Crítica | Rock of Ages: O Filme
Além da fase dos super-heróis, Hollywood beberica de outra fonte. A era dos chick flicks está acabando, finalmente. Chegamos a época das comédias adultas que, ironicamente, englobam uma parcela do público juvenil chick flick. Entretanto, outro sub-gênero tem chama a atenção dos produtores hollywoodianos. Os musicais estão voltando na moda graças às peças monumentais da Broadway. Ora, exemplos recentes são encontrados com o mínimo esforço. Os divertidos e muito bem executados “Os Produtores”, “Hairspray” e “Mamma Mia” seguem essa nova linha. “Ah, que paraíso!”, exclamam os chefões das produtoras megalomaníacas. Sim, eles conseguiram novamente. Juntaram a Hollywood viciada em adaptações de grana fácil com as peças de teatro da prestigiosa Broadway. A vida é boa.
Dois jovens, Drew e Sherrie, têm seus destinos interlaçados. Ela abandonou sua cidadezinha e encontrou um garoto da cidade A vida de superastro é uma ambição antiga para os dois, mas para atingir tal sonho, é preciso começar por baixo. O Imponderável age e ambos começam a trabalhar na casa de shows The Bourbon Room que está com a conta no vermelho devido à ausência de visitas de famosos e novas promessas do rock n’ roll. Ele, assistente de palco aspirante a cantor. Ela, garçonete com fibra de artista. Juntos, uma história de amor fadada a inúmeros desafios.
Dennis Dupree e seu fiel amigo, Lonny, gerenciam a Bourbon Room e, obviamente, estão desesperados com a situação financeira. Mas a sorte bate a porta da boate. Paul Gill, agente do mega/hiper/superastro Stacee Jaxx arranja um show da lenda viva do rock na casa. Entretanto, Jaxx não está em sua melhor forma. Afundado em doses de uísque e sem novas músicas, o cantor vive do sucesso de suas canções antigas. Entretanto, a vinda de Stacee mudará o destino de todos os outros, para pior. A sorte também não sorri para o embriagado cantor. Uma repórter da Rolling Stone trará surpresas a ele. Fora que uma ativista religiosa, esposa de um candidato a prefeito de L.A., tenta expurgar Stacee Jaxx e suas canções deste planeta.
Uma Era de Rock ‘n’ Roll
Nem posso afirmar os méritos originais dos roteiristas de “Rock of Ages”, afinal, trata-se de uma adaptação a partir de uma peça da Broadway. Aliás, não há muitos méritos no roteiro básico de Justin Theroux, Chris D’Arienzo e Allan Loeb. Três cérebros para um resultado para lá de mediano, porém divertido. Eles cumprem sua função primária – e olha que tem escritor por aí que nem consegue ao menos isso. A narrativa é muito simples. O espectador que prestar o mínimo de atenção entenderá perfeitamente a conclusão da obra.
Entretanto, não é justo avaliar um filme despretensioso com critérios para analisar Bergman. A história manjada não me incomodou em momento algum. Aqui, temos o desenvolvimento ordinário como o de qualquer outra comédia romântica – menino conhece menina, se apaixonam, um grande mal-entendido leva a ruptura da relação, catarse de uma das partes, o reencontro, casal acaba junto e feliz para sempre. O roteiro também se aproveita de muitas muletas para encaminhar essa linha narrativa fácil. Em determinado momento, uma garçonete – que o público nunca havia visto mais gorda, ou seja, nunca tinha aparecido e que também nunca mais aparecerá na projeção, surge e dá um conselho de vida para a pequena e ingênua Sherrie.
O problema não reside na solução primária, mas sim no meio que isso acontece. Qualquer outro personagem existente poderia ter desempenhado o mesmo papel. Aliás, teria rendido um diálogo melhor. Depois de um tempo, o espectador aceita com mais facilidade algumas situações impostas pelo roteiro cheio de estereótipos e clichês. Sim, temos aqui a clássica cena do casal apaixonado conversando atrás do famoso sinal de Hollywood – não é preciso olhar muito para trás para encontrar uma situação igualzinha a essa ou até mais criativa no recente “Amizade Colorida”.
Nesse ponto do texto, o leitor já deve ter entendido que o filme é excessivamente previsível, cheios de conflitos primários e, pior, dura mais do que deve, pois em determinado ponto a história encontra-se tão saturada que até Jó ficaria sem paciência. Dá-lhe coadjuvante para aturar o casal protagonista por duas horas. Encare assim, “Rock of Ages” é uma chanchada muito bem produzida. Compare: a história é completamente fugaz e só serve para encaixar os excelentes números musicais, personagens estereotipados e sexualizados com pinceladas pontuais cheias de sátiras bem humoradas.
Entretanto, existem prós nesse roteiro precário. As saídas para inserir os números musicais são interessantes e criativas. E, por mais incrível que pareça, os personagens deixam o semblante unidimensional a partir da metade da fita quando finalmente temos uma sequência muito bela apresentando os novos conflitos que sustentarão a trama no sofrível terceiro ato. Há, também, uma reflexão interessante sobre o bom e velho rock n’ roll e a ex-modinha das inescrupulosas boys band – mas como havia escrito antes, é bem provável que este seja um mérito da obra original. Para listar uma última característica estapafúrdia do texto destes cavalheiros, em determinado momento, Sherrie conhece uma “mentora” – muitos marmanjos vão babar nesse segmento da projeção. Essas são, de longe, as piores partes do filme, pois além de todo o viés da personagem ser clichê, horrível, o espectador é obrigado a ouvir diálogos “lenga lenga” chatíssimos, além de, claro, uma lição de moral sobre o amor super desinteressante.
Já li em alguns fóruns por aí que todo musical tem uma história ruim. Isso é completamente equivocado. Grandes musicais como “A Noviça Rebelde”, “Mary Poppins” ou “Cantando na Chuva” tem histórias maravilhosas. E o cinema contemporâneo já ofereceu o excelente “Chicago” para detonar de vez essa declaração.
Os atores não comprometem, mas também são poucos os que não conseguem quebrar a barreira da superficialidade do roteiro. Por exemplo, repare na bela Julianne Hough que interpreta Sherrie. Ela dá para o gasto – sabe dançar a coreografia e canta bem com a ajuda da pós-produção. Enfim, o que incomoda é que a garota não desenvolve nada. Não há o que procurar naquela personagem mais rasa que piscina para recém-nascido. Aquilo que o roteiro propõe, é o que essa moça oferece – nada. Nem mesmo quando o texto oferece um pseudodrama. Atualmente, parece que para atuar em Hollywood, basta ter uma carinha bonita.
O desempenho de Julianne Hough não teria sido um problema, caso o elenco inteiro fosse ruim. Não é o que acontece. Entenda, os personagens são completamente caricatos e a atriz resolveu fazer algo diferente, algo mais “sóbrio”. Isso acabou destoando à personagem do contexto propositalmente ridículo do filme – Opa! Esse é um ótimo sinal que a direção não estava atenta em seu elenco! Até mesmo a medíocre Malin Akerman se sobressai e capta com facilidade a essência de sua personagem – a repórter da Rolling Stone. Entretanto, surgiu uma luz no fim do túnel para Julianne. Sua parceira de cena no terceiro ato, Mary J. Blige é igualmente ruim. A própria concepção da personagem já é péssima e, infelizmente, a atriz não é uma exceção à regra. Enfim, Blige entrega a atuação que todos nós já vimos em diversos outros filmes. Ela é uma xerox perfeita das Mama’s Soul da antiga Louisiana. Misericórdia! Até mesmo suas falas parecem copiadas de outros filmes. Graças aos céus, ou aos produtores minimamente sensatos, que sua personagem tem pouquíssimo tempo em tela.
Já Diego Boneta consegue superar o roteiro e faz um Drew Boley interessante. Catherine Zeta-Jones está ótima como Patricia Witmore em sua cruzada para acabar de vez com Stacee Jaxx. Entretanto, os maiores destaques são Alec Baldwin, Paul Giamatti e Russell Brand. Cada um deles esbanja criatividade em suas atuações, principalmente Russell tornando seu personagem, de longe, o melhor do longa inteiro.
O hype em cima de Tom Cruise vingou. Ele realmente está excelente e aparenta ter se divertido muito com o papel, afinal ter mulheres belíssimas desmaiando apenas com a sua “orgástica” presença não deve ser algo muito chato. Sua atuação é um liquidificador. Veja bem, misture os trejeitos de Steven Tyler, Mick Jagger, Alice Cooper, Gene Simmons, David Bowie e Steve Perry em um liquidificador. O resultado disso é ultra sexualizado e impagável Stacee Jaxx. Não há o que falar de Tom Cruise. Ele está perfeito no papel. Alguns podem ficar incomodados pela atuação totalmente erotizada – veja bem, até o modo de andar do personagem remete isso. Entretanto, creio que isso causou uma profundidade maior em seu conflito. Stacee está no fundo do poço e praticamente só vive de sexo, drogas e rock n’ roll antigo. Uma hora ele certamente se tornaria aquilo do que vive. É uma pena que o espectador não tenha oportunidade de conhecer um pouco mais o passado do personagem, afinal, em sua excelente apresentação, Cruise já encarna todos os trejeitos decadentes do astro. Aliás, repare que o ator quase nunca esboça um semblante de felicidade. Apesar de toda a sua fama, Stacee Jaxx vive em um pseudo estado letárgico para se alienar do mundo.
Se o espectador retirar todos os traços cômicos do personagem e encarar essa atuação com um pouco mais de seriedade, mesmo que o filme nem peça isso, você encontrará um ótimo argumento para o roteiro de um filme solo desse personagem.
We built this city!
A Warner investiu pesado da produção de “Rock of Ages”. Isso é inquestionável. A qualidade técno-artística desse filme é de cair o queixo. O design de produção de Jon Hutman mais o departamento de arte junta todos os adereços imagináveis do rock n’roll clássico dos anos 80. Graças ao trabalho muito competente dos profissionais que cuidam da arte, é fácil para o espectador ficar totalmente envolvido naquele universo musical e colorido.
Lembro-me de ter escrito há um tempo que o maior sonho ou pesadelo de um diretor de fotografia é trabalhar com o jogo de iluminação de shows ou boates. No meu caso, como aspirante a DF, é um sonho. Digo isso porque a liberdade que o cinematografista tem ao modelar a iluminação é infinitamente maior a que ele teria em uma tomada destinada a diálogos ou a demais externas. E ver um trabalho tão fantástico como o que Bojan Bazelli fez aqui é uma inspiração. O jogo de iluminação é sublime. A fotografia sofre transformações que é de encher os olhos para quem aprecia essa arte tão especial. A luz dança com os atores enquanto vários tons coloridos são misturados em harmonia. Eu iria me estender demais se continuar a escrever sobre a iluminação do longa, mas garanto a vocês que este é um trabalho impecável. Só há um porém na fotografia de Bazelli – o cara não é um gênio de composição, ou seja, existem muitos planos mal construídos em alguns momentos pontuais da obra, mas nada que prejudique a experiência.
Adam Shankman é quem comanda a direção. Ele tinha experiência de outros filmes musicais –“Hairspray” e, com certeza, isso ajudou bastante a melhorar o resultado final. Shankman consegue deixar a história fluída graças aos muitos números musicais, mas não é preciso dizer que o ritmo despenca nas cenas destinadas aos diálogos. Além de sua falha em não conseguir fazer a personagem Sherrie vingar em quase momento algum.
Indo direto ao ponto. Shankman é espetacular na direção dos vários videoclipes. O trabalho de coreografia é impecável sendo um dos melhores que já vi em filme do gênero nessa fase do cinema. A construção das cenas e de sua continuidade – repare nas escolhas dos planos durante as canções, dá arrepios no espectador. Todas contam com uma deixa inteligente e um propósito narrativo significante para dar início ao espetáculo. Além disso, Shankman muitas vezes utiliza o recurso de ritmar as imagens com a música – isso quando a coreografia também já conta com um ritmo viciante. O dom de usar animais exóticos em cena também é forte nesse diretor que exagera na quantidade nos reaction shots destinados ao macaco de estimação de Cruise.
Entretanto, venho aqui destacar a melhor parte do filme em que esse diretor atinge o status tão almejado de gênio - mesmo que apenas por um momento e duvido muito que ele venha a conseguir novamente. Entenda, caro leitor, que evito usar esse adjetivo a todo custo. Estamos num momento em que tudo, tudo, tudo, tudo é encarado como genial, mas discordo em 90% das vezes que alguns dos meus amigos empregam essa palavra de efeito tão grandioso. Enfim, para salvar o terceiro ato da decadência narrativa total, temos um momento espetacular que é, de longe, o melhor do filme inteiro. (SPOILER) Naquele momento, estão Zeta-Jones (perfeita em cena) e Russell Brand (também) enfrentando-se em uma entrevista antes de um show de Stacce Jaxx no Bourbon Room. Ali começa o último medley de canções que Shankman arquitetou de forma brilhante. No meio da discussão, Brand começa a cantar no megafone a eterna “We Build This City” da Starship. Após alguns segundos, Zeta-Jones começa a bater um obstáculo de transito no chão em tempo ritmado e inicia a cantar a também inesquecível “We’re Not Gonna Take It” da Twisted Sister. (Fim do SPOILER).
Meus amigos, a execução desta ligeira cena – cerca de três minutos, mais o som alto do cinema, é algo tão fantástico que garanto a vocês que este será o momento em que sentirão os arrepios de que falei acima. Definitivamente o ponto mais alto de todo o filme, afinal um medley dessas canções foi mais que bem-vindo. Fora que ainda conta com cameos de Sebastian Bach (Skid Row) e Kevin Cronin (REO Speedwagon) cantando junto com Russell!!! Certamente genial e espero que marque história como uma das cenas mais memoráveis do cinema. Sim, a ideia é super simples. E é assim que as coisas geniais da arte devem ser. Simples, cheias de espírito e muito emocionantes. Ao menos na minha opinião. Mas, passado isto, o filme retorna a sua mediocridade até a conclusão sem conseguir empolgar no clímax mesmo com o auxílio de outra canção maravilhosa.
Bom, não poderia encerrar o texto sem comentar a trilha sonora do filme. Há pouco o que dizer – eu adoro Rock n’Roll e suas variantes, no caso, Glam Metal, mais conhecido como rock n’ roll farofa. Enfim, muita gente se divertirá ao relembrar eternos clássicos que marcaram a história do rock. Dentre várias bandas, temos Journey, Starship, Scorpion, Wolfmother, Guns N’Roses, Whitesnake, Def Leppard, Bon Jovi e muitos outros. Creio que nos adultos o efeito será ainda maior. Eles se lembrarão de shows inesquecíveis, de estourar o novo aparelho de som estéreo dos pais que devia ser sensação no momento ao ouvir o verdadeiro e puro rock no máximo, dos vizinhos velhos xingando a juventude alheia, das idiotices da adolescência, das loucuras que aconteciam no meio da multidão fanática pelos astros do rock e, claro, quem sabe, da noite da concepção de seus filhos que mudaram totalmente o rumo de suas vidas.
Don’t Stop Believin’, my friends
Apesar de todos os problemas do roteiro e de algumas atuações, “Rock of Ages” se salva pela produção impecável e, claro, a incrível trilha sonora que conta exclusivamente com interpretações dos próprios atores. E, pasmem, o elenco canta muito bem – destaque para Cruise, Zeta-Jones e Brand. O humor também se faz presente. Algumas cenas esbanjam comicidade sendo que algumas se baseiam apenas na comédia da situação e, ainda, quebram preconceitos da época que perduram até hoje. Caso você ache que não vai se conter durante a projeção, resolver encarnar Steven Tyler e cantar no meio do filme, a Warner lançou uma versão “cante junto” destinada a isso. Procure nos cinemas de sua cidade se há essa versão que até eu fiquei curioso em visitar.
Entregando uma chanchada moderna, “Rock of Ages” cumpre o que havia prometido desde seus trailers. É uma visita despretensiosa muito divertida a cultura dos anos 80 e as músicas da época. Além disso, é uma excelente oportunidade de fazer uma geração totalmente nova a escutar a música de verdade, feita de instrumentos físicos, suor, gargantas arranhadas e de muita inspiração.
A vida é boa, mas certamente é muito melhor quando acompanhada de Rock N’ Roll.
Crítica | Espelho, Espelho Meu
Os irmãos Grimm são considerados os pais dos contos de fadas – também é incorreto classificar seus textos como meros contos de fadas. Apesar da aura sombria de muitas de suas histórias, os Grimm foram os pioneiros em almejar as crianças como seu público-alvo. Provas disso são as releituras de alguns contos extremamente perturbadores de Charles Perrault – autor de uma das versões mais famosas de “Cinderella” e “A Bela Adormecida”. Seus inúmeros contos ganharam reconhecimento mundial e até hoje são heranças e lições de vida que muitos pais passam a seus filhos e que certamente passarão para a próxima geração. Entre “João e Maria”, “Os Músicos de Bremen” e “Rapunzel”, um dos contos dos Grimm ganhou muito destaque no séc. XX. Culpa de um certo rapaz chamado Walt Disney ao adaptar o conto em uma das animações mais marcantes de toda a História do Cinema.
Hoje, 75 anos depois de “Branca de Neve e os Sete Anões” estrear em 1937, o conto ganha duas releituras – “Espelho, Espelho Meu” e “Branca de Neve e o Caçador”. Por ora, vamos nos contentar com a adaptação que traz Julia Roberts como a Rainha.
Branca de Neve vivia em um reino mágico e alegre governado pelo Rei, seu pai. Este, terrivelmente abalado pela perda de sua amada esposa, reencontraria a sorte e o amor em tempos. Ou não. Encantado pela inebriante beleza de uma jovem ruiva, o Rei não hesita em chamá-la para governar ao seu lado. A jovem, astuta e traiçoeira, aceita o convite e se casa com o pai de Branca de Neve. Assim, tem início o pior pesadelo da jovem princesa. Almejando a totalidade do poder do reino, a Rainha Má enfeitiça seu marido e lhe ordena que vá para a Floresta Negra – esta, habitada por um terrível monstro. Foi a última vez que se ouviu falar do Rei. E o reino caiu em desgraça.
Muitos anos depois, Branca completa seus dezoito anos e fica ainda mais bela que sua cruel madrasta que começa a sentir o preço da velhice. Doente e completamente obcecada pela própria beleza, a Rainha dobrará seus esforços para destruir Branca de Neve de uma vez por todas. Entretanto, ela não contava que um jovem príncipe rico fosse bater a porta de seu castelo. A Rainha encontra a oportunidade de salvar o reino da iminente falência, mas o príncipe não está interessado em se casar com ela, mas sim em conhecer Branca de Neve.
Ensandecida pela vaidade e orgulho, a Rainha comanda que matem a princesa na Floresta Negra, mas novamente nada acontece como planejado. Branca escapa e encontra sete corajosos anões que oferecem abrigo para a mais bela jovem de todas. Com isso, uma nova e forte amizade será formada culminando o pior pesadelo da Rainha.
Texto, texto meu…
O roteiro escrito por Melissa Wallack e Jason Keller nada tem a ver com o livro homônimo de Gregory Maguire lançado em 2003 em que, em sua narrativa, Branca de Neve acaba se encontrando com a doentia família Borgia. A releitura toma como inspiração o conto dos irmãos Grimm.
Em um filme como este não se deve esperar muitos aspectos bons, porém, para a minha surpresa, elas chegam logo nos segundos iniciais de projeção. O diretor Tarsem Singh encontra uma das mais interessantes homenagens as origens do Cinema ao utilizar o zootrópio – um instrumento estroboscópico datado de 1834 que cria a ilusão de movimento a partir de imagens paradas (principal característica do cinema, não?) – para dar início a uma animação extremamente estilizada e bela a fim de introduzir o público à diegese – “realidade” da ficção de um determinado espaço fílmico, do filme. O mais inteligente desta sacada é imaginar que os próprios irmãos Grimm devem ter utilizado o zootrópio para difundir suas histórias na Alemanha de 1800.
Claro que nesta introdução os roteiristas não resolveram quebrar a cabeça e encaixaram a clássica narração em off para a alegria dos saudosistas dos filmes que começam com as mesmas palavras dos livros de contos de fadas fazem uso – “Once upon a time…”. Bom, a sensação de acolhimento para com a história do filme é eficiente – remete aos tempos de infância. Mais uma vez o diretor acerta, mas não ganha pontos de originalidade, já que esse recurso está mais do que ultrapassado.
Entretanto, com um começo tão repentinamente legal, não demora a aparecer os primeiros defeitos hediondos do longa. O roteiro constantemente oscila entre altos e baixos, drasticamente baixos. Logo na apresentação do Príncipe Alcott ao público – interpretado competentemente por Armie Hammer, é conhecida a primeira inconsistência do texto de Wallack e Keller. Na cena, Alcott e seu parceiro, Charles Renbock, estão explorando a Floresta Negra. Charles insiste para que os dois saiam daquele lugar perigoso afirmando que há um monstro por perto. O príncipe sempre rebate dizendo que não acredita em tal asneiras. Depois de alguns eventos e misteriosos barulhos, o príncipe avista uns seres e logo os chama de gigantes. Para quem não acredita em monstros, acreditar em gigantes faz todo o sentido, não é?
Mas espere! Os problemas desta mesma cena estão longe de acabar. Nela, inicia-se a primeira batalha importante do filme. Ali, tive o desprazer de conhecer a pior montagem que já tinha visto em apenas uma sequência. Completamente amadora e despreparada, a escolha das imagens e o tempo de exibição em tela revelam uma péssima abordagem do diretor. Boa parte do tempo, o espectador encontra planos sujos e poluídos totalmente desprovidos de significado já que nem a porcaria da ação eles conseguem mostrar. Fora isso, o ritmo do intercâmbio entre uma imagem para outra é irregular chegando até a superar o frenesi epilético de imagens pipoca de Mr. Michael Bay – por exemplo, qualquer cena dos filmes de autoria de Michael Bay. Em um período de apenas 1 minuto, o diretor faz 62 cortes na mesma cena. Isso dá uma média de um plano por segundo, mas lembrem-se do que escrevi logo acima. A distribuição dessas imagens é completamente irregular. A cena só consegue ser salva do desprezo total graças ao departamento de arte e de sua criatividade com as famosas pernas de pau circenses. Felizmente, o diretor consegue corrigir essas falhas de montagem nas outras cenas de ação.
Na verdade, boa parte do filme é salva pelo departamento de arte. Esses sim merecem total reconhecimento, pois em nenhum momento cometem um deslize que beira o ridículo. O filme conta com cenários bem trabalhados que metaforizam, junto da fotografia competente de Brendan Galvin, o psicológico de alguns personagens. Não digo que são metáforas inteligentíssimas, mas já ganham pontos apenas por existirem. Não são todos os diretores que se preocupam em estimular o espectador.
Repare que os cenários que constroem o palácio da Rainha são, em sua maioria, majestosos e extravagantes, tecendo um paralelo com a vaidade doentia da personagem. A modificação da arquitetura dos cenários, de sua decoração e das cores da iluminação quando a inteligente função do Espelho Mágico é revelada dão uma amplitude maior para o perfil da persona da Rainha. Fora isso, Galvin não economiza em sua paleta a cor branca por motivos óbvios.
O figurino de Eiko Ishioka – o filme é dedicado a ela, também faz metáforas visuais no baile a fantasia que acontece em determinado momento do filme. Citando os exemplos mais óbvios, a Rainha veste uma fantasia que remete ao pavão, um animal pomposo, extravagante e violento quando se sente ameaçado. Já Branca de Neve se fantasia de cisne branco representando a pureza virginal, a delicadeza e a bondade da moça. O príncipe Alcott está fantasiado de lebre – animal veloz que age por impulsos, certamente uma metáfora mais complexa. Claro que nesse caso, o figurino beira o ridículo e o roteiro não perde a oportunidade de fazer uma piada. Aliás, uma virtude rara é a de fazer piadas dentro da diegese do próprio filme. Concluindo o pensamento sobre o figurino, Ishioka geralmente trabalha com cores muito vivas e formas exageradas. Além disso, cria uma concepção interessante sobre o vestido clássico de Branca de Neve. Sim, aquele apresentado na animação de 1937.
Nessa parte do texto, me sinto obrigado em comentar novamente sobre o roteiro. Ele tem as três virtudes do fracasso de qualquer filme: é raso, previsível e clichê. Os roteiristas tentam ser originais a todo o momento, porém nunca a sensação de “já vi isso antes” abandona a cabeça do espectador. Encare isto como quiser. Depois de ter visto inúmeros filmes, quase nunca saio surpreendido do cinema e não me incomodo mais com isso.
Keller e Wallack conseguem criar algumas interpretações interessantes e atuais, mas como eu escrevi antes, nada disto é inédito. Arrisco-me a dizer que a originalidade vem com a interpretação da função do Espelho e da entidade mágica que vive nele. O conflito de repugnância do Espelho em relação a Rainha é muito interessante e com certeza deveria ter sido mais explorado. As atualidades concentram-se em críticas e alguns conflitos bem pífios. Os preconceitos contra os anões, que depois acabam, consequentemente marginalizados é o melhor exemplo disto. Mas como se trata de um filme que é destinado quase que integralmente as crianças, não vejo problemas em encaixar algumas lições de moral que realmente valem a pena serem mostradas pela enésima vez.
Também temos a questão monetária e o perigo da falência do reino que é apenas citada, mas nunca de fato comprovada. As soluções são simples. Imaginem: temos um reino pobre? Ótimo, então mostre alguns camponeses passando frio e mendigando comida para algum personagem da nobreza que resolve visitar o vilarejo local. Bom, muito bom… Agora adicione uma fotografia com tons sombrios, frios e sujos. Peça ao departamento de arte para criar alguns trapos para cobrir esses camponeses (aliás, os figurinos dos camponeses são inspirados em alguns quadros do Van Gogh, como este aqui) e deixar o cenário da forma mais horripilante que conseguir. Perfeito! Perfeito? Não! Nada disto adianta quando seus roteiristas decidem cortar um dos pilares que sustentam um conflito primordial da narrativa. Isso acontece quando a Rainha resolve cobrar uns impostos aos personagens pobres que até então não possuíam um vintém para comer – o pior de tudo é que ela de fato consegue um saco repleto de moedas de ouro.
Entretanto, esta enorme contradição criada pelos roteiristas tem uma função vital para a evolução do enredo. Mas este foi um preço alto demais. Não custava quebrar um pouco mais a cabeça e imaginar uma solução mais plausível e inteligente. Mesmo com essas falhas um tanto estratosféricas do roteiro, ele tem uma história divertida. Muito disto vem das inúmeras gags muito bem encaixadas nas cenas do filme. O mais interessante e que essas piadinhas contém certo apelo sexual – claramente para divertir os pais dos pequenos também.
Para fechar de vez a análise do roteiro, comento sobre os sete anões. Assim como na animação, os anões tem grande importância na história. São eles os responsáveis pela catarse definitiva da Branca de Neve, além da transformação psicológica e física que a personagem sofre ao decorrer do filme. Os roteiristas tiveram o bom senso de mudar as características marcantes dos anões. Em vez de Zangado, Feliz, Dunga, Soneca, Atchim, Mestre e Dengoso, temos Napoleão, Half Pint, Açougueiro, Grubb, Grimm, Risada e Lobo. Todo o trabalho de caracterização se deve muito a atuação interessante de seus respectivos atores, além do trabalho primoroso do figurino – muitas vezes o carisma e a comicidade de Jordan Prentice, Mark Povinelli, Joe Gnoffo, Danny Woodburn, Sebastian Saraceno, Martin Klebba e Ronald Lee Clark que salvam a cena.
Aliás, a verdadeira diversão do filme se encontra nas boas atuações e na fantástica Julia Roberts – ela simplesmente rouba a cena todas as vezes. Roberts reformulou totalmente a Rainha Má. Diga adeus àquela vilã pálida, de mau gosto, enfadonha, chata e monótona da animação da Disney. A antagonista de Julia Roberts ficou simplesmente genial. A atriz cria uma vilã que possui um semblante que remete a Rainha de Copas de Helena Boham Carter em “Alice no País das Maravilhas”. Roberts não está caricata em excesso, consegue ser detestável na medida certa e diverte o espectador boa parte das vezes. Ela faz emanar vida de uma personagem que sempre herdou os ares melancólicos de incontáveis adaptações. As feições da atriz transmitem com clareza do que se trata o perfil psicológico de sua personagem. Dessa vez a Rainha Má é um misto de criança adulta completamente obcecada por sua beleza. Fora isso, é possível retirar uma interpretação interessante sobre a relação da personagem com a entidade do Espelho. Ali, é possível depreender que há sim um complexo de inferioridade da Rainha graças as réplicas ríspidas do Espelho. Enfim, em suma, posso afirmar que Roberts faz valer o preço do ingresso com sua atuação ácida, sarcástica e irônica.
Também não dá para reclamar de Lily Collins — ela foi selecionada para o papel por ser parecida com a diva Audrey Hepburn. A moça entrega uma concepção não muito diferente no início, mas após a metade do filme, Collins torna sua Branca de Neve uma personagem cheia de carisma. No início, a atriz usa movimentos suaves e leves portando-se como uma verdadeira princesa de contos de fadas. Com sua transformação psicológica, Collins cria uma Branca de Neve menos passiva sobre o seu destino. Dessa vez a princesa não precisa de príncipes para se virar. Claro que o conceito também não é novidade e já está no senso comum de vários roteiristas que adaptam esses contos. “Branca de Neve e o Caçador” trará o melhor exemplo desta nova princesa do séc. XXI. Kristen Stewart fará Branca de Neve ser a princesa mais Maria Macho de todas. É interessante explicar também o porquê desta revolução conceitual da mulher em obras ficcionais. Com o feminismo explodindo e tomando mais força ao redor do mundo, a clássica situação da damsel in distress será cada vez menos comum em filmes, games, livros, séries, novelas etc. Também merece destaque o ótimo Nathan Lane que interpreta Brighton, o “escravo” da Rainha. Sean Bean, o eterno Eddard Stark de “Game of Thrones”, completa o elenco.
Enfim, para concluir o estudo sobre o filme, nada mais conveniente do que argumentar mais a fundo sobre a direção de Tarsem Singh. Ele já dirigiu outro grande filme que chamou a atenção do mundo pelo seu visual único construído com a melhor computação gráfica existente. “Imortais” marcou a volta de Singh após um intervalo de cinco anos longe da poltrona de diretor. Reconheço que não foi um retorno perfeito, já que o filme sofre com seu roteiro insosso e suas atuações medíocres.
SIngh deixa sua identidade no filme e algo a mais. Mais uma vez, o espectador encontrará um visual belíssimo auxiliado pela montagem criativa em algumas mudanças de cenas.
Tarsem parece ser um diretor de extremos. A violência em “Imortais” era algo extremamente brutal. Já em “Mirror, Mirror”, o diretor infantiliza a trama sempre que possível. Isso acontece muitas vezes na sonoplastia. O uso de barulhinhos toscos, onomatopéias, grunhidos abobados é freqüente. Pode-se dizer que temos um trabalho sonoro circense – o que é muito raro de acontecer no cinema contemporâneo. Se me recordo bem, os filmes clássicos dos Trapalhões utilizavam abusivamente o recurso.
O diretor também usa os efeitos visuais para infantilizar a cena duas vezes durante o filme. A primeira acontece quando ele insere um rosto em um capanga sem face da Rainha – detalhe que esses bichos já emitiam sons que beiram o ridículo. A outra se da na concepção visual interessante do monstro que assombra a Floresta. Ele também sabe criar piadas boas para os adultos, mas não consegue se livrar do carma da comédia escatológica mesmo que esta tenha sido usada de maneira criativa em uma das cenas mais divertidas do filme. Também há uma relação psicológica importante no posicionamento do palácio em relação com o vilarejo. Repare que o castelo no topo de uma encosta distante em que é possível observar todo o vilarejo. Isso deixa subentendido a opressão, a vigilância e intolerância que a Rainha tem para com os aldeões.
Tarsem acerta ao fazer uma Branca de Neve que não é uma completa imbecil como aquela imortalizada por Disney em 1937. Isso é evidente no fim do longa quando a lendária maçã aparece. Percebendo o tom extremamente sombrio da cena, o diretor não faz cerimônias para deixar a atmosfera mais leve em questão de segundos. É ai que se dá a segunda característica marcante de sua direção. A primeira pista está na arquitetura externa do palácio. Repare como ela remete as formas arquitetônicas asiáticas, principalmente a indiana se tomar como referência o Taj Mahal. As torres do palácio emanam arte asiática, seja nos finiais, nos amruds ou nos tambores.
Outras influências asiáticas aparecem ocasionalmente nos figurinos. Toda essa influência oriental vem a tona com a cena final. O filme acaba com uma dancinha a estilo “Jai-Ho” de “Quem quer ser um Milionário?”. A canção da cena é igualmente viciante e claramente inspirada nas músicas indianas. Claro que foi o gênio Alan Menken que a compôs – ele é um compositor extremamente famoso da Disney. Já ganhou oito Oscars. Mas por que inserir tantas referências orientais, principalmente indianas, em diversos aspectos do filme e ainda terminar a obra com a influência mais do que gritante do cinema de Bollywood? Ora, isso é simples de responder. Tarsem Singh é indiano.
A história ainda não acabou…
Se, por algum motivo, você está explodindo de ansiedade para assistir mais filmes sobre o conto da Branca de Neve, basta aguardar até junho. A estréia de “Branca de Neve e o Caçador” terá uma crítica confirmada aqui no site.
“Espelho, Espelho Meu” é um filme divertido. Conta com inúmeros pecados, falhas gritantes de roteiro, sonoplastia demasiadamente idiota, montagem mal realizada em algumas cenas e um diretor que ainda está aprendendo a reger sua orquestra. Entretanto, as atuações de qualidade, o departamento de arte competente, a estética fílmica única de Tarsem Singh e, talvez, a musiquinha alegre no final do filme fazem valer o ingresso.
Crítica | Sucker Punch: Mundo Surreal
Você sabe o que é um “sucker punch”? É um golpe banalizado pelo boxe e amplamente utilizado em lutas de rua. Trata-se de um soco oportuno na face do adversário e, geralmente, o agressor tira as forças de suas vísceras para acabar com a luta com o golpe fatal. Este é o típico final blow. Já o filme, é o final blow de sua paciência.
Baby Doll é uma recém-órfã que teve diversos problemas com seu padrasto. Isso resultou no sua passagem só de ida para o sanatório Lennox House onde sofrerá uma lobotomia. Lá ela descobre que é possível escapar de seu trágico destino com a imaginação e a fantasia. Em sua cabeça, o manicômio torna-se um cabaré onde todos ficam hipnotizados com sua “dança”. E enquanto dança, distorce a realidade criando um mundo cheio de perigos que oferece os instrumentos para sua fuga: mapa, fogo, chave, faca e um mistério…
Infelizmente nem tudo era imaginário
O roteiro de Zack Snyder e Steve Shibuya seria um ótimo game, mas nunca um excelente filme. Infelizmente, ele escolheu a opção cinematográfica e assinou o óbito de sua obra insana. A trama é praticamente inexistente, apenas serve de desculpa para inserir seus universos fantásticos mirabolantes onde as protagonistas detonam alguns zumbis nazistas, dragões, orcs, samurais steampunk e robôs. Ou seja, o lado “real” da película é mal desenhado, desinteressante e vazio (embora o lado fantasioso também seja) seguindo apenas uma passagem de transição para outra cena megalomaníaca e acéfala de ação.
Entretanto, isso não seria nem relevante de escrever se o filme se contentasse em ser apenas uma idiotice despretensiosa, coisa que ele revela não ser graças a infeliz cena final. Toda besteira apresentada durante os cansativos 110 minutos de projeção é desconstruída por causa da psicologia barata a lá Pokémon/ Rocky Balboa proferida por Sweet Pea realizando uma das piores piadas de mau gosto que eu já havia escutado.
Além destes orgasmos mentais de Snyder, por mais incrível que pareça, sua história contém bonequinhos de ação – mais conhecidos como personagens. Baby Doll, Amber, Rocket, Blondie e Sweet Pea protagonizam sua história e acompanham a qualidade ruim do roteiro. Todas carecem de carisma e não deixam o espectador aflito com o destino de cada uma graças à invulnerabilidade no mundo fantástico, visto que praticamente nenhuma criatura oferece um perigo real para elas.
Fora isso, o enredo de sua história é bem previsível – na metade do filme já tinha matado o final. Ele conta também com uma reviravolta clichê que não surte o impacto esperado na plateia por causa do falta de envolvimento emocional da mesma com os personagens. E os diálogos, que são simplesmente vergonhosos pelo amadorismo da escrita. O melhor exemplo disto é a introdução de cada “missão” que as garotas encaram. Elas sempre são apresentadas ao objetivo por meio de um “sábio” (o melhor personagem que se assemelha muito ao cargo de Charlie em “As Panteras”) que conta com os piores quotes que já vi. Por exemplo: “Se você não lutar por nada, cairá por qualquer coisa!”
No entanto, nem tudo é um horror no roteiro de Snyder. A proposta de casar a imaginação com a ideia de liberdade é bem interessante. Também comporta as escapadas para o imaginário como fases de games com objetivos muito bem definidos. Algumas coisas conseguem até beirar a genialidade como a identificação dos personagens e dos itens em suas versões fantásticas e originais. Por exemplo, o porteiro do hospício com um isqueiro qualquer para a figura canastrona do prefeito com o ornamentado isqueiro dourado. Tudo isso surpreende somente uma vez e depois, a repetição infinita de elementos ultrapassados acaba por se tornar enfadonha.
Ilustrando a imaginação do outro
Contando com as sinuosas beldades Emily Browning, Abbie Cornish, Jena Malone, Vanessa Hudgens, Jamie Chung e Carla Gugino, conseguem ser sensual ao exxxtremo, mas não chegam nem perto de entregar uma atuação de qualidade.
Emily Browning é a protagonista de bochechas rosadas, mas sua atuação não faz jus à importância de sua hierarquia. Sempre com sua cara patética, convence no inicio, mas quando sua figura tem a obrigação de tornar-se fantástica, ela está lá com a mesma cara de pôquer do início da fita. Um ponto positivo de sua atuação fora os litros de lágrimas que ela conseguia reproduzir a todo instante
Vanessa Hudgens, Jena Malone e Jamie Chung são estereótipos de taras sexuais masculinas (loira, morena, asiática) e entregam o que foi pedido sem esforço e também sem atrativos, há não ser o sexual. Abbie Cornish é a única que se esforça e consegue surpreender bastante com sua personagem. Diversas vezes deu para sentir que ela realmente queria interpretar ao contrário de suas colegas automáticas. Carla Gugino comparece sem destaques, apenas com um sotaque russo medonho.
O elenco masculino exacerba a canastrice com a caricatura de seus personagens. Cada um com uma participação pior que a outra sendo que o líder do ranking é Oscar Isaac encarnando o canalha mor. Seus momentos variam e de vez em quando se sai bem, afinal nada consegue ser ruim por completo. Scott Glenn pega o melhor personagem e se diverte com o papel, aliás, qual homem não teria um grande sorriso no rosto contracenando com menininhas em trajes reveladores. Entretanto, é uma pena que seja seu personagem seja o profeta das piores falas do elenco inteiro.
Apresentando: “Epilepsia”
Larry Fong repete a dose fotográfica em outro filme de Snyder. Depois das belas imagens e cores de “300” e “Watchmen”, surpreende mais uma vez. Entretanto, realizou tudo com uma grandiloquência e exagero – coisa que não aconteceu nos outros filmes.
As cores de “Sucker Punch” são mortas e acinzentadas com um tom bucólico, muitas vezes, frio e pálido. Ela é escura até no mundo fantástico assumindo contrastes pesados e parcialmente enjoativos. Fong estapeia a plateia com um plano mais belo que o outro, mas faz isso incessantemente. Imagine comer seu doce favorito. Agora imagine comer seu doce favorito durante 110 minutos, sem água! Já deu para sentir o drama.
O bombardeio visual é tão intenso e desregulado que enjoa e não deixa o espectador de queixo caído após acostumar com a beleza estonteante. Consequentemente ele não fica ávido por mais – a chave mestra do Show Business. A moderação é o segredo de qualquer coisa e o exagero é o protagonista de Fong desmerecendo seu magnifico trabalho. Esta caracteristica é perceptível durante o filme inteiro, porém durante a cena do trem tudo é multiplicado por mil onde a câmera que já era inquieta, acha ângulos impossíveis enquanto rotaciona em 360º com bullet time – o efeito consagrado por “Matrix”.
De vez em quando, Fong se atrapalha para bater o tom das cores em outro ângulo. Diversas vezes pude observar uma variação considerável no tom acinzentado da película, uma coisa que a pós-produção poderia ter corrigido sem o menor esforço. Essas falhas fotográficas geralmente ocorrem nas cenas de interiores do cabaré, principalmente no interior esverdeado onde Madame Gorski treina sua meninas.
Os efeitos visuais baterão de frente com os do novo “Transformers” pela qualidade inacreditável. Todos belos cenários do mundo imaginário são composições dos animadores competentes. Até mesmo quando é necessário modelar as beldades adolescentes, conseguem fazer tudo de forma orgânica e verossímil. Fora o feito histórico da realização do dragão melhor trabalhado das últimas gerações.
A direção de arte também acompanha a qualidade técnica impecável do filme compondo os cenários do cabaré e do sanatório com todo aspecto e charme dos anos 60 misturado com a sujeira envelhecida do reboco detonado da parede manchada com espelhos enferrujados. O figurino marca pela bela e provocante caracterização fetichista de cada personagem.
O videoclipe sem fim
A música conseguiu desvalorizar ainda mais a fotografia de Fong. Ela tem um papel muito importante no roteiro – Madame Gorski aperta o play do toca fitas para a pancadaria começar.
Infelizmente isso concebeu uma cara de videoclipe para todas as sequencias de ação, o que não é bom, afinal, filme é uma coisa e videoclipe é outra. A trilha original é composta de mixagens e de reinterpretações de algumas musicas, entre elas “Where’s My Mind”, “Asleep”, “Army of Me”, “Love Is The Drug” e “Sweet Dreams” (esta conta com o melhor videoclipe). No entanto, a mixagem de “I Want it All” do Queen ficou bem ruim e dificilmente agradará alguém.
Novamente marcada pelo excesso, as musicas não empolgam servindo apenas para preencher as pancadarias femininas decorrentes e repetitivas. Os ótimos efeitos sonoros aguçam a audição pela barulheira das explosões e gritinhos, mas mais uma vez o exagero das doses cavalares de imagens fantásticas, acompanhadas por músicas góticas com um barulho altíssimo, quase faz o espectador ter um AVC durante a sessão.
Zack Snyder, o imprevisível
Após realizar feitos inestimáveis na carreira que dariam inveja a qualquer diretor, entre eles os já citados “300”; “Watchmen” e “Madrugada dos Mortos”, Snyder resolve colocar sua imaginação no papel quando, na verdade, deveria ter ficado em sua cabeça.
Muitos sabem que Mr. Snyder é uma concepção visual do séc. XXI. É fácil identificar um filme seu graças à fotografia marcante de Fong que sempre trabalha com ele e os tão famigerados slow motions. Aqui o efeito também aparece em excesso, a ponto de ser inserido até quando um balde cheio de batatas se espatifa no chão. Os atores ficaram a mercê da própria sorte que estava ausente durante as filmagens assim como Snyder. É bem preocupante um diretor dar tanto destaque com o visual (aqui se inclui as interessantes lutas coreografadas) a ponto de esquecer os seres que está filmando, vide o caso de Vanessa Hudgens.
A direção dele é bem pesada no início, destacando o assassinato, estupro e violência doméstica. Porém este tom fúnebre/mórbido não acompanha a jornada para o fantástico.
Outra característica do diretor é a brutalidade muitas vezes acompanhada de mutilações sangrentas, mas sua opção de abaixar a censura da fita pode ter comprometido um pouco a diversão. Aqui o sangue dá lugar à poeira, luz, engrenagens e ao vapor. A maturidade de “Watchmen” também vai embora e deixa Snyder criar seu paraíso masturbatório jovem estúpido, recheado de referências atuais de animes, RPGs, games e universos paralelos que muitos adorarão e alguns odiarão.
Sucker Punched right in the face!
Ao contrário de “Scott Pilgrim”, “Sucker Punch” é um filme/videoclipe cansativo, extremamente repetitivo, uma overdose de “atualidade”, exagerado e instável, apesar de ser tecnicamente impecável. Ao tentar fugir do que ele é, põe em cheque toda composição do filme. Ele pode ser um prato cheio para amantes do gênero e do mundo abordado que você pode conferir no trailer. Apenas lembre-se de desligar o cérebro, uma coisa que eu me esqueci de fazer e, que com toda a certeza prejudicou, e muito, a hipnose da dança de Baby Doll.
Crítica | Terremoto: A Falha de San Andreas
Por diversas vezes Hollywood já nos apresentou vislumbres do fim do mundo ou de situações de cataclismo. Porém, não era somente o mundo que ia pelos ares, mas também a qualidade cinematográfica que, em si, já não eram grandes coisas. Roteiros repletos de furos, frases de efeito, personagens caricatos, comédia pastelão. Quase todos esses elementos fazem parte dos filmes de Roland Emmerich – considerado o maior pedigree do gênero ou de Michael Bay – outro perito no assunto. Porém, Brad Peyton foge um pouco desses vícios. Ainda bem. Mas entrega um filme bem normal.
Nós acompanhamos as desventuras do bombeiro especializado em resgates, Ray e do sismólogo Lawrence. Ray, em meio a uma separação, tem que conciliar sua exigente profissão com as horas de lazer com sua filha, Blake, além de resolver as pendencias do divórcio com sua ex-mulher, Emma. Enquanto isso, Lawrence e seus alunos desenvolvem um novo método para prever terremotos. Em meio a isso tudo, ele prevê que a famosa falha de San Andreas está para romper dando origem ao maior terremoto já visto na história da humanidade. Nisso, após alguns desencontros, Ray terá de usar os recursos que o corpo de bombeiros oferece para resgatar sua família enquanto a terra treme.
O texto assinado por Carlton Cuse, Andre Fabrizio e Jeremy Passmore é repleto de clichês, como esperado. Porém, junto com o diretor Brad Peyton, eles conseguem apresentar alguns vislumbres mais realistas durante as transições das frenéticas cenas de ação. Entretanto, já com tantos filmes catástrofe que apresentaram mais complexidade como Guerra Mundial Z, Terremoto perde bastante. Aposta na zona segura, como de hábito. Durante o colapso da costa oeste dos EUA, Peyton exibe algumas reações mais factíveis, realistas. As pessoas jogam a ética no lixo, depredam, roubam, etc. Trata-se da sobrevivência do mais forte.
O mais interessante é como o diretor insinua a ambiguidade do herói Ray, interpretado pelo sempre ótimo Dwayne Johnson. Em seus minutos iniciais, o longa aparenta seguir uma narrativa de heroísmo e trabalho dos bombeiros durante a catástrofe, mas logo tudo muda e se concentra em três narrativas: a busca de Ray por sua filha, a tentativa de sobrevivência de Blake e o núcleo cientifico e didático de Lawrence. O bizarro é ver como o protagonista abandona seu posto para resgatar seus familiares utilizando diversos métodos, digamos, ilegítimos. A ênfase dada para a profissão e heroísmo dos bombeiros é posta completamente de lado. O filme perde com isso. Vira apenas uma narrativa simples e sem graça de uma história que já vimos milhões de vezes antes. Os diálogos são bem limitados, genéricos e, pior, repetitivos e martelam sobre a iminente redenção do protagonista graças a um fardo do passado, completamente clichê.
Porém, o roteiro não é abismal. Já fico contentíssimo que não tenha pendido para a caricatura de personagens como os filmes de Emmerich ou a ação desenfreada de Michael Bay. É apenas algo normal, rotineiro para Hollywood e para nós. Peyton dirige bem, porém seu filme é brega do início ao fim. Consegue tornar o terremoto algo realmente incrível de se contemplar – inclusive consegue destruir a ponte Golden Gate de um jeito bem inusitado. Os efeitos visuais são um espetáculo à parte. Apenas a modelagem de seres humanos virtuais é meio vagabunda. Sempre quando o plano envolve gente sendo arremessada, pisoteada, explodida pelos ares, perde-se qualidade nos efeitos – as pessoas ficam com aspecto borrachudo.
O que torna o filme é brega é a encenação de Peyton. O filme orbita o melodrama descaradamente. As motivações dos personagens são clássicas do gênero e os close ups com diversas expressões de terror, desespero e desalento, abundantes. Parece que às vezes o diretor tenta forçar uma empatia maior aos personagens buscando gerar alguma emoção. Entretanto, isso não funciona. Usar exageradamente a trilha sonora, principalmente no clímax do filme, também não ajuda.
Terremoto: Falha de San Andreas entrega mais do que promete. Sem dúvidas é um filme fraco, mas que conta com atuações boas de Dwayne Johnson e Paul Giamatti, além de caos e destruição realizados com maestria pelos magos dos efeitos visuais. Tirando isso, não há muito o que explorar nesse filme. Se você gosta de filmes catástrofe, este é um filme obrigatório. Aliás, se possível, e se for viável, assista ao filme em sua versão 4D. Assisti o longa inteiro com um baita sorriso no rosto graças a esta tecnologia. É algo incrível e que agrega muito a experiência do espectador, além de ser muito divertido. Para terem uma ideia, apesar de eu já ter visto alguns filmes em 4D, apenas um, Gravidade, julguei merecedor do meu dinheiro. Finalmente, posso recomendar as trepidações, espirros d’água, giros, ventos, sopros e luzes que realmente fazem a diferença em Terremoto. Portanto, atente que a nota que darei para o filme é baseada na versão 4D. Com certeza, se eu tivesse visto a versão normal, o filme teria uma nota diferente.
Crítica | A Forca
O terror talvez seja o gênero mais frágil de algumas das artes, tanto na literatura quanto no cinema. Ele é fácil de replicar, construir e elaborar, assim como é ainda mais fácil de criticar, destruir e cair no esquecimento rapidamente. Qualquer proposta de argumento, por mais ruim que seja, pode transformar-se em um roteiro em potencial. Este A Forca é o melhor exemplo disto. Ele escancara como o gênero está banalizado, um efeito que se agravou muito depois da comercialização do formato found footage. As produtoras descobriram uma mina de ouro com o filme que revitalizou o subgênero, Atividade Paranormal. Algo extremamente barato de se produzir que traz um retorno gigantesco. É difícil perder dinheiro com produções como esta.
No caso de A Forca, os diretores e também roteiristas Travis Cluff e Chris Lofing, trabalham em algo que poderia se aproximar de uma lenda urbana. O filme inicia com uma gravação cheia de rabiscos exibindo a peça The Gallows que os alunos do ensino médio da escola local preparam. Porém, no clímax da peça, algo dá terrivelmente errado. Um aluno, Charlie, morre enforcado acidentalmente na forca construída especialmente para a peça.
20 anos depois, algum professor teve a brilhante ideia de encenar novamente a peça tabu. Porém, o aluno selecionado para atuar o mesmo personagem que era de Charlie, é simplesmente um péssimo ator. Seu amigo, Ryan, forma um plano para poder livrar Reese da maior vergonha de sua vida. Na noite que antecede a estreia da peça, Reese, Ryan e sua namorada, Cassidy, invadem o auditório onde o cenário está montado com o intuito de destruir a peça e cancelar o evento. Porém, após algum vandalismo, algo dá terrivelmente errado. O fantasma de Charlie os amaldiçoa e passa a persegui-los por tentarem destruir a peça. Aquela fatídica noite se torna o pior pesadelo imaginável para os três personagens.
Com a sinopse, deve ter dado para perceber que A Forca seria uma excelente história que um adolescente bêbado contaria para seus amigos durante uma noite fria em qualquer acampamento meia boca. Porém, como filme, essa proposta se torna risível exatamente por nunca justificar sua mitologia ou tentar ser algo próximo do racional – inclusive no modo de filmar.
De início, o espectador é obrigado a acompanhar os oitenta minutos de projeção com os personagens mais irritantes que já tive o desgosto de conhecer quando se trata de filmes de terror. Todos baseados em estereótipos que já foram explorados exaustivamente. Os personagens, histéricos, simplesmente não acrescentam nada, a empatia torna-se impossível. Apenas cumprem seu propósito para divertir o sadismo do público.
Sobre a história, ele infelizmente tropeça por jogar as coisas na tela sem alguma preocupação em estabelecer algum firmamento antes. Por exemplo, nunca é justificado porque estão encenando novamente uma peça que já trouxe muitos problemas para a escola. Já outras, beiram o ridículo. Quando os personagens resolvem destruir o cenário, eles têm a brilhante ideia de chutar algumas plantas que configuram a decoração do lugar. Essa encenação chega a ser cômica, pois as plantas apenas se espatifam no chão, mas nem chegam a quebrar os vasos.
Os dois roteiristas também precisam entender que os filmes found footage em geral exigem um bom trabalho de diálogos. Aqui os diálogos somente passem a atingir o nível do aceitável quando o terror realmente começa. Os vinte minutos introdutórios são sofríveis pelo amadorismo da escrita e também por se centrar a verborragia no ator mais fraco do filme – Ryan Shoos.
O único ponto positivo do texto da dupla é a reviravolta final – algo bem característico de contos de terror que postam na internet, mas que ainda não fora explorado apropriadamente pelo cinema.
Já na direção, a dupla se sai melhor, porém é bom lembrar como o conceito do found footage é extremamente funcional para o terror. Com a transferência da perspectiva para a primeira pessoa, o estresse e o medo de toda a encenação proposta por esses filmes tornam-se muito mais eficientes, pois o espectador não está mais na posição privilegiada da terceira pessoa acompanhando tudo com distância. Nesse caso, o terror é palpável, algo capaz de nos atingir. Ou seja, é algo fácil criar a tensão almejada com esse formato.
Pois é justamente isso que os dois fazem muito bem. Eles assimilam a linguagem do formato de modo competente – não há dúvidas disso. Alguns enquadramentos bem ensaiados e muitos movimentos lentos de câmera configuram a tensão crescente na cena. Mas é somente isso, a atmosfera que aterroriza. O design de produção é excelente em conseguir tornar os corredores abandonados, as salas e outras localidades da escola em cenários completamente aterrorizantes com poucos elementos. A fotografia também auxilia bem ao trabalhar com poucos pontos de iluminação de cena – o melhor exemplo é a bela modelagem, falseada obviamente, da luz vermelha que inunda uma escadaria enquanto um personagem está em prantos.
Com essa boa antecipação e criação de atmosfera, os dois diretores começam a falhar quando resolvem simplesmente destruir essas características. Isso ocorre, pois em diversos momentos, eles reiteram a cena com pontos de vista diferentes. Uma vez que os personagens se separam em breves momentos, eles decidem exibir o que aconteceu com cada um deles. Uma cena gravada com a câmera 1 acompanhando um grupo de personagens e depois outra gravada com a câmera de algum telefone celular de outro personagem. Porém, ao exibir o que aconteceu com o personagem x a partir desse ponto de vista, eles simplesmente destroem o terror que seria causado na cena seguinte.
É simples. Uma vez que o espectador tem ciência do que aconteceu, o mistério desmorona, e graças a falta de empatia com os personagens, ele também não liga para o que pode ocorrer com eles logo em seguida.
Eles também se firmam em muitas muletas de encenação que infelizmente são utilizadas em demasia pelos filmes de terror atuais. A maldita sonoplastia exagerada dos sons graves. Com o intuito de causar o incomodo na plateia, essa frequência de som é o sinal de que um susto está por vir. É chato observar isso, pois somente o silêncio já é suficiente para gerar a tensão com a encenação correta. Graças ao uso recorrente deste macete, o espectador já se prepara para o susto... Ou seja, não há o susto verdadeiro. Quando eles realmente conseguem assustar, trata-se apenas de jump scares. Sustos oportunos e gratuitos – famosos em vídeos idiotas do YouTube.
Afundando de vez seu terceiro ato, a partir do momento que se revela o espectro, toda a sensação de medo e insegurança vai embora. Isso acontece por causa do visual do personagem Charlie, o fantasma camarada. É simplesmente tosco. Uma fantasia de segunda mão do infame inimigo do Batman, Espantalho. Além disso, a encenação que envolve o personagem também não ajuda, pois ele sempre aparece em cena empunhando uma forca ao lado de seu corpo. Pela terceira vez que isso acontece, não é possível conter o riso – acredite, o resultado final é muito brega.
Não satisfeitos, os diretores mandam todo o trabalho pelos ares com a última cena do filme. A síntese do quão brega e ridículo este filme é.
A Forca é a síntese do que há de errado com o cinema de terror contemporâneo. Um ótimo marketing e um péssimo resultado final com o uso de diversas técnicas e formatos já dúbios do gênero que procura atalhos e fórmulas mágicas para o sucesso. O raciocínio estúpido de seus personagens, a verborragia intensa de Ryan no primeiro ato, a falta de empatia, o tosco antagonista clichê, a história que mal consegue se sustentar e a autodestruição completa de atmosfera são os responsáveis pelo fracasso que esse filme obteve tanto em crítica como em retorno de público.
Logo em seu início, há um diálogo no qual um personagem diz: - Uau, eles realmente fizeram um ótimo trabalho na Forca. Realmente, no adereço que enfeita o cenário, o trabalho é bem feito. Agora quando se trata do filme, esse elogio passou a anos-luz de distância.
De fato, uma excelente ironia.
P.S.: para quem não sabe, o infame joguinho Charlie, Charlie – similar com o jogo do compasso, que deixou escolas e pais em pânico e revelou o quão fácil é gerar uma histeria coletiva na sociedade, era a principal peça de divulgação do filme.
Crítica | O Franco-Atirador
Por onde andava Sean Penn? Um dos atores mais respeitados do cinema internacional desapareceu no ano de 2014 sem participar em nenhum lançamento. Fora que não é algo frequente ver o veterano atuar em muitos filmes. Entretanto, depois de ter visto a O Franco-Atirador, me perguntei “que raios levou ele a atuar em uma besteirada dessa? ”.
Certamente não tenho a resposta para essa pergunta e muito menos para a também clássica “Javier Bardem está nisso também?!”. Mas o que posso responder para você, co leitor, é que você já viu esse filme. Muitas e muitas vezes antes. O Franco-Atirador é mais um thriller de ação/espionagem/conspiração completamente genérico, mas com grandes nomes no elenco e conta até com o diretor inconstante Pierre Morel.
Um dos maiores problemas do filme é o roteiro escrito a seis mãos – sempre quando existem muitos roteiristas para uma obra só, o resultado de sair algo catastrófico é alto. Sean Penn, Pete Travis e Don Macpherson assinam essa adaptação da obra homônima de Jean-Patrick Manchette. Como não li a obra original, não posso afirmar com toda a certeza de que o roteiro é ruim por preguiça de roteirista ou se é porque o livro é ruim mesmo.
De todo o modo, o filme não te cativa de jeito algum. Nós acompanhamos a história de Terrier, um voluntário de uma ONG que socorre as vítimas da guerra civil na República Democrática do Congo. Terrier tem um romance com Annie, a médica da unidade na qual trabalha. Porém, o voluntariado do protagonista é apenas uma farsa. Ele na verdade é um mercenário de um grupo contratado para assassinar o Ministro das Minas do país.
Felix, líder do complô, apaixonado por Annie, ordena que Terrier dê o tiro certeiro para que suma do mapa. Anos após o assassinato, o mercenário começa a ser caçado vivo em uma clara tentativa de queima de arquivo. Desesperado, ele procura todos os seus recursos e amigos para descobrir quem está o caçando e isso incluí reaparecer na vida de sua ex-namorada, Annie.
Nessa história toda, o espectador com alguma bagagem cinematográfica conseguirá acertar todos os pontos essenciais e reviravoltas que o filme traz. Ser completamente previsível não é uma coisa que nenhum filme almeja. Porém, a previsibilidade não é um problema tão chato como os outros que existem aqui.
Logo no início, é possível perceber que Pierre Morel queria que seu filme fosse algo relevante. Quase uma denúncia social sobre a miséria africana. Em uma montagem de telejornais, o diretor joga diversas informações sobre caos, abusos, morte, fome etc que pairam sobre o país. Entretanto, depois de toda essa ênfase na África, o filme dá uma guinada para a Europa como se boa parte do primeiro ato não tivesse existido. Por exemplo, para resolver um conflito complexo quando caçam pela primeira vez Pierre, os roteiristas, depois do tiroteio, resolvem a cena com algumas ordens que o protagonista dá para seu assistente.
Voilà! Tudo está resolvido. O trabalho de caridade que o protagonista praticava some do mapa assim como alguns personagens. Não há problema largar algumas características para dar continuidade a narrativa, porém do modo que feito aqui, algo completamente apressado e superficial, chega a ser tosco.
Essas resoluções nada imaginativas dos conflitos se repetem durante o filme inteiro, infelizmente. Isso inclui a saída que Terrier encontra para culminar no clímax do longa – uma chantagem que nenhum veterano de um grupo de mercenários em uma missão ilegal faria, pois nunca seu superior cometeria um erro tão grotesco.
Fora isso, os personagens são mal construídos, porém o mais afetado é Felix, preso em um triangulo amoroso. O personagem de Javier Bardem é completamente bipolar. Um homem que é apresentado como racional e ardiloso para conseguir seus objetivos, alguém realmente perigoso, para então virar um bêbado covarde que age de modo completamente insano. E isso acontece de uma cena para outra.
Obviamente que a atuação de Bardem fica completamente prejudicada. O ator parece estar fora de tom em algumas cenas, mas não há como culpá-lo já que ele cumpriu o texto maluco, aparentemente.
Já Terrier, interpretado por Sean Penn, é um personagem de uma nota só e a atuação do lendário ator não ajuda muito. Sem fugir do clichê, ele é um matador nato, porém com diversos problemas de saúde – esses bem insossos já que o diretor do filme só sabe expressar imageticamente a dor que o personagem sente da mesma maneira em diferentes, e muitas, cenas.
O protagonista também é superficial, um homem chato, completamente desprovido de carisma e um tanto irritante em sua paranoia. Isso se deve muito pela atuação genérica de Sean Penn. O ator não tem boa presença em cena mantendo a mesma expressão praticamente no filme todo. Acredito que todos saibam como é difícil acompanhar uma história inteira quando o protagonista não te cativa de jeito algum.
Fora isso, Pierre Morel não inova em nada. A ação é igualmente chata com coreografias bem genéricas. Entretanto, na maioria das vezes – quando ele não pesa a mão para tornar o óbvio ainda mais óbvio, tudo é muito bem feito e decupado, logo, o filme não chega a ser um desastre completo. Mas o diretor deveria sim ter se preocupado mais com o elenco. Parece que ele deu carta branca para todos atores interpretarem o texto da maneira que quisessem. Foi um tiro no pé
O Franco-Atirador é um filme completamente sem graça. O roteiro é totalmente genérico, mas tenta ser relevante em seu início. Ainda acumula muitos erros como os diálogos empobrecidos e personagens chatíssimos – só se salvam Idris Elba e Ray Winstone garantindo um carisma até então inédito para a obra. Pior ainda é o antagonista que não consegue gerar antipatia ou simpatia em ninguém.
Os dois principais nomes, Penn e Bardem, são mal aproveitados. A direção, apesar de ser cuidadosa, não consegue te manter entretido ou suficientemente interessado no desenlace extremamente previsível de cada conflito apresentado.
Em meio a sua busca por um estudo social ou até mesmo uma crítica política, O Franco-Atirador mira pelo reconhecimento engrandecedor, mas só acerta mesmo o seu bolso com um dardo preenchido de tédio.
Crítica | Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível
Mais uma vez a Disney aposta em filmes baseados em seus brinquedos temáticos de seus parques gigantescos. Porém, ao contrário de Piratas do Caribe que conseguiu se sustentar com uma ótima história, direção e atuação, Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível de Brad Bird não consegue absolutamente nada disto. A proposta é ótima – falar de utopias enquanto Hollywood aposta nos sempre rentáveis filmes de apocalipse ou de distopias – além de ter sido um projeto importantíssimo para Walt Disney que pensava em Tomorrowland como um projeto viável e possível de planejamento urbano. Pena que, provavelmente, ele sairia bem decepcionado com o resultado final do filme.
O longa começa com um verdadeiro tiro no pé: o famigerado uso da quebra da quarta parede – quando o personagem se dirige diretamente ao público ignorando o aparato cinematográfico. Aqui o uso da técnica é bem alegórico, a justificativa final é rasa e, pior, quando é apresentada, não encaixa com o começo do filme. Depois de muita conversa e irritantes interrupções, a história progride.
O pequeno John Francis Walker viaja até a World Fair de 1964 a fim de apresentar sua nova invenção. Porém, ele não consegue surpreender Nix, um dos jurados da feira e acaba reprovado. Athena, entretanto, uma misteriosa garota que acompanha o homem, dá um broche de presente para John, pois enxerga potencial nele. Esse broche serve como portal para a dimensão futurista e próspera de Tomorrowland. Passam-se os anos e Casey, uma sonhadora otimista, se depara com outro broche único que a convida para a cidade utópica. Encantada com o que presenciou, a garota se lança em uma jornada para encontrar alguém que possa leva-la até a terra prometida. E esse alguém é justamente John Walker, agora já adulto e cheio de rancor e mágoa com o lugar que já foi seu lar, além de ter ciência de um terror que afetará o mundo inteiro em pouco dias. Entretanto, Casey pode ser a peça que faltava para ajudar em sua redenção e livrar a Terra de um período sombrio.
O roteiro, do inconstante Damon Lindelof e Brad Bird – diretor do filme, é uma tristeza em diversos pontos. Primeiro, seguindo a tendência rasteira de muitos roteiristas de Hollywood, o desenvolvimento de personagem vai para o lixo – algo que a Disney não fazia. Segundo, o filme sofre com a famigerada síndrome do último ato – apressadíssimo, atropelando a lógica construída até então. Terceiro, quanto mais se pensa na história e suas conexões, mais se percebe que muitas coisas não fazem sentido. Quarto, a legitimação do antagonista já foi usada há um mês pelo vilão de Vingadores: Era de Ultron, filme que também pertence à Disney.
Infelizmente os personagens são rasos. Sem exceção. Os únicos que tem uma pitada de complexidade são o John Walker de George Clooney e a jovem Athena, interpretada por Raffey Cassidy. A relação entre os dois é algo difícil de lidar e até polêmico. Trata-se de um romance impossível por motivos que não posso revelar, pois pode comprometer a sua experiência caso queira se arriscar a ver o filme. Entretanto, eu senti, por mais justificado que o conflito amoroso seja dentro do roteiro, uma pedofilia velada, oculta ou suprimida durante algumas passagens do e principalmente no clímax do filme – a encenação não ajuda também. Como disse, esse arco do relacionamento é algo extremamente complicado e muita gente pode interpretar de maneira agravada. Simplesmente do modo que foi apresentado, não ficou legal. Passou bem longe, aliás.
Sim, Hollywood e o público clamam por um romance em seus filmes, mas não algo que possa abrir uma margem de interpretação como esta, afinal a sugestão da pedofilia é presente. O excelente e clássico O Homem Bicentenário explorou um romance que passava por diversas fases da vida sem cair nesse limbo moral e ético. Bastava um clichê para resolver a polêmica. Implorei para que alguma solução rasteira surgisse, porém, nada acontece. Me atenho a isto neste caso por se tratar de um filme da Disney – se fosse uma produção mais adulta com um gênero diferenciado e que tivesse função narrativa relevante, o julgamento seria bem diferente.
O problema reside justamente porque o estúdio é reconhecido por seus filmes família e animações infantis. Apostar em uma característica tão fora de contexto com o resto de suas produções é um erro crasso. Simplesmente não adiciona nada para o filme e pode virar uma mancha em sua história.
Resumindo, nunca vi a Disney errar tanto ao utilizar uma criança na narrativa de seus filmes como neste caso.
A protagonista Casey Newton, vivida pela efusiva Britt Robertson, torna a jornada mais enfadonha. A escolha da garota para ser a heroína nunca é satisfatoriamente justificada. Ela é apenas “especial”. Ponto. É isso que o roteirista martela diversas vezes em muitas cenas. Aliás, os diálogos são redundantes e repetitivos, característica de Lindelof. Você vai se deparar com muitas discussões parecidíssimas entre John e Casey durante a metade do filme para o final. Aliás, outro erro é apresentar George Clooney depois de mais de uma hora de projeção acompanhando outros personagens ou Casey que não conseguem sustentar seu interesse até lá. Quando finalmente Clooney aparece, o filme ganha algum vigor até ele cair no mesmo marasmo de desenvolvimento. Completando, Lindelof insiste nos clichês. Walker é o velho amargurado reclamão. Casey é a sonhadora utópica. E Athena é uma mistura de Hit-Girl com Pequenos Espiões.
Já preso com personagens que simplesmente não adicionam nada ou ajudam pouco para ganhar sua empatia, ainda recebemos de brinde um bolo de história que traz uma mensagem tirada diretamente dos livros O Segredo de Rhonda Byrne. Lindelof também pouco se importa em agregar algum conteúdo a mitologia desse filme. Tomorrowland é um lugar onde nada tem história. Nunca conhecemos de fato a utopia, como ela surgiu, sua cultura, sua política, o método de vida de seus habitantes, etc. Aliás, passamos mais tempo de tela fora da cidade do que dentro. Outra bola fora. Engraçado como um filme que se vende como inovador sustenta boa parte do segundo ato em uma típica perseguição de mcguffin boboca.
O filme também é meio esquizofrênico em relação ao seu didatismo. Por exemplo, em uma mesma cena, Walker reclama que não vai explicar nada para Casey. Um minuto depois, logo está ensinando tudo à garota. Isso é constante no longa. Explicar nada para depois soltar uma verborragia infinita.
O último ato é o que mais sofre com isso, pois ele não encaixa em diversas formas com o que foi apresentado até então. A Tomorrowland de outrora não corresponde com a cidade apresentada aqui por um motivo que não faz sentido dentro do universo da utopia, já que um diálogo deixa isso claro. Lindelof também não consegue achar alguma lógica para o conflito final. A resolução é totalmente estúpida e põe em cheque a escolha de Casey como heroína, afinal para que uma otimista quando um simples John Mclane poderia resolver a situação? Difícil aceitar que Walker, apresentado como um garoto pródigo, não teria sacado a solução do problema logo de cara. Por que a protagonista que não apresenta nada de extraordinário é convidada para a utopia de pessoas extraordinárias? Por que o epílogo do filme não é coerente com a proposta de reforma de Tomorrowland? Por que levantar algumas características interessantes e jogar tudo no lixo no final?
Se eu continuar me atendo ao roteiro, este texto não terá fim. A maior culpa de Tomorrowland ser um fracasso paira sobre o péssimo roteirista que Lindelof é. Brad Bird tenta ser péssimo, mas felizmente atinge a mediocridade em sua direção – algo inaceitável para alguém com tanto talento como ele.
Ele continua com sua câmera bem movimentada que conta os detalhes do cenário para o espectador – algo que valoriza muito o design de produção do longa. Além disso, ele também a usa como função narrativa. Exibe características que justificam conflitos posteriores. E trabalha muitíssimo bem a questão do ponto de vista e de escuta graças às criativas transições de cena geradas pelo broche. Entretanto, mesmo com esse trabalho genial de câmera e enquadramentos belíssimos, Bird não consegue tirar seu filme do marasmo. As sequencias de ação simplesmente não empolgam. Talvez por conta de muitas coreografias serem parecidas com às de filmes lançados há pouco ou que já possuem forte imaginário popular como Os Vingadores e Monstros S.A. – algo completamente estranho à Brad Bird porque ele já dirigiu filmes explosivos como Os Incríveis e Missão Impossível: Protocolo Fantasma.
Ou simplesmente porque é difícil ter empatia pelos personagens.
Bird consegue entregar pelo menos duas – talvez três, cenas que são sim extraordinárias. Uma foi prejudicada por conta da estratégia de marketing completamente tonta da Disney – foi exibida em diversos cinemas como uma prévia do filme, logo, acaba perdendo muita força quando é (re)exibida. Ela apresenta diversas bugigangas de Walker e torna o universo mais rico com as armadilhas a la Esqueceram de Mim. A outra é um plano sequência magnifico que apresenta Tomorrowland.
Outro ponto positivo é como o diretor consegue conciliar muito significado imagético dentro da sua encenação. Seja nos campos de trigo – representação máxima da prosperidade e alegria – que circundam Tomorrowland e no próprio design clean e futurista da cidade. Mas, por outro lado, ele também prefere prejudicar seu filme com escolhas estéticas que claramente estão fadadas ao envelhecimento da linguagem como o uso de drones, pixelização de imagens ou ao surrealismo de algumas quedas ou porradas que os personagens levam e, claro, ao já envelhecido Mickey mousing – quando a trilha musical se comporta como um efeito sonoro para a cena. Infelizmente, ele ainda consegue errar mais no clímax. Em um diálogo feito para comover o espectador, Bird insiste em quebrar a seriedade da cena com modulagens de voz e expressões faciais estúpidas – já não bastasse a cena abordar novamente o romance bizarríssimo de Walker e Athena.
Ainda em busca de Pasárgada
Tomorrowland é outro fracasso que acumula na cota das superproduções de verão da Disney. Foi assim com John Carter e também com O Cavaleiro Solitário – pelo menos esses não arriscaram nenhuma polêmica.
Além do evidente problema de marketing internacional que eles sofrem, os filmes também não são incríveis. Pior ainda é notar que O Cavaleiro Solitário é muito mais divertido e espetacular que Tomorrowland. Algo notavelmente grave já que um baseia seu espetáculo de ação em uma diegese de velho oeste enquanto esse se baseia num universo futurista repleto de possibilidades. Um filme família que não consegue divertir. Isso sim que é ironia.
É triste notar o potencial que esse projeto tinha e compará-lo com o resultado final mediano. Acredito que até mesmo uma lapidada na montagem teria melhorado consideravelmente o filme. Entretanto, temos alguns vislumbres bons aqui. A boa atuação do elenco, a fotografia sempre maravilhosa de Claudio Miranda, a trilha instrumental belíssima de Michael Giacchino e o bom design de produção. Entretanto, tudo isso não sustenta um filme. Lindelof conseguiu minar uma produção inteira com sua escrita superestimada. E Brad Bird entregou algo aquém de seu potencial. Pode ser que as produções live action da Disney precisam de uma dose da criatividade de John Lasseter – ninguém mais que o responsável por reestruturar o departamento de animações da Disney devolvendo boa dose de respeito e dignidade que foi perdido pelo estúdio em meados e durante os anos 2000.
Realmente, Tomorrowland pode ser um lugar onde tudo é possível, mas não foi desta vez que o filme conseguiu cumprir a premissa de seu título. Melhor se ater ao parque de diversões.
Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Possível (Tomorrowland, EUA - 2015)
Direção: Brad Bird
Roteiro: Damon Lindelof e Brad Bird
Elenco: Britt Roberston, George Clooney, Hugh Laurie, Raffey Cassidy, Tim McGraw, Kathryn Hahn, Keegan-Michael Key, Judy Greer
Gênero: Aventura
Duração: 130 min
https://www.youtube.com/watch?v=1k59gXTWf-A
Crítica | Noite Sem Fim
Não é de hoje que os filmes de ação carecem de substância. Uma narrativa mais profunda com personagens mais complexos. Filmes como Carga Explosiva, Velozes e Furiosos, Busca Implacável, Os Mercenários, Dredd são exemplos claros da predominância da ação e da circunstância em detrimento da narrativa e evolução de personagem.
Isso de forma alguma é algo ruim, mas certamente quando um filme nos oferece uma história mais elaborada, é algo gratificante.
O roteiro de Brad Ingelsby se concentra em Jimmy Conlon (Liam Neeson), um antigo membro da trupe mafiosa de seu amigo Shawn Maguire (Ed Harris). Seu filho, Danny Maguire (Boyd Holbrook), ambicioso, já pensa em assumir as responsabilidades de seu pai para gerir a gangue tentando trazer novas formas de enriquecimento ilícito para a família. Entretanto, Danny erra ao negociar uma nova estratégia e acaba assassinando outros mafiosos.
Em meio a isso tudo, Mike Conlon (Joel Kinnaman), motorista dos mafiosos e filho de Jimmy, testemunha o assassinato de seus clientes e foge. Danny o persegue para silenciá-lo. Enquanto isso, Jimmy descobre o ocorrido e corre para salvar seu filho. Chegando na casa de Mike, Jimmy se depara com o maior dilema de sua vida: o filho de seu melhor amigo está prestes a matar Mike.
Sem hesitar, Jimmy mata Danny. Agora, Shawn, antes seu melhor amigo, jura que vai exterminá-lo junto de toda a sua família. Agora cabe apenas a Jimmy proteger Mike e sua família durante uma noite sem fim.
Esse é o típico caso do filme de ação razoável que em meio a tantos outros ruins ou insatisfatórios do gênero, acaba se destacando. O escopo da história é muito familiar: o caso da relação problemática entre pai e filho. Entretanto, o roteirista não insere esse drama apenas nos personagens de Neeson e Kinnaman, mas também nos antagonistas Ed Harris e Holbrook.
Ele elabora uma crítica muito sútil a respeito da paternidade dessas duas figuras. Enquanto um se afastou da família, destruiu seu relacionamento com o filho e é incompreendido, o outro assume seu posto familiar e insere o filho na criminalidade do seu negócio durante a vida. Com isso, esse questionamento da ambiguidade moral, sobre quem realmente foi um verdadeiro pai para seus filhos, o longa ganha um aspecto mais sóbrio. Aliás, sobriedade é o que não falta. Este é um filme bem sério em seu teor e no drama sugerido.
O olhar do diretor Jaume Collet-Serra para essa questão é fundamental. Ele constrói muitas cenas competentes para mostrar a diferença de caráter entre Mike e Danny, o abandonado e o protegido. Claro que essa visão não foge do lugar comum que nós já vimos em diversas outras obras. Este é um filme que progride exatamente da forma que você espera, porém de modo muito divertido simplesmente porque ele é muito funcional.
Collet-Serra é conhecido por dirigir filmes de ação – Sem Escalas e Desconhecido, ambos estrelados por Liam Neeson. Ele também já dirigiu o excelente suspense A Orfã. Noite Sem Fim é uma conciliação de ação e suspense, este sempre bem explorado e correto no timing. O filme te cativa e mantém uma tensão crescente. O diretor também insere uma linguagem interessante para fazer a transição das cenas – planos sequência que rementem muito a um recurso mostrado no game Grand Theft Auto V. Toda vez que tem uma transição de cena que mudam os personagens, o diretor afasta a câmera – com auxílio da excelente computação gráfica, até o topo da cidade e o plano viaja até encontrar o personagem que protagonizará a próxima cena. Apesar de ser um efeito estranho para essa mídia, é algo bem atual e cinético. Uma nova forma para fazer transições de cena.
Além disso, o diretor sabe dosar muito bem o ritmo da montagem. Nada fica embolado em mil planos para descrever ações simples. Temos aqui um filme que é possível perfeitamente apreciar a ação das perseguições e lutas sem ficar confuso. Somente no início do filme que há um frenesi da montagem que não para de jogar planos muito rápidos em uma cena calma, algo que destoa completamente e incomoda.
Entretanto, apesar da boa condução do drama e das cenas de ação, o diretor desaponta em um dos momentos mais importantes do filme que é o confronto entre Harris e Nesson. A cena é muito genérica, não tem um elemento marcante e o roteirista não fornece nenhum diálogo sensível ou profundo. Isso é bem decepcionante pois passamos o filme inteiro esperando o desfecho dessa estranha amizade que funciona graças a química entre os dois atores.
Noite Sem Fim é um ótimo divertimento para quem procura um entretenimento que mistura ação e drama simples com boa produção. Até mesmo a fotografia de Martin Ruhe surpreende com a belíssima iluminação barroca bem sombreada. O filme possui poucos deslizes – a inserção apressada de um caçador de recompensas interpretado por Common e a trilha sonora genérica inspirada nas músicas de Hans Zimmer em O Cavaleiro das Trevas são alguns exemplos deles, entretanto o que pode tirar bastante o mérito dele é por conta de outro filme muito semelhante que estreou ano passado, De Volta ao Jogo com Keanu Reeves. Diversos pontos entre as duas histórias batem, infelizmente.
Enfim, nessa safra particularmente fraca de filmes no primeiro semestre de 2015, Noite Sem Fim é uma surpresa muito bem-vinda que justifica uma volta ao cinema para os que ainda estão em dúvida se vale a pena ver outro filme de ação com Liam Neeson.
Crítica | The Jinx: A Vida e Mortes de Robert Durst
A primeira reação que nós sentimos ao terminar de ver The Jinx é extremo desconforto. Uma repulsa que mexe com suas entranhas como se acabasse de levar um soco oportuno. É traumático. Depois, surge uma urgência para escrever sobre. A minha sorte é que pude acalmar meus demônios já que não havia uma crítica para esta obra aqui no site.
Após o “sucesso” de seu filme medíocre, Entre Segredos e Mentiras, baseado nos casos de violência que cercam Robert Durst, o diretor Andrew Jarecki recebeu um telefonema de ninguém menos que Robert Durst. A proposta era simples, Durst queria dar um depoimento em vídeo sobre sua versão dos acontecimentos da história. Esclarecer de uma vez por todas que ele não é e nunca foi um assassino em série. Completamente extasiado, Jarecki aceitou na hora.
Em algumas ocasiões nas artes, parece que o universo conspira para lhe tornar um grande realizador. Elaborar, de fato, sua obra máxima. E afirmo, com todas as propriedades, que este foi o caso de Jarecki. Tornou-se imortal pelo imponderável. De um filme regular pulou para um dos melhores documentários que já vi em minha vida, mas ainda tenho algumas ressalvas sobre o trabalho dele aqui.
Jarecki segue o bê a bá de direção de documentário para desenvolver a tenebrosa história de Robert Durst. Ou seja, temos encenações de segmentos importantes da história, entrevistas posadas e muito material de arquivo. Apenas foge do padrão ao optar por não usar um narrador. Aqui, são os entrevistados que contam as histórias e os relatos são tão fortes e emocionantes que o uso da técnica é completamente desnecessário.
Ao contrário de muitos diretores de documentário, Jarecki faz as perguntas certas. As perguntas que incomodam. Assim toda a vastidão de personagem torna-se mais complexa, mais humanas. O maior rol de entrevistados envolve o caso do desaparecimento da primeira esposa de Robert Durst, Kathleen Durst.
Nisso, como todos os grandes documentaristas fazem em casos que envolvem passados conturbados, Jarecki cutuca os piores fantasmas dessas pessoas permeando o tom triste de um luto que ronda a família da Kathleen. Seja pelos irmãos, pela mãe, pelos sobrinhos ou pelas amigas da desaparecida. Alguns sentem ódio de Robert, outros como a mãe de Kathleen, sentem pena e tristeza. Entretanto, todos concordam que foi Durst quem matou Kathleen.
E de fato, o documentário é muito mais forte enquanto se concentra em apresentar, detalhadamente, todo o caso do desaparecimento da mulher. Jarecki então desenvolve uma linha investigativa seguindo os passos dos detetives que ficaram encarregados na época mesclando as entrevistas de Durst, dos policiais e dos familiares. Aliás, durante os capítulos, às vezes, Jarecki trabalha com uma narrativa não-linear transitando entre os assassinatos de Robert. Porém, é tudo tão bem encaixado que só agrega positivamente a obra, além de contribuir para o suspense caso o espectador não conheça a história.
É interessante como Jarecki não se impõe para manipular a narrativa sob um ponto de vista. Isso já é feito pelos relatos dos entrevistados. O melhor exemplo que posso dar é no conflito entre dois policiais que foram encarregados de casos diferentes. Enquanto um defende Durst para salvar sua própria pele e ficar em paz com sua consciência vide a completa inércia que teve no caso de Kathleen, outro, responsável pela captura de Durst após ele ter matado Morris Black, se sente impotente por conta do fracasso no julgamento de Durst em Galveston no qual ele foi declarado inocente.
No momento oportuno, os dois são confrontados com uma prova que Jarecki obteve durante a produção do documentário. A reação de cada um é impagável. Entretanto, ainda estamos falando de entrevistados normais. O choque verdadeiro acontece quando conhecemos Robert Durst e sua voz cavernosa.
Com pouca observação, é perfeitamente possível encarar Durst como um velhinho qualquer, mas assim que o homem se põe a falar, a coisa desanda totalmente: o personagem é uma figura perturbada. Ao decorrer das horas de entrevistas com Durst, notamos que ele é cheio de tiques nervosos, toda a sua linguagem corporal é refletida por gestos de alguém que tenta se defender ou se justificar mesmo quando não há ninguém contestando o que ele diz, até mesmo a pronuncia de suas falas dão a impressão de que nem ele acredita no que conta para nós, afinal todas as desculpas dele são esfarrapadas. Além da frieza que ele apresenta para discutir sobre o assunto –enquanto todos os outros entrevistados oferecem depoimentos emocionados.
Há uma atmosfera de cinismo que ronda a figura de Durst. É absolutamente assustador, pois vendo as evidencias mostradas no documentário, não há a menor dúvida que o homem é um assassino.
Jarecki acerta em praticamente tudo na direção do doc. A construção e síntese narrativa são ótimas, o uso de material de arquivo suplementa as deficiências do material captado para o filme – as entrevistas da atual esposa de Durst e de seu irmão, Douglas. Já as encenações são um espetáculo a parte. Todas têm uma cinematografia belíssima digna de Cronenweth, o diretor de fotografia de David Fincher. Fora serem muito bem enquadradas e esteticamente estonteantes, Jarecki opta por utilizar o slow motion em todas elas. O efeito é simbólico. Gera a impressão de ressuscitar um passado há muito tempo esquecido, congelado. Ao reviver isso, naturalmente as coisas caminham lentamente, são memorias ressurgidas após serem suprimidas há décadas. Seguindo o hábito das encenações, o diretor nunca revela a face dos personagens sempre fazendo a fotografia ocultar os rostos por penumbras ou enquadrá-los de modo que evite a revelação.
O motivo disso é simples: como até então nunca havia sido provada a identidade do assassino, não havia rosto para mostrar. Já dos outros personagens, serve para agregar suspense na atmosfera macabra que ele conferiu a todas essas passagens. O resultado é brilhante e muito eficiente demonstrando que Jarecki aprendeu bastante desde Segredos e Mentiras onde não conseguia formular uma história que fosse ao menos bem amarrada.
Fora isso, é inesperada a mudança de formato a partir do cliffhanger do quarto capítulo. No capítulo seguinte já percebemos que ele larga um pouco a técnica clássica do documentário para ficar algo mais próximo do cinema verdade. Pela primeira vez, vemos Jarecki se tornar um personagem pronunciado, com seus próprios dramas e demônios, dentro dessa história.
Nisso, ele realiza alguns experimentos com Durst ao colocá-lo para passear em Manhattan afim de observar como as pessoas reagem à presença dele. Como esperado, poucas pessoas reconhecem o idoso bizarro passando batido na maioria dos olhos dos transeuntes. Depois disso, quando tentam retomar o contato com Durst para finalizar o filme com a segunda entrevista – essa, substancial pois haveria o confronto com a prova definitiva que colocaria Durst como culpado da suspeita de seu segundo assassinato.
Jarecki se transforma no objeto de estudo do filme, pois passa a reconhecer que Durst já desconfia que eles descobriram algo. Dentro do contexto da série, fica bem claro que quem ameaça a liberdade de Durst acaba morto. Logo, a iminência do risco de vida do autor é transparecida pela expressão amedrontada de Jarecki e refletida nas piadas dos cinegrafistas e produtores. Fora isso, o cineasta lida com a decepção em descobrir que Durst estava mentindo. Os dois tiveram uma conexão no filme. Um foi seduzido pelo outro na busca estranha por uma figura paterna. Também há o questionamento ético que Jarecki passa: ele foi justo com Durst? É justo trair e destruir alguém que colaborou com a obra que definiria a vida dos dois? Pode parecer absurdo e óbvio, mas estar na pele do cineasta deve ter sido difícil para tomar essas escolhas. As escolhas certas.
Para notar como a mudança de técnica é brusca, basta perceber a transformação da fotografia. Antes era completamente sofisticada e controlada para virar desleixada e apressada – a urgência de terminar o filme é explicita.
Fechando com chave de ouro, o mais improvável acontece. Em um dos mais raros casos da História da Televisão e do Cinema, a arte atinge a vida de modo integral. Após ser confrontado com a prova que a produção conseguiu e terminar a entrevista, Durst pede para ir ao banheiro. Sem se dar conta que o microfone de lapela ainda está ligado, Durst resmunga como um esquizofrênico enquanto lava as mãos – assim como Pôncio Pilatos. Enquanto balbucia frases amaldiçoando a equipe, o homem se trai. Ele confessa todos os assassinatos para si mesmo. E, consequentemente, para o mundo.
No campo do filme, conseguir uma revelação avassaladora dessas torna sua obra histórica na hora. Entretanto, mesmo impecável na maioria da obra, Jarecki falha em não explorar mais as memórias que tangem o relacionamento de Robert com seu pai, um homem tão desprezível quanto. Eu senti muito a falta dessa parte, pois o diretor se preocupa em estabelecer cuidadosamente a infância traumática de Durst. Na base do meu conhecimento barato de psicologia, Jarecki nos leva a crer que o cerne da violência de Durst com os outros tem origem nos eventos horríveis de sua infância.
Agora no extracampo, depois da grande repercussão internacional que o documentário teve, Durst foi preso nas vésperas do último capítulo – o que levou a audiência nas alturas, e aguarda julgamento – pena de morte. Porém, o caminho até isso parece ter sido tortuoso segundo as entrevistas da produção do filme com a imprensa. As três entrevistas e um artigo revelador do New York Times revelam que a equipe não estava colaborando o tanto que deveria com a polícia afim de guardar provas para o grand finale do seriado, incluindo o áudio comprometedor. Segundo o artigo, há uma diferença de dois anos entre a captação do áudio para a revelação do mesmo.
Como a equipe não se pronuncia sobre a linha temporal dos fatos que ocorreram dentro da produção do filme, fica difícil defender Jarecki e seus produtores. Torna tudo ainda mais tenebroso e complexo acerca da produção desse filme. Se levarmos em conta o artigo jornalístico, a ética de Jarecki é tão repugnante quanto a de Durst – hoje todos os envolvidos com o documentário não se pronunciam com a imprensa.
Um caso absolutamente inacreditável no qual o cineasta comete atos dúbios para favorecer, única e exclusivamente, sua obra e não pela justiça dos mortos. Afinal é muito improvável que ele fosse entregar o material a polícia anos antes do seriado estar pronto. Também não acredito na alegação de Jarecki que a equipe foi descobrir o áudio “acidentalmente” no processo de montagem, afinal, durante o seriado, temos um momento que Durst fica sozinho em uma sala e confessa que mentiu no tribunal de Galveston. Na hora, um membro da equipe o avisa sobre o microfone que estava gravando tudo.
Ou seja, ao tomar conhecimento desse hábito bizarro de Durst, é muito improvável que eles não tenham escutado o que ele havia dito no banheiro assim que o criminoso se despede da equipe. Assim como Durst, Jarecki é um homem que tem seu testemunho traído pela própria obra.
Entretanto, mesmo agora que sabemos que Durst de fato é um psicopata, pelo menos para mim, tentei acreditar que ele, homem de história tão desgraçada e triste, era uma pessoa inocente. O assassinato é um crime tão horroroso que preferimos não acreditar que tal cidadão tenha cometido uma atrocidade sem tamanhos como essa. Para a minha sorte, nunca tive que lidar com a dor de um assassinato, mas a partir de tantos documentários com relatos desse tipo, é impossível não se confraternizar com a dor de quem você nem conhece. A mente aceita o fato, o coração pesa, os olhos ardem e a respiração falha.
Talvez seja uma dessas forças invisíveis e imponderáveis que unem as pessoas contra o ódio, o medo e o terror.
O que testemunhamos é o efeito da senilidade de um homem. Também da falta de cautela constante de Robert. O assassino é arrogante. Acha que é intocável por ter se livrado de todos os homicídios (conhecidos) que tinha cometido até então. No fim, é traido pela sua grande boca e enorme vaidade.
Com The Jinx, enfim, o tiro de Robert Durst saiu pela culatra.
Crítica | Minions
Em um mercado tomado por um grupo seleto de estúdios e produtoras, a Illumination Entertainment teve uma concepção de sucesso estrondoso logo com seu primeiro longa, Meu Malvado Favorito. Entretanto, além da boa história de Gru com suas filhas adotivas, a produtora conseguiu emplacar muito bem outros personagens: os divertidos minions. A aceitação dos bichinhos foi tanta que eles logo ganharam um espaço maior no segundo filme. E tão logo, ganharam seu próprio longa-metragem. Entretanto, será que apenas o carisma é o suficiente para sustentar um filme inteiro?
Em Minions, o público conhece um pouco mais da história por trás destes simpáticos seres. O roteiro de Brian Lynch acerta logo no começo da projeção – apesar de uma narração over para lá de ultrapassada. O espectador é contemplado com um bom prólogo do propósito da existência dos minions e dos diversos mestres que eles serviram ao longo de sua existência. Porém, após ficarem anos perdidos, sem saber a quem servir, eles ficam deprimidos. É nesse instante que conhecemos o trio de personagens protagonistas: Kevin, Stuart e Bob. Com isso, os três se lançam em uma jornada quase impossível para encontrar um novo chefe.
Lynch trabalha bem durante o começo do filme. Obviamente que brincar com o passado dos personagens é um convite para a criatividade. Além disso, há muitas passagens que brincam com os eventos históricos de 1968 – a narrativa acontece nesse ano. Tirando isso, algumas boas piadas e a fofura dos personagens, Minions não tem muito a oferecer.
Os filmes da Illumination são bem despretensiosos. Suas histórias não têm muita complexidade e também pouco ousam com a mensagem de seus filmes – isso quando há alguma. Aqui ocorre a mesmíssima coisa. Lynch opta por deixar seus personagens em um marasmo criativo. Os três minions não têm algum tipo de conflito ou motivação além da simplicidade em encontrar um novo mestre. É nisso que o filme falha miseravelmente.
Infelizmente, Minions mais parece um longo episódio de um seriado animado do que verdadeiramente um filme. Isso acontece não somente por conta dos personagens simplórios e literais, mas também porque as piadas são repetitivas ao extremo. O humor varia muito entre o inteligente e o slapstick. As boas piadas geralmente envolvem inserir os personagens no contexto histórico dos acontecimentos de 1968, mas isso não edifica em nada o público mais jovem, pois muitos podem não captar a piada. Já o resto do humor se baseia sempre em slapstick. Entretanto, ele sempre é utilizado em cenas que são criativas, porém, como a essência do humor é a mesma, acaba cansando até pouco depois da metade do filme.
O que o roteirista e os diretores Kyle Balda e Pierre Coffin conseguem desenvolver muito bem é o senso de união entre os minions em geral e o trio principal. O sentimento paternal de Kevin com Bob é interessante. Outro bom acerto por parte da direção é a abrupta mudança de atmosfera que o filme sofre durante algumas cenas. A narrativa cessa completamente para dar lugar a um número musical bem coreografado dos bichinhos – exatamente como nos musicais oriundos da Hollywood Clássica. Entretanto, novamente, o filme peca pelo excesso.
Além da infeliz repetitividade, outros personagens coadjuvantes pouco ajudam a elevar a qualidade mediana. Scarlet Overkill é uma antagonista com motivações clichês e uma personalidade unidimensional. Pior ainda é seu marido/comparsa Herb. Sua existência não é mesmo justificada dentro da história. É apenas uma péssima alegoria para atingir a comédia, pois qualquer capanga genérico cumpriria sua função facilmente ou até superaria. Aliás, há uma piada estranhíssima envolvendo Scarlet e Herb que não cai bem em um filme infantil.
Minions falha em entregar uma história realmente relevante para os bichinhos. Infelizmente, o filme traz apenas uma trama fraca, bem previsível e clichê, mas, felizmente, livre de furos de roteiro. O carisma de seus personagens não consegue segurar tamanha repetitividade de piadas e falta de ação. O mais decepcionante de tudo isto é que em diversas passagens do longa, é perfeitamente possível criar sátiras ou paródias de outras produções animadas de Hollywood. No término do filme, fica a impressão de que foi feito apenas para vender ainda mais brinquedos e produtos licenciados. Ele não possui uma história relevante que justifique um longa-metragem inteiro, porém, de fato, possui boas piadas, além de ser impossível não se contagiar com a fofura dos pequenos – importante também citar a técnica espetacular do estúdio tanto em animação quanto o trabalho belíssimo em iluminação digital. Com certeza divertirá a família e as crianças, mesmo sendo um pouco cansativo.
Enfim, em tempos de retorno da Pixar, é uma pena observar que outras produtoras não se esforçam em praticamente nada ao escrever uma boa história, com algum envolvimento emocional, para os personagens mais queridos de suas franquias.