logo
  • Início
  • Notícias
    • Viral
    • Cinema
    • Séries
    • Games
    • Quadrinhos
    • Famosos
    • Livros
    • Tecnologia
  • Críticas
    • Cinema
    • Games
    • TV
    • Quadrinhos
    • Livros
  • Artigos
  • Listas
  • Colunas
  • Search

Críticas

Crítica | A Longa Caminhada de Billy Lynn

É sempre curioso ver os projetos que diretores escolhem após uma vitória no Oscar. Podem ser escolhas que os mantém na temporada de prêmios, como foi o caso de Kathryn Bigelow ao fazer A Hora Mais Escura após Guerra ao Terror, Danny Boyle seguir com histórias de sobrevivência com 127 Horas após seu Quem quer Ser um Milionário? fazer a limpa, ou o caso recente de Alejandro G. Iñarritu, que saiu vitorioso na categoria de Diretor duas vezes consecutivas, por Birdman e O Regresso. Praticamente todos os diretores dessa última década acabaram retornando aos prêmios da Academia logo com seus projetos seguintes à vitória.

Porém, é bizarro quando seus trabalhos seguintes acabam sendo negligenciados, e é simplesmente inacreditável que o cineasta Ang Lee tenha tido uma recepção tão indiferente ao promissor A Longa Caminhada de Billy Lynn, que marca seu retorno após a vitória por As Aventuras de Pi e também um importante experimento tecnológico, visto o ambicioso formato de gravação optado pelo diretor. Infelizmente, a recepção negativa e a total ignorada do projeto não foram à toa, já que o filme realmente é muito, muito fraco.

O filme adapta o livro homônimo de Ben Fountain, acompanhando a turnê que um pelotão das tropas americanas realiza pelo país após uma batalha na Guerra do Iraque, em 2004. A passada dos soldados é particularmente marcante pela presença de um certo Billy Lynn (o estreante Jon Alwyn), que recebeu condecorações e uma fama inesperada após um vídeo seu realizando um ato de heroísmo em pleno campo de batalha viralizar. Assim, acompanhamos os pensamentos e dilemas de Billy enquanto segue para o grande show de inte  rvalo de um jogo da NFL, assim como os dramas pessoais que circundam a vida que deixou para trás ao se alistar.

Um dos grandes problemas em se analisar Billy Lynn é a impossibilidade de conferi-lo na versão desejada por Lee, que gravou o filme em 3D e com uma taxa de frame rate de inacreditáveis 120 frames por segundo (como comparação, um filme normal tem 24fps, a televisão 30fps e a trilogia Hobbit de Peter Jackson arriscou exibir suas imagens em 48fps), algo que nunca fora realizado no cinema antes. Isso torna as imagens mais vívidas e nítidas, e talvez até justificasse a decisão do filme em apostar em cores tão naturais e até uma fotografia que retrata o violento combate no Iraque de forma tão... Limpa e cirúrgica, o que claramente provoca uma estranheza - até se compararmos com o trabalho de Kathryn Bigelow nos filmes citados acima.

Mas, de qualquer forma, por mais fascinante que o resultado visual possa ter sido em sua versão original, não corrigiria o fato de que A Longa Caminhada de Billy Lynn tem uma história fraca e que falha em conquistar qualquer afeto ou identificação com seus personagens. O roteiro de Jean-Christophe Castelli (estreando na função após produzir As Aventuras de Pi) flerta com a abordagem de diversos temas interessantes, em especial a forma como as conquistas das tropas rapidamente tornaram-se um entretenimento para as massas e garantiram uma desconfortável atenção, desde o conceito do show do intervalo até o fato de que estúdios de Hollywood tentam barganhar uma adaptação cinematográfica baseada nos feitos do pelotão.

Porém, tudo surge artificial e clichê, sem a presença de um conflito maior que realmente justificasse essas subtramas, e também pelo fato de que Chris Rock e Steve Martin (duas figuras cruciais nesse núcleo) sejam tão maniqueístas e vazios, e o próprio personagem de Rock invalida um discurso de moral de um dos soldados ao comentar que "se isso fosse um filme, esse seria o grande momento", em um grave erro que literalmente joga pela janela tudo o que o filme vinha tentando construir em troca de uma metalinguagem imprópria. E ainda que Castelli tente aprofundar na visão pública da população americana em geral do trabalho das tropas, armar um conflito físico entre os protagonistas e um grupo de civis sem o menor motivo é uma jogada infeliz e risível, enfraquecendo ainda mais o clímax da narrativa.

O estresse pós-traumático de Billy Lynn também é difícil de ser sentido, ainda que o texto de Castelli constantemente afirme que o soldado sofre de algo e que sua irmã Kathryn (Kristen Stewart) insista em levá-lo para um psicólogo o mais rápido possível. Não há nada realmente concreto que nos faça crer nessa informação, com exceção da excelente performance de Jon Alwyn, que marca sua estreia como ator de forma carismática e emotiva. Se há um único elemento que mantém nosso interesse no filme e não nos faça cair de sono ou tédio, é a performance de Alwyn, cuja dinâmica com alguns dos personagens ainda eleva um trabalho regular de Garret Hedlund (o sargento durão) e de um eficiente Vin Diesel (o sargento espirituoso).

Não há muito invencionismo na direção de Ang Lee, ainda que - mesmo excluindo-se o 3D e o high frame rate - seja possível observar conceitos visuais elaborados e que impressionem pela plasticidade, como o gigantesco telão que traz imagens coloridas e um close pornográfico do rosto de Billy Lynn enquanto um show da extinta Destiny's Child (sério, temos dublês de corpo de Beyoncé) explode com sua pirotecnia ao fundo. De forma similar, a montagem de Tim Squyres é feliz ao bolar transições e fusões criativas (dada a estrutura de flashbacks constantes), que incluem fogos de artifício transformando-se em explosões de areia e até uma inesperada mixagem de som que combina o hino nacional americano com pensamentos eróticos de Lynn.

Com uma história tão fraca e falha em desenvolver seus temas e personagens, A Longa Caminhada de Billy Lynn provavelmente nasceu apenas para um experimento tecnológico, que infelizmente não fui capaz de conferir por simplesmente não ter chegado ao país. Mas que fique a lição, nada funciona sem uma boa história e um tratamento adequado.

A Longa Caminhada de Billy Lynn (Billy Lynn's Long Halftime Walk, EUA – 2016)
Direção: Ang Lee

Roteiro: Jean-Christophe Castelli
Elenco: Joe Alwin, Garrett Hedlund, Kristen Stewart, Vin Diesel, Chris Rock, Steve Martin, Makenzie Leigh
Gênero: Drama, Guerra
Duração: 113 minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=bEG2uamc324


by Lucas Nascimento

Crítica | Paixão Obsessiva

Bons tempos aqueles em que filmes thrillers de suspense eram lançados a rodo no mercado, com roteiro muitas vezes previsíveis, mas com uma trama envolvente e um vilão que fazia tanta maldade contra a mocinha ou mocinho que você ficava com raiva dele. Sem contar as reviravoltas que te deixavam com o olho na tela.

Nesse século (2000 em diante) poucas produções conseguiram passar esse ar angustiante das produções das décadas de 80/90. As histórias rodavam geralmente entre alguém que você conhecesse e estava por trás de toda maldade imposta ao personagem principal, ou o medo de que alguém entrasse em sua casa com outro pensamento se não te visitar. 

Longas como A Mão Que Balança o Berço e Invasão de Privacidade são clássicos no seguimento de thriller que explora bem o vilão principal e contam com uma boa narrativa. A estreia da semana é um suspense se não é bom é bastante esforçado em tentar trazer esse ar de sombrio de volta aos cinemas. Paixão Obsessiva é dirigido pela estreante como diretora Denise Di Novi e conta no elenco com as atrizes experientes Katherine Heigl (Ligeiramente Grávidos) e Rosario Dawson (Em Transe).

O bom dessa produção é a narrativa simples e seu arco de personagens que é curto e muito bem desenvolvido. Rudo que é apresentado está lá por algum motivo e não há uma enrolação em desenvolver a história. Não há cenas desnecessárias, os personagens são feitos na medida para cada ator/atriz. Tudo muito em pensado.

Na trama Tessa (Katherine Heigl) é ex-mulher de David (George Stults). O casamento entre os dois terminara alguns anos antes e então ele começa um novo relacionamento com Julia (Rosario Dawson). Ela se mudou para a cidade em que ele vive recentemente e não tem muitos amigos por lá. Há um elemento no meio disso tudo que é a filha dos dois, a guarda é compartilhada alguns dias com o pai outros com a mãe. Tessa irá fazer de tudo para usar a garota como arma contra a sua "rival". Ela ainda se sente parte da família, sente inveja de Julia, tem medo de perder a filha para a madrasta e a todo instante aparece na vida dos dois para mostrar que está lá caso ele precise dela. Só que ela não é mais esposa dele e só a presença dela irritaria qualquer mulher que estivesse no lugar de Julia. 

Tessa parece não engolir muito bem esse novo relacionamento de seu ex e seu comportamento obsessivo por David começa a aparecer pouco a pouco. É mostrado no filme que Julia teve um caso  antigo e problemático com um homem e que havia uma ordem de restrição caso que ele se aproximasse dela. O problema é que essa ordem de restrição termina e ela se sente cada vez mais em perigo com esse homem a solta. Tessa começa a achar que está em uma competição e começa a fazer de tudo para atrapalhar a vida dos dois, em especial de Julia que ela acusa de ser uma mulher perigosa para sua filha. Aos poucos o longa vai mostrando que o ciúmes dela com a nova esposa vai se tornando algo pior.

A todo momento a personagem de Katherine é apresentada como uma rainha com seu figurino exuberante e sua postura impecável e Julia como uma mulher gentil e calma, tão calma que chega a irritar.  David é outro personagem que acredita que sua ex é uma santa, mal sabe ele o que estaria por vir.

Difícil falar mais do filme sem contar trechos importantes para o desenvolvimento da narrativa. A questão é que Paixão Obsessiva poderia ser mais do que de fato é: um filme de suspense a altura dos clássicos anteriormente citados. A verdade é que esse longa é bastante regular com altos e baixos. Ele começa mostrando as personagens, quem elas são, seus problemas particulares e depois começa a explorar esse lado obsessivo de Tessa e o lado mais tranquilo de Julia. Mas faltou o principal para um filme que quer ser um thriller de qualidade que é o suspense.

Denise Di Novi ficou tão preocupada em desenvolver os personagens, a narrativa, e em criar uma atmosfera de perseguição obsessiva que esqueceu de colocar um suspense que te deixe plantado no sofá. Muitas das maldades realizadas por Tessa são óbvias e você sabe mais ou menos o que virá a seguir. E a paixão obsessiva na qual se refere o título poderia ser melhor apresentada e desenvolvida, não fica claro se a obsessão é pelo marido ou pela filha ou pelos dois. Ela não demonstra sentimento nem culpa de seus atos e se finge de coitada a todo o momento, uma personagem muito bem explorada, só faltou como disse acima uma decisão por parte de quem ela tinha uma obsessão.

Só aplausos para as atuações de Katherine Heigl e Rosario Dawson. Duas ótimas atrizes escanteadas para produções menores. Rosario vem aparecendo nas séries da Marvel/Netflix do futuro grupo chamado de Defensores, enquanto Katherine vive de aparições em romances meia-boca. Katherine é uma excelente atriz e merece melhores chances para mostrar o seu talento, sua imagem está presa aos romances e essa é uma ótima oportunidade de mostrar que ela pode sim interpretar outros papéis. Rosario já tem uma carreira melhor elaborada no cinema e falta uma oportunidade em um bom filme para mostrar seu talento.

Nesse embate entre as duas Katherine vence, a personagem da vilã é melhor desenvolvida que a da mocinha e muito mais divertida. Julia (Rosario) é muito sonsa, para não dizer boba, já Tessa (Katherine) é muito mais atuante, sempre armando para cima da atual madrasta de sua filha, é cínica e faz o filme rodar. Uma menção deve ser feita: a mãe de Tessa no filme (Cheryl Ladd) é de dar medo e merecia ter sido melhor incluída na história, até porque ela parece ser mais psicopata que a filha. No geral Paixão Obsessiva é um bom entretenimento, poderia ser mais do que é, mas mesmo assim traz a lembrança dos bons filmes das décadas de 80/90 que eram muito divertidos. 

Escrito por Gabriel Danius.

Paixão Obsessiva (Unforgettable, 2017)

Direção: Denise Di Novi
Roteiro: Christina Hodson, David Leslie Johnson
Elenco: Rosario Dawson, Katherine Heigl, Geoff Stults, Cheryl Ladd, Isabella Kai Rice
Gênero: Drama, Thriller
Duração: 100 min

https://www.youtube.com/watch?v=rjs--wRk7EQ


by Gabriel Danius

Crítica | Vida

É um tanto engraçado e assustador se pararmos para pensar que apenas a franquia Alien aborda o terror da exploração espacial em naves ou planetas desconhecidos. O acerto de Ridley Scott foi tão grande que nenhum roteirista ou cineasta ousou tatear esse terreno dominado com maestria por Ripley e os xenomorfos. Para os fãs de terror espacial essa grande espera por mais filmes sobre o tema finalmente acabou com Vida que, ironicamente, vem sendo acusado de ser uma cópia descarada de Alien – O Oitavo Passageiro.

Em Vida, acompanhamos seis astronautas residentes da ISS – Estação Espacial Internacional. Eles se preparam para receber amostras do solo marciano que estão a bordo de uma sonda desgovernada após colisão com asteroides. Com algum esforço, as amostras são salvas e preparadas para estudo ali mesmo na Estação. O biólogo Hugh logo descobre seres microscópicos hibernando por bilhões de anos naquelas amostras decidindo tentar ressuscitá-las. Em pouco tempo, a bactéria marciana começa a responder os estímulos do biólogo, crescendo rápido em questão de poucos dias. Porém, conforme cresce, comportamentos violentos passam a surgir na criatura colocando não só a ISS e os astronautas em risco, mas todo o planeta Terra.

Enigma Marciano

Os também roteiristas de Deadpool, Rhet Reese e Paul Wernick, se arriscam pela primeira vez no ‘sci-fi’ com Vida e, por incrível que possa parecer, fizeram um trabalho bastante satisfatório. No começo, há nítido desenvolvimento de euforia pela incrível descoberta que, inclusive, passa a impactar o psicológico dos personagens. Como essa é uma narrativa de grupo, a coesão é extremamente necessária para desenvolvê-los e em Vida, os roteiristas levam isso muito a sério a ponto de prejudicar a construção de alguns deles.

De todos os seis, é possível apontar que ao menos um consegue ser desenvolvido de modo minimamente satisfatório: o biólogo paraplégico Hugh. Com síndrome de ser Deus, Hugh cria laços afetivos com a criatura, muitas vezes se negando ao fato de que seja um ser hostil. Nisso, até mesmo sua paraplegia e um jogo ambíguo de diálogos deixam sua moralidade em relação aos colegas e o alienígena batizado de ‘Calvin’.

Seguindo essa linha clichê, há algumas características que conferem certa personalidade ao restante da equipe. David, que detesta a vida mundana do homem na Terra, irá quebrar o recorde de mais dias vividos no espaço – o desfecho do personagem é extremamente irônico. Miranda é responsável pelos firewalls, as medidas de contenção e quarentena para proteger a equipe da criatura e risco de contaminação – meio óbvio dizer que ela falha em praticamente tudo da sua função. Ekaterina é a capitã da Estação (só). Sho deseja retornar ao planeta para conhecer sua filha recém-nascida e Rory é o alívio cômico descartável.

É um trabalho bastante rasteiro para a grande maioria da equipe, mas, por competência do elenco muito eficiente de boas atuações de Jake Gyllenhaal, Rebecca Ferguson, Hiroyuki Sanada e Ariyon Bakare, é fácil incutir empatia e identificação com o espectador.

A narrativa em si é uma das mais ferrenhas ao pessimismo cósmico – é até mesmo mais cruel do que as narrativas de Alien. Os roteiristas trabalham sempre na perspectiva do pior cenário possível. Como um evento sem leva ao outro para que o filme e a matança continuem, é preciso sim muita suspensão da descrença.

Como a proposta do filme é calcada em um polêmico ‘e se’ contemporâneo e toda a abordagem das áreas técnicas ser bastante realista, o espectador terá que aceitar alguns elementos inacreditáveis criados pelos roteiristas. O principal deles é a criatura que quebra, constantemente, as regras estabelecidas previamente. Sem oferecer spoilers, diversas vezes os roteiristas esquecem de informações passadas nos estágios iniciais da vida do marciano entrando sempre em colisão com a aparente invulnerabilidade extrema do bicho.

O outro ponto se trata das decisões (más) dos personagens que muitas vezes agem com despreparo completo – mesmo que haja um protocolo dos quais Miranda fica quieta até o circo pegar fogo. O interessante é notar que algumas ações são tomadas através do estado de pânico que alguns astronautas ficam ou outras que parecem moralmente dúbias.

Sobre esses roteirismos e diversas conveniências narrativas jogadas em tela, há muito pouco do que reclamar. O longa abraça a estrutura de Alien e não se desprende até seu final inovando pouco, resolvendo alguns desafios com preguiça criativa e quebrando suas regras a todo o momento conforme o marciano “evolui” jogando todo o mambo jambo científico sobre a criatura em escanteio. O problema reside mesmo nessas quebras do ‘realismo’ anteriormente proposto. Isso, na sessão, não me incomodou, mas pode incomodar alguém que espere uma ficção científica “raiz”.

Saindo do Escuro

Daniel Espinosa era um grande desconhecido até dirigir Vida assim como Ridley Scott era com Alien – mesmo que Os Duelistas seja um baita de um filme. Essa semelhança de momento na carreira dos dois, é realmente interessante dada a maneira como esta ficção se comporta com sua notória referência mestra.

Para quem esperava um estupendo desastre na direção de Espinosa, sairá muito decepcionado, pois o diretor sustenta o roteiro razoável com mãos firmes tornando essa obra a mais tensa e enervante do ano – isso é, até Alien Covenant chegar no mês que vem.

Já para abrir seu modesto blockbusters, Espinosa trabalha a câmera em um longo plano sequência falseado que explora a geografia apertada da ISS enquanto os astronautas flutuam pela Estação enquanto se preparam para apanhar as amostras desgovernadas (já um foreshadowing do desastre anunciado da descoberta da vida alienígena). Assim como os personagens, a câmera flutua no ambiente sem gravidade invertendo eixos verticais a todo o momento gerando uma leve vertigem – essa sensação nauseante perdura por um bom tempo. Toda essa encenação é feita com extremo cuidado agregando muito neste primeiro “parto” para salvar as amostras.

Outro bom elemento de sua direção é a diferente abordagem que ele tem tanto para a criatura quanto para os astronautas. Ao contrário de Alien, um filme de horror de suspense, Espinosa faz de Vida quase um slasher (diminuindo o grau de violência gráfica). O diretor mostra a criatura sem nenhum receio e a utiliza em diversos segmentos do filme com embates diretor entre os heróis.

Além de permitir que o espectador estude a biologia do monstro que revela bastante do ecossistema marciano caso pensemos nisso, Espinosa constrói um paralelo duro entre a fragilidade da vida humana (de fácil replicação) com a resistência sobrenatural do marciano que custou a renascer. Não é preciso pensar muito para notar como esse discurso de vida x morte permeia o filme inteiro.

Inclusive, nesse sentido da valorização da criatura e das emoções humanas transmitidas tão competentemente pelo elenco, que o filme ganha certas camadas de complexidade garantidas pela encenação de Espinosa. É extremamente importante notar como o marciano se comporta no primeiro contato com duas criaturas terrestres agindo com certa inocência e curiosidade que rapidamente se transforma em instinto assassino no primeiríssimo momento que se sente ameaçada – isso é levemente sugerido pelo discurso do biólogo.

Essas breves sequências contrastadas com olhares de ternura, sofrimento, deslumbramento, desespero e profundo ódio dos personagens edificam uma relação interessante entre antagonista vs. mocinhos. Além dessa atenção preciosa, Espinosa se esforça para criar sequências de extrema tensão sendo a mais enervante o primeiro ataque de Calvin. Depois, infelizmente, suas cenas exigem muito da potência da ótima trilha musical de Jon Ekstrand para nos deixarem colados na poltrona. Todavia, nada supera a excelente cena citada.

Importante também ressaltar a potência lírica da música original de Ekstrand. Ela traduz diversos sentimentos, além de potencializar o suspense da obra. Há arranjos belíssimos para refletir a euforia da descoberta da vida, assim como há outros incômodos demais. A questão da música ser muitas vezes maior que a encenação é um eterno debate dentro da crítica de cinema. Tem gente que condena quando isso acontece, a julgando pouco “orgânica”. Já eu, acho que Ekstrand fez um trabalho excepcional que se sustenta com ou sem filme.

Também gosto consideravelmente quando Espinosa tateia a simbologia das boas imagens da obra. Quase todas são funcionais, mas algumas quebram essa função primordial para dizer algo a mais. Algumas mimetizam a Criação de Adão de Michelangelo, outras flertam com a concepção da vida – principalmente o plano que fecha o filme remetendo a um óvulo e espermatozoides.

Espinosa erra somente quando inventa de colocar sua câmera como ponto de vista da criatura que resulta em uma bizarrice que quebra o realismo do filme – até mesmo a música de Ekstrand assume ares de super-herói totalmente inconvenientes. São planos que poderiam ter sido removidos pois agregam nada à narrativa.

Nova Vida

Vida é um ótimo divertimento para qualquer espectador que flerte com o gênero de ficção científica – principalmente na vertente de horror espacial. A atmosfera realista tão bem traduzida pelo visual estupendo da obra agrega muito para a tensão eficiente que o diretor constrói ao longo da obra. Desse modo, Vida se torna uma das experiências mais tensas que você pode experimentar nos cinemas neste ano. As poucas falhas ou decepções causadas seja pela estrutura vinda de Alien ou de mau uso de computação gráfica não tiram o brilho vivaz e muito funcional dessa ótima empreitada da Sony.

Vida (Life, EUA – 2017)

Direção: Daniel Espinosa
Roteiro: Rhett Reese, Paul Wernick
Elenco: Ryan Reynolds, Rebecca Ferguson, Jake Gyllehaal, Hiroyuki Sanada, Ariyon Bakare, Olga Dihovchnaya
Gênero: ficção científica, horror espacial, slasher
Duração: 104 minutos

https://www.youtube.com/watch?v=W3nfZKyGeuU


by Matheus Fragata

Crítica | Martírio

Já próximo ao final de Corumbiara (2009), longa anterior do Vincent Carelli, o próprio diretor é filmado em uma conversa: “Não se trata mais de provar ou não, mas de contar a história”. Carelli trabalha desde a década de 80 no eixo do cinema indigenista, usando do vídeo como anteparo concreto e muito corporal da sua aproximação com as diversas tribos com que teve contato. É antropólogo e trabalhou também na formação de cineastas indígenas, contribuiu para o jornalismo e foi figura ativa em grandes encontros entre o branco e populações indígenas com pouco ou nenhum contato com a “civilização”.

No filme de 2009, fez uma investigação, partindo do massacre, em 1985, de um grupo de índios isolados do sul de Rondônia. Vê-se que foi uma investigação extensa, complexa, que um documentarista menos interessado na compreensão para além do entendimento (isto é., num relato capaz de ultrapassar o registro informativo, cognitivo, mas sim atravessado pela subjetividade – no caso, do cineasta, mas principalmente dos sobreviventes).

O que não falta em Corumbiara são provas, indícios cabais da violência monstruosa do Estado e dos agricultores da região com os índios, que não deixam dúvida do comodismo e do discurso invisibilizador que assola as minorias no Brasil. Carelli sabe do poder do registro para a sociedade, do “ver para crer”, escapando como pode do “fazer crer”. Além dos encontros com os indígenas, Carelli também faz suas investigações com a câmera escondida, no que o jornalismo investigativo mais excita. Suas imagens batalham ferozmente contra o esquecimento. Enfim, chegamos em Martírio, um dos documentários mais potentes, dolorosos e bem construídos da filmografia brasileira recente.

Martírio é em primeiro lugar uma resistência. Mas não como um mero grito de revolta, rápido, que não reverbera em superfície alguma; muito menos uma palestra arrastada e monotônica. Para os padrões cinematográficos, o filme pode ser taxado de longo: duas horas e quarenta. Entretanto, ver esse aspecto, inclusive colocando-o acima de inúmeros méritos do filme, como um obstáculo denota uma posição muito conformista. Justamente pela extensão maior, Carelli consegue enfiar o dedo na ferida e espremer o pus. Quer dizer, para uma sociedade que por décadas e décadas negou a imagem, a representação, a documentação, enfim, um espaço na(s) História(s) para os indígenas – como para outros –, Martírio ainda é pouco.

Nesse longa, o cineasta mais uma vez recorre às suas experiências desde a década de 80, agora para falar sobre os Guarani-Kaiowá e o grande problema com as demarcações de terras. Em comparação com seu longa anterior, Martírio vai ainda mais fundo na História do país. Usa de recursos visuais (como mapas animados) para voltar no tempo e mostrar todo o processo de extermínio que assolou a população Guarani-Kaiowá com a expansão agrária, especialmente com o plantio de erva-mate, com destaque para o período da monstruosa Guerra do Paraguai. Sem esquecer das ondas de suicídios, na jagunçagem, na violência desmedida dos fazendeiros contra os indígenas.

Vale notar que o filme não segue uma ordem mais objetiva, cronológica dos fatos, convencional. Tanto é que logo nos primeiros minutos, logo antes do título preencher a tela, vemos um discurso acalorado da então ministra Kátia Abreu. Vincent Carelli e os colaboradores Ernesto Carvalho e Tita merecem aplausos para além do ato político. Martírio é também uma excelente narrativa – mais uma razão para não crucificar a extensão do filme. Alternando entre gravações mais recentes, outras feitas há décadas, exposição de imagens, narrações em off e cenas de noticiários e da programação política, o filme chama a atenção do espectador pela riqueza dos seus raciocínios. O filme é repleto de afluentes, de momentos aparentemente secundários, mas tudo acaba se amarrando muito bem na ordem e na medida em que são expostos. Onde mais Carelli poderia ter sido sincero no que se propõe a fazer para tornar o filme mais “cinematográfico”? Comparar o longa com Serras da Desordem (2006), belíssimo filme de Andrea Tonacci, como é também toda sua filmografia, me parece injusto e impreciso. Tonacci tinha uma outra relação com a imagem, fazia um cinema de outros anseios; o artifício era aceitável para demonstrar as metáforas, o corpo do cineasta se extinguia na tela para reforçar uma subjetividade sublimada. Eticamente, porém, os filmes são equiparáveis.

A militância bem embasada, concreta, por si, já valeria a legitimação. Mas Martírio também arranja espaço para a dúvida. O que a narrativa consegue deixar bem claro é que o processo crítico não pode ser limitado a um relativismo básico e que não chega a lugar nenhum, ou seja, um mero “olhar os dois lados da questão”.

Martírio é um filme doloroso, incômodo, o contrário de uma narrativa kafkiana. “O espantoso, em Kafka, é que o espantoso não espanta ninguém”, diria Günther Anders. Nesse sentido, foge a todo custo do objetivismo, da mesma forma que do sensacionalismo. Em comparação com Corumbiara, inclusive, há menos cenas de câmera escondida – na verdade, nenhuma de formato igual ao do longa anterior. Existe aí um processo análogo à frontalidade da encenação. Carelli fecha o filme justamente em uma nota alta, em que finalmente um sujeito indígena, direto da sua realidade, vai capturar imagens do seu ponto de vista, sem a presença da equipe de filmagens. Encerramento este que bate de frente com um outro vídeo que aparece em certa altura de Martírio, e que foi utilizado por políticos brasileiros como prova do “terrorismo indígena”. Quando vemos uma multidão exaltar, com todas as letras, que a terra e o trabalho são mais importantes que a vida, Carelli não nos força a crer em nada. Há algo de podre no reino da Dinamarca.

Martírio (idem, Brasil – 2016)

Direção: Vincent Carelli, Ernesto de Carvalho e Tita
Roteiro: Vincent Carelli
Gênero: Documentário
Duração: 160 min

https://www.youtube.com/watch?v=5zVzRAiDR78


by Redação Bastidores

Crítica | Paterson

Paterson (Adam Driver), de Paterson (Nova Jersey), vive em um padrão (pattern em inglês). Paterson (2016) é um filme cíclico, que se repete. Paterson fala sobre a rotina e o cotidiano. E se passa, em tempo e espaço, no período de uma semana. O personagem-título é um poeta que conduz um dos ônibus municipais da cidade-título. Durante o ofício, escuta conversas banais e escreve em seu caderno durante pequenas pausas. Os lindos textos, aliás, são cortesia do poeta americano Ron Padgett.

O personagem de Adam Driver vive num relacionamento estático com Laura (Golshifteh Farahani). A relação deles é um dos pontos chaves do longa, pois reflete o cotidiano não agressivo onde Paterson é ambientado. Não há conflito entre os dois, pois ambos se amam, confortam e aceitam como são. Paterson é introvertido, mas vive do lado de fora, enquanto Laura é extrovertida, mas seu mundo inteiro é aquela casa onde mora. Ela constrói sua existência conforme decora a lar. Os dias avançam – o longa começa numa segunda-feira – e o ambiente doméstico é enfeitado com formas circulares em apenas duas cores: preto e branco. Simples, sem nuances ou seilaquantos tons de cinza. Ciclos. Ela pensa assim, é uma personagem que sobrevive da simplicidade de suas vontades, um dia de cada vez.

Uma parte de Paterson também é conformada, pois não tenta acelerar o próprio tempo. Ele sequer tem ambições de publicar seus escritos apesar dos incentivos de sua namorada. Ainda assim, sabemos que o protagonista tem muito mais substância – lemos seus poemas, afinal. Talvez ele se divida em dois: o poeta e o ordinário. Um que observa, reflete e escreve; e aquele que aceita sua condição, trabalho e porto seguro. Possivelmente por conta dessa desfragmentação individual, que ele enxergue tantos pares de gêmeos na cidade ao longo do dia-a-dia.

Marvin (interpretado pela excelente Nellie), o buldogue inglês de estimação, parece uma manifestação do ego de Paterson. Está sempre presente – menos no ofício ou nos poemas – e opina honestamente em algumas situações. O cão leva Paterson todos dias para passear, até que aguarda pacientemente do lado de fora do bar – o balcão não é lugar para o ego. Paterson entra e sua razão torna-se, então, o barman de bochechas cheias, Doc (Barry Shabaka Henley). Este é sábio, familiar, diz que sabe várias coisas sobre várias coisas. Lá, é como se fosse o dono do local. Paterson, então, acorda na terça e outro dia começa.

“Cada dia das nossas vidas é como uma pequena variação do dia anterior”, conta em entrevista o diretor Jim Jarmuschi. Ele, que descreve o filme como “uma pequena celebração de pequenos detalhes da vida”, fez, de fato, de “Paterson”, um estudo de cotidiano. Nessa obra não há conflitos, mas a possibilidade deles. O diretor dá a melhor demonstração de domínio narrativo de sua carreira, que conta como os excelentes “Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013) e “Flores Partidas” (Broken Flowers, 2005), entre outras preciosidades.

Paterson é intensamente leve. A trilha sonora (desde sempre excelente na mão de Jarmusch que já trabalhou até com Mulatu Astatke em “Flores Partidas”), a química entre o casal, as conversas banais entre passageiros do ônibus, os breves alvoroços no bar. Todos esses elementos colaboram com esse tom que o filme nos dá. Ao longo da trama, o telespectador é levado para alguns suaves pontos de pressão – com exceção do duro clímax –, o que faz com que fique com uma graciosa sensação de angústia que aperta suavemente o coração.

Escrito por Rodrigo de Assis

https://www.youtube.com/watch?v=75jZh2KT-Hw


by Redação Bastidores

Crítica | Apesar da Noite

“E de súbito a lembrança me apareceu. Aquele gosto era o do pedacinho de madeleine que minha tia Léonie me dava aos domingos pela manhã em Combray [...] quando nada subsiste de um passado antigo, depois da morte dos seres, depois da destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém mais vivazes, mais imateriais, mais persistentes, mais fiéis, o aroma e o sabor permanecem ainda por muito tempo, como almas, chamando-se, ouvindo, esperando, sobre as ruínas de tudo o mais, levando sem se submeterem, sobre suas gotículas quase impalpáveis, o imenso edifício das recordações.” É assim que o narrador/eu-lírico de Marcel Proust descreve um dos mais icônicos momentos de todo o Em Busca do Tempo Perdido: o contato com o doce reativa memórias. Nas primeiras cenas de Apesar da Noite, Louis (Paul Hamy) conversa com Lenz (Kristian Marr) sobre a importância da literatura e da sua relação primordial com o amor. Após esse “aviso”, é difícil não acompanhar o restante do filme dentro dessa chave literária.

Lenz está voltando para Paris a procura do que considera seu amor verdadeiro, Madeleine. O rapaz, entretanto, mantém relações com mais duas mulheres: a enfermeira Hélène (Ariane Labed) e a cantora Lena (Roxane Mesquida). Durante o filme, no entanto, só travamos contato com essas últimas mulheres. Madeleine, essa mulher de carne e osso (a Madalena bíblica) é uma representação – na memória (proustiana), no vídeo, no delírio –, uma busca que liga o enredo a superfície da tela de maneira única nas mãos de Phillippe Grandrieux.

Apesar da Noite é seu quarto longa de ficção. Além de documentários como Il se peut que la beauté ait renforcé notre résolution - Masao Adachi (2011), Grandrieux também trabalha com performances e vídeo instalações, nas quais os filmes White Epilepsy (2012) e Meurtrière (2015) são partes integrantes. Sua obra é variada, ainda que curta numericamente. A última vez que Grandrieux chegou nas telonas foi em 2008, com o refinadíssimo Um lago – particularmente, seu filme mais impressionante até o momento. Filme em que o estilo inconfundível da câmera do diretor (muito tremida, close-ups em excesso, desconfortantes, cenas com muita pouca luz, borradas, incertas, e ainda sim, muito concretas) encontrou um terreno perfeito no minimalismo da fábula, na narrativa pausada, austera e imprevisível. Os noventa minutos deste dão lugar para um filme de 2h36min, oito anos depois, crítico em relação ao que o cineasta já produziu.

De um lado, retoma a violência sexual de Sombra (1998) – filme que chegou a ser classificado como um “terror de mau gosto” na época de seu lançamento –, especialmente sob a emulação de snuff movies, em que a morte e a violência são registradas de forma bastante “realista”. O suficiente para aliar-se ao estilo frenético de Grandrieux e provocar náuseas no espectador. No entanto, passa longe da lógica do homem-animal, bruto e incomunicável, retratado em Uma Vida Nova (2002). É possível perceber, já no supracitado diálogo sobre literatura, que a palavra tem papel importante aqui. Apesar da Noite é seu filme mais verbal. Nesse sentido, a dupla de cineastas Jean-Marie Straub e Danièle Huillet aparecem como grande referência em algumas passagens, a exemplo da em que vemos o monólogo de Vitali (Johan Leysen), pai de Lena, dirigido a Lenz. Enquanto observamos os personagens num vazio negro, Grandrieux sobrepõe na tela os peixes exóticos de Vitali nadando, remetendo a L’Aquarium et la Nation (2014), baseado num texto de Malraux.

Entre cenas amorosas e sexo violento, cenas que exprimem autoridade e outras carinho, Lenz busca por Madeleine, adentrando um perigoso e obscuro mercado de produções pornográficas, da qual Hélène faz parte. Se nos filmes anteriores Grandrieux mal permitia que a luz entrasse em cena, agora, nas cenas mais violentas, ela invade a tela, estourando num branco sujo, promíscuo. O preto continua presente, pesado, mas a iluminação forçada é a atriz responsável pela claustrofobia, pelo incômodo, aliada aos planos fixos sem corte. Na linha dessa tensão provocativa – passível de críticas e de opiniões pouco amigáveis –, o filme se constrói entre o excesso, a ferida exposta, com sangue, gritaria e desespero; e momentos sensíveis, silenciosos ou musicados, ultrapassando a fronteira estetizante de atmosfera onírica.

Como o advérbio apesar já aponta no título, o filme consegue extrair uma substância abstrata dessa base rígida e repulsiva. Tal como o vício de Hélène em participar do universo pornográfico, apesar de todas as feridas que lhe causa, o filme constrói uma associação inseparável e inexplicável entre o brutal e o amoroso. E seria possível verbalizar alguma explicação? Seria ainda a personagem uma Helena de Tróia moderna que se vê entre a afirmação de sua feminilidade e a punição do adultério através de uma autoflagelação pelo sexo forçado? Em Apesar da Noite as explicações são abolidas, mas as interpretações são mais instintivas em comparação com seus outros filmes, ou mesmo com filmes de cinemas similares.

Se retomarmos uma das cenas iniciais de Sombra, lembraremos de uma multidão de crianças gritando (num misto de medo e divertimento) enquanto assistem a um teatro de sombras regido pelo protagonista serial killer. Isto é, Grandrieux procura uma relação primária com o cinema, próxima à Infância. Visão essa que se repete em Um Lago no comportamento do protagonista, na frustração do incesto não concretizado.

O que Grandrieux parece sugerir com suas imagens, com destaque para as diversas sobreposições que cria nesse último filme (além da cena com os peixes, uma que envolve a Torre Eiffel é outro ponto alto), é uma perspectiva da memória, da frouxidão da lembrança. Em contraposição a esses momentos mais livres, outros envolvendo fotografias (o registro material) trazem a dúvida pela própria incerteza do que retratam: seria mesmo Lenz e sua mãe ou uma amante sua e o filho? Lena, Hélène, Madeleine, Lola, Louis. Num plano da língua, uma aliteração une as personagens. Para o filme, é justamente essa a sua identidade. Uma confusão de aspectos e comportamentos empilhados e embaralhados no seu “imenso edifício das recordações”.


by Redação Bastidores

Crítica | Una

Una é um daqueles filmes que nos pegam de surpresa, que se esgueiram pelos lançamentos da semana de forma descompromissada, se configurando, imediatamente, como uma obra de grande força, trazendo um necessário, maduro e chocante olhar sobre uma temática extremamente controversa. Baseado na peça Blackbird de David Harrower, que assina o roteiro do longa-metragem, temos aqui um olhar perturbador sobre a pedofilia, que dispensa as costumeiras vilanizações às quais estamos acostumados.

É muito comum considerarmos como monstros pessoas que cometem certos tipos de crime, mas ao definir alguém através de um substantivo garantimos a eles uma certa imutabilidade, uma incapacidade de redenção que vai de encontro com a base de nosso sistema judiciário, nos jogando de volta à Lei de Talião, transformando as sentenças em apenas uma medida punitiva e não corretiva. Una é perturbador justamente por lidar de forma certa naquilo que tão facilmente nos sentimos compelidos a regredir a nossos estados mais primais como civilização.

Os primeiros minutos de projeção já nos entregam o peso de sua narrativa. Vemos uma menina de treze anos à frente de sua casa. Silenciosa ela caminha para uma cabana onde vê algo e um corte brusco nos leva para o claustrofóbico cenário de uma boate, com música eletrônica a todo o volume e luzes piscantes que apagam a individualidade daqueles ali presentes. Vemos, ali, Una (Rooney Mara), já crescida, que poucos instantes depois se encontra fazendo sexo com um estranho. Sentimos desde já que há algo de errado com ela, em sua expressão fisgamos o vazio típico de alguém preso em outro tempo ou situação – sabemos que a garota que vimos é ela e aquele é seu flashback.

A trama se desenrola e nos revela que a protagonista vivera, há tantos anos, uma relação pedófila com Ray (Ben Mendelsohn) que já estava em seus trinta anos durante o ocorrido. Anos, porém, se passaram e a então garota, agora mulher crescida, vai de encontro à sua antiga e problemática paixão. Na fábrica onde ele trabalha eles se encontram, iniciando uma jornada de reminiscências na qual verdades são reveladas e dores são trazidas à tona, sensação essa que é estampada no rosto de Ray, que empalidece ao ver Una mais uma vez.

Desde já enxergamos a força do elenco principal da obra, tanto Mara quanto Mendelsohn não precisam dizer uma palavra para exporem seus sentimentos. O olhar de terror do personagem masculino quando vê o seu caso de tantos anos atrás resume perfeitamente as sensações que o tomam de surpresa. Sentimos, desde já, o temor sentido por ele, de que sua vida reconstruída após o ocorrido poderia ser destruída. Mara, por sua vez, nos entrega uma menina presa no corpo de adulta, alguém que jamais conseguiu superar os traumas pelos quais passou, o que é refletido perfeitamente pelo fato de ainda morar na mesma casa com a mãe. Suas palavras jogam a culpa no pedófilo que arruinara sua vida, quase como se tentasse esconder que ainda nutre uma proibida paixão por ele – suas memórias oscilam entre o sonho e o pesadelo, com diálogos que, quando começam a se tornar saudosistas, são revertidos para a triste realidade.

Certamente trazer essa composição para as telonas não foi algo fácil. Transpor a linguagem teatral para o cinema é algo que poucos conseguem fazer, visto que a estrutura da peça muitas vezes é mantida em excesso, prejudicando o dinamismo necessário em uma produção cinematográfica. Tanto o diretor Benedict Andrews quanto o roteirista David Harrower, porém, partiram do teatro e agora se arriscam no audiovisual, eles entendem as diferenças dos dois formatos e compõem quadros tão intensos que chegamos a esquecer que tudo isso é baseado na peça Blackbird. Essa total consciência dos realizadores sobre essa nova abordagem ao texto original se reflete na própria mudança de título, que coloca Una como a personagem central, estabelecendo a narrativa sob seu ponto de vista.

Andrews ainda brinca com o teatro ao utilizar planos mais abertos que mostram a protagonista quase perdida na imensidão da tela, somos colocados, em pontuais momentos, como o espectador distante, enxergando a solidão da mulher, que não consegue abandonar seu passado. Partimos, então, para os closes tão sufocantes, que sabem exprimir a tensão existente entre os dois, revelando a tensão sexual e o medo presente em ambos, com silêncios que rapidamente se extinguem perante explosões por parte de dois personagens cujas dores tão facilmente enxergamos em seus rostos. A distancia dos planos abertos desaparece, enquanto somos jogados para dentro da tela em desconforto tão grande quanto os de Una e Ray, nos vemos presentes naquelas salas da fábrica e, assim como na narrativa, tudo ao redor deixa de existir, só permanecemos nós e eles.

Intercalando esses momentos de pressão, sem qualquer aviso ou preparação, temos os constantes flashbacks da protagonista e a montagem de Nick Fenton sabe utilizar esses momentos a fim de ilustrar a situação presente, oferecendo algumas respostas que nos mantém instigados com a projeção. A fotografia assume tonalidades oníricas, denunciando a incerteza da memória, que dialoga com a parcial verdade detida por cada um dos personagens – não existe o passado certo, apenas as etéreas lembranças banhadas nos sentimentos de cada um, ora saudosas, ora traumáticas, misturando a vontade de esquecer com o exato oposto, a necessidade de reacender tal chama.

Com isso, o monstro é desmistificado, ele se torna humano e nos vemos na desconfortável posição de entender o ocorrido, ainda que repudiemos tal fato. Quem há de dizer se a sentença cumprida por Ray foi justa? Ela refletiu o impacto na vida da garota de treze anos, que teve sua vida destruída, que jamais conseguiu se desvencilhar do passado? A vilanização deixa de existir e o retrato humano toma conta da narrativa, que coloca em tela essa difícil temática. Una não é uma história de vingança ou sequer de superação, é mais que isso, o filme nos mostra a realidade, por mais difícil que seja de assisti-la e, com isso, nos atinge em cheio, ao passo que enxergamos que não podemos substantivar as pessoas, não há apenas uma verdade e sim dolorosos pontos de vista, os quais explicam aquilo que preferimos simplificar através do bem e do mal.

Una (EUA, Inglaterra, Canadá - 2016)

Direção: Benedict Andrews
Roteiro: David Harrower
Elenco: Rooney Mara, Ben Mendelsohn, Riz Ahmed, Tobias Menzies, Poppy Corby-Tuech, Natasha Little, Tara Fitzgerald
Gênero: Drama
Duração: 94 min

https://www.youtube.com/watch?v=eQmoK72bk84


by Guilherme Coral

Crítica | Velozes & Furiosos 7

O tempo pede mudanças. Exige mudanças. E, naturalmente, esta continuou sendo a regra durante esses quatorze anos de franquia Velozes & Furiosos.

Começou como um filme sobre corridas ilegais. Seis filmes depois, as corridas foram, gradualmente, deixadas de lado. O espetáculo pirotécnico e tecnológico tão aclamado e ansiado pelas audiências contemporâneas bateram à porta da franquia milionária da Universal. A cada novo filme, o espetáculo ficou cada vez maior, visitando diversos países e roteirizando cenas de ação mais audaciosas. Agora, com o sétimo, atingiu-se o clímax. Porém, o novo longa conta com a mudança muito bem-vinda de diretores. O veterano Justin Lin – dirigiu os quatro filmes anteriores a este, é trocado pelo talento inegável do malaio James Wan.

Desta vez, a trupe de Dominic Toretto (Vin Diesel) e Brian O’Conner (Paul Walker) é procurada pelo irmão mais velho de Shaw, vilão do filme anterior. Deckard Shaw (Jason Statham) está com sede de vingança e não poupará esforços para destruir Toretto e sua gangue.

Como é evidente, a história – que nunca foi um forte da série, assume seu papel completamente banal, apenas para inserir os heróis em situações explosivas e cheias de ação ao redor do mundo. Para facilitar o progresso da narrativa, o roteirista Chris Morgan insere uma ajuda considerável de um departamento de segurança dos EUA chefiado pelo Mr. Nobody encarnado pelo ótimo Kurt Russell.

Obviamente, um roteiro desses nunca é pra ser levado a sério. Absurdos como Deckard Shaw sempre aparecer muito bem armado em todas as cenas de quebra-pau, desconsiderando completamente o local do planeta que os protagonistas estejam, além dos inúmeros clichês – o software de vigilância “Olho de Deus” é mais uma cópia da invenção apresentada em O Cavaleiro das Trevas.

De resto, Morgan continua a martelar em pontos como “família”, “força” e “união”. Não insere nada de novo seguindo o costume de seus roteiros preguiçosos. Porém, com a infeliz tragédia que levou Paul Walker à morte, toda superficialidade do texto ganha uma carga emocional mais densa – levando em conta que ele ainda não tinha finalizado suas gravações quando morreu. Mais sinistro e mórbido, é notar que muitas frases, proferidas pelo seu personagem, envolvem temas como a morte e despedidas.

Isso levou a um desafio técnico inédito para o Audiovisual. Como gravar o restante das cenas sem um personagem vital a trama? Modelando digitalmente o rosto de Walker e inserindo digitalmente nas faces dos irmãos do ator. O resultado dos esforços da WETA – famosa pelos efeitos em Planeta dos Macacos, é assombroso. É muito difícil distinguir quais cenas que Walker gravou ainda quando vivo e as realizadas por computação gráfica. Entretanto, claro que com um olhar mais atento, é possível sim distinguir as cenas.

Ironicamente, esta é a melhor atuação de Walker em toda a franquia. Quem simplesmente não melhora e não tem o menor talento pra coisa é Vin Diesel e Michelle Rodriguez. Seus personagens não têm carisma. São chatos e extremamente enfadonhos. Perto deles, Sylvester Stallone vira um Daniel Day Lewis. O que realmente importa é o físico e os dois são muito bons de briga – um ponto alto do filme é a luta entre Rodriguez e a lutadora de MMA Ronda Rousey.

Por outro lado, o espectador se diverte com a performance já conhecida de Jason Statham, interpretando ele próprio, naturalmente. Infelizmente, Dwayne Johnson tem menor participação, porém quando entra em cena, o filme ganha um novo vigor.

Muitos dos pontos positivos também devem a direção muito competente de James Wan. Nome muito conhecido pelo gênero de terror – dirigiu Jogos Mortais, Sobrenatural e Invocação do Mal, Wan assume pela primeira vez a direção de um filme de ação e, para aumentar o desafio, de uma franquia imensa e consagrada.

Se ainda restavam dúvidas, ele prova de vez que é um dos nomes mais promissores de Hollywood. As sequências de ação envolvem uma estratégia de filmagem muito complexa, mas tudo é gravado com maestria – halo jump dos carros e as cenas em Dubai são exemplos nítidos disso. O espectador não se perde no meio dos tiroteios, intensas lutas corporais e perseguições em alta velocidade. Para quem acha simples, Michael Bay ainda não aprendeu a fazer isso em seus Transformers e Wan conseguiu de primeira. Além disso,  parece ter se inspirado nos ótimos filmes “testosterona” Operação Invasão de Gareth Edwards para as lutas.

Porém, mesmo cumprindo muito bem seu papel, Wan não se arrisca muito. Não incorpora praticamente nada do suspense que é acostumado a trabalhar e também se rende a muitos cortes rápidos durante a montagem das cenas de ação. Isso resulta sempre no alívio da tensão para o espectador que já sabe que depois de sete filmes, os protagonistas nunca estão em perigo real. Algumas vezes, ele ousa com um plano sequência ou um movimento de câmera incomum.

Abrindo uma nova trilogia, Velozes e Furiosos 7 consegue o pódio de melhor filme da franquia. O exagerado e ridículo ainda caminham de mãos dadas, porém o que antes era brega, estúpido e irritante, vira algo engraçado e divertido. A franquia finalmente parou de se levar a sério e isso me parece muito promissor. As corridas voltam por breves momentos, assim como a sexualização exacerbada das mulheres que trajam roupas minúsculas.

O que infelizmente tirará o brilho dos futuros filmes será a ausência de Paul Walker. O desfecho/tributo para o ator foge do previsível e torna algo que seria piegas em algo belo. Uma comoção genuína que pode acometer até mesmo quem não é fã da série como eu. Um adeus que é algo diferente por não se tratar de um adeus a um personagem, mas sim a alguém que até pouco tempo atrás estava se divertindo gravando filmes de ação com seus amigos, tirando suspiros de fãs apaixonadas e garantindo amor e sustento para sua família. Também é sabido que nossos atores favoritos acabam virando, de um jeito ou de outro, nossos amigos, mesmo que sejamos totalmente desconhecidos para eles.

E como todos sabem... Amigos nunca dizem adeus.

Velozes & Furiosos 7 (Furious 7, EUA - 2015)

Direção: James Wan
Roteiro: Chris Morgan
Elenco: Vin Diesel, Paul Walker, Dwayne Johnson, Michelle Rodriguez, Tyrese Gibson, Jason Statham, Ludacris, Kurt Russell, Ronda Rousey, Nathalie Emmanuel, Jordana Brewster
Gênero: Ação
Duração: 137 min

Leia mais sobre Velozes e Furiosos


by Matheus Fragata

Crítica | Velozes & Furiosos 6

A franquia Velozes e Furiosos já está em seu SEXTO capítulo. Na maioria das vezes, tal número de continuações serve apenas para comprovar a falta de criatividade e o esgotamento da fórmula do original (algo que pode ser muito bem exemplificado pela pavorosa saga de Jogos Mortais). Mas com Velozes, os elementos sofrem constante inovação ao longo de cada filme e mesmo que isso seja uma vantagem, prejudica este Velozes & Furiosos 6, que se perde em sua própria tentativa de ser algo maior.

A trama tem início quando o anabolizado agente Luke Hobbs (mais uma vez, o gigante Dwayne Johnson) é forçado a pedir ajuda ao aposentado Dominic Toretto (Vin Diesel) e sua insana equipe de motoristas, que gozam do exorbitante lucro do assalto no Rio de Janeiro do longa anterior. O objetivo é neutralizar o criminoso Owen Shaw (Luke Evans) e sua equipe de corredores igualmente letal, responsável por uma série de golpes em países europeus.

A curto modo, é o velho arquétipo do “encontrar e matar”, tão popular no gênero ação. O problema aqui é a necessidade do roteirista Chris Morgan em criar diversas subtramas para os personagens. Mesmo sendo uma iniciativa admirável, as ideias de Morgan carecem ora pela ineficácia de seus intérpretes (Paul Walker não tem o menor carisma para sustentar seu papel de pai de família), ora por suas próprias incongruências. No segundo caso, o retorno de Letty (a sempre durona Michelle Rodriguez) parecia muito instigante no final do longa anterior, mas ganha aqui a esgotadíssima história da personagem sem memória – que merecia ao menos uma explicação melhor para o incidente responsável por essa. De qualquer forma, roteiro nunca foi a grande exigência dos fãs da franquia, mas já que Morgan arrisca em nos fazer identificar com os dramas de seus personagens, seria preciso um trabalho melhor.

O que importa mesmo são as cenas de ação, que continuam a fazer Isaac Newton se revirar no túmulo. Aqui, vale o destaque para a monstruosa presença de um tanque de guerra em plena rodovia (que ainda ganha pontos em destruição por trazer um repentino ataque de sadismo do vilão Shaw) e uma perseguição de carros pelos túneis de Londres que trazem até pequenos “batmóveis” para os antagonistas, cujo visual e som são interessantes pela inspiração em veículos de fórmula 1.

Todas as sequências são comandadas com eficiência por Justin Lin, que também aproveita com inteligência as habilidades da ex-lutadora de MMA Gina Carano (que protagoniza com Rodriguez a “cat fight” da década) e a força bruta de Diesel e The Rock. Mas é preciso sentar e relaxar para engolir os muitos absurdos – que ainda sofrem com o excesso de computação gráfica – que vão de personagens voando de uma ponte a outra até automóveis atravessando o bico de uma aeronave em chamas.

Muito menos divertido que o anterior (as piadas estão aqui, mas são artificiais demais), Velozes & Furiosos 6 agrada pelas sempre inventivas cenas de ação, mas falha ao tentar criar dramas complexos e reviravoltas que não fazem sentido. Mas de qualquer forma, esse sexto filme encontra uma boa forma de amarrar todos os filmes da série, e o que vem a seguir é promissor.

Velozes & Furiosos 6 (Furious 6, EUA - 2013)

Direção: Justin Lin
Roteiro: Chris Morgan
Elenco: Vin Diesel, Paul Walker, Dwayne Johnson, Tyrese Gibson, Michelle Rodriguez, Gal Gadot, Luke Evans, Sung Kang, Jordana Brewster, Ludacris, Gina Carano
Gênero: Ação
Duração: 130 min

Leia mais sobre Velozes e Furiosos


by Lucas Nascimento

Crítica | Velozes e Furiosos 8

No capítulo mais fraco da saga, + Velozes + Furiosos, o histérico Tyrese Gibson entra em pânico quando o falecido Paul Walker alerta que eles pularão com um carro para dentro de um barco. Corta para 14 anos depois e ninguém imaginaria que a equipe de Velozes e Furiosos enfrentaria tanques de guerra, carros voadores e, neste oitavo filme, um submarino em plena geleira. Com a equipe de VF servindo como o equivalente da Universal aos Vingadores, o oitavo filme revela-se um dos mais completos e engraçados, estabelecendo ainda mais esse universo louco e divertido.

A trama começa com uma instigante reviravolta, quando Dominic Toretto (Vin Diesel) trai sua equipe e embarca em uma missão obscura, obedecendo à chantagem de uma hacker misteriosa conhecida como Cipher (Charlize Theron). Com a equipe nebulosa da hacker armada com pulsos eletromagnéticos e um plano que envolve o roubo de códigos para ogivas nucleares, Luke Hobbs (Dwayne Johnson) reúne a velha equipe com Letty (Michelle Rodriguez), Roman (Gibson), Tej (Ludacris), Ramsey (Nathalie Emmanuel) e ainda é forçado a recrutar o bandido Deckard Shaw (Jason Statham) para deter Cipher e recuperar Dom.

Com a cinessérie chegando em seu oitavo filme, é de se levar com curiosidade como o roteirista Chris Morgan é capaz de inventar novas maluquices e tramas minimamente cativantes a cada nova produção. Certamente a chave para o sucesso redescoberto da franquia foi abraçar o ridículo, apostar no absurdo e no exagero surreal a cada novo filme, o que torna Dom, Hobbs e todos os demais personagens algo que encontraríamos em filmes de super-heróis; o policial brutamontes de Dwayne Johnson literalmente quebra paredes e arrebenta algemas com seus músculos saltitantes, enquanto as cenas de ação seguem mais divertidas de tanto exagero e dedos do meio metafóricos às leis da Física.

A ideia de ter Dom como um antagonista é algo que rende momentos dignos de uma novela mexicana, vide Letty gritando que ele ainda o ama enquanto Cipher surge para lhe roubar um beijo mortal; algo que definitivamente foi feito para "satirizar" momentos levado a sério demais. Temos muito disso no núcleo que acompanha Dom como "refém" no super avião de Cipher, onde só depois descobrimos o motivo que o fizera rebelar-se e trabalhar com a vilã, sendo necessário dar crédito a Morgan por resgatar um elemento passado da franquia e desenvolvê-lo, sem inventar algo de última hora ou puxar cartas inexistentes da manga. Surpreendentemente, Velozes 8 amarra ainda mais as pontas entre cada filme, formando seu próprio universo cada vez mais coeso e ainda ganhando com a presença marcante e memorável da Cipher de Theron, facilmente a melhor antagonista que a franquia já teve.

Com um claro desfalque pela perda trágica de Paul Walker, e também com a virada sombria de Dom, a equipe principal ganha uma reinvenção sensacional. Com Hobbs assumindo a liderança e trazendo consigo não só o ex-vilão Shaw, mas também o assistente júnior do sempre carismático Sr. Ninguém de Kurt Russell, vivido por um correto Scott Eastwood, e apelidado carinhosamente de "Ninguenzinho". Temos aí a criação de uma dinâmica fantástica entre Johnson e Statham, com os dois antigos rivais constantemente se provocando e ironizando, rendendo frases do calibre de "vou socar seus dentes goela abaixo, assim você vai poder escovar seu rabo". É algo tão absurdo e engraçado que os personagens simplesmente tornam-se amigos após essas tiradas, quase quebrando a quarta parede e revelando a nítida diversão que o elenco está tendo por trás das câmeras. Só essa dupla já seria algo inédito na franquia, e Dwayne Johnson novamente comprova que é um absoluto tesouro não só de Hollywood, mas da raça humana - o que dizer da fantástica cena que apresenta Hobbs aqui?

Já em quesitos técnicos, a franquia sofre uma queda perceptível com a substituição de James Wan por F. Gary Gray (Straight Outta Compton), que claramente sabe construir a expectativa e o impacto dos eventos grandiosos que suas câmeras captam; com a "chuva de carros" em uma Nova York nublada e sem floreios sendo seu grande acerto, mas que acaba limitado por sua decisão de usar uma montagem intensa demais, planos que variam do aberto para o fechado e uma velocidade do obturador da câmera ainda mais intensa do que a adotada pelos irmãos Russo em Capitão América: Guerra Civil, tornando os movimentos durante lutas corporais praticamente incompreensíveis. Felizmente, o clímax na geleira russa com um submarino consegue oferecer algo mais nítido e que valoriza os altos gastos da produção, conseguindo ser mais interessante do que a perseguição de James Bond em 007 - Um Novo Dia para Morrer.

Mas quando Gray acrescenta humor às sequências mais agitadas, o resultado é consideravelmente melhor. Basta observar a sequência onde temos uma rebelião na prisão, com o diafragma alto prejudicando nossa compreensão do quadro geral, mas nos deixando bem claro como Johnson está simplesmente surtado e arrebentando todos com seus braços enormes, além da trilha sonora pop digna da série - misturando eletrônico com versos latinos - oferecer o tom apropriado. E sem querer entrar em spoilers, mas o potencial cômico de Jason Statham descoberto em A Espiã que Sabia de Menos rende frutos impressionantes aqui, e espero sinceramente que os próximos filmes sigam apostando na presença do ator - e também de uma impagável Helen Mirren, acreditem se quiser.

Velozes e Furiosos 8 segue levando a franquia para o status de super-heróis, oferecendo um espetáculo povoado por figuras divertidas, um roteiro que é ciente de seus conceitos ridículos e que se sai muito bem ao abraçá-los. Pode não ter a melhor ação da série, mas é um sinal de aprimoramento notável quando estamos mais empolgados para ver a interação entre os personagens do que um submarino perseguindo carros. Que Diesel e Morgan continuem apostando em loucuras cada vez maiores.

Velozes e Furiosos 8 (The Fate of the Furious, EUA - 2017)
Direção: F. Gary Gray
Roteiro: Chris Morgan
Elenco: Vin Diesel, Dwayne Johnson, Charlize Theron, Scott Eastwood, Jason Statham, Michelle Rodriguez, Kurt Russell, Helen Mirren, Tyrese Gibson, Ludacris, Nathalie Emmanuel, Luke Evans
Gênero: Ação
Duração: 136 minutos

Leia mais sobre Velozes e Furiosos


by Lucas Nascimento

  • 1
  • …
  • 201
  • 202
  • 203
  • 204
  • 205
  • …
  • 246
© 2025 Bastidores. All rights reserved
Bastidores
Política de cookies
Para fornecer as melhores experiências, usamos tecnologias como cookies para armazenar e/ou acessar informações do dispositivo. O consentimento para essas tecnologias nos permitirá processar dados como comportamento de navegação ou IDs exclusivos neste site. Não consentir ou retirar o consentimento pode afetar negativamente certos recursos e funções.
Funcional Sempre ativo
O armazenamento ou acesso técnico é estritamente necessário para a finalidade legítima de permitir a utilização de um serviço específico explicitamente solicitado pelo assinante ou utilizador, ou com a finalidade exclusiva de efetuar a transmissão de uma comunicação através de uma rede de comunicações eletrónicas.
Preferências
O armazenamento ou acesso técnico é necessário para o propósito legítimo de armazenar preferências que não são solicitadas pelo assinante ou usuário.
Estatísticas
O armazenamento ou acesso técnico que é usado exclusivamente para fins estatísticos. O armazenamento técnico ou acesso que é usado exclusivamente para fins estatísticos anônimos. Sem uma intimação, conformidade voluntária por parte de seu provedor de serviços de Internet ou registros adicionais de terceiros, as informações armazenadas ou recuperadas apenas para esse fim geralmente não podem ser usadas para identificá-lo.
Marketing
O armazenamento ou acesso técnico é necessário para criar perfis de usuário para enviar publicidade ou para rastrear o usuário em um site ou em vários sites para fins de marketing semelhantes.
Gerenciar opções Gerenciar serviços Manage {vendor_count} vendors Leia mais sobre esses propósitos
Ver preferências
{title} {title} {title}