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Crítica | Paterson

Paterson (Adam Driver), de Paterson (Nova Jersey), vive em um padrão (pattern em inglês). Paterson (2016) é um filme cíclico, que se repete. Paterson fala sobre a rotina e o cotidiano. E se passa, em tempo e espaço, no período de uma semana. O personagem-título é um poeta que conduz um dos ônibus municipais da cidade-título. Durante o ofício, escuta conversas banais e escreve em seu caderno durante pequenas pausas. Os lindos textos, aliás, são cortesia do poeta americano Ron Padgett.

O personagem de Adam Driver vive num relacionamento estático com Laura (Golshifteh Farahani). A relação deles é um dos pontos chaves do longa, pois reflete o cotidiano não agressivo onde Paterson é ambientado. Não há conflito entre os dois, pois ambos se amam, confortam e aceitam como são. Paterson é introvertido, mas vive do lado de fora, enquanto Laura é extrovertida, mas seu mundo inteiro é aquela casa onde mora. Ela constrói sua existência conforme decora a lar. Os dias avançam – o longa começa numa segunda-feira – e o ambiente doméstico é enfeitado com formas circulares em apenas duas cores: preto e branco. Simples, sem nuances ou seilaquantos tons de cinza. Ciclos. Ela pensa assim, é uma personagem que sobrevive da simplicidade de suas vontades, um dia de cada vez.

Uma parte de Paterson também é conformada, pois não tenta acelerar o próprio tempo. Ele sequer tem ambições de publicar seus escritos apesar dos incentivos de sua namorada. Ainda assim, sabemos que o protagonista tem muito mais substância – lemos seus poemas, afinal. Talvez ele se divida em dois: o poeta e o ordinário. Um que observa, reflete e escreve; e aquele que aceita sua condição, trabalho e porto seguro. Possivelmente por conta dessa desfragmentação individual, que ele enxergue tantos pares de gêmeos na cidade ao longo do dia-a-dia.

Marvin (interpretado pela excelente Nellie), o buldogue inglês de estimação, parece uma manifestação do ego de Paterson. Está sempre presente – menos no ofício ou nos poemas – e opina honestamente em algumas situações. O cão leva Paterson todos dias para passear, até que aguarda pacientemente do lado de fora do bar – o balcão não é lugar para o ego. Paterson entra e sua razão torna-se, então, o barman de bochechas cheias, Doc (Barry Shabaka Henley). Este é sábio, familiar, diz que sabe várias coisas sobre várias coisas. Lá, é como se fosse o dono do local. Paterson, então, acorda na terça e outro dia começa.

“Cada dia das nossas vidas é como uma pequena variação do dia anterior”, conta em entrevista o diretor Jim Jarmuschi. Ele, que descreve o filme como “uma pequena celebração de pequenos detalhes da vida”, fez, de fato, de “Paterson”, um estudo de cotidiano. Nessa obra não há conflitos, mas a possibilidade deles. O diretor dá a melhor demonstração de domínio narrativo de sua carreira, que conta como os excelentes “Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2013) e “Flores Partidas” (Broken Flowers, 2005), entre outras preciosidades.

Paterson é intensamente leve. A trilha sonora (desde sempre excelente na mão de Jarmusch que já trabalhou até com Mulatu Astatke em “Flores Partidas”), a química entre o casal, as conversas banais entre passageiros do ônibus, os breves alvoroços no bar. Todos esses elementos colaboram com esse tom que o filme nos dá. Ao longo da trama, o telespectador é levado para alguns suaves pontos de pressão – com exceção do duro clímax –, o que faz com que fique com uma graciosa sensação de angústia que aperta suavemente o coração.

Escrito por Rodrigo de Assis

Redação Bastidores

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