte bíblica do Livro de Êxodo. Sim, é sensacional a esse ponto.

A Consagração de um novo Mestre

A trajetória profissional de Matt Reeves é inspiradora. Mesmo fracassando horrivelmente em sua estreia na comédia romântica O Primeiro Amor de um Homem, Reeves não se deu por vencido. Ainda orbitou a indústria dirigindo pouquíssimos episódios de seriados. O ponto da virada foi mesmo com Felicity, seriado que criou com o amigo J.J. Abrams em 1998. Bom, na verdade seria a origem do ponto da virada.

Com o parceiro J.J. Abrams crescendo na indústria com sua produtora Bad Robot, Reeves viu a chance de ouro bater à sua porta quando convidado para dirigir o ótimo Cloverfield: Monstro em 2008. Com o sucesso do found footage, não demorou nada para ser convidado a um novo projeto de terror: Deixe-Me Entrar em 2010, remake do sueco sensação Deixe Ela Entrar.

Novamente, outro filmaço. Somente em 2014 que teríamos um novo filme do curioso diretor: sua primeira incursão na franquia Planeta dos Macacos. Como um bom amigo sempre fala, o segredo da boa direção está no planejamento. E isso leva muito tempo. Consequentemente, por filmar muito pouco, Reeves tem um aproveitamento invejável se colocarmos seus longas na balança.

Com 3 anos de hiato, a aguardada consagração vem com a obra-prima que é a parte final dessa trilogia. Reeves caminha na contramão das tendências estilísticas adotadas por inúmeros diretores de blockbusters de verão. Guerra tem toda a roupagem de um filme do Cinema Clássico, mas com um ritmo de narrativa mais acostumado a filmes indies e, talvez, até arthouses. Mas não se engane, ainda se trata da boa e velha narrativa clássica, mesmo que bastante calada.

O trabalho de câmera é sucinto, opta sempre por grandes profundidades de campo – menos em cenas tensas nas quais o grupo passa por algum perigo, movimentos lentos, passagens de foco elegantes. É a direção spielbergiana Chapman crane que tanta gente adora. Com tudo tão elegante e poderoso, o magnetismo visual da obra e tremendo mesmo sem recorrer a contrastes coloridos saturados. Saímos do verde para o ocre terminando com o branco azulado de um inverno deprimente ao longo de toda a viagem com César.

Tudo isso é o visual contando uma história por si só. Para delinear o ódio de César com o Coronel, temos o primeiro encontro poderosíssimo dessas duas figuras. Ali, é explicita a homenagem de Reeves ao cinema western e samurai com os enquadramentos dos olhos de ambas as figuras preenchendo toda a tela. O ódio pulsa e a montagem responde com trocas lógicas de planos estabelecendo uma estrutura clássica dos impasses entre o herói e o opressor nos duelos finais de tantos faroestes americanos. Evidentemente, por essa situação acontecer no início do filme, há essa subversão do próprio uso da linguagem. É belo.

Outro ponto que entre em força plena durante a viagem é o olhar do cineasta para conferir o realismo de um mundo humano que já virara história. O cenário pós-apocalíptico entra no embate clássico de civilização vs. natureza com esta já conquistando e enterrando tudo o que o homem já amou um dia. São pinceladas inorgânicas dentro de uma paisagem exuberante que só afirmam o quão desconexo é o homem perante esse ponto sem volta. Isso rende imagens melancólicas, mas profundamente belas que tocam o nível de reflexão sem precisar proferir palavra alguma. É a valorização do sentido mais valioso do Cinema: a visão.

E isso é afirmado por sucessivas vezes pelo diretor. O olhar é sempre muito valorizado como já dito pelo jogo de plano/contraplano com César e o Coronel. O outro momento desse tipo é justamente o oposto do mencionado focado em ódio. Neste, com Maurice conquistando a confiança da menininha amedrontada. São olhares que começam discrepantes: um de curiosidade e outro de medo. Mas que, aos poucos, se alinham até atingir olhares de compaixão e confiança.

É por conta justamente dessa transmissão tão pura de sentimentos que também se deve muitos parabéns para a Weta que se superou com o trabalho de animação e texturas para os macacos. Há sim momentos de CGI medíocre, mas em grande maioria, a riqueza de detalhes deixa qualquer um embasbacado.

Há mais por trás da direção de Reeves que merece ser levantado sim, mas isso toca o cerne dos spoilers da obra. Uma das coisas mais legais de ver, é a valorização do trabalho de iluminação a ponto de fazer parte de uma das sequências-chave da obra tornando a fotografia uma peça ativa da narrativa – isso é algo que Reeves preserva desde Cloverfield.

Algo também bastante clássico na sua encenação é o uso da trilha musical soberba de Michal Giacchino que merece uma indicação ao Oscar pelo trabalho. O uso de instrumentos de percussão, obviamente, marca a trilha inteira, porém, além de preencher o vazio deixado pelos poucos diálogos, a música pontua a encenação.

Geralmente, isso é visto com maus olhos pela crítica, pois se trata de uma guia muito poderosa de sentimentos. Mas nem com isso é possível criticar a fantástica direção de Matt Reeves. Tudo ocorre de modo muito orgânico e, quando acontece explicitamente, você já está tão mergulhado na obra que praticamente não se importa.

Experiência Cinematográfica

A experiência de imersão cinematográfica mais competente do ano até agora está centrada nesse excelente filme. Planeta dos Macacos: A Guerra já se trata de uma das obras marco já trazidas pelo blockbuster americano. Com proposta bem interessante, narrativa corajosa, ritmo contemplativo e subversão de expectativas enraizadas por grandes produções menos audaciosas, Guerra triunfa em todos os sentidos. Mas o principal vencedor, como em todo grande filme, é o espectador.

Planeta dos Macacos: A Guerra (War for the Planet of the Apes, EUA – 2017)

Direção: Matt Reeves
Roteiro: Matt Reeves, Mark Bomback
Elenco: Andy Serkis, Toby Kebbell, Judy Greer, Woody Harrelson, Steve Zahn, Ty Olsson, Amiah Miller, Karin Konoval
Gênero: Ficção Científica, Drama, Thriller
Duração: 130 minutos

https://www.youtube.com/watch?v=QzgWDG4QviU

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by Matheus Fragata

Crítica | 7 Desejos

Se você tivesse sete desejos para fazer certamente iria pedir dinheiro, saúde, fama e um amor verdadeiro. Algo parecido com isso fez Clare (Joey King) ao ganhar de presente uma estranha caixa chinesa e descobrir que sempre que ela o abraça misteriosamente seus desejos são realizados. Essa é a premissa de 7 Desejos, um filme que tinha tudo para ser bom, mas falha justamente no principal que é a história. 

Havia uma certa expectativa por esse novo longa de John R. Leonetti (Annabelle) já que ele fez um trabalho regular com a boneca amaldiçoada. Ele é o principal culpado pelo fracasso de Wish Upon (nome original) ao criar uma trama sem foco e por não dar aquele ar de tensão que é tão importante em obras do gênero. Toda vez que ele podia criar algo legal e original acabava por fazer o óbvio. As mortes poderiam ser melhor elaboradas e os desejos poderiam ser mais criativos. Você sabe o que vai acontecer e mesmo assim ele não se dá ao trabalho de mudar nada, vai jogando clichês e mais clichês um atrás do outro. 

No trailer é apresentado um longa totalmente diferente do resultado final, quem vê o trailer acha que será um filmaço de terror. Na realidade acabamos por encontrar um filme vazio, apenas com mortes sendo apresentadas sem trabalhar em nada as cenas e com um roteiro perdido sem saber para onde ir. A todo momento quer pregar surpresas no telespectador, mas é tão previsível que você já sabe o que vai acontecer e qual será a consequência da cena. John Leonetti criou um produto ao estilo Premonição em que a morte vai perseguindo cada um que esteve envolvido em algum caso catastrófico. Aqui algo vai atrás das vítimas, mas não sabemos o que é, pois nada foi apresentado ou dito sobre a caixa. 

Aqui a caixa é o elemento principal, que faz tudo acontecer. A ideia é bem bacana, uma caixa misteriosa que realiza desejos e quer algo em troca como pagamento. O problema mesmo foi a execução, pois a caixa apenas abre e fecha e pronto, mágica feita. O roteiro não ajuda, como dito ele é fraquíssimo. Tão fraco que que parece ter sido escrito por uma criança de seis anos. A roteirista Barbara Marshall podia por exemplo ter criado um demônio que poderia residir dentro da caixa e apareceria para pegar algo em troca, ia ficar parecido ao Mestre dos Desejos, mas seria melhor explicado e mais interessante que simplesmente ela se abrir e fechar. Faltou isso, o vilão aparecer. 

É difícil entender como um filme desse é produzido, mesmo com baixo orçamento. É tão ruim e fraco que faz Esquadrão Suicida ser uma obra-prima, algo difícil de se imaginar. A falha como dito acima é em querer fazer um suspense/terror teen, mas usando elementos de filmes que deram certo como o próprio Premonição e até mesmo obras clássicas do terror como o Mestre dos Desejos (esse último claramente serve de referência para Wish Upon). Difícil inovar quando se fala em desejos já que muitas produções já falaram sobre o assunto, mas poderiam ter sido mais originais ou colocado um vilão em uma forma física, coisa que não aconteceu. Em alguns momentos a caixa começa a ficar chata por fazer sempre a mesma coisa.

Pelo incrível que pareça 7 Desejos tem o seu público cativo, adolescentes e fãs de filmes de terror que consomem bastante esse tipo de produção. Não importa se são ruins ou bons, sempre atraem um público considerável aos cinemas e essa é a ideia dessa produção: lucrar. Com orçamento de 5 milhões o que vier é lucro, se conseguir 15 milhões é ótimo se conseguir mais melhor ainda. É quase certo que filmes nesse estilo consigam uma continuação até porque ele tem uma história que pode ser contada centenas de vezes e de várias maneiras. Provavelmente vão fazer aparecer algum demônio ou espírito que vive preso dentro da caixa e vai aparecer.

Quem tem um olhar mais apurado para o gênero do terror logo repara nos defeitos dele, como as atuações exageradas de Clare e suas duas amigas. Consegue até prever em quais cenas algo vai acontecer, é um longa bastante previsível e óbvio em suas ações. A única surpresa é justamente no final que em vez de causar choque em quem assiste acaba causando na verdade um ataque de riso. Tente não dar risada em 7 Desejos e falhe miseravelmente.

Os desejos dela (Clare) são tão comuns e bobos que ela merece tudo o que acontece com ela em seguida. Clare, por sinal, é uma personagem tão chata que você torce para que ela perca a caixa só para se dar mal (caso o dono caixa a perca a pessoa recebe um triste presente), uma personagem muito mal trabalhada, mimada e sem objetivo nenhum. Outro fato que deve irrita aos fãs dos filmes de terror é a falta de "susto" ou de uma certa tensão, algo necessário para segurar o público-alvo desse tipo de produção. Até filmes ruins como A Autópsia de Jane Doe se mostraram com um roteiro melhor trabalhado que esse. 

A única coisa que se salva é a caixa chinesa e a ideia dos desejos. Isso se fosse bem trabalhado daria um ótimo filme de terror e na mão de gente mais competente poderia até se tornar uma nova franquia de sucesso, porquê não? Resta a dúvida se haverá uma continuação. A torcida é para que isso não aconteça, caso eles resolvam fazer um segundo filme que seja melhor, pois pior não dá para fazer.

Escrito por Gabriel Danius.

7 Desejos (EUA – 2017)

Direção: John R. Leonetti
Roteiro: Barbara Marshall
Elenco: Joey King, Ki Hong Lee, Mitchell Slaggert, Ryan Phillippe, Alexander Nunez, Josephine Langford, Shannon Purser
Gênero: Fantasia, Terror, Thriller
Duração: 90 min

https://www.youtube.com/watch?v=i8w9lEZTe4Q


by Gabriel Danius

Crítica | O Drama de Dunquerque

A Segunda Guerra Mundial é um dos momentos históricos, juntamente com a Idade Média, que mais rendeu adaptações cinematográficas. Tanto que Dunkirk (2017), longa que o diretor Christopher Nolan nos entrega este ano, não é a primeira incursão do tema nas telonas. O Drama de Dunkirk, também conhecido como A Retirada de Dunkirk, chegou aos cinemas em 1958 e ainda conseguiu o feito de tornar-se o segundo projeto britânico mais popular produzido naquele ano, com um faturamento de US$ 310 mil somente em vendas domésticas nos Estados Unidos e Canadá.

Dunquerque (nome traduzido para o português) era uma cidade portuária na França que tornou-se uma espécie de Faixa de Gaza por volta de 1940. Em suas praias, cerca de 400 mil soldados Aliados ficaram encurralados pelo poderoso exército alemão. O drama da retirada desses combatentes ficou conhecido como Operação Dínamo. Assim, a produção de 1958 obviamente fala sobre o drama em torno dessa retirada e baseia-se em duas obras literárias do período. Para conhecer mais dessa história, acesse o nosso artigo, A História Real de Dunkirk, sobre a contextualização histórica do longa.

No clima do pós-guerra, a indústria cinematográfica britânica emergiu com muita confiança. Financeiramente falando, os números se mantiveram acima dos anos anteriores ao conflito por quase duas décadas. Antes considerado sem o valor artístico do cinema francês e sem o entretenimento característico de Hollywood, a partir deste momento a impressão era de que o cinema no Reino Unido havia atingido uma maturidade intelectual e cultural admirável - e ficou ainda mais conhecido por seus gêneros do que pelos autores em si. A produção, enfim, veio pelas mãos do diretor Leslie Norman, que vivia uma fase intensa da carreira, em que produziu os clássicos Sonhos do Destino (1955) e Carga Perigosa (1957). É o trabalho dele neste épico de guerra que fez toda a diferença para tornar o filme um clássico neste gênero.

O longa reconstitui os eventos de forma bem interessante. Entretanto, expor um momento histórico como esse em um filme considerando todo o contexto é um desafio e tanto. Isso porque esses períodos não têm resoluções simples, reviravoltas diretas ou mesmo elementos que aproximem o relato de uma narrativa da Sétima Arte. Nesses casos, dependendo do trabalho exercido pela equipe de produção, é comum seguir uma linha como verdade absoluta e propagá-la. Essa é uma atitude comum de simplificação e falta de tato capaz de desmerecer qualquer fato histórico. Soma-se a isso, as dificuldades técnicas e orçamentárias de um filme lá no final da década de 1950 para reproduzir essas operações militares.

Em Dunkirk, Leslie Norman atua bem como diretor, em um tremendo esforço para superar as dificuldades citadas acima e ainda trabalhar com o roteiro multifacetado escrito por David Divine e W.P. Lipscomb. Afinal, a dupla abordou tantos pontos de vista da história que a linha narrativa do filme e a construção da identidade dos personagens acaba prejudicada. O elenco, por sua vez, apresenta um trabalho ‘morno’ diante do potencial: o filme contava com Richard Attenborough, ator e diretor consagrado, Bernard Lee (007) e John Mills (Guerra e Paz). Desde os planos com grandes paisagens até as sequências na praia o trabalho de Norman rende algumas cenas visualmente bem estruturadas, principalmente no primeiro e último ato do longa.

Por fim, a dramatização entrega 134 minutos de duração em uma montagem que poderia ter sido melhor organizada para facilitar o entendimento pleno da história. Entretanto, como citado anteriormente, as sequências de abertura (grande parte da batalha se passa aqui) e do desfecho (com poucos cortes e uma fotografia incrível) superam as partes defasadas. O fato do drama dos personagens se perder em meio ao caos deste último ato também é interessante, a partir de uma perspectiva realista que fala a linguagem da guerra.

Mesmo sendo chamado de milagre, a verdade é que Dunkirk foi um desastre histórico. Colocou grande porção de território nas mãos dos nazistas, matou pouco mais de 68 mil britânicos e cerca de 200 mil franceses. Em contraponto, serviu para perpetuar os sentimentos de união, esperança e sacrifício entre os soldados e civis. Por esse resultado, a mensagem final do filme está pronta de maneira orgânica, mas depende de uma boa equipe de direção e produção. O Drama de Dunkirk (1958) é obrigatório para todos os interessados em clássicos de guerra e em histórias reais sobre a Segunda Guerra Mundial, ele comete suas falhas, mas toma os rumos adequados para contar os eventos ocorridos naquele dia trágico.

O Drama de Dunquerque (Dunkirk, Reino Unido / EUA, 1958)

Direção: Leslie Norman
Roteiro: David Divine e W.P. Lipscomb (baseados nas obras de Trevor Dudley Smith, Ewan Butler e J.S. Bradford)
Elenco: John Mills, Richard Attenborough, Bernard Lee
Gênero: Drama, Guerra
Duração: 134 minutos

Texto escrito por Evandro Claudio


by Redação Bastidores

Crítica | Interestelar

Se houve uma experiência que se destacou das demais em uma ida ao cinema, esta com certeza foi quando vi a Interestelar pela primeira vez na vida. Como havia visto na cabine, tinha saído tão maravilhado que pensei que seria uma unanimidade na crítica e público: esse filme era outra obra-prima maravilhosa de Christopher Nolan.

Mas quão enganado eu estava. Interestelar se tornou o filme mais polêmico da carreira da Christopher Nolan. As reações foram as mais extremadas possíveis com os dois lados contando com argumentos realmente sólidos e bem posicionados.

Obviamente, faço parte dos que defendem fervorosamente a jornada especial de Nolan, mas assim como Professor Brand comenta em determinado momento do filme, as coisas mudam. Retornamos mais velhos e mais sábios. Meu encanto por Interestelar diminui um pouco e passo a analisar a obra com mais cuidado.

Na história escrita por Jonathan e Christopher Nolan, acompanhamos um futuro apocalíptico não muito distante. Em um mundo infértil, castigo por intensas tempestades de poeira, a sobrevivência da nossa espécie torna-se primordial. Nesse cenário, acompanhamos a jornada da família Cooper, em meio a perturbações de gravidade e mistérios das intenções do governo deste mundo infeliz, o protagonista, ex-piloto de naves experimentais da NASA, entra em rota de uma missão secreta: Lazarus. A última tentativa de salvar a humanidade.

Porém, o custo da missão é tremendo. Em busca de uma nova morada em outra galáxia, Cooper terá que lidar com os custos de uma viagem interestelar. Ou seja, em tempo de ter encontrado uma nova morada para a raça humana, toda sua família poderá ter morrido. Confrontado por uma escolha que pode definir o nosso destino, Cooper terá que decidir entre o altruísmo de salvar a todos ou viver com seus filhos enquanto o mundo perece.

Memórias empoeiradas

Interestelar é massivo. A narrativa que os Nolan quiseram comportar em um longa é monstruosa de tão épica. Felizmente, a divisão de atos é extremamente nítida. Logo, para criar vínculos fortes e profunda empatia com os personagens, o roteiro investe em uma extensa introdução.

Investido sempre pelo realismo que move o cineasta, a narrativa busca se comportar em cenários plausíveis e até mesmo que já ocorreram no nosso planeta. Em 1930, pela completa falta de planejamento agrícola, um fenômeno perigosíssimo quase varreu a vida do oeste americano. O chamado Dust Bowl, uma reação física provocada pela degradação do meio ambiente causado pelo homem – logo, um evento de ordem artificial.

Em pequenos relatos em formato de documentário, há o estabelecimento deste mundo castigado e suas regras. Os roteiristas expõem de modo bastante direto, apostando tanto em abordagem de ação quanto em problemáticas trazidas em diálogos. Colocando a situação apocalíptica em evidência, em extrema deterioração, entra em contraste os poucos focos de humanos que sobreviveram.

Há a preocupação de contar como o mundo sobrevive e funciona. Mas o que realmente interessa aqui é estabelecer as relações familiares de Cooper. Sabemos apenas o necessário sobre o protagonista vivido com extrema competência por Matthew McConaughey: ele possui uma questão mal resolvida com o fracasso na pilotagem de uma nave experimental da NASA, além de criar sua família através dos esforços empregados em sua fazenda de plantação de milho.

Para gerar relevância e complexidade no protagonista, temos a relação realmente única entre pai e filho que Interestelar centra sua verdadeira alma. A pequena Mackenzie Foy dá um espetáculo de carisma e envolvimento emocional para Murph, filha de Cooper. Entre as passagens intimistas sobre um “fantasma” que assombra seu quarto até a desobediência inocente da garota, as cenas destinadas aos dois possuem tremenda relevância. É por conta desse apego e forte conexão entre os dois que sentimos o sacrifício que é a jornada de Cooper.

O terceiro quarto desse ato certamente é o mais fraco. Nolan começa a apressar as coisas para jogar logo o protagonista no Espaço. A inserção brusca da NASA e de diversos novos personagens que acompanharão Cooper na busca de um novo lar é bastante preguiçosa e sem chegar perto do impacto desejado. O mais importante daqui são os comentários sobre o líder das expedições Lazarus, Dr. Mann. Pintado como santo e também simbolizado como um dos apóstolos de Cristo (líder de doze cientistas, contando com ele próprio), a informação sobre coragem, bravura e liderança entram em total contraste quando essa figura surge ativamente na narrativa.

Aqui, Dr. Brand trazido às telas por Michael Caine em boa atuação, vira um alicerce do filme. A origem de uma reviravolta importante que acontecerá no futuro. Dr. Brand se torna uma problemática constante para Murph também. Primeiro, por causar a ruptura completa do seu núcleo familiar, transformando o elemento da exploração espacial, tópico de paixão para a menina, em seu principal algoz por tirar justamente aquilo que ela mais ama em sua vida: a companhia do pai.

O forte amor entre os dois é mensurável desde cedo. Por isso, a despedida de Cooper torna-se uma das cenas mais impactantes de todo o filme. Nolan não deixa as coisas amistosas e com muita razão. Sabendo que é um dos momentos mais poderosos da obra, a encenação é dura e estacionária. McConaughey se movimenta em passos arrastados, a dor dessa “perda” é quase insustentável pelo fato de ser um enorme sacrifício.

O Vazio

Então partimos abruptamente para o Espaço, em direção ao Buraco de Minhoca que conecta a Via Láctea com a nova galáxia de um sistema com três planetas em potencial. A filha de Dr. Brand e os cientistas Romilly e Doyle, acompanham Cooper na missão, além da presença dos carismáticos robôs TARS e CASE – ambos com funcionalidade para ajudar diretamente na trama salvando os protagonistas em cenários de risco, funcionando também como alívios cômicos.

Os novos personagens recebem novas camadas, ao menos Romilly e Brand. Um tem fobia do espaço e outra está apaixonada por um dos primeiros expedicionários em busca de um planeta ideal dentro do sistema. O foco, enfim, desvia dos personagens. Os Nolan então buscam usar ciência real para guiar todo o segundo ato da obra, explicando conceitos físicos diversos e complicados como a teoria da Relatividade que busca trazer impacto dramático extremo para Interestelar.

O problema da ciência avançada e da física quântica é justamente tornar conceitos que são facilmente confundidos em elementos de fácil compreensão ao público. Certamente há muito egoísmo e arrogância na crítica como um campo de avaliação de filmes, já que quase sempre estão em discordância do público. É justamente por conta disso que sempre considero muito arriscado criticar a exposição narrativa que os roteiristas inserem no filme. Quando eles decidem, literalmente, explicar o que acontece em tela, aí sim é uma exposição extremamente burra. Mas quando se trata do didatismo dos conceitos da relatividade temporal e dos efeitos da gravidade, não condeno nem um pouco. Explico.

O que muitos falham em compreender é justamente a essência do exercício de ver um filme nos cinemas. Temos uma experiência individual, mas é uma prática coletiva, afinal só um louco compraria todos os ingressos de uma sessão para ver o filme absolutamente só – pelo acaso, já vi filmes sozinho na sala de cinema e realmente é uma experiência única. Mas partindo desse fato, a narrativa atinge diversas pessoas, com diferentes conhecimentos e escolaridade. Um filme desse porte simplesmente não pode tomar as decisões que A Chegada pode tomar por conta de ser muito mais caro. Logo, há a exigência da explicação didática desses conceitos.

Mas há formas de se fazer exposição no cinema sem incomodar tanto e virar um clichê para qualquer um que se meta a criticar uma obra. Infelizmente, é justamente aqui que o estilo autoral de Nolan atenta contra ele: o realismo. Se até mesmo no onirismo de A Origem as coisas tinham lógica e visual realista, não existem escapatórias críveis na diegese que Nolan propõe em Interestelar. O recurso necessário então é passado por um modo frio e sem graça, pausando o filme para que todos entendam o que ocorre na ciência do filme.

Superado isso, é evidente que o segundo ato tem momentos excepcionais que despertam muito o interesse do espectador. A exploração espacial e o custo de recursos para visitar alguns planetas é interessantíssima e realmente funciona. Mesmo que tenha pouca lógica na visita ao planeta da cientista Miller, no qual Nolan realmente exige muita suspensão da descrença, temos uma das set pieces mais sensacionais da obra. O tsunami do tamanho de montanhas marcou seu lugar nas grandes cenas do gênero de ficção científica, mesmo que traia completamente a proposta realista da ciência do filme – um planeta com uma gravidade tão poderosa mal permitiria a locomoção dos cientistas que dirá a entrada e saída das naves Lander de sua atmosfera.

Voltando para a narrativa, novamente a Natureza volta a agir antagonicamente. As leis da física e da força dos elementos destroem e derrotam os humanos. Justamente pelo planeta de Miller ser tão convidativo, repleto de água e atmosfera respirável, ocorre a ironia do antagonismo. Depois da aventura imprudente, é hora de sofrer as consequências.

Tempo

O uso mais inteligente de conflito dentro de uma cena em Interestelar certamente ocorre durante o retorno de Cooper e Brand à Endurance encontrando um já Romilly na beira dos 55 anos. O tempo desperdiçado no planeta gera dor em todos os que orbitam essas figuras. Criando mais barreiras, a nave não consegue enviar dados para fora do Buraco de Minhoca, apenas recebendo transmissões da Terra.

Com estética intimista e novamente restrita, temos uma segunda despedida na vida de Cooper na hora de ver as mensagens em vídeos dos últimos 23 anos que esteve no planeta Miller. Finalmente, o filho do protagonista, Tom, começa a ganhar mais complexidade e relevância, já que o roteiro praticamente deixa o menino em escanteio para construir laços maiores com Murph. A cena é cruel, fria e quieta. McConaughey arrasa na atuação. É simplesmente impossível não se emocionar, nem mesmo que somente um pouco, com a tristeza de ambos personagens por não conseguirem cumprir promessas antigas.

Nesse momento a narrativa passa a interpolar no núcleo do espaço para o de Murph ainda na Terra, agora física, tentando resolver a equação que dará a resposta para a manipulação da gravidade permitindo que os humanos viajem para as estrelas sem preocupações.

A narrativa perde bastante fôlego simplesmente pelo fato do núcleo de Murph ser muito menos interessante que o de Cooper, mesmo que seja obviamente muito necessária para desenvolver conflitos complexos envolvendo culpa, abandono e traição. Sentimentos negativos que desmotiva toda uma jornada. Felizmente, Jessica Chastain sustenta com competência todo o rápido arco de Murph nesse trecho final de filme – Tom se torna um antagonista ensandecido em uma escolha infeliz do roteiro.

O mais bacana do desenvolvimento da personagem é a necessidade dela ser obrigada a confrontar o próprio passado do qual tanto foge, encarando seu próprio “fantasma” e descobrindo que no presente mais ingrato e detestado que recebeu na vida, se encontra a resposta para o enigma. Mas para chegar até aí, ainda cabe a análise do outro planeta que a equipe visita.

Gelo

Mesmo derrotados, ainda é preciso visitar os próximos planetas favoráveis à colonização. Novamente inserindo um conflito que se comunica com informações prévias, Nolan direciona o grupo para o planeta do dr. Mann, o cientista líder da expedição Lazarus.

Em participação surpresa de Matt Damon, conhecemos dr. Mann e seus segredos em um planeta tão gelado quanto sua psicopatia compreensível. De longe, Mann é o terceiro personagem mais complexo e interessante do filme que possui tantos coadjuvantes rasos – tão rasos que na primeira oportunidade são descartados.

Porém, Mann é verdadeiramente o primeiro antagonista humano do filme. Aqui, a Natureza é indiferente a presença das pessoas nas nuvens congelados do planeta. O cientista sim que fica incomodado com a presença de Cooper, o único elemento que poderia arruinar seus planos de voltar a uma nave espacial para encontrar um novo planeta.

A motivação do cientista é bastante compreensível, assim como a escolha em recorrer a violência para matar Cooper sem nunca abrir a opção do diálogo antes. A segunda passagem não conta com set pieces incríveis como a das ondas, mas a tensão do conflito e do medo da perda do nosso protagonista são capazes de deixar o espectador apreensivo.

O contraste entre os dois planetas se faz valer realmente no final desse ato. Mann consegue escapar do planeta inóspito, mas não tem habilidades para conseguir acoplar na Endurance – ironia da resistência do cientista em lutar tanto pela sobrevivência. Ao trair os preceitos mais básicos da Ciência, o diálogo e a cautela, Mann explode boa parte da nave ao forçar sua entrada.

As forças da Natureza não agem sob uma moral, mas Mann age. E na raiz de seu egoísmo, quase destrói a última esperança de perpetuar a humanidade. Novamente, o direito de retorno é arrancado de Cooper que precisa fazer novamente a escolha certa, mas de grande sacrifício. Enfim temos a cena mais fantástica de todo o filme, a ancoragem da Lander na Endurance.

Aqui, finalmente Nolan demonstra técnicas que viria a dominar em Dunkirk: há a preservação do quadro, do corte e do movimento enquanto a música excepcional de Hans Zimmer potencializa a encenação e a catarse. Cooper se comporta como um Atlas, em seu esforço último de carregar a humanidade, literalmente, nas costas da nave. É uma cena que considero nada menos que perfeita.

S.T.A.Y.

Há coragem em Interestelar em seu trecho final. A trama tão centrada no realismo científico finalmente abraça a fantasia durante o clímax. Jogando o protagonista em Gargantua, o gigantesco buraco negro centralizado na galáxia alienígena, temos o sacrifício pleno – a jornada de Cooper é repleta de fracassos que forçam novos sacrifícios.

A estrutura do roteiro de Interestelar tenta mimetizar um ponto vital da própria sobrevivência da condição humana: plantio e colheita. Os Nolan sempre buscam manter suas histórias bastante coesas, inserindo características em diferentes momentos da jornada que depois são retomadas em reviravoltas que imbuem significados excepcionais.

O ápice da colheita ocorre no clímax em Gargantua. Justo em um corpo cósmico que engole tudo transformando matéria em resquícios de existência, em fantasmas, há a moral altruísta de Interestelar. Desde O Grande Truque que Nolan não se permitia apostar em resoluções totalmente fantasiosas que fugissem da lógica realista do seu universo. Aqui, a fantasia predomina completamente rendendo uma das catarses mais arriscadas do cinema contemporâneo.

Nolan quebra as regras. Cooper sobrevive e cai em um cubo cósmico criado por seres pentadimensionais capazes de manipular tempo e gravidade. O roteiro entra sim em um paradoxo nesse momento, mas que a partir dos conceitos aplicados no filme, é possível solucionar o mistério, já que felizmente Nolan não explica as coisas apropriadamente deste trecho – se não, também iam ficar reclamando.

A catarse em Interestelar marca também a primeira vez que Nolan abordaria a religiosidade no conceito amor intransponível, mensurando o sentimento como algo capaz de afetar diretamente o destino dos outros – o que faz sentido, mas muita gente taxa de brega, afinal como uma ficção científica de exploração espacial se torna um manifesto voraz do amor?

A incerteza do medo ao desconhecido vira a chave para resolver o maior enigma da ciência.

Entretanto, mesmo com um clímax tão impactante em formalizar o abstrato e conseguir resolver um conflito gigantesco de modo crível, o final se comporta de modo relativamente estranho.

Enquanto o reencontro com Murph é uma peça valiosa, Nolan praticamente atropela a cena ao decidir superar toda a recompensa da odisseia com uma rapidez assustadora. A falta de preocupação de Cooper com seu outro filho também é surreal. Eram necessários mais minutos para que realmente tivesse mais relevância na narrativa a recompensa de todos os sacrifícios e provações que Cooper superou, apenas pontuar melhor esse respiro até encaminhar o filme para sua verdadeira conclusão em fechar um arco romântico pouco explorado.

A odisseia de Christopher Nolan

Querendo ou não, Interestelar foi um dos projetos mais ambiciosos de Nolan. Mesmo que seja um filme excelente, é impossível negar as falhas do filme, seja do roteiro ou na direção. Ambos são problemáticos, mas as qualidades superam bastante os ditos defeitos da obra.

O que incomoda na direção de Nolan é o ápice da pobreza de encenação que Interestelar é. O diretor opta por uma abordagem estética muito parada, com planos imóveis e sem grandes movimentações. Embora isso dialogue com a condição morimbunda na humanidade no primeiro ato, também acaba deixando seu filme muito morno para engajar o público caso não ocorra a empatia com os protagonistas.

Quando partimos para o espaço, as coisas também não melhoram. As cenas na Endurance ou nos Landers são todas restritas e claustrofóbicas com jogos de decupagem bastante simples. Os planos que mais se destacam são os externos no espaço, acoplados também nas naves – enquadramento que é repetido em exaustão por Nolan. O contraste o formato cinemascope para as internas nas naves e o IMAX nas externas também é feliz em transmitir a fragilidade daquela missão diante de uma força tão superior e misteriosa marcando um trabalho satisfatório de simbologias. Aliás, o próprio primeiro plano do filme inteiro é carregado de força simbológica, ligando elementos importantíssimos em um só enquadramento: a poeria, a estante e as naves espaciais.

Apenas nos planetas que os elementos visuais têm uma força tão impactante que conseguem sobrepujar o trabalho razoável de linguagem cinematográfica construído até então. Nolan preserva muito sua câmera no mesmo lugar e em um filme sobre uma enorme jornada intergaláctica é algo consideravelmente frustrante. Quer um exemplo disso? Apenas compare todo o trabalho de linguagem e encenação que Nolan emprega aqui com diversas cenas de 2001: Uma Odisseia no Espaço, filme de 1968. Stanley Kubrick praticamente devora o filme com grandes movimentos majestosos tirando o espectador do ritmo monótono da narrativa – importante citar que Nolan faz seus acenos ao trabalho de Kubrick, apesar de se inspirar mais em Os Eleitos na condução do filme.

Porém é evidente que isso não mina a obra, mas apenas a deixa menos poderosa que ela tinha potencial para ser. Onde Nolan brilha ainda é no trato da junção dos esforços de toda a equipe. A indicação realista para quase todos os cenários, incluindo os espaciais, cheios de efeitos práticos e filmagens com miniaturas deixa Interestelar muito confortável em preservar seu poder visual por anos a fio. Não é um filme que deteriorará tão rápido quanto outros muito enfatizados em efeitos visuais de computação gráfica que surgiram na retomada do gênero com Lunar.

Essa também marca a primeira vez que o diretor trabalha com outro fotógrafo além de seu amigo de longa data Wally Pfister que desistiu de sua carreira como cinematografo para se aventurar como diretor - o que rendeu a porcaria chamada Transcendence. Com o cargo vago, é hora de Hoyte Van Hoytema brilhar, o holandês gigantesco. Justamente por ser gigante e muito forte, Hoytema foi o primeiro fotógrafo a conseguir manipular as pesadíssimas câmeras IMAX em shoulders permitindo diferentes abordagens estéticas na linguagem da obra. Isso faz muita diferença para pegar planos detalhe gigantescos ou comportar a movimentação da shaky cam em alguns planos apropriados. Sua iluminação também segue qualidade indiscutível, principalmente para as cenas espaciais nas quais comporta o foco único de luz dura, mimetizando o sol, em diversas tomadas. O aparato de rotação da luz também merece nota por conferir realismo tremendo nas cenas internas das naves, afinal essas estão sempre rodando em centrífuga para gerar gravidade (na diegese).

O que se mantém em seu trabalho também é a excelência de atuações que Nolan consegue extrair de seu elenco. Muito da história só funciona por conta do talento e dedicação de Mackenzie Foy e Matthew McConaughey em conseguir criar uma relação extremamente verossímil de pai e filha como poucas vezes vimos em um filme. É por conta disso que a cena da despedida é tão poderosa.

O estilo mais intimista e contemplativo que Nolan emprega casa com perfeição para a cena, além de também usar outros elementos importantíssimos em seu desfecho que praticamente enunciam seu melhor momento na direção. Quando Cooper está no carro, a contagem regressiva começa. A montagem trabalha em paralelo e vemos Murph sair correndo de casa para dar o adeus nunca dado para o pai. Nisso, Nolan aproveita uma rima de encenação ao fazer Cooper vasculhar as cobertas no banco do passageiro para ver se Murph está escondida ali para partir em uma nova aventura como havia feito anteriormente.

Ao se deparar com o nada, temos o olhar destruído de McConaughey. A contagem regressiva termina e temos o corte seco direto para o lançamento da nave. A inserção da contagem logo no início desse desfecho é importante, pois enuncia que não há volta a partir daquele momento. Cooper será lançado ao espaço e Murph ficará sozinha. Nolan joga limpo e extermina qualquer esperança que o espectador tenha em ver o protagonista dar a meia volta para se despedir apropriadamente de sua filha.

Obviamente, tudo isso é embalado pela trilha musical obra-prima de Hans Zimmer, absolutamente gênio em guiar todas as composições na base da sonoridade do órgão de igreja. Por ser um dos instrumentos mais vivos e ligados ao sagrado, a todo momento temos esse aspecto de religiosidade que permeia a relação entre os dois. Os temas criam ligações invisíveis entre os personagens que acabam, involuntariamente, funcionando no nosso psicológico arrancando boas lágrimas em momentos decisivos da obra.

Zimmer mantém a trilha com o uso convencional de instrumentos e de melodias tonais profundamente belas e comportadas ao longo dos trechos terrestres ou mais humanos do filme. A música se transforma em tons experimentais ou melodias sensoriais de medo e estranhamento justamente quando os heróis chegam no Buraco de Minhoca. A partir dali, a trilha do compositor vai se renovando em tons mais alienígenas, mas não menos brilhantes.

Em momentos de grande ação humana como na cena da ancoragem ou do sacrifício de Cooper, Zimmer volta a adotar comportamentos mais convencionais e extremamente potentes para a música. Nolan sabe aproveitar bem o talento do gênio e também faz uso de modo brilhante das peças musicais. É evidente que Cooper e Murph tem um tema que sempre nos faz lembrar da morada e da situação de calamidade do planeta.

Na segunda cena-chave de Interestelar, Nolan coloca a melodia de modo bem sucinto enquanto Cooper assiste aos vídeos com as mensagens de Tom. Porém, basta Murph aparecer, que a melodia para subitamente. O choque da aparição tira qualquer conforto que Cooper tinha ao ver a vida de seu filho, mesmo que isso também lhe destruísse por dentro.

O que também faz desse filme um marco é seu design de produção. O realismo não afeta somente a construção de cenários idílicos da fazenda de Cooper trazendo um falso sentimento de que a Terra pode se recuperar ou das abordagens visuais para o interior das naves e dos monólitos que formam os corpos dos robôs, mas sim a própria concepção visual de elementos espaciais nunca vistos com clareza anteriormente.

Interestelar é guiado quase que inteiramente por teorias e conhecimentos científicos modernos, além de contar com a presença ativa do astrofísico Kip Thorne na produção do filme. Através de cálculos matemáticos exatos, a equipe de efeitos visuais de Nolan conseguiu criar a primeira representação apuradíssima de um Buraco de Minhoca e de um buraco negro. Foi uma das primeiras vezes que Hollywood contribuiu ativamente para iluminar conhecimento científico para diversas comunidades o que já torna, mais uma vez, Nolan em um realizador pioneiro.

Enquanto é pioneiro em certos sentidos, Nolan vai se tornando mestre em outros. A montagem é sempre a área que o diretor consegue manipular o impossível para conseguir criar momentos poderosíssimos, ganhando um reforço valioso do sempre eficiente Lee Smith. Muito do ritmo do filme é sustentado pela interpolação confortável entre os dois núcleos até a conversão das linhas narrativas no final. Entretanto, Nolan ainda mantém problemas de corte seco e elipses que já assombraram obras passadas. O diretor parece simplesmente não arriscar a colocar fades nos momentos certos e necessários em Interestelar o que certamente acaba prejudicando o espectador a ter um momento de absorção que seria necessário.

Um lugar entre as estrelas

Esse definitivamente é o filme mais polêmico do diretor audacioso. Nolan é muito feliz em conseguir trazer debates pertinentes sobre o futuro de nossa espécie, das relações interpessoais, sobre o custo do sacrifício e a superação do ódio gerado pelo medo do abandono. Interestelar é muito mais do que apenas uma mera ótima ficção científica.

É um manifesto sobre o amor mais puro da relação de pai e filha com direito aos altos e baixos mais extremos que posso imaginar. Mesmo deficitário em alguns pontos, Nolan traz um pacote completo em um épico espacial que eleva o gênero mais uma vez na História do Cinema.

Mas mais importante que isso, é um filme que consegue despertar emoções profundas no espectador. Somente por conseguir reações tão poderosas através de toques sutis da direção, do excelente elenco e da magistral trilha sonora, já merece estar na lista de filmes favoritos de muita gente. São tantas mensagens bonitas e otimistas sobre relações transcendentais, do pioneirismo humano, do senso de exploração, sobre quebrar conceitos que fica difícil de elencar todas nesse texto que já está tão grande quanto o filme. Apenas digo que Interestelar é uma experiência incrível que te faz sentir muitas coisas ao mesmo tempo como raramente o Cinema consegue fazer.

E, para mim, a história sobre a resiliência humana que se nega a adentrar na noite com ternura, se rebelando contra a morte da luz que fulgura, é uma das mais belas que já vi na vida. Que se mantenha assim por muito tempo.

Interestelar (Interstellar, EUA/Reino Unido - 2014)

Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Jonathan Nolan e Christopher Nolan
Elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Michael Caine, Casey Affleck, Wes Bentley, Bill Irwin, David Oyelowo, Matt Damon, David Gyasi, Topher Grace, John Lithgow, Mackenzie Foy
Gênero: Ficção Científica
Duração: 169 min

https://www.youtube.com/watch?v=BYUZhddDbdc

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by Matheus Fragata

Crítica | Dunkirk

Dunkirk é um evento cinematográfico. Acredite, essas coisas não costumam acontecer com frequência. Assim como Titanic está para James Cameron, Dunkirk está para Christopher Nolan. É o ápice do amadurecimento de Nolan como cineasta.

Em sua primeira realização inspirada em fatos históricos, o diretor encara o tremendo desafio de entender a história inteira de um gênero cinematográfico: o de guerra. Os dramas de guerra existem há mais de um século na sétima arte. Praticamente tudo foi explorado: de comédias à romances, de estruturas formais até o mais puro experimentalismo insano.

Entre titãs do gênero como O Resgate do Soldado Ryan, A Ponte do Rio Kwai, Fugindo do Inferno, Cartas de Iwo Jima, A Lista de Schindler, entre outros, Christopher Nolan encontra seu merecido espaço entre os melhores da seleção. Entretanto, há uma diferença substancial em Dunkirk que o afasta do formato clássico dos filmes mencionados o deixando muito mais próximo de Gravidade, Enterrado Vivo, O Anjo Exterminador e Um Dia de Cão, pois trata-se de um drama de situação.

Logo, enxergar e comentar Dunkirk apenas por seu fino prisma narrativo seria um completo desperdício. Se há mais de cem linhas de diálogo nesse filme, já seria um milagre. Dunkirk é uma experiência barulhenta, mas muito silenciosa. Isso ocorre por conta da proposta de Nolan em trazer as telas toda a evacuação do exército britânico de Dunkirk em 1940. Cercados pelos nazistas, os 400.000 homens agonizavam nas praias da cidade esperando um socorro que nunca vinha.

Poupando recursos bélicos da Grã-Bretanha, Churchill decide intimar civis para a ação, ajudando os poucos veículos de transporte de guerra que partiriam para Dunkirk. Marinheiros amadores, jovens, idosos, mulheres e crianças partiram para o resgate. A casa foi até os soldados em seu momento de maior necessidade.

Semanas, Dias, Horas, Minutos

Nolan merece aplausos há tempos por ter conseguido render a indústria de Hollywood em questão de poucos. Já em O Grande Truque, o diretor conseguia impor seus dedos autorais em filmes de alto orçamento. Se isso se origina lá, é em Dunkirk que temos a melhor amostragem disso. Nolan exerce o que tem vontade aqui. E o melhor espaço para um diretor brincar, certamente é a montagem de seu filme.

Dunkirk é audacioso também nesse aspecto. Nós já sabemos a trama e seu desfecho: tudo se concentrará nas tentativas de extração das tropas. Então, em vez de tomar a linearidade clássica de sempre, por que não inovar um pouco? A narrativa do filme não é linear, passa longe disso, mas possui ótima lógica. O escopo da ação é dividido entre três linhas temporais com personagens protagonistas distintos que terão seus destinos entrelaçados cedo ou tarde.

A primeira é concentrada no Molhe, o único píer de acesso em Dunquerque para os navios aportarem, permitindo assim a extração dos soldados derrotados. A segunda é o Mar, na qual acompanhamos os esforços de Sr. Dawson, Peter e George, três civis, partindo em direção a guerra para salvar seus conterrâneos. A terceira é o Ar. Nela, os pilotos Farrier e Collins voam para combater os aviões Heinkel dos nazistas que insistem em bombardear as praias lotadas.

Esses três focos guiam a obra inteira, mas Nolan constantemente interpola os núcleos brincando com o espaço temporal que cada um ocorre. Logo, temos conhecimento de alguns acontecimentos antes mesmo deles ocorrerem em outras linhas narrativas. Isso, de certa forma, pode aliviar a tensão. Mas Nolan é um diretor inteligente e não deixa isso acontecer.

Quando há a revelação de algo que certamente acontecerá nas outras linhas temporais, nunca vemos com clareza o que ocorre. O diretor sempre nos mostra com magistrais planos abertos exibindo vistas exuberantes que revelam a potência monstruosa do poderio visual IMAX criado na encenação. Não sabemos quem está dentro do navio bombardeado ou como tal personagem acabou em determinada situação. As reviravoltas ainda se desenrolam naturalmente preservando a paixão de Nolan pelas twists.

Uma de suas maiores sacadas narrativas é tratar seus protagonistas como grandes desconhecidos. Nada mais adequado para uma obra de homenagem à memória de soldados desconhecidos que lutaram, morreram e venceram a tirania e a injustiça. Obviamente que isso é revertido favoravelmente à narrativa. Como acompanhamos a sobrevivência, a força de vontade e o sentimento de dever, há pouco espaço para desenvolver os rostos que conhecemos ao longo da jornada.

Mas isso não significa que não há empatia ou conflitos realmente pertinentes para aquelas pessoas assombradas. A grande verdade é que o medo e a urgência movem os personagens. A motivação é sobreviver, resgatar e salvar. Porém, o elenco de Dunkirk é tão afiado que nos importamos realmente pela vida dos soldados. Principalmente pela de Tommy, um jovem soldado inglês que protagoniza o núcleo do Molhe, interpretado pelo desconhecido Fionn Whitehead. O jovem ator desenvolve expressões de verdadeiro terror, mágoa, cansaço e agonia calada ao longo de todo o filme.

Outros que dão show são Mark Rylance, Tom Hardy e Kenneth Branagh. Rylance e seu senso de dever cívico é tão belo que se torna impossível não se emocionar com o enfrentamento do perigo em virtude de motivos tão dignos e iluminados. Seu núcleo é o mais interessante pelo desenvolvimento cheio de reviravoltas fantásticas mostrando a relação do personagem dele com seu filho Peter e o menino George em grande confronto psicológico com o soldado desconhecido resgatado em alto-mar (Cillian Murphy, também excelente).

Há uma força tão grande entre o núcleo de atuação aqui que conflitos extremamente complexos são resolvidos em uma troca de olhares carregadas de significado entre os personagens de Rylance e Tom Carney, ator que encarna Peter.

Já Tom Hardy novamente mostra que é o mestre da atuação com os olhos. Temos mais um personagem que mantem a boca coberta em praticamente o filme inteiro. Mas a clareza do olhar de Hardy, demonstra sutilezas fantásticas de emoções que o personagem transmite enquanto desbrava os ares e elimina aviões inimigos. O que realmente decepciona é a conclusão de seu arco. Algo completamente estranho e pouco crível dado o conhecimento prévio do espectador.

Não seria o menor exagero também dizer que Branagh merece uma bela indicação ao Oscar pelo desempenho como ator coadjuvante aqui. Interpretando o oficial da Marinha Britânica em organizar a triagem dos soldados para os navios de resgate, Branagh sempre está contracenando com James D’Arcy. Na fantástica cena mais poderosa e catártica do filme, Nolan reaproveita linhas de diálogos sempre presentes nas conversas dos dois: - Eu consigo ver daqui. – O que? – Nossa casa.

No terceiro uso dessa fortíssima situação, há uma catarse tão bela e sensível que praticamente crava o nome de Christopher Nolan no panteão de grandes mentes que o Cinema americano já pode nos trazer. É incrível por ser simples, por um jogo tão inteligente de olhares, da perfeição absoluta da atuação de Branagh, do corte certeiro da montagem e do uso catártico da trilha de Hans Zimmer. Belíssimo.

O diretor/roteirista também parece ter escutado, finalmente, uma das maiores reclamações de seus detratores: o problema das exposições exageradas jogadas em diálogos. O ápice disso, que também reconheço, ocorre em Interestelar, mas em Dunkirk esse fantasma passa longe de acontecer. Em apenas uma cena, há uma exposição desnecessária e, para piorar, grave, pois ela explica o óbvio. De resto, o trabalho dos diálogos é muito satisfatório e valorizados pela pouca quantidade.

Lar

Não é preciso pensar muito para admitir que essa se trata da direção mais competente de Nolan. O filme funciona por conta de seu planejamento extremamente eficaz. Sua técnica é apuradíssima e nunca pretende chamar a atenção para si como diversos diretores autorais costumam fazer.

Dunkirk é o resulta do esforço colaborativo de todos os setores para trazer a mais pura expressão cinematográfica de primeira linha. O primeiro que ponto que chama a atenção, em questão de segundos, é o desenho sonoro estupidamente fantástico. Em IMAX, o cinema ressoa, respira e urra ao som da obra de tão competente que é. Em contraste ao começo extremamente silencioso, rapidamente a calmaria é quebrada por tiroteios assustadores e implacáveis.

Logo, a experiência de assistir a esse filme é realmente única, pois o trato cinematográfico interfere no nosso corpo, ainda mais direto que as reações emocionais naturais que surgem em grandes obras.

Nisso, nos tornamos um com o filme, já que a cola que une o espectador ao longa transcende a barreira audiovisual. Literalmente, é possível sentir Dunkirk. Isso por si já é algo fenomenal. Uma característica espetacular do cineasta por unir a raríssima captação e finalização em película e depois usar o mais potente que há em tecnologia de exibição oferecido pela IMAX.

O formato continua sendo o grande favorito do diretor. E realmente não há forma melhor de se presenciar esse filme-evento do que a exibição no formato que o filme foi pensado. Nolan abusa dos planos gerais para mostrar um senso de escala extremo para Dunkirk. Vemos praias infinitas, além de céus que se misturam com o azul cintilante do mar. Há abundância de detalhes oferecidos pela altíssima resolução do IMAX e, mesmo pelo tamanho amedrontador da câmera, Nolan e o fotógrafo Hoyte Van Hoytema fazem o impossível com ela.

A penduram nos aviões Supermarine Spitfire, colocam sob as águas do Canal da Mancha, em porões de navios, em quase tudo. O filme é majoritariamente filmado no formato. E seguindo a tradição muito clássica de decupagem, Dunkirk quase sempre dispensa efeitos de câmera tremida ou algo parecido. Os planos têm elegância e deixam a ação correr bem em frente aos nossos olhos. Ou seja, o corte entre eles é demorado, gerando maior realismo para a encenação que finalmente foi aprimorada – um dos maiores defeitos de Christopher Nolan.

Um plano em particular é formidável. Mantendo o quadro em Tommy, vemos os caças nazistas se prepararem para lançar bombas nas praias. Com o personagem já acuado no chão, tentando se proteger, vemos em profundidade de campo uma sucessão de explosões que matam violentamente alguns soldados. O efeito é tenebroso.

Outro grande ápice de realismo da obra, surge durante uma das perseguições aéreas de Tom Hardy. Vemos Farrier tentando abater um dos aviões nazistas prestes a jogar uma bomba em um navio. Tudo isso no mesmo plano acompanhando o movimento do avião. Com essa relação excelente entre perseguidor e perseguidos, é impossível ficar indiferente à ação, pois já fazemos parte dela seguindo a ordem natural da sucessão de olhares: o nosso no avião de Hardy que olha para o nazista que mira no navio.

Muito da direção de Nolan também se concentra na ordem de suas cenas, quase sempre contrastantes. Em uma mesma sequência, por exemplo, não serão raras as vezes que veremos bombardeios enunciados pelo som agonizante dos caças nazistas para logo retomarmos uma calmaria plena como se nada tivesse acontecido. O cerco de Dunquerque provocou esse ritmo bizarro de medo, adrenalina e tensão para logo deixar toda a ocorrência tediosa e banal até a indução do terror virar rotina. E no tédio, na enorme ânsia de voltar ao lar, surge a loucura dos soldados.

Mesmo em seu décimo longa, por vezes falta a Nolan certas sacadas que fariam o filme mais eficiente no trato da banalidade, já que a tensão é garantida pelas cenas de ação potencializadas pela estrondosa trilha musical de Hans Zimmer. Mesmo que existam tentativas de mostrar os soldados fazendo absolutamente nada, poucas realmente são eficientes em agregar à mensagem. A melhor delas, essa sim poderosa, mostra um homem tão cansado quanto os outros, de tanta demora. Então decide cruzar o Canal da Mancha à nado. Fica claro pelo trato das cores e pela lógica interna cruel da obra que o homem iniciou não uma jornada para sua salvação, mas para a própria morte – essa cena, aliás, tem ares profundos de Werner Herzog pelo tom quase documental.

Aliás, são nessas cenas menos espetaculares que sentimos sim a presença da inspiração no cinema silencioso que Nolan tanto mencionou em entrevistas. São retratos sutis sobre a tristeza de homens derrotados. Porém a audácia do diretor não para por aí. Há muito mais em Dunkirk em suas intenções pioneiras. O trato sensível de Nolan também é explorado no psicológico de alguns homens misteriosos de seu filme.

Por conta da circunstância do recuo e da completa derrota do fronte inglês-francês neste começo de guerra, os homens se sentem desertores inúteis, que decepcionaram não a si mesmos, mas toda a nação. Portanto, a cada breve conquista, por mais banal que seja, o diretor sabiamente faz seu elenco comemorar bravamente como se fosse uma enorme vitória.

Em uma raríssima escolha de repetição de planos, vemos Nolan insistir em um enquadramento que carrega certa simbologia poderosa. Nele, vemos duas pilastras brancas, resistentes à toda a tragédia e indiferentes ao caos e a depressão. Elas conectam a trilogia que o diretor trabalha ao longo do filme: terra, mar e ar. Ligando os três em um conjunto só, é um tanto nítida a representação forte da paz que as hastes simbolizam. Mesmo que ainda ocorram tragédias naquela praia, boa parte dos 400 mil homens conseguiram voltar para a casa. É a força do espírito humano.

Outro fato também bastante arriscado de Nolan e que certamente entortará a cara de diversos espectadores é a decisão de nunca mostrar a linha inimiga de modo claro. O máximo que vemos da força nazista é o conjunto de aviões que aterrorizam o cerco de resistência – em distância considerável. Os nazistas são tão estranhos ao espectador como são para os soldados “encalhados”. Novamente, é uma extensão sensorial que Nolan propõe para sua audiência: imersão de paranoia.

Sem saber a localização dos inimigos, nunca transitando em seus pontos de vista, o estado de apreensão é geral. Os nazistas podem sair de qualquer canto, seja com caças, submarinos ou tropas repletas de tanques. Suas aparições são fantasmagóricas e mortais, atacando fatalmente com rapidez. Ou seja, em sua essência, além de ser um filme de sobrevivência, Dunkirk é um filme de monstro. O uso do som sempre está lá para comprovar isso. De criaturas misteriosas que podem surgir no mais calmo dos momentos para perturbar a falsa sensação de paz. Nolan entendeu. Não existem monstros maiores do que a nossa própria História.

Ainda sobre essa questão do realismo, sempre tão perseguido e alcançado por Christopher Nolan, vale a menção de elogio para o design de produção extremamente apurado. Que Nolan é excêntrico não é novidade para ninguém, mas nunca que imaginaríamos que o diretor conseguisse colocar aviões restaurados e destróieres que já são peças de museu em funcionamento para alcançar dimensões absurdas de peso e escala na encenação. É a Segunda Guerra em 1940, em todo o seu poderio visual surpreendente e impactante.

Para completar, o grau de simbologia também é presente em um trato que vem sendo, inacreditavelmente, criticado. Nolan e Hoytema pensam em Dunkirk como uma pequena trilogia, como já dito antes. Entretanto, isso também atinge as cores do filme. No núcleo do Molhe, as cores são extremamente frias, mortas e acinzentadas, além da iluminação ser quase totalmente trabalhada na penumbra sombria. A associação com desesperança, angustia, depressão, isolamento e morte são óbvias. Refletem o estado emocional e psicológico dos personagens exaustos deste núcleo.

Já para o Mar e o Ar, as coisas são diferentes. No Mar, as cores são mais vivazes, levemente saturadas. Rylance e os civis que atenderam ao chamado de Dunquerque representam a esperança e o dever, mas as cores ainda são levemente chapadas por conta da proximidade da guerra e do perigo deles morrerem ser muito mais real do que o do núcleo do Ar. O terceiro foco narrativo, dos aviadores, é a esperança plena, os anjos da guarda dos soldados agonizantes. Pela distância da guerra por conta da altitude e da simbologia de porto seguro, do alado, da proximidade dos céus, as cores explodem. Elas são vivas, cheias de contrastes e banhadas por muita luz forte.

O trato das cores caminha até se homogeneizarem no final. Novamente, a simplicidade gera elementos geniais.

Os recursos religiosos também estão presentes. Nolan é um cineasta conservador e isso é transmitido com clareza em diversos de seus filmes. Mas a religiosidade só foi surgir, sutilmente, em Interestelar. Aqui, a divisão entre terra, céu e mar também carregam significados poderosos, mas também delicados. Deus pai que está nos Céus; Deus Espírito que paira sobre as águas do Mar; E Deus Filho que vem a terra trazer salvação. Os ases dos céus são os mais celestiais. Os salvadores do mar são movidos a salvar os soldados persuadidos pela força de compaixão marcada pelo Espírito Santo. E os soldados acuados são os mais vulneráveis, assim como na luta de Cristo em viver como o homem comum.

We Shall Never Surrender

Dunkirk provavelmente será outra obra polêmica de Christopher Nolan. É fácil desgostar das propostas do cineasta aqui. Elas tratam profundamente sobre o material cinematográfico, algo que até mesmo a tão entendida crítica raramente analisa, optando sempre pela convencionalidade segura do argumento narrativo, do fenômeno apenas replicado pela Sétima Arte, nunca sobre as características que realmente a definem. Para completar, é um filme à frente de seu próprio tempo.

Ver Christopher Nolan se reinventando, experimentando e ousando cruzar seus próprios limites definidos em outrora é poético, belo e inspirador. Um cineasta do porte dele não precisa se arriscar tanto desse jeito como ocorre aqui. Poderia se repetir eternamente que Hollywood ainda o comportaria assim como mantém outros grandes nomes que já cansaram de mexer com esses aparatos.

Estranhamente, a cada filme, Nolan rejuvenesce. Parece mais apaixonado do que nunca em realizar grandes feitos cinematográficos, filmes que desafiam a própria condição da linguagem, que consigam transcender a bidimensionalidade do exercício de assistir a um longa-metragem. O pacote é completo e aprimorado. O domínio é assustador. O coletivo é louvado. Todas as peças desse enorme jogo têm função primordial – principalmente os elementos sonoros que andam tão chutados e mastigados pela grande indústria em usos acovardados na encenação.

A grande vitória de Christopher Nolan é fornecida por uma das horas mais escuras e incertas da guerra. A vitória da força da vontade. Em não se resignar, sabendo recuar mesmo ferido para ressurgir e lutar novas batalhas importantes no futuro.

Pelo grande Cinema, pelas grandes histórias, nós nunca nos renderemos.

Dunkirk (EUA/Reino Unido – 2017)

Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Elenco: Fion Whitehead, Aneurin Barnard, Barry Kheogan, Mark Rylance, Tom Carney, Tom Hardy, Jack Lowden, Kenneth Branagh, James D’Arcy, Harry Styles, Cillian Murphy
Gênero: Drama, Guerra
Duração: 106 min

https://www.youtube.com/watch?v=F-eMt3SrfFU

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by Matheus Fragata

Crítica | A Origem

É interessante observar o nascimento de um fenômeno. Um ícone. São eventos raros e que aparecem de vez em quando no cinema blockbuster americano, onde temos a improvável mistura de conceitos elaborados e bem segmentados com o espetáculo de ação que Hollywood é tão caprichada em oferecer. Provavelmente, o primeiro Matrix seja um dos exemplos mais expressivos desse tipo de cinema, oferecendo em 1999 uma revolução em seus efeitos visuais e técnicas de câmera (a popularização máxima do bullet time) com uma história cheia de referências e influências de filosofia e literatura. A perfeita combinação de cinema para a grande massa com entretenimento pipoca e grandioso.

Em meio a essa revolução, o cineasta Christopher Nolan fazia sua transição de um cinema mais introspectivo e independente para as produções de grande escalão, com a Warner Bros tornando-se sua casa após a bem-sucedida adaptação americana de Insônia e Batman Begins - outro filme que merece seu lugar como um dos mais importantes blockbusters dos últimos tempos. Com a recepção extremamente positiva de sua abordagem ao Cavaleiro das Trevas, o estúdio conferiu uma daquelas raras oportunidades para a carreira de um diretor: um roteiro original, sem ser adaptado de qualquer propriedade ou filme, com um orçamento gigantesco e uma abordagem, ainda que com ressalvas, autoral.

Dessa forma, nascia o sucessor digno do fenômeno Matrix: A Origem, o blockbuster mais original do século XXI.

A trama nos apresenta a um mundo onde é impossível extrair informações da mente humana através dos sonhos, dando origem a um ramo de negócios oculto onde ladrões trabalham com espionagem industrial para roubar planos e ideias da mente de seus concorrentes. Nesse cenário, Cobb (Leonardo DiCaprio) é um habilidoso extrator assombrado pela memória de sua falecida esposa (Marion Cotillard), e que tem a oportunidade de se redimir à família quando o misterioso magnata Saito (Ken Watanabe) lhe propõe o inverso de seu serviço: implantar uma ideia, ao invés de roubar uma, no caso, persuadir o jovem Robert Fischer (Cillian Murphy) a dissolver a poderosa empresa de seu pai, grande rival de Saito.

O Parasita Mais Resiliente

Como qualquer filme que constrói um universo, A Origem não pode fugir da pesada exposição que seu roteiro traz. São conceitos complexos e elaborados que o filme toma boa parte do filme para explicar e ilustrar, e o único problema mais grave da produção é a forma pouco sutil que o texto encontra para oferecer informações - diálogos expositivos sempre foram o ponto mais fraco da carreira de Nolan, isso é inegável, basta observar o momento em que o personagem de Joseph Gordon-Levitt está no meio de uma acalorada discussão, e acaba tendo que explicar o conceito de Limbo enquanto grita, algo que não soa nada natural e que gera um conflito de intenções.

Porém, a estrutura bem definida do longa é um dos fatores que ajudam a tornar essa gigantesca "aula" sobre esse mundo de subconsciente algo suportável, e que evite didatismo puro. Apostando fundo na variante do heist movie, Nolan usa esse elemento para transformar a inception de Robert Fischer em um golpe, no melhor estilo Onze Homens e um Segredo. Dessa forma, obviamente temos o personagem novato que age como avatar do espectador para conseguir informações e aprender sobre as regras, aqui tendo a arquiteta Ariadne (Ellen Page) como representante dessa função, ainda que a personagem cresça muito mais do que isso com a progressão da trama - seu nome é o mesmo daquela que ajudou Perseu a escapar do Labirinto do Minotauro, na mitologia grega, e daqui instantes veremos como isso se tornará relevante para sua relação com Cobb.

Voltando à estrutura do heist film, a primeira hora de A Origem é toda dedicada a nos explicar e ilustrar os conceitos daquele universo, assim como apresentar os personagens principais, suas habilidades e dramas pessoais. Partindo dessa variante, Nolan felizmente torna o jogo mais dinâmico ao apostar em montagem paralela, uma trilha de Hans Zimmer sempre presente e interações diversas entre o grupo, oferecendo todos os conceitos que se tornarão importantes na metade final da projeção. A primeira aula de Ariadne é um exemplo majestoso disso, e já aprendemos bastante sobre a jovem quando, ao realizar um teste de raciocínio com Cobb, troca as páginas quadriculadas de um caderno pela contracapa lisa, desenhando ali um labirinto desafiador o bastante para seu "professor", sendo também um clássico exemplo do "pensar fora da caixinha", literalmente.

A montagem de Lee Smith é tão sutil nesse momento, que acompanhamos o diálogo dos dois na universidade de Paris, ao mesmo tempo em que os cortes nos mostram Arthur preparando cadeiras e o equipamento de sonho compartilhado em um galpão. Sem ao menos percebermos, Cobb revela a Ariadne que os dois estão sonhando, abordando de um fenômeno real para justificar a confusão da jovem, clamando que "é impossível se lembrar do início de um sonho, você sempre se dá conta no meio dele", além da cena resultar na espetacular explosão do café parisiense, ilustrando o desequilíbrio do sonho quando o sonhador tem ciência de seu estado; algo que rende algumas das melhores set pieces da produção. 

E por mais que tenhamos toda a explicação verbal mais direta ao espectador, é de se admirar o fato de que Nolan coloque todos esses conceitos em prática antes de nos explicar, durante a fabulosa sequência da primeira extração. Apenas em imagens, vemos os diferentes níveis onde Cobb, Arthur e Saito se encontram, no castelo japonês, o apartamento abandonado e o trem bala em Quioto. Não temos muita explicação para o que está havendo ou como tudo funciona na primeira visita, mas é um ótimo exemplo de visual storytelling ao representar como as ações afetam cada nível de sonho, desde o tapa que Cobb leva (que o faz cair no nível abaixo) e a enchente que preenche o castelo japonês quando o personagem é jogado em uma banheira de água - no mais elaborado e dinâmico sistema de despertador que você já viu.

Gosto também como o processo de elaboração do heist acaba tornando a exposição divertida pela clara comparação com o processo criativo; não por acaso, muitas pessoas enxergam A Origem como uma alegoria para o próprio fazer do Cinema. Cobb, Arthur, Ariadne e o bem-humorado Eames (Tom Hardy, no ano em que tomava Hollywood de surpresa) passam muito tempo elaborando o tipo de catarse que ocasionará na mente de Robert Fischer, e o grupo literalmente precisa criar uma narrativa que inspire a ideia de desmantelar a corporação de seu pai. Quase como roteiristas criando uma história, a equipe sabiamente opta por criar um sentimento positivo, de certa forma manipulando a percepção do jovem para alcançar seus objetivos, transformando uma proposta comercial em uma surpreendentemente tocante história de pai e filho. Nolan pode não ser o mais emotivo dos cineastas, mas ele definitivamente acerta nisso.

Outro aspecto muito fascinante nessa construção de universo é quando Nolan puxa o tapete e surpreende o espectador logo no início da inception: ao chegar no primeiro nível de sonho, toda a equipe é atacada pelas Projeções do subconsciente de Fischer, e então descobrimos que sua mente foi treinada por um extrator para atingir um sistema de defesa militarizado (mas que ideia brilhante), colocando em perigo a vida de todos ali - visto que, se morrerem, serão jogados no nível mais fundo do Limbo, já que o sedativo fortíssimo os impede de acordar.

Diante dessa situação mais perigosa, Cobb sugere que a equipe siga um método muito perigoso e divertido, que acaba renegando - de certa forma - tudo o que havíamos aprendido até então: Sr. Charles. Cobb fala diretamente com Fischer no segundo nível de sonho, e ao invés de seguir a farsa de que aquele é o mundo real, vai na direção oposta e tenta convencê-lo de que tudo aquilo é um sonho e que há extratores tentando invadir seu subconsciente; com Cobb clamando que ele mesmo é uma de suas projeções, o chefe da segurança conhecido como Sr. Charles. É uma jogada genial de roteiro que ajuda a tornar a trama mais dinâmica e imprevisível, e quase metalinguística ao colocar seus conceitos de ponta-cabeça; culminando na ótima solução de se criar uma intriga entre Fischer e seu tio (um eficiente Tom Berenger), para que a equipe inicie o terceiro nível de sonho em uma projeção do sujeito - dessa forma, Fischer ajuda Cobb e sua equipe a invadir sua própria mente, sem ter ciência disso.

Desenho do Subconsciente

Uma das reclamações mais frequentes - e idiotas - a respeito de A Origem é como a visão de Nolan para os sonhos não é lúdica ou surrealista o bastante, passando bem longe das estéticas de cineastas como David Lynch e Tim Burton. Bem, não é a proposta do longa em momento algum apostar em imagens psicodélicas ou uma experiência mais sensorial, visto que o roteiro do filme nos dá a ótima sacada de ter um arquiteto desenhando e projetando cada sonho visto na história, já que a intenção do grupo é justamente simular o mundo real, a fim de enganar seus alvos e facilitar a extração de informação. Não ser despirocado não é um "erro" do filme, é uma decisão narrativa, e perfeitamente justificável em seu conceito.

A ideia de se ter o arquiteto como membro chave da equipe é um poço de originalidade. Sendo necessário para aqueles que assumem essa equipe buscar os mínimos detalhes de textura, composição e saídas alternativas dentro de construções gigantescas, isso permite que Nolan possa se divertir com diversas reviravoltas e soluções visuais. Por exemplo, é genial que Saito perceba estar em um sonho quando sente a textura do carpete de seu apartamento e percebe que o material do mesmo é diferente, fazendo-o ter ciência da farsa e a intenção de Cobb - demonstrando ao espectador como o mais mínimo dos detalhes pode acabar com todo o trabalho.

Dessa forma, o designer de produção Guy Hendrix Dyas merece aplausos por seu trabalho sobrenatural no filme. Ainda que o visual passe longe da psicodelia, todo o design se inspira nas artes de M.C. Escher em seus momentos mais surreais, especialmente no que diz respeito a arquitetura paradoxal, incluindo a famosa escadaria infinita de Penrose, loops e outros conceitos cíclicos - agindo como os "bugs" de cada sonho criado pelos personagens, e até mesmo como arma, vide a ótima cena em que Arthur engana uma Projeção ao usar o paradoxo da escada para correr ao seu redor. A imagem da cidade de Paris se dobrando de forma espelhada, um dos poucos usos de efeito visual pesado na produção, é outro momento de "surrealismo" orgânico e respeitoso à proposta mais realista do filme.

De forma similar, quando os personagens chegam ao tão mencionado Limbo, o nível de sonho onde todos os vestígios de construções anteriores ficam deixados para trás, temos algo que respeita a proposta desse universo, oferecendo um tipo de surrealismo que respeita a referência na arte de Escher: uma fileira de prédios com baixa opacidade, quase desaparecendo em meio ao céu sem nuvens, e que representam também um trabalho incompleto. Alie isso ao fato de que temos diferentes casas e estilos arquitetônicos no local (já que o espaço fora um quadro branco para que Cobb pudesse experimentar suas habilidades como Arquiteto), e temos um palco memorável e digno de um subconsciente abandonado.

Considerando que a grande maioria dos efeitos do longa são práticos, Dyas e sua equipe tiveram um trabalho absurdo ao conceber e construir cada espaço e ambiente que preenchem os diferentes sonhos. Do design impressionista do castelo japonês no primeiro ato, passando pelo luxuoso hotel do sonho de Arthur até a base militar na neve durante um dos clímaxes do filme, é formidável a variedade de ambientes e locações presentes durante a história, e gosto muito também como pequenos detalhes como os números da combinação do cofre de Fischer acabem virando placas nos quartos do hotel.

Vale destacar também a inteligência de Dyas ao criar paralelos com o mundo dos sonhos e a realidade. Por exemplo, estamos sempre comparando as construções dos arquitetos com labirintos, e quando Cobb acaba em uma perseguição por um vilarejo em Mombasa, uma câmera alta revela os muros e paredes assumindo uma forma similar à de um labirinto; simbolizando que Cobb está sempre fugindo. Nos sonhos, de projeções, e na realidade, pelas organizações nebulosas que estão a seu encalce.

O Arquiteto

Não é tarefa fácil assumir a dupla tarefa de diretor e roteirista, algo que Christopher Nolan faz com frequência. Ainda mais difícil e assumir um trabalho desses sozinho (é o primeiro crédito de Nolan como roteirista sem seu irmão, Jonathan) e de uma escala tão grande, seja pelo tamanho das ideias ou das set pieces. Saído de um trabalho tão requintado e primoroso como O Cavaleiro das Trevas, é de se impressionar com o nível técnico atingido por Nolan aqui.

Mas antes de irmos a fundo nas conquistas mais grandiloquentes do diretor, é justo falar sobre seu subestimado trabalho nas "coisas simples". Com toda aquela exposição do primeiro ato descrita acima, Nolan sempre procura manter sua câmera em movimento e oferecendo jogadas para tornar a experiência mais dinâmica, como panorâmicas ao redor da equipe enquanto discutem a criação das camadas de sonhos e até planos mais longos de walk and talk para as aulas de Ariadne. Em certo ponto desse bloco, o diretor aposta até mesmo em planos POV, literalmente colocando o espectador nos sapatos da jovem arquiteta, e garantindo uma imersão maior naquele universo.

Quando chegamos às grandes sequências, é quando testemunhamos a maestria de Nolan como condutor de espetáculos. Fã confesso dos filmes de James Bond, temos uma introdução digna de Sean Connery quando Cobb vasculha o castelo japonês atrás dos segredos de Saito no primeiro segmento do filme, com as luzes noir de Wally Pfister acompanhando essa sequência de tiros silenciosos e arrombamentos em cofres ocultos. No momento em que tudo falha e o sonho começa a literalmente se desmoronar, a ação paralela de Lee Smith tem início, e esse é um efeito que acompanhará o espectador pelo resto do filme. De maneira similar, a câmera lenta é usada de forma orgânica e que faz sentido dentro da história, já que o tempo é mais devagar a cada subnível de sonho.

Ainda sobre 007, Nolan traz uma gigantesca referência a A Serviço Secreto de Sua Majestade ao apostar em uma ambiciosa cena de ação na neve, onde a equipe precisa invadir uma base militar localizada em congelantes montanhas glaciais. Temos um espetáculo envolvendo tiroteios, perseguições de ski e até outros veículos de guerra que ganham adaptações formidáveis para o cenário frio, e Nolan e Smith merecem aplausos por conseguirem manter equilíbrio e ritmo durante todos esses pequenos momentos - que dividem-se entre Eames distraindo os veículos, Saito e Fischer invadindo a instalação e Cobb e Ariadne livrando o caminho com um rifle sniper. Temos, novamente, um uso de dublês e efeitos práticos absurdo, com explosões de veículos, esquiadores armados com metralhadoras e até uma avalanche que foi realmente provocada com explosivos durante as filmagens.

Mas a cena mais famosa do filme é aquela que envolve variações de gravidade. Elevando o conceito de uma ação interferir na outra dentro do sonho, quando a equipe está dormindo em uma van em movimento, todo o sonho começa a ser afetado pelas derrapadas, acelerações e, especialmente, uma série de capotagens. Ao mesmo tempo em que Arthur luta com projeções no corredor do hotel, o veículo capota e, por consequência, todo o corredor começa a lentamente acompanhar o movimento do carro, fazendo com que Arthur e as projeções subam pelas paredes.

É uma sequência tão incrível que é feita em um take só, sem corte algum. Basicamente, o mesmo sistema de cenário rotatório usado por Stanley Kubrick em 2001: Uma Odisséia no Espaço é utilizado aqui, onde todo o cenário está girando constantemente, mas com a câmera acoplada e acompanhando o movimento; dessa forma, a impressão é que os objetos e elenco estão reagindo à rotação, e que o cenário está completamente intacto. Uma jogada genial de ambos os diretores, mas se Kubrick a usou para simular uma simples caminhada pelo espaço, Nolan coloca dois atores para lutar, se jogar e sair na porrada em um ambiente com gravidade variada.

Não, Não me Arrependo de Nada

Nesse viagem maravilhosa por cenas de ação, sonhos e a mente humana, um dos elementos mais poderosos de A Origem é sua trilha sonora original. Marcando a terceira colaboração entre Nolan e o compositor Hans Zimmer, a música aqui acabou virando um meme pela trombeta grave, infelizmente invalidando o trabalho absurdamente majestoso para o filme. A começar pelo próprio tema principal, é genial - repito, genial - que as trombones com efeitos sintetizados representem a seção instrumental da canção Non Je Nen Regrette Rien, de Edith Piaf (música que os personagens usam como despertador) com velocidade reduzida, sendo um elemento que transita entre diegético e não-diegético constantemente. O fato de que o filme tem introdução com essa fanfare densa e ameaçadora é o primeiro indício da imersão do espectador nos sonhos.

Essa sensação intensa e que parece pegar o espectador pela garganta é sentida durante boa parte do longa, especialmente durante as cenas de ação paralela. Cirurgicamente amarradas pela montagem de Smith, todas as diferentes sequências na van, hotel, neve e limbo ganham fôlego graças à excelente música de Zimmer, que aposta em cordas, batidas e os trombones discutidos acima. Nesse quesito, o Oscar garantido ao filme pelos trabalhos de edição e mixagem de som são mais do que merecidos, já que a trilha está constantemente interferindo nos efeitos sonoros, assim como estes transformam-se em relação ao que se passa na tela; quando temos a entrada de slow motion, por exemplo, o som ganha uma distorção apropriada e muito orgânica.

Outra novidade musical aqui veio de inspiração de (quem diria) Ennio Morricone, quando Zimmer optou por usar uma guitarra como tema central. Equipado com uma guitarra de 12 cordas, Johnny Marr – do The Smiths – foi convidado pelo compositor para a criação desse tema, que ouvimos pela primeira vez em Dream is Collapsing, onde a guitarra é suave e quase radical, que vai sugerindo uma sensação de estranheza cool que definitivamente ilustra com fidelidade o universo criado por Nolan e fornece o sutil toque de James Bond que o diretor almejava; sendo uma calma antes da tempestade na cena em questão, durante a primeira extração no sonho de Saito. Vale apontar também o surreal trabalho de bateria e percussão visto em Mombasa, faixa que acompanha a alucinante perseguição de Cobb durante sua passagem pela África.

Mas o trabalho de Zimmer aqui não é só espetáculo. A relação de Cobb e sua esposa falecida Mal rende um estilo de música em Old Souls que é muito mais sereno e, graças às cordas distorcidas, surreal e estranho. Zimmer transmite também uma certa nostalgia através dessa serenidade, com as cordas indo e vindo como a marola do mar, algo muito apropriado para o arco de Cobb. Paradox também abraça a suavidade, servindo como um ótimo contrapeso à força da orquestra nervosa para o momento em que a equipe enfim desperta da missão, oferecendo ainda um violoncelo misterioso para o passo final da jornada de Cobb para resgatar Saito do Limbo.

Porém, o toque final de Zimmer vem com Time. É uma lindíssima peça de piano que toma conta de toda a paisagem sonora dos minutos finais, quando Cobb acorda e retorna com o resto da equipe para o mundo real – ou é o que parece, teorias da conspiração à parte. As notas curtas vão crescendo junto com a orquestra, que adota sopros, cordas e a guitarra de Johnny Marr para um hino de vitória e superação que torna simplesmente impossível não se emocionar com a ação, principalmente quando o protagonista tem a visão de seus filhos.

Almas Velhas

Mesmo com toda essa pirotecnia impressionante, o mais importante núcleo de A Origem está na relação de Cobb com sua esposa falecida, Mal (Marion Cotillard). Como o protagonista é incapaz de esquecê-la, ela está constantemente invadindo seus sonhos e atrapalhando a missão da equipe, garantindo a Mal um papel tanto como desenvolvimento de personagem como artifício para trazer reviravoltas na narrativa. Nesse lado mais melancólico e emocional acerca dos sentimentos de Cobb, é onde encontramos um Nolan raiz, muito próximo de seus primeiros filmes.

Através de flashbacks conduzidos pelo protagonista, vemos que ele e sua esposa estudavam o conceito de sonho compartilhado, e também do profundo nível do Limbo. Horas transformavam-se em dias ali, e o casal acabou ficando o equivalente a 50 anos imerso em seu mundo de sonhos experimental, praticamente construindo uma nova vida através de memórias antigas e design de prédios futuristas. É até forte quando Cobb usa o termo de "almas velhas" para descrevê-los, pois como é possível que uma pessoa viva por 50 anos sem ter algum tipo de envelhecimento, seja da mente ou da alma, como diz o extrator?

É quando, sem trocadilho, A Origem realmente sente-se mais profundo. Temos a noção de um mundo completamente novo e sem limites coexistindo com o real, e sem limites para mortalidade ou... qualquer coisa. O drama começa quando Cobb não consegue mais aceitar aquela realidade falsa, e, como Mal se recusava a sair, secretamente faz uma inception nela; implantando a ideia de que aquele mundo não era real. Porém, a ideia é tão forte que acaba dominando a mente de Mal mesmo na realidade, forçando seu suicídio para "acordar" daquela realidade. É uma ironia dramática das mais intensas e provocadoras da carreira de Nolan, e a decisão de guardar apenas para o final a revelação de que Cobb era o responsável pela inception oferece a solução para o dilema do personagem, e finalmente entendemos o real motivo de Mal invadir seus sonhos e agir de forma tão hostil: não é apenas uma saudade, é a culpa de ter causado sua morte que realmente o assombra.

Dando vida a esse personagem perturbado, temos uma das performances mais fascinantes da carreira de Leonardo DiCaprio, que se esforça para conter o temperamento explosivo e desesperado de Cobb através de um ar suave e trêmulo. Sempre que DiCaprio contracena com Cotillard, sua performance muda pra algo muito mais frágil e desesperado, com o seu olhar intenso sempre passando a impressão de estar diante de algo que lhe é incrível e delicado, e a forma como ele a toca em alguns momentos, é como se Cobb temesse que sua esposa evaporasse e sumisse ao vento.

Quando os dois tem um diálogo mais decisivo no clímax - que é, nada mais nada menos, do que Cobb conversando com ele mesmo - a grande catarse é Cobb aceitando a morte de sua esposa, e a responsabilidade de tê-la provocado, e o fato de DiCaprio se esforçar para evitar olhá-la nos olhos quando finalmente revela sua traição é mais um traço de sua atuação primorosa. E é justamente Ariadne, agora fazendo jus ao nome, quem ajuda Cobb a superar isso e, por fim, tirá-lo deste labirinto mental que é a sombra de Mal. Bem, ao menos essa é a versão mais evidente pelo filme, mas há quem discorde, o que nos leva ao próximo e mais polêmico tópico.

O Final

Trabalho com crítica cinematográfica há quase uma década (literalmente, em fevereiro do próximo ano marcarei 10 anos dessa empreitada), e nesse meio tempo vi sites surgirem, blogs se fortalecerem e também como as discussões na internet mudaram muito. Nesse intervalo de tempo, de 2008 pra cá, posso garantir que nunca vi nada ganhando a proporção do final ambíguo de A Origem. Se eu pegar as estatísticas de meu blog desativado, não me surpreenderia se o breve artigo que fiz em 2010 ainda estivesse sendo acessado hoje, 7 anos após sua estreia.

É aquela velha dúvida que intriga cinéfilos até hoje: Cobb está sonhando ou no mundo real quando os créditos começam a subir? Com o sucesso da inception, o extrator enfim consegue voltar para os EUA e reencontrar seus filhos. Sua felicidade é tamanha que ele precisa usar seu pião para confirmar que está mesmo no mundo real, mas ele corre para ver os filhos antes, ignorando o resultado de seu totem. Temos um caloroso abraço entre pai e seu casal de filhos, com o sorriso satisfatório de Michael Caine ganhando um plano próprio. Mas quando a câmera volta para a mesa, vemos que o brinquedo ainda está girando, mas com sinais claros de um possível desequilíbrio.

Mas essa é a questão. O pião não importa. O pião é apenas uma forma de Nolan distrair o público, da mesma forma como em O Grande Truque insistia para que o espectador olhasse com atenção, e entregava as respostas literalmente em nossa face - sem nos dizer nada. Pra começar, Arthur nos alerta no começo do filme que cada totem é intransferível: ninguém pode tocar no objeto além de seu dono, e sabemos muito bem que o pião de Cobb pertencera a Mal, o que já coloca sua credibilidade em jogo. Se isso não for o bastante, temos também a primeira cena do filme, onde o envelhecido Saito pega o pião de Cobb e diz em alto e bom som (talvez nem tanto, dada sua dicção idosa) que sabe o que é aquele objeto, e até mesmo o faz girar.

O pião não é o totem de Cobb, e talvez nunca tenha sido. O verdadeiro totem de Cobb é sua aliança de casamento, mesmo que ninguém nunca fale a respeito dela. É uma teoria que tem fundamentos, visto que o anel sempre aparece quando o protagonista está em um sonho (nos níveis da inception, nas aulas de Ariadne, o castelo japonês), mas que nunca está presente quando temos cenas no mundo real. Quando Cobb entrega seu passaporte para o agente do aeroporto no final do filme, antes de regressar à casa, vemos que não há anel algum em seu dedo, já reforçando a forte possibilidade de que Cobb está, sim, no mundo real. Além disso, as crianças de Cobb estão diferentes desde sua últimas aparições, mas o figurinista Jeffrey Kurland sabiamente usa tons e acessórios parecidos para confundir nossa percepção; o xadrez da camisa de James é diferente, assim como os sapatos de Phillipa também trocam de cor.

Da mesma forma como Cobb fez com Mal, ao colocar o pião girando dentro do cofre de seu subconsciente - criando a ideia de que o mundo não é real - Nolan literalmente faz a mesma coisa com o espectador. Ele coloca o pião rodopiante em nossa frente, e acaba criando a ilusão de que o protagonista realmente não está no mundo real, e todos saímos do cinema com essa falsa impressão. É uma inception do mundo real, literalmente. O 4D mais imersivo que alguém poderia imaginar.

A Origem é um filme único. Um blockbuster que parte de uma ideia original, misturando conceitos de ficção científica, cinema de terror e um profundo thriller psicológico, há muito o que se admirar no mais ousado e elaborado filme de Christopher Nolan, sendo impressionante o domínio do cineasta para criar mundos complexos e explorar seus limites mais extremos e desafiadores, transitando diferentes gêneros para alcançar um resultado difícil de se colocado em palavras.

Um filme de sonhos, de fato.

A Origem (Inception, EUA - 2010)

Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan
Elenco: Leonardo DiCaprio, Ellen Page, Joseph Gordon-Levitt, Tom Hardy, Marion Cotillard, Cillian Murphy, Ken Watanabe, Dileep Rao, Tom Berenger, Pete Postlethwaite, Michael Caine
Gênero: Ação, Ficção Científica
Duração: 148 min

https://www.youtube.com/watch?v=HiixbtN-O24

Leia mais sobre Christopher Nolan


by Lucas Nascimento

Crítica | O Grande Truque

Com Spoilers

Em 2006, quando Christopher Nolan estava começando a ter seu nome em alta após iniciar a trilogia do Cavaleirs das Trevas com o ótimo Batman Begins e estava planejando Batman – O Cavaleiro das Trevas fez um filme com as características que tinham chamado a atenção em seu primeiro grande sucesso, o excepcional Amnésia, lançado em 2001. Junto com o seu irmão, Jonathan, – que é seu parceiro de roteiros por boa parte da sua filmografia – fez um dos seus melhores filmes: O Grande Truque.

Como esse é um longa que é muito difícil de falar sem dar spoilers farei o seguinte trato com você, meu caro amigo leitor: dividirei esse texto em três partes – ou atos. Nas duas primeiras falarei sobre aspectos técnicos, enquanto na terceira desenvolverei elementos das reviravoltas envolvendo o final do filme. Quem conhece a obra de Nolan, sabe que plots twists são recorrentes em seus trabalhos e geralmente são fundamentais para a narrativa. Então, estejam avisados e vamos a mágica.

1º ATO: A PROMESSA

Baseado no livro de Christopher Priest, o filme se passa na Londres no final do século XIX. Alfred Borden (Christian Bale) é um talentoso mágico que está sendo julgado pela morte do seu colega mágico – e grande rival – Robert Angier (Hugh Jackman), que se afogou durante a sua última apresentação. Enquanto espera a sua sentença, Borden recebe o diário de Angier e ao lê-lo somos levados ao início de suas carreiras, quando ambos eram assistentes de John Cutter (Michael Caine), um engenheiro que prepara os truques. Por conta de um acidente durante uma apresentação, Borden e Angier iniciam uma rivalidade que os fazem entrar em uma constante obsessão de se destruírem e o preço para as suas escolhas se mostram muito altos.

Um dos pontos mais importantes a se destacar em O Grande Truque é a inteligência da estrutura narrativa feita pelo roteiro dos irmãos Nolan. É uma história contada de maneira não linear feita em três linhas diferentes (O presente; o passado de Angier enquanto Borden está lendo o seu diário; e quando Angier lê o diário do seu rival), que precisa de muito cuidado ao se narrar algo com uma estrutura como essa para que não se torne enfadonha e confusa. Isso vale no trabalho do roteiro dos irmãos, junto com a montagem cirúrgica de Lee Smith, colaborador de Nolan. Ambos acertam em dar um ritmo envolvente na trama e principalmente quando podem apresentar informações e personagens para a história. Exemplo: após vermos Borden impulsivo e obcecado na sua arte, somos apresentados a Sarah (Rebecca Hall) que o leva a mostrar o seu lado mais bondoso e compreensivo, que leva o espectador a ter uma identificação com o lado humano do personagem. Outro exemplo está na figura do inventor Nikola Tesla (David Bowie), que quando aparece para conhecer Angier o alerta sobre o preço de suas opções podem lhe causar. Não a toa o inventor – que realmente existiu – tinha uma forte rivalidade com Thomas Edison, que pode servir como uma rima narrativa entre o relacionamento entre Angier e Borden, em que um tentava destruir a reputação do outro.

Essas informações também estão dadas nos diálogos. As acusações de Nolan de ser excessivamente expositivo – que tendo a concordar em alguns filmes – não podem ser feitas em O Grande Truque. Como já disse, a estrutura narrativa tem que ser exata para cada informação dada. Se prestarem atenção, verão que todos os elementos que levam ao final estão no filme. Nenhum dialogo é dito em vão, pois a maioria fazem rimas narrativas com os incidentes futuros.

2º ATO: A VIRADA

Tecnicamente, Nolan sempre mostrou um olhar técnico virtuoso que melhora a cada filme. Não é diferente em O Grande Truque. Visualmente é um dos filmes interessantes do diretor. O design de produção junto com a direção de arte (ambas indicadas ao Oscar daquele ano) criam um clima pesado e opressor. Os cenários são feitos com cores frias e sem vida, enquanto a fotografia faz um interessante jogo de luz e sombras que mostram a natureza de seus personagens, além de criar uma atmosfera sombria e perigosa. Notem que há poucas cores quentes durante a projeção, além do diretor nunca mostrar os truques de magia como gloriosos. Esses são mostrados com grande admiração, mas nunca de uma maneira realmente gloriosa. Isso se deve ao fato do diretor querer mostrar um universo comum desses artistas que vivem de ludibriar o seu público e o jeito que retrata esse universo é cativante.

Além da direção de arte ter esse cuidado narrativo tem uma impecável reprodução de época. A Londres retratada é suja e sombria, evitando apenas o estereótipo de ser uma cidade apenas fria. A impressão que dá é que as pessoas vão aos espetáculos para esquecer como o mundo é miserável, como diz Angier em uma das melhores falas do filme.

Outro ponto interessante da direção de arte está nos figurinos. A maioria dos homens utilizam roupas com cores frias, com exceção do assistente de Tesla, Alley (Andy Serkis), que realmente se mostra fascinado com o universo em que vive. E o figurino dá pistas sobre o final do filme, falando sobre as naturezas dos seus personagens. Não apenas o figurino, mas o próprio design dos personagens. Prestem atenção como Borden se mostra desarrumado enquanto Angier sempre está elegante com terno, sobretudo, chapéu e cabelo penteado. Isso dá uma importante pista sobre o final.

Já que foram falados sobre os personagens, todo o elenco merece destaque, pois todos cumprem muito bem os seus papéis.Rebecca Hall e Scarlett Johansson mostram como as vítimas dessa rivalidade e dos sacrifícios de ambos. Em especial Hall, que consegue mostrar toda a sua tristeza quando não sente a sinceridade do marido. A participação de David Bowie como Tesla é ótima apesar de ser por pouco tempo. A sua composição é fria por fora, mas com alguns olhares que troca com Angier percebe-se que há uma identificação com o mágico. E o ótimo Michael Caine se mostra muito bem como o engenheiro que vê de perto o ponto que a rivalidade de ambos chega e a sua expressão de assustado com o desfecho de tudo é de ter pena.

Os dois protagonistas se mostram muito bem em seus papéis, pois além de terem uma boa química quando estão em cena, tem trabalhos de composições muito bem feitos. Hugh Jackman já tinha feito o ótimo Fonte da Vida no mesmo ano, que mostrava que tinha um alcance dramático invejável. Em O Grande Truque foi mostrado que não foi um acidente de percurso. Como Jackman é um ator mais expansivo usa isso ao seu favor para a sua composição: o que começa como vingança pessoal, vai se transformando uma terrível obsessão deixando o personagem cada vez mais frio e isso o olhar de Jackman vai ficando mais sombrio. O talento do ator é notável quando faz uma pequena participação como o divertido ator bêbado Root, que é o dublê de Angier em um de seus truques. Christian Bale não fica atrás fazendo com que Alfred Borden seja um grande enigma: uma hora é calmo e compreensivo com a família em outras se mostra mais explosivo e impulsivo. Se Jackman é um ator de métodos mais expansivos, Bale se mostra o oposto tendo uma composição fria e minimalista em que qualquer característica feita é um favor ao personagem e a narrativa.

Essas características ditas acima são a prova de como o filme é rico, além de ser muito bem feito. Pois bem, caro leitor se você não viu O Grande Truque e quer ter surpresas, pare por aqui. No último ato falarei sobre como Christopher Nolan orquestrou o final.

Leia por sua conta e risco.

3º ATO: O GRANDE TRUQUE – ESTÁ OLHANDO ATENTAMENTE?

A obsessão de Angier começa quando Borden cria um novo truque chamado O Homem Transportado. Desde o começo Cutter diz a Angier que o segredo do truque é um dublê igual. No fim, mostra que o engenheiro Fallon que sempre estava com Borden, era um irmão gêmeo disfarçado. Lembra que disse que ele mudava de comportamento? Em uma das cenas finais, a qual vemos Borden pressionando Fallon para que descubra o truque de Angier e no momento seguinte mostra Borden dizendo para Fallon para deixar o rival em paz. Se prestarem a atenção no eixo de câmera, parece que são pessoas diferentes: enquanto Borden impulsivo está a direita do quadro, o calmo está a esquerda do quadro. Quando o personagem inicia um romance com Olívia (Scarlet Johanson), ela o chama de Freddie em certos momentos, que pode ser visto como uma pista sobre a verdade dos gêmeos. A composição de Bale junto com essas pistas chegam a conclusão que Alfred Borden é um personagem, assim como Fallon. Aliás, mesmo esse personagem sendo mudo e misterioso, sempre fica a dúvida o porque Borden tinha um respeito e um cuidado com ele. Como se fossem irmãos.

Já quanto a reviravolta de Angier, também há pistas sobre sua real identidade. Assim como Borden, Robert Angier era um personagem vivido pelo Lorde Caldlow. No começo, quando está falando com sua esposa Julia (Piper Perabo) – a qual a sua morte se torna o início da rivalidade dos mágicos – , Robert comenta que mudou de nome para não envergonhar a família e sobre criar uma falsa identidade. Ser o lorde justifica como ele conseguiu o dinheiro para as suas viagens para a América e financiar a máquina feita por Tesla. Além de Jackman imprimir um leve sotaque britânico quando fala como Caldlow.

Mas Angier/Caldlow não estava morto? O verdadeiro foi vítima de sua obsessão, como Tesla havia previsto. A máquina fazia cópias exatas com a mesma consciência do original e quando Angier a testa pela primeira vez, avisa “Espera! Eu sou…” antes da cópia atirar nele. Provavelmente ele diria “Espera! Eu sou o original!”.

O tanque embaixo do palco em que ele se afoga, pode ser interpretado como uma armadilha para incriminar o seu rival ou como uma penitência pelos seus pecados como se uma parte dele quisesse se juntar a Julia. Por mais que Angier se mostre cada vez mais cruel durante a projeção, uma parte dele podia querer uma vida comum, tanto que inveja a família de Borden em uma parte.

No fim, ambos perderam muito por conta de suas rivalidades e obsessões. Como esse segundo é um tema recorrente na obra de Nolan e em O Grande Truque é o que realmente mostra as consequências de seus atos, sem apelar para o moralismo.

Enfim, é facilmente um dos filmes mais envolventes de Christopher Nolan. Ele demonstra grande segurança e cuidado ao narrar uma história, é tecnicamente muito bem cuidado e tira ótimas atuações. É um filme que se você olhar com cuidado irá ver como as pistas estão ali. Mas você não quer olhar atentamente, quer ser enganado, exatamente como o grande ilusionista por trás da câmera propõem.

Pura mágica.

O Grande Truque (The Prestige, EUA/Inglaterra – 2006)

Direção: Christopher Nolan
Roteiro: Christopher Nolan e Jonathan Nolan, baseado no livro de Christopher Priest
Elenco: Hugh Jackman, Christian Bale, Michael Caine, Scarlet Johansson, Rebecca Hall, Andy Serkis e David Bowie
Gênero: Suspense
Duração: 130 minutos

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by Redação Bastidores

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