Review | Dishonored - Stealth e Steampunk

Review | Dishonored - Stealth e Steampunk

 

Você é Corvo Attano, antigo Lord Protector, guarda-costas pessoal da Imperatriz de Dunwall. Acusado pelo novo regente de ter assassinado a governante e raptado sua filha, você deve se aliar a um grupo de leais à Imperatriz e acabar com o reinado desse novo tirano, isso enquanto a cidade é afligida por uma mortal praga de ratos. Desprivado de sua honra, você deve se tornar um mestre assassino ou uma mera sombra, que molda os eventos do mundo apenas através do subterfúgio.

Desenvolvido pelo Arkane Studios e publicado pela BethesdaDishonored investe em um elemento marcante dentro das outras famosas franquias de sua publicadora, Fallout e The Elder Scrolls. Refiro-me, naturalmente, à furtividade, ao sair escondido por aí sem que outros inimigos o percebam, atuando como ladrão ou assassino. O game eleva esse lado já amplamente trabalhado nos games para outro nível, nos trazendo uma experiência que perfeitamente casa a ação em primeira pessoa com games como Splinter Cell. Mas limitar o jogo somente à sua mecânica seria um gigantesco erro.

Dishonored nos apresenta um universo que organicamente mescla o steam com o cyberpunk através de uma temática sombria com pitadas de humor negro. Dunwall, onde toda a ação se passa é evidentemente inspirada na Inglaterra vitoriana, com as engrenagens da Revolução Industrial à todo o vapor, com suas chaminés escurecendo um céu que, por si só, já é completamente nublado. Aliado a essas construções temos pitadas de tecnologia à fora de seu tempo – paredes de luz que eletrocutam os inimigos, robôs, torres elétricas, dentre diversas outras engenhosidades.

 

Dando vida a esse conceito, o Arkane Studios optou por utilizar gráficos mais cartunescos, com personagens de mãos grandes e feições bem desenhadas. O estilo perfeitamente se encaixa com a proposta e traz ações mais fluidas, tanto do jogador quanto dos npcs.

Para percorrer esse cenário hostil, onde todos estão cientes de seus supostos crimes, Corvo conta não apenas com suas habilidades naturais de escalar e lutar, mas com alguns poderes sobrenaturais doados a ele por uma sombria entidade conhecida como o Outsider. Essas, que podem ser compradas ao longo do game garantem uma inovadora dinâmica à jogabilidade. Dentre elas temos o poder de teleporte, parar o tempo e dominar a mente de ratos, possibilitando-nos alcançar nosso objetivo por inúmeros caminhos diferentes. Você prefere que ninguém o veja ou quer sair simplesmente matando tudo e todos? A escolha é sua, mas não pense que ela é ausente de consequências.

Como eu disse, Dunwall sofre com uma praga de ratos e cada morte causada pelo jogador aumenta o efeito da doença na cidade. Dishonored, de tal forma, insere uma interessante mecânica que, de forma imediata e a longo prazo, alteram o cenário que o jogo se passa. Mais mortes levam a mais ratos, mais infectados e a um destino mais sombrio ao término do jogo, enquanto que um modus operandi mais “pacifista” nos leva para um final mais positivo.

Além disso a moralidade é trabalhada amplamente através de diálogos. Vale lembrar que Corvo era o Lord Protector, um homem cuja função é proteger e não assassinar. Ao utilizar técnicas fatais os outros personagens à sua volta irão reagir de forma diferente, inclusive comentando que o protagonista deixou de vez sua honra de lado. Não temos aqui uma barra de bondade e maldade, mas um elemento forte de roleplay, que certamente afeta o jogador de forma marcante.

 

Essa característica do game influi diretamente no seu fator de replay, praticamente nos obrigando a termina-lo mais de uma vez a fim de contemplar os diferentes resultados de suas ações. Além disso, cada missão conta com inúmeros itens a serem obtidos, que ajudam a melhorar as habilidades de Attano. Isso, é claro, sem falar dos incontáveis livros e notas que podem ser adquiridas, ajudando a construir o plano de fundo desse rico universo sombrio.

O jogo, contudo, não é ausente de suas falhas, ainda que essas sejam menores dentro do quadro geral. As versões de console contam com um tempo de carregamento um pouco maior, o que se torna notável especialmente se o jogador quiser terminar game sem ser visto por ninguém e, obviamente, necessitando salvar e carregar inúmeras vezes. Além disso, como de costume nos jogos desenvolvidos ou publicados pela Bethesda, alguns bugs estão presentes, ainda que raros alguns podem nos obrigar a resetar a missão por inteiro.

Felizmente, esses são aspectos pontuais dentro de um memorável jogo, que, após terminado, nos faz querer voltar a ele imediatamente. Dishonored certamente vale cada minuto nele investido, nos trazendo um universo rico, sombrio e engajante, que lida com fortes aspectos de moralidade e nos imerge dentro de seu protagonista, Corvo Attano.

Dishonored
Desenvolvedor:
 Arkane Studios

Lançamento: 09 de Outubro de 2012
Gênero: Ação em primeira pessoa
Disponível para: PS3, Xbox 360, PC, PS4


Crítica | Fullmetal Alchemist - Vol. 1 - A Tragédia dos Irmãos Elric

Lançado em julho de 2001, o mangá de Hiromu Arakawa, Fullmetal Alchemist, desde então conquistou seu espaço na história dos quadrinhos japoneses como um dos mais cultuados, fruto natural de sua história coesa e engajante acompanhada da arte bastante característica de Arakawa. A obra ainda ganhou duas adaptações para anime, sendo a segunda, Fullmetal Alchemist: Brotherhood a mais fiel, visto que a primeira estreou enquanto o mangá ainda estava sendo publicado. Tendo em vista o relançamento da obra no Brasil, pela JBC, vamos relembrar dessa fantástica história volume a volume até chegarmos em seu inesquecível finale.

A trama tem início no porão de Edward e Alphose Elric, uma única página, a primeira, nos mostra que tentaram algo sem obter êxito, o que custou a perna de Edward. Palavras fora dos quadros nos dizem ensinamentos obtidos sem sofrimento são desprovidos de valor. Uma pessoa jamais consegue alguma coisa sem sacrifício. Logo em seguida pulamos para uma cidadezinha no leste, na qual os dois irmãos, um armadurado e outro com um evidente contraste de tamanho por ser consideravelmente baixinho. Aqui um dito profeta prega a palavra do deus Leto e promete milagres para uma população devota. Cabe aos dois alquimistas investigarem.

Este primeiro volume de Fullmetal Alchemist funciona quase que à parte da trama geral que se apresentaria posteriormente. O objetivo da autora é evidente: apresentar seus personagens principais enquanto explica o conceito da alquimia nesse universo – a lei da troca equivalente (lei de Lavoisier para os íntimos de química do ensino médio). De maneira didática, as vezes até exagerada, mas precisamos lembrar do formato de publicação original – um capítulo por revista, semanalmente – o que gerava a necessidade de ela repetir algumas vezes os conceitos trabalhados. Felizmente, Arakawa o faz por intermédio de outros personagens que pouco conhecem da arte, tornando as explicações mais que palavras jogadas ao vento.

Surpreendente é como, em poucas páginas, o roteiro já consegue estabelecer firmemente a personalidade dos irmãos. Sabemos que ambos não fogem de situações perigosas, que Edward é o retrato da impulsividade e do pavio-curto, enquanto que Alphonse demonstra uma maior ingenuidade e até gentileza. De forma inteligente, o passado de ambos nos é contado através de doses homeopáticas de flashbacks, o que apenas aumenta o mistério que circunda os dois. Além disso, a autora nos joga direto na ação para depois diminuir o ritmo, já nos pegando de surpresa em sua fluida e dinâmica história.

Naturalmente, seu traço conta com bastante do mérito, sabendo dosar bem, através deles, a sombriedade, tensão, suspense e comédia. Não há como não rir das expressões dos personagens nos momentos mais casuais, fazendo uso de uma arte mais caricata nessas situações, a artista muito bem representa a disposição de cada um, dispensando a necessidade de balões de fala excessivos – são quadros limpos, que em geral não contam com mais de dois balões, o que torna a leitura orgânica e de fácil entendimento – viramos páginas atrás de páginas sem sequer percebermos. A ação também é muito bem retratada, com um traço que passa a ideia de movimento e é bastante fácil de entender, jamais ficamos perdidos ao ler o mangá.

Evidente que um dos grandes charmes da história é seu apoio em mitos, lendas e conceitos de nosso mundo – mais de uma vez elementos são trazidos da mitologia grega, além, é claro, da própria alquimia. Logo nessa primeira edição já ouvimos falar da Pedra Filosofal, de quimeras, do mito de Ícaro, dentre outras questões, que fazem deste um universo que, de forma interessante, mescla diferentes épocas. Ao imprimir uma dose de ciência na alquimia, Arakawa ainda garante um maior realismo a esta, não requisitando quase nenhuma suspensão de descrença, firmando já as bases para esse seu complexo universo.

Fullmetal Alchemist inicia, portanto, de maneira brilhante, já nos indicando o grau de qualidade que veríamos nos capítulos posteriores. Se já achamos a história engajante agora, não saberemos nem descrever o que vem após, mas isso cabe aos nossos “eus” do futuro. Nos quatro capítulos que formam esse primeiro volume já fomos apresentados aos personagens principais e ao conceito da alquimia – a partir de agora as coisas irão complicar e a trama principal, de fato, será iniciada.

Fullmetal Alchemist – Vol. 1 (idem – Japão, 2002)

Roteiro: Hiromu Arakawa
Arte: Hiromu Arakawa
Editora (no Japão): Square Enix (originalmente Enix)
Editora (no Brasil): Editora JBC
Páginas: 192


Review | Metroid: Samus Returns - Modernização do Clássico

Review | Metroid: Samus Returns - Modernização do Clássico

Por muito tempo os fãs da franquia Metroid ficaram órfãos do estilo clássico da série, cuja última entrada foi Metroid: Zero Mission, remake do original de 1986. A ênfase nos jogos da série Prime era evidente e, ainda que eles sejam, em sua maioria, excelentes, não há como não sentir falta do velho side-scroller que tornou Samus uma das personagens mais icônicas dos videogames. Veio como uma grata surpresa, portanto, o anúncio de Samus Returns, mais um remake, dessa vez do segundo game da franquia, Return of Samus, lançado originalmente para o Gameboy, em 1991. Um certo receio, contudo, foi despertado, já que o game seria desenvolvido pela Nintendo em parceria com a MercurySteam, responsável pelo irregular Castlevania: Lords of Shadow – Mirror of Fate.

Assim como essa obra da série sobre os Belmont, Samus Returns mescla elementos 3DS com a jogabilidade em 2D dos clássicos Metroid, fazendo bom uso das capacidades gráficas do Nintendo 3DS, inclusive do modo tridimensional que pode ser ligado ou desligado. Já adianto que essa função, se ativada, garante inúmeros detalhes adicionais à cada cenário, transformando toda a experiência não somente em algo imersivo, como visualmente intrigante, com nítida profundidade de campo, que revela todo o cuidado com detalhes demonstrado pela equipe de desenvolvedores.

A trama mantém-se a mesma do jogo original e cronologicamente o jogo se situa entre a série Prime e Super Metroid. Na história, Samus é enviada pela Federação ao planeta de origem dos metroids, SR388, para erradicar esses perigosos parasitas. Lá ela descobre que esses seres estão sofrendo mutações, absorvendo as características das criaturas devoradas, crescendo, com o tempo, em tamanho. É interessante observar como a premissa, de forma imediata, já afeta o gameplay, visto que, desde o início, vemos um contador, no inferior da tela, de quantos metroids restam, constante lembrete do objetivo principal do jogo.

Assim como na versão original, cada vez que matamos tais criaturas, novas áreas tornam-se disponíveis – dessa vez capturamos o DNA desses bichos e oferecemos determinada quantidade a estátuas Chozo (importante parte da mitologia da franquia), que drenam certas áreas, repletas de um líquido tóxico/ ácido, para possibilitar nossa progressão. Nesse sentido, Samus Returns é bastante linear, visto que o mapa é dividido em setores e um cenário imediatamente nos leva ao próximo, como em fases bem divididas. Claro que sempre podemos retornar a lugares previamente explorados, mas não chega a ser necessário revisitar os setores prévios, embora isso seja recomendado, visto que os upgrades obtidos podem abrir novas portas.

E por falar nessas melhorias e habilidades obtidas, o game, na mesma linha de Zero Mission, traz praticamente todos os upgrades de armadura introduzidos ao longo da história da franquia, desde a morph ball, até o grapple beam. Esses itens, claro, dialogam diretamente com o level design da obra, fazendo de cada sala um verdadeiro puzzle, especialmente se essa contar com um item a ser resgatado. Esse aspecto do jogo, porém, jamais tira a fluidez da jogabilidade, com desafios colocados na medida certa, impedindo que o jogador fique travado no mesmo lugar por horas e horas, ponto que quebraria sua imersão. Aliás, é importante notar como a trilha, mais discreta que obras como Zero Mission, faz um bom trabalho em criar a atmosfera da narrativa, somente destacando-se nos cenários de temperatura elevada, que faz bom uso do tema de Magmoor Caverns, de Metroid Prime.

Samus Returns, contudo, não é um mero compilado de tudo o que veio antes, ele também introduz novos elementos e aqui a mão da MercurySteam aparece mais claramente. Embora seja um side-scroller com estrutura bastante similar aos games anteriores da série, a ação em si é bastante diferente. Primeiro, os inimigos movimentam-se mais livremente, podendo alterar suas velocidades, não apenas seguindo aquela trajetória básica (alguns, sim, fazem somente isso). Eles podem disparar na direção do jogador, que, por sua vez, pode interromper tal ataque desferindo um golpe com o canhão de Samus na hora certa (o bom e velho parry, presente em tantos jogos por aí). Essa nova adição, de imediato, gera certa estranheza no jogador, especialmente porque se faz necessário com certos inimigos e facilita matar outros. Conforme progredimos, contudo, e melhor nos habituamos com a mecânica, ela se torna tão intuitiva quanto o simples atirar para o lado.

Além disso, a obra possibilita que disparemos para qualquer direção e não somente em sentidos pré-definidos, ponto que garante um bom dinamismo ao jogo. Infelizmente, os controles, muitas vezes, são confusos demais e requerem um bom tempo até que nos sintamos confortáveis com eles, visto que, inúmeras vezes, faz-se necessário que muitos botões sejam apertados de uma vez. Característica, essa, que se faz mais evidente durante as batalhas contra os diversos chefes, que, aliás, provam ser bastante repetitivos, com algumas honrosas exceções. O que salva é o crescente grau de dificuldade desses, possibilitando que enxerguemos tais encontros como algo mais dinâmico.

Samus Returns, portanto, não chega a ser exatamente o clássico Metroid que tanto esperávamos e sim o passo em direção a um novo caminho a ser trilhado pela franquia. Misturando elementos 3D com o a icônica jogabilidade em plataforma da série, o jogo introduz ótimas novas mecânicas, enquanto captura a essência dessas aventuras de Samus. Alguns defeitos, como os controles, por vezes, confusos e a repetitividade dos chefes, são evidentes, mas nada que estrague essa experiência, que acabou de vez com nossos temores em relação à participação da MercurySteam no desenvolvimento da obra. De fato, Samus retornou.

Metroid: Samus Returns

Desenvolvedora: Nintendo, MercurySteam
Lançamento: 15 de setembro de 2017
Gênero: Plataforma, ação, aventura
Disponível para: Nintendo 3DS & 2DS


Review | Kingdom Come: Deliverance

Review | Kingdom Come: Deliverance

Após muitos anos em produção pela desenvolvedora independente Warhorse Studios, Kingdom Come: Deliverance finalmente chegou às prateleiras de lojas virtuais e físicas. Prometendo um game de RPG estilo The Elder Scrolls mas com uma história inspirada em eventos reais e um sistema de jogo mais realista, tivemos a oportunidade de jogar e avaliar este novo lançamento. Será que o jogo cumpre com sua proposta e entrega uma experiência agradável, ou seria este jogo mais uma promissora produção independente que foi afetada pelas pressões da grande indústria?

Uma Aula de História

Ao iniciar o jogo, somos recebidos com uma bela introdução que reconta alguns dos eventos da Bohemia do século XIV para situar o jogador. Nos é contado pela voz de Henry, o personagem que controlamos, que o bom rei Charles IV da Bohemia havia morrido após um reinado satisfatório e bem sucedido. Seu filho, Wenceslaus IV, não se tornou um substituto à altura, gastando fortunas com prostitutas, festas e bebidas. Ele sequer se fez presente em sua própria cerimônia de coroação, o que resultou na fúria do papado. Os nobres também não estavam satisfeitos com a postura do novo rei, que acabou sendo apelidado de “O Desocupado” (the idle). A nobreza se voltou então para seu meio irmão, o rei húngaro Sigismund. Sigismund, se aproveitando da inação de Wenceslaus, começou a atacar vilas e saquear castelos na busca de aumentar seu território. E é assim que se inicia a história de Henry.

Mudança Necessária

Henry é, em termos leigos, um ninguém. Dentro dos parâmetros de um RPG normal, ele é praticamente um NPC. Não existe uma profecia sobre ele, ele não é o escolhido para acender ao trono, não existe sangue real ou um poder específico. E isso é muito divertido.

Essa decisão de se desviar do mote comum de jogos de RPG é acertada, justamente pela proposta do jogo de buscar uma base tão fiel à história. Agora ao invés de sermos o personagem principal em uma grande intriga de lordes e guerras medievais, somos o filho do ferreiro que precisa aprender a soltar uma flecha e que vai levar uma surra se tentar brigar com algum soldado treinado. Vemos os grandes acontecimentos dos bastidores, do nível baixo e até pobre dos tempos medievais.

Não existem mais poções, elfos, dragões assassinos e raios saindo pelas mãos. Não existe o politeísmo tão comum de jogos com essa temática. Os personagens falam sobre Deus, a Igreja e Jesus como verdadeiros convertidos, aumentando a sensação de imersão de forma grandiosa. O zelo pela fé do personagem principal se mostra muito forte em diversos momentos e isso enriquece a trama satisfatoriamente. Vivemos nos tempos medievais, no início do século 14, onde a fé cristã era comum do povo e comum da realeza também.

Realismo Comovente

Ao passarmos por uma missão que funciona como espécie de tutorial, logo no início, conversamos com diversos personagens da vila onde temos casa. Brigamos com quem deve dinheiro ao nosso pai, jogamos cocô na casa de um aparente dissidente e corremos dos guardas com amigos. Sentimos as emoções do personagem nestas pequenas interações onde aprendemos os básicos do jogo e temos a recompensa por isso momentos depois, quando a vila é atacada e não vemos somente alguns personagens desconhecidos correndo pelas ruas. Agora quem vemos são conhecidos, amigos e a tranquila vida de Henry sendo rasgada ao meio por espada e sangue.

Realismo, afinal, foi a palavra de ordem no desenvolvimento deste jogo. Você precisa manter um estoque de comida em seu inventário caso deseje se aventurar por regiões desconhecidas. Fome excessiva causa perdas de habilidades, assim como o cansaço de não dormir também. Você vai precisar se lavar para não afetar seu carisma (como convencer alguém a me deixar entrar em uma casa se estou fedendo igual um porco?) e também sua furtividade. Você pode até se esconder atrás de uma parede, mas não o seu cheiro. Elementos estes dificultam a jogabilidade mas ao mesmo tempo enriquecem a experiência. Existe certa alegria ao finalmente conseguir um item que pode ser vendido por mais de 10 moedas ou ao vencer um inimigo e encontrar no bolso dele uma espada ou um pedaço de pau.

Arte, Bohemia e Gráficos

No que concerne a arte do jogo, Kingdom Come: Deliverance, entrega um produto muito belo. Os menus e mapas todos buscam remeter à arte medieval e possuem um apelo visual incrível. Ícones e marcações todos buscam esta mesma temática e combinam com o jogo de forma espetacular. É uma belíssima direção de arte em ação.

Ao caminhar por campos extensos e observar castelos, vilarejos ou florestas na distância vemos toda a beleza da Bohemia do século 14. É como caminhar pelo cenário de um filme considerando o trabalho como efeitos sonoros e a música que se mesclam perfeitamente à temática do jogo.

No entanto, é importante dizer que o gráfico acaba não fazendo jus à toda essa beleza. E é com muita tristeza que nesse ponto falamos de um dos maiores problemas de Kingdom Come: Deliverance; a falta de acabamento. Em termos de gráficos, vemos discrepâncias gigantescas entre a ótima qualidade das expressões faciais e seus movimentos e a decepcionante renderização dos cenários que visitamos. Ao chegar defronte uma antiga casa, por exemplo, é há apenas poucos metros de distância que começo a ver as portas e as janelas surgindo e se renderizando à minha frente. Quando me aproximo de bancos ou baús e mesas, os detalhes não surgem nunca. Como se faltasse alguma textura a mais para deixar o jogo tão realista quanto o rosto do personagem ou as paisagens que eu vi do lado de fora das casas.

E isso é tão evidente que chega a tirar a imersão do jogo em diversos momentos. Ao adentrar cidadelas, é como se eu estivesse em um local fantasma; não existe nenhum NPC à vista. No entanto, ao caminhar pelas vielas da mesma cidade, bonecos e mesas vão surgindo à meros metros de distância; como fantasmas ganhando vida à minha frente. Mesas de mercantes aparecem com nenhum item sobre elas, até que Henry chega perto o suficiente para ser renderizado e me deparo com uma mesa cheia de produtos.

Essa falta de acabamento acarreta em outros problemas durante o jogo que me levam a crer que não houve um bom time de testes. Erros crassos como personagens que levantam voo em meio a uma cutscene e quests que param de funcionar por bugs do jogo são muito comuns. A discrepância visual chega a ser grotesca e durante todo meu tempo jogando Kingdom Come: Deliverance, eu não consegui sacudir o sentimento de que eu estava em um jogo inacabado. E isso aparece nos pequenos detalhes como tentar cozinhar um ovo na fogueira e o jogo te obrigar a cozinhar um por vez, ao invés de lhe permitir colocar quantos você quiser. Ou, ao selecionar uma unidade de ouro para roubar de algum corpo caído, o jogo lhe colocar numa nova tela para escolher quantas unidades você quer pegar (mesmo que só uma seja possível).

Conclusão

Kingdom Come: Deliverance é um jogo que exige do gamer uma maior calma e cautela ao jogar. É um exercício em tranquilidade e pensamento que serve como um grande e gostoso passatempo, que vai lhe obrigar a parar para pensar em seus próprios movimentos ao invés de te dar uma espada mágica para sair por aí matando qualquer inimigo. Infelizmente, a mesma cautela e calma não foram empregadas no período de pós produção e o resultado é um jogo promissor e muito refrescante pro gênero de RPGs mas que falta ainda muito polimento para ser realmente um divisor de águas.

Agora é torcer para que os patches de correção e atualização solucionem os problemas e bugs e que Kindgom Come: Deliverance não seja só mais um game promissor que foi afetado pela pressão de prazos de lançamento.

Agradecemos a Deep Silver pela cópia cedida para análise.


Review | Dishonored 2 - Apaixonante Vingança

Review | Dishonored 2 - Apaixonante Vingança

O primeiro Dishonored é, sem dúvidas, não apenas um dos melhores games de 2012, como um dos melhores a utilizar mecânicas de stealth. A nova IP publicada pela Bethesda e desenvolvida pelo Arkane Studios foi muito bem recebida tanto pela crítica quanto pelos jogadores, sendo louvada pela versatilidade oferecida em suas missões e imersiva ambientação nesse universo steampunk, inspirado claramente na Inglaterra vitoriana. Após o lançamento de três pacotes de conteúdo adicional, também bem recebidos, era de se esperar, portanto, que uma continuação logo viria. Eis que recebemos Dishonored 2, um game que consegue melhorar todos os aspectos do original, expandindo sua mitologia e nos entregando uma história bastante original, que perfeitamente se encaixa com o que vimos anteriormente, além de, novamente, justificar o seu título.

A trama se passa quinze anos após os eventos do primeiro jogo. Na cerimônia de homenagem à assassinada imperatriz Jessamine, um golpe de Estado realizado por sua irmã perdida, Delilah Copperspoon, e o duque de Serkonos, tira Emily Kaldwin do trono. O protetor real e pai da imperatriz, Corvo Attano, no processo, tem seus poderes drenados pela vilã e cabe ao pai ou a filha retomarem o poder antes que seja tarde. Ao escolhermos um dos dois personagens o outro é congelado pela magia de Delilah e nos resta somente embarcar em uma viagem a Karnaca, ao sul de Dunwall, para acabar com cada um dos apoiadores da nova governante e descobrir uma forma de derrotá-la definitivamente.

Os desenvolvedores de Dishonored 2 adotaram a ousada estratégia de transformar dois dos DLCs do primeiro game em prelúdios para a história dessa continuação. Em The Knife of Dunwall e The Brigmore Witches controlamos o assassino Daud enquanto ele tenta descobrir o mistério por trás de Delilah, isso durante os eventos de Dishonored. Tal escolha poderia limitar o público alvo desse segundo, visto que nem todos entenderiam toda a história por trás da antagonista. Estamos falando, porém, de detalhes que apenas melhoram a experiência e não a tornam excludente, visto que todas as informações dessas duas expansões são oferecidas através de cutscenes, diálogos e livros que encontramos na sequência. O que ganhamos, no fim, é uma bela coesão entre um jogo e outro, conectando esses dois cenários de maneira dinâmica e envolvente.

A estrutura do game segue de forma idêntica ao primeiro, algo que, verdadeiramente, não precisava mudar. O jogo é dividido em missões, nas quais, em cada uma, eliminamos os principais apoiadores de Delilah, desde o inventor Kirin Jindosh até o próprio duque de Serkonos. Interlúdios entre cada missão ocorrem no navio Dreadful Whale, onde encontramos alguns detalhes de lore, além de aprofundar a relação entre Corvo/ Emily e seus aliados. A diferença principal entre esse e seu antecessor é a escassez de recursos, não permitindo que façamos melhorias em nosso equipamento ou compremos munição entre uma missão e outra – tudo deve ser encontrado ao longo da história ou comprado nos mercados negros espalhados por Karnaca.

O aspecto mais interessante de Dishonored 2, que melhora o conceito apresentado no original, é a maneira como o mundo ao seu redor vai sendo moldado de acordo com suas ações. Vemos pequenas mudanças, como a forma como seus aliados se comportam até alterações mais substanciais, como a maior presença de focos de infestação de bloodflies, que substituem os ratos nesse cenário mais tropical – essas são uma espécie de Febre Amarela do inferno, atacando qualquer um que chegue perto dos ninhos e colocando seus ovos em pessoas ou cadáveres. Se você já achava os ratos do primeiro game perturbadores, espere até se deparar com esses monstrinhos. Evidente que o final também é diferente, de acordo com nossas ações, que são definidas pelo número de pessoas que matamos e a abordagem mais silenciosa ou puramente descarada adotada ao longo do game.

Entramos, portanto, naquilo que faz essa nova franquia ser tão apaixonante: a liberdade que ela nos oferece. Essa sequência simplesmente melhora a fórmula do primeiro, oferecendo infinitas possibilidades de como podemos passar por cada situação. Corvo e Emily contam com diferentes poderes entre si, indo desde o teleporte até a possibilidade de conectar um inimigo a outros, fazendo com que o destino de um seja compartilhado por aqueles outros. Com isso podemos usar não somente os poderes de forma individual para vencer determinada situação, como realizar combos diversos, o que transforma cada jogo em uma experiência essencialmente única e divertida. Além disso, as missões apresentam cenários diversificados, os quais exigem novas abordagens, seja para evitar os soldados mecânicos de Kirin Jindosh ou despistar as bruxas seguidoras de Delilah.

Dessas missões devo louvar particularmente A Crack in the Slab, que tira nossas habilidades usuais e nos oferece um mecanismo de controle do tempo, possibilitando que transitemos entre o passado e presente de uma, outrora gloriosa, mansão que caíra na ruína. Esse trecho do game é uma verdadeira obra de arte, garantindo não somente criativos desafios, como interessantes desdobramentos da trama, ao passo que nossas ações no passado repercutem diretamente no presente. Vemos aqui o melhor que a série tem a oferecer, se encaixando perfeitamente com seu mecanismo de causa e consequência, o que já é brilhantemente trabalhado através das criativas maneiras alternativas de se eliminar, sem matar, cada um dos principais alvos do jogo – ouso dizer, até, que algumas dessas soluções “pacíficas” chegam a ser piores do que a morte em si, o que, naturalmente, influencia toda a atmosfera sombria do game.

Tal clima mais “dark”, claro, também é estabelecido pela evidente preocupação com os detalhes demonstrada pelo Arkane Studios. Pichações na parede, jornais que encontramos, livros, diálogos entre os NPCs de cada local que visitamos, todos ajudam a construir esse universo, que sabe se aprofundar na via steampunk da franquia, além de mergulhar no seu lado mais sobrenatural. Dito isso, é bastante claro que o Outsider, a entidade sobrenatural que dá a Corvo e Emily seus poderes, conta com mais voz aqui, tendo mais diálogos e estando mais diretamente ligado à trama principal. Por falar em diálogos, dessa vez o/a protagonista também fala ao longo da história, tanto nas conversas quanto durante as missões, trazendo comentários diversos a cada situação – sua personalidade, aliás, é moldada pelas nossas ações de forma substancial.

Os gráficos, por sua vez, mantém o padrão estético criado no primeiro jogo, tendo suas texturas melhoradas, apresentando, também, maior fluidez nos movimentos – esses se tornam mais realistas em razão da animação dos braços do personagem que vemos na tela. É preciso notar, também, as belas ou trágicas paisagens que encontramos ao longo dessa jornada, repletas de detalhes que nos envolvem, tornando tona a experiência consideravelmente mais imersiva. Isso, aliado das mudanças na interface tornam esse um jogo mais bonito de se ver, a tal ponto que, mais de uma vez, paramos apenas para contemplar a riqueza de cada cenário. Evidente que tais mudanças melhoram a jogabilidade em si, especialmente nos menus, que se tornaram mais orgânicos, intuitivos.

Dishonored 2 é a prova de como uma nova franquia pode ser tão apaixonante quanto aquelas clássicas que acompanhamos desde os primórdios dos videogames. Melhorando consideravelmente as mecânicas do primeiro jogo, introduzindo dezenas de novos poderes para explorarmos, uma ambientação diferente e, claro, possibilitando mais alternativas para cada situação, Dishonored 2 é um game que nos compele a terminar uma segunda vez logo após ser “zerado”. Esse universo steampunk sobrenatural nunca esteve tão envolvente e divertido, fazendo dessa uma experiência obrigatória para qualquer um que aprecie uma boa história de vingança.

Dishonored 2

Desenvolvedor: Arkane Studios
Lançamento: 11 de novembro de 2016
Gênero: Ação em primeira pessoa
Disponível para: PS4, Xbox One, PC


Crítica | Viver - Kurosawa Renascido

O baque do fracasso crítico que O Idiota para Akira Kurosawa foi tremendo. Em sua autobiografia, o cineasta admitiu que a experiência com o estúdio de outrora foi bastante negativa praticamente se tornando a maior decepção em toda sua carreira. Por isso, com o ego machucado, parece que houve um alinhamento dos cosmos para que Kurosawa fizesse Viver, um drama existencial repleto de mensagens importantes e, até hoje, relevantes – principalmente para a população brasileira.

Logo, exorcizando seus próprios demônios, é bem possível que Kurosawa tenha criado o filme mais pessoal de sua carreira. Viver traz a história funcionário público chefe do departamento de relações públicas da prefeitura da cidade, Kanji Watanabe (Takashi Shimura). Sua rotina monótona repleta de burocracia é rapidamente virada de cabeça para baixo quando descobre que possui câncer de estômago em estágio avançado, o condenando a uma sobrevida de apenas seis meses ou menos. Assustado pela perspectiva aterradora de seu futuro próximo, o senhor Watanabe terá um grande trabalho em descobrir o verdadeiro sentido de viver.

Um Conto Moral

Kurosawa parece fissurado na moral de seus filmes. Se em Rashomon tínhamos a busca pela honestidade e em O Idiota o verdadeiro sentido da bondade, em Viver o roteirista quer trazer à tona o sentido da vida – algo bastante compreensível para um cineasta que se tornou imortal. Trazendo uma narrativa bastante simples, quase como um conto, Kurosawa não busca enfatizar a história ou os personagens à exaustão, afinal Viver é uma obra conceitual bastante idealizada para gerar drama.

Tudo envolve a jornada de Watanabe quando descobre seu cruel destino – coisa que o cineasta aponta já na abertura do filme, antes mesmo de nos apresentar ao personagem. Kurosawa aproveita a longa duração do filme para contar todas as passagens que julga importantes com bastante calma. A rotina de Watanabe é permeada de atividades inúteis e de um repasse intenso de tarefas para outros departamentos públicos, nunca resolvendo os problemas que chegam a ele – essa sequência é tão icônica que acabou sendo homenageada em Brazil: O Filme.

Vital para compreendermos o personagem, o ator Takashi Shimura elabora um contraste perfeito para criar o retrato de Watanabe antes e depois da descoberta do câncer. O detalhe genial é que a diferença é muito sutil. O protagonista já é um homem morto, sempre curvado olhando para os pés e agindo lentamente com um semblante triste. A única diferença é a petrificação de seu olhar quando tem ciência de sua enfermidade, já que Shimura mantém todo o andar zumbificado do personagem.

Aliás, o segmento da descoberta da doença é repleto de um estranho humor. Kurosawa não traz a informação do método convencional ao introduzir um diálogo sádico antes da consulta definitiva com um médico mentiroso. Dessa forma, o roteirista encaixa críticas tanto a ética médica quanto ao setor burocrático vadio do serviço público.

Não sendo o foco de Viver, Kurosawa ainda se preocupa em mostrar a família degradada de Watanabe com a relação conturbada que o senhor tem com o próprio filho só interessado no dinheiro de sua aposentadoria, como se contasse os dias para que ele morresse e ficasse com toda a herança para si. Esse é um dos dramas mais genuínos da obra, já que sentimos todo o pesar de Watanabe totalmente decepcionado com os rumos que guiou em sua própria vida, não podendo nem mesmo contar com o apoio de seu filho no momento mais difícil que já enfrentou.

Passado o primeiro ato, Kurosawa divide o segundo ato em duas partes, colocando o personagem a encarar os clichês das histórias que pregam como se deve viver a vida. Logo, Watanabe tenta de todo modo ser alguém que não é: um bon vivant se entregando a uma noitada de extravagâncias, bebidas e mulheres. O clima de estranheza não é só transmitido pela atuação de Shimura que mostra semblantes confusos e infelizes para o personagem, mas como Kurosawa captura o tom patético da busca ingênua de Watanabe.

Reconhecendo que está errado, o protagonista segue outro extremo ao forçar uma paixão com uma menina muito mais jovem que também trabalhava no serviço público. Também sendo um segmento repleto de estranheza pelo ar patético da relação, Kurosawa aposta em diálogos truncados como se o próprio Watanabe fosse um burocrata até para conversar.

O núcleo enfim gera a catarse bastante original no protagonista na qual o roteirista aproveita ao máximo para mostrar como a máquina pública pode funcionar apenas com uma pequena dose de vontade, além de tangenciar os temas de amor ao próximo, altruísmo e legado. O estranho é que Kurosawa escolhe um rumo muito duvidoso no terceiro ato que consiste quase metade do longo filme.

Através de uma reunião solene repleta de flashbacks, o roteirista mostra o que aconteceu com a vida do protagonista nos últimos cinco meses de um modo bastante anticlimático em uma tentativa de remontar a narrativa de relatos fragmentados de Rashomon. Apesar de conseguir criar críticas criativas repletas de antagonismos contra o Estado e seus representantes oficiais, o encadeamento das ações simplesmente já não geram tanto fascínio, apesar da coragem do roteirista em mudar os rumos do filme de modo tão devastador.

Elaborando ironias finais e um toque de sentimentalismo bem eficaz, Kurosawa consegue construir a história do homem moribundo que se esforçou ao máximo para dar mais vida à cidade que ele viveu e nunca aproveitou.

Sinfonia da Vida

Kurosawa mostra toda a gratidão pelo dom da vida com sua direção cuidadosa em Viver. Estendendo a cinematografia como se fosse o próprio Watanabe, o diretor nos apresenta uma plástica imóvel e fria, com jogos simples de enquadramentos enfatizando sempre a montanha de papelada estacionada em todos os cantos do cenário que envolve o departamento.

Isso, evidentemente, é alterado aos poucos conforme o protagonista passa a experimentar mais prazeres na vida após superar o luto da notícia. O diálogo centrado no bar, antes das passagens agitadas com encenações repletas de movimento e agitação, traz uma bela iluminação sombria que Kurosawa valoriza através de diversos enquadramentos repletos de molduras criadas pelo próprio cenário, como se mostrasse o personagem totalmente aprisionado pela sua condição.

O espaço apertado e escuro se transforma em cenários festivos e amplos, oferecendo algum aconchego para o homem triste tão fragilizado – há momentos estéticos geniais como os constantes jogos de reflexos em espelhos muito bem alocados. Em outro momento, o diretor brinca com os sons, cortando completamente a ambiência para mostrar o isolamento psicológico de Watanabe para enfim irromper com sons pesados do tráfego intenso da cidade colocando o personagem de “volta a vida”.

De modo geral, a abordagem de Kurosawa é bastante simples, mas eficiente em trazer uma linguagem visual compreensível, além de ter diversos momentos verdadeiramente artísticos. Temos a já citada sequência da burocracia que é simplesmente genial, além de outras cenas muito poéticas como uma que envolve o pôr do sol e, enfim, a impactante cena da morte do protagonista.

Nela, Kurosawa retoma um enquadramento que utiliza molduras para aprisionar Watanabe, mas logo muda o ponto de vista capturando a imagem icônica do personagem sentado ao balanço sob uma nevasca delicada cantando sua música favorita sobre o tempo e amores. O diretor também firma a cena final com uma ironia cruel, mas realista, removendo um pouco do idealismo prévio que a obra tanto se apoiava.

Viver a Vida

Nessa história inspiradora que com certeza sofrerá muitas alterações conforme o espectador a revisita e envelhece, Kurosawa fez um atestado belo de amor a vida e do espírito humano. Um filme tão influente que conseguiu um clichê de ponto de partida rendendo diversas outras obras, incluindo uma certa série de televisão que revolucionou o formato de narrativa em seriados dramáticos.

Viver é outro grande acerto da carreira de Kurosawa conseguindo manter a tradição moral sempre pertinente ao cineasta que visa não só entreter, mas educar ao resgatar o melhor que temos a oferecer.

Viver (Ikiru, Japão – 1952)

Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa, Shinobu Hashimoto, Hideo Oguni
Elenco: Takashi Shimura, Haruo Tanaka, Minoru Chiaki, Miki Odagiri, Bukezen Hidari
Gênero: Drama
Duração: 142 minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=Lc4y-asVh3c


Review | Castlevania (1986) - A Origem de uma das mais Icônicas Franquias dos Games

Review | Castlevania (1986) - A Origem de uma das mais Icônicas Franquias dos Games

Castlevania, sendo hoje uma das mais aclamadas franquias dos videogames, teve seu humilde começo no Famicon Disk System, ganhando sua versão para o console da Nintendo, NES (o clássico “Nintendinho”), apenas um ano depois. Inspirado nos clássicos filmes de monstros da Universal, como Drácula, Frankenstein, A Múmia, o game, desenvolvido pela Konami, foi um sucesso e é tido como um dos melhores jogos do NES. Mas será que essa primeira entrada da série se sustenta nos dias atuais? Ou terá sido eclipsada pelos seus sucessores? Venham comigo nessa viagem no tempo e analisemos o game que fez História.

Estamos falando de um jogo de 1986, portanto esperar uma grande trama desenvolvida seria, no mínimo, um anacronismo. O game tem início com Simon Belmont (cujo nome descobrimos nos créditos finais) olhando para o castelo de Drácula e atravessando seus portões. Iniciamos, então, a jornada pelos dezoito estágios de Castlevania, controlando um pequeno sprite que utiliza um chicote e algumas sub-armas, uma de cada vez, lutando contra icônicos monstros da literatura e cinema, ao som de melodias compostas por Kinuyo Yamashita e Satoe Terashima.

O primeiro elemento que devemos tirar do caminho é o estilo da jogabilidade. O jogo é um arcade por excelência, com fases bem limitadas, não permitindo que revisitemos cenários anteriores. Essa não é uma aventura aos moldes de Symphony of the Night, que introduziu as mecânicas de Metroid na franquia. Dito isso, podemos enxergar com clareza como essa primeira entrada da série pavimentou o caminho a ser seguido por todos os seus sucessores, já introduzindo algumas fundamentais características que seriam mantidas até os dias atuais, algo impressionante, considerando que o game fez trinta anos recentemente.

Castlevania segue uma estrutura bastante simples, os diversos estágios formam diferentes fases e, ao fim de cada uma, enfrentamos determinado chefe, com grau de dificuldade crescente em um padrão bastante linear e intuitivo. Falamos, contudo, dos padrões de dificuldade de outra era e o game pode ser bastante frustrante para os jogadores da atualidade e, de fato, a Konami erra a mão em alguns pontos específicos, como os três últimos chefes (em especial a Morte), que certamente fizeram muitos jogares os controles na parede. O agravante é que o game não possui qualquer forma de salvar o progresso, nem mesmo via password, portanto o jogador deve ir do início ao fim de uma vez só. Trata-se, porém, de um game consideravelmente curto, podendo ser “zerado” em menos de uma hora.

Temos de considerar, também, os aspectos que tornam esse um jogo bastante datado, como necessidade de pressionar o botão direcional antes de pular, caso contrário Simon irá apenas saltar para cima e não para a frente. Pode parecer um detalhe menor, mas é algo que certamente custará muitas vidas aos jogadores. Além disso, as escadas, que se mantém por vários games da franquia, são um grande estorvo em termos de jogabilidade, não combinando com o estilo plataforma da série – para piorar, elas também causam inúmeras mortes acidentais, já que devemos percorrê-las na íntegra, não podendo saltar para o meio delas.

Em termos de gráficos, para os padrões do “Nintendinho”, o game se sai muito bem, trazendo bastante variedade em termos de criaturas e ambientes, além de animar cada um deles de forma diferenciada. Apesar de não contarem com um terço dos detalhes de seus sucessores para Super Nintendo ou Game Boy Advance, o visual desse primeiro se sustenta plenamente – soa datado, sim, mas nada que atrapalhe a jogabilidade. Além disso, a trilha composta por Kinuyo Yamashita e Satoe Terashima nos faz apreciar cada estágio, já começando a primeira fase com o clássico Vampire Killer, que se tornaria um dos temas da franquia.

É seguro dizer, portanto, que o Castlevania original, é um game datado e não poderíamos esperar muito mais que isso por se tratar de uma obra lançada há mais de trinta anos. Ainda assim, sua jogabilidade e belo design de cenários faz desse um game que se sustenta, possibilitando que consigamos nos entreter com suas fases mesmo tanto tempo após o seu lançamento. Essa primeira entrada da franquia está longe de ocupar as primeiras posições no ranking da série, mas certamente pavimentou o caminho a ser seguido por todos os seus sucessores, introduzindo vários dos icônicos elementos que definiriam, nos anos posteriores, a identidade de Castlevania.

Castlevania

Desenvolvedora: Konami
Lançamento: 26 de setembro de 1986
Gênero: Ação, plataforma
Disponível para: Famicon Disk System, NES, Game Boy Advance, Virtual Console


Review | Dishonored: Death of the Outsider - Assassinando um Deus

Nunca é fácil se deparar com o encerramento de uma boa história. Independente da qualidade do desfecho, quando nos envolvemos em determinado nível com uma obra, somos deixados com aquela sensação de vazio, aquele gosto de “quero mais”, praticamente torcendo para que exista uma continuação, por mais que tenhamos plena consciência de que isso, nem sempre, é uma boa ideia. Dishonored: Death of the Outsider ou A Morte do Estranho, em muitos aspectos funciona como o fim da história iniciada lá em 2012, no primeiro game da franquia. Chegou a hora de acabar com a história passada na era dos Kaldwin, chegou a hora de acabar com o Outsider em si.

Passada algum tempo depois dos eventos de Dishonored 2, a trama assume como protagonista Billie Lurk, também conhecida como Meagan Foster, a capitã do navio que ajudou Emily Kaldwin a recuperar seu trono de Delilah. Ao encontrar seu antigo mentor, o infame assassino Daud, Lurk decide ajudá-lo em um último assassinato: matar o Outsider, uma figura misteriosa, esotérica, reverenciada como deus por alguns e temida como demônio por outros. De acordo com Daud, esse ser é a causa de todo o mal que afligira o Império das Ilhas recentemente e eles precisam acabar com isso.

Existe uma atmosfera de conclusão nessa suposta última aventura de Lurk - o Outsider é uma das figuras centrais desse universo desde o primeiro game. Através dele conseguimos os poderes que tornam Dishonored tão diferente de qualquer outro jogo do gênero, poderes, os quais, foram essenciais para que Corvo pudesse resgatar Emily e acabar com a Conspiração da obra inaugural. Por outro lado, foram esses mesmos poderes que possibilitaram que Daud matasse a imperatriz Jessamine, o que colocou em movimento toda a história desses três games (e suas expansões). Death of the Outsider, portanto, funciona como a chave perfeita para fechar toda essa intriga.

Claro que, com isso, somos deixados com aquele receio: o que será do futuro da franquia? Claro que tudo pode ser, de fato, terminado aqui, mas ainda há espaço para explorar esse lado místico da saga, visto que os poderes utilizados em cada uma das entradas, embora tenham sido garantidos pelo Outsider, são oriundos do Void (ou Vazio) em si, algo deixado bem claro através das manifestações das habilidades de Lurk, na obra em questão. Portanto, há futuro para Dishonored, mas não da mesma forma como foram desenvolvidas as entradas da franquia até então.

Pulemos, agora, para a estrutura dessa expansão standalone. Ao contrário de seus antecessores, que traziam diferentes alvos a serem eliminados a cada missão, com sidequests, é claro, Death of the Outsider traz apenas um alvo: o Outsider. Com isso, toda a mecânica de diferentes formas de se eliminar os principais antagonistas vai embora e somos deixados apenas com essa escolha no derradeiro fim, como já era de se esperar. Tal aspecto, infelizmente, acaba tirando grande parte do envolvimento do jogador com as missões do meio do jogo - não sentimos mais aquele prazer em nos vingar de cada um dos golpistas, simplesmente colhemos itens ou informações que nos colocam mais perto do alvo, deixando, assim, muito nas costas do encerramento em si.

Outro ponto que diminui nossa imersão é a ausência da mecânica de caos. Nos games anteriores, nossas ações impactavam o mundo à nossa volta, pautado em um sistema que levava em conta nossas escolhas entre matar ou simplesmente incapacitar os inimigos. Sem isso, essa aventura de Billie Lurk acaba soando mais rasa e tira qualquer encorajamento de não matar os oponentes, o que servia como um belo desafio - claro que os costumeiros troféus, ou conquistas, estão ali, mas não ver o mundo se alterando conforme jogamos vem como um grande desapontamento, especialmente considerando que essa mecânica esteve presente desde o game inaugural da série.

Ao menos, cada uma das missões conta com uma série de contratos a serem aceitos, funcionando como as sidequests do jogo. Eles trazem condições diferenciadas e variam entre assassinar certos alvos, até adquirir determinado elemento. Além disso, a busca pelos bonecharms retorna, dessa vez, porém, não existem runas para aprimorar nossas habilidades, outro ponto que faz esse jogo soar incompleto. Sim, trata-se de uma expansão, consideravelmente menor que os dois games anteriores, mas seus dois antecessores definiram um padrão altíssimo e não podemos esperar menos do que isso quando se trata de Dishonored. Dito isso, essas tarefas secundárias dão conta de aumentar consideravelmente as horas de jogo.

Chegamos, pois, nos três poderes que podem ser utilizados por Billie Lurk: Displace, o típico poder de teletransporte, que, dessa vez, funciona na base de marcadores, que colocamos em certos lugares e depois teleportamos para eles; Semblance, que permite “roubar” a aparência dos inimigos (humanos), permitindo que nos disfarcemos no meio de outros oponente; Por fim, Foresight, que possibilita que saiamos do corpo e exploremos os arredores, enxergando as rotas dos inimigos, objetos de interesse e mais.

Como sempre, os poderes podem ser utilizados das formas mais variadas e as mecânicas de cada um são tão bem desenvolvidas que, de fato, não sentimos falta do grande arsenal de Corvo ou Emily - a única crítica é em relação ao Semblance, que soa extremamente situacional, algo que não combina muito bem com Dishonored, que sempre teve a liberdade como um dos elementos mais importantes. Felizmente, Foresight e Displace trazem tantas nuances que mal sentimos o impacto do mais limitado terceiro poder.
Não podemos desconsiderar, também, o costumeiro excelente level design do jogo, que traz fases muito bem construídas, desde a construção do cenário, até os detalhes presentes nas paredes, prateleiras, etc. Cada ponto soa milimetricamente pensado e possibilita que resolvamos os muitos desafios das formas mais variadas possíveis. Nenhuma dessas missões chega aos pés da complexidade de The Clockwork Mansion e A Crack in the Slab, de Dishonored 2, mas essas duas apresentam, sem a menor sombra de dúvidas, os melhores level design já vistos na história dos games, portanto chega ser injusto comparar. Com vastos ambientes, repletos de desafios, Death of the Outsider mais que dá conta de nos divertir através de suas fases.

Além disso, a construção de Billie como personagem vai sendo gradualmente aprofundada nessas missões e aprendemos bastante sobre suas motivações, sua relação com Daud - admiração que soa verdadeira mesmo para aqueles que não jogaram The Knife of Dunwall / The Brigmore Witches, expansões do primeiro game que giram em torno desses personagens, tendo Daud como protagonista (aliás, quem não as jogou, recomendo fortemente que o façam, visto que Delilah é introduzida nessas expansões). É impressionante como Billie cresce com o tempo e aprendemos a nos importar genuinamente com a personagem, por mais que passemos menos tempo com ela do que com Corvo ou Emily.

Por fim, a própria história do Outsider nos é contada nessa expansão, expandindo consideravelmente a mitologia da franquia. Como todo o universo da obra, trata-se de um passado triste, trágico, que nos faz olhar com outros olhos esse icônico personagem, de forma não a ir de encontro com o que já conhecíamos, mas trazendo mais tonalidades a ele. Com isso, é seguro dizer que os antecessores apenas tem a ganhar com essa bem-vinda construção de uma das figuras mais importantes e enigmáticas da série. Aliás, é curioso como o seu mistério continua, mesmo após aprendermos mais sobre ele - fruto de uma história bem contada, que não revela mais do que deveria.

No fim, Dishonored: Death of the Outsider funciona como uma grande expansão do universo da franquia, que sabe qual a medida certa para se aprofundar em determinados personagens e quais aspectos dessa mitologia abordar. Alguns detalhes, no entanto, tornam esse um game consideravelmente mais limitado, menos engajante que os outros. Trata-se, claro, de uma expansão standalone e não poderíamos esperar muito mais que isso - mas, após os altos padrões definidos por Dishonored 1 e 2, acabamos ficando mal-acostumados.

Em todo caso, trata-se de um bom desfecho para a história iniciada lá com o assassinato de Jessamine Kaldwin e somos deixados com aquela sensação de tristeza, por termos testemunhado o fim dessa era, um bom fim, que nos deixa curiosos para saber qual será o próximo passo da franquia.

Dishonored: Death of the Outsider

Desenvolvedora: Bethesda
Lançamento: 15 de setembro de 2017
Gênero: Ação, Stealth
Disponível para: PC, Xbox One, PS4


Crítica | Star Wars Rebels: 4ª Temporada - Um Épico Desfecho para uma Grande Série

Crítica | Star Wars Rebels: 4ª Temporada - Um Épico Desfecho para uma Grande Série

Aviso: contém spoilers

Rebels começou como uma série descompromissada de Star Wars - girando em torno de um pequeno grupo de rebeldes, o desenho apresentava um tom mais leve e sua trama parecia não ser de muito impacto para esse universo como um todo. Pouco sabíamos, no entanto, o quanto esse seriado iria expandir o novo cânone da franquia, chegando até a eclipsar a nova trilogia em termos de conteúdo - Guerras Mandalorianas, viagem no tempo, Tie Defender, Thrawn, são apenas alguns dos elementos que, introduzidos pela animação, fizeram dessa galáxia muito, muito distante, algo muito maior.

Claro que expandir esse universo não era o maior foco da obra, sua tarefa era aprofundar seus personagens, mostrar sua jornada ao longo desses quatro anos e como tudo se encaixa dentro do que já conhecemos de Star Wars. Com o passar do tempo, evidentemente, passamos a nos afeiçoar a esses excepcionais e inéditos personagens - Ezra, Kanan, Hera, Sabine, Zeb e Chopper, todos passaram a ocupar um lugar especial no coração dos fãs que acompanharam a série desde seus humildes primórdios e agora chegou a hora da despedida - ainda que essa possa ser momentânea (para alguns).

Sabendo disso, Dave Filoni não poupou esforços para tornar essa última temporada verdadeiramente memorável. Em uma manobra ousada, o seriado passou a apresentar, quase que exclusivamente, episódios duplos, do início ao fim, possibilitando que a ação pudesse ser desenvolvida de maneira apropriada, nos resgatando da costumeira correria presente nos capítulos da animação. Digno de nota, também, é a melhoria na animação em si, que não somente se torna mais fluida, como com gráficos aprimorados. Com isso, claro, a escala das histórias aumentou - ainda foca no pequeno grupo de rebeldes, mas suas missões envolvem o futuro da galáxia, como já é deixado bem claro na dupla de capítulos de abertura: Heroes of Mandalore, que sabiamente encerra o arco pessoal de Sabine, que vinha sendo construído desde as temporadas anteriores.

Pulamos, então, para Heroes of the Rebellion, que traz Saw Gerrera de volta, dessa vez mais próximo de como o encontramos em Rogue One e não por acaso: temos aqui uma espécie de prólogo para o primeiro filme spin-off da saga, evidenciando que Filoni, de fato, não teme se aproximar dos longas-metragens da franquia. Há, no entanto, um sentimento de conclusão em cada um desses episódios - como se todas as pontas estivessem sendo amarradas, possibilitando que mergulhemos de cabeça nos eventos que levariam ao finale. De fato, isso é o que acontece: nos despedimos de cada um dos personagens ou facções envolvidas para que em The Occupation voltemos a Lothal, onde o conflito final entre os rebeldes e Thrawn ocorreria.

Desse ponto até o fim de Rebel Assault a tarefa foi a de isolar o grupo principal da Aliança Rebelde como um todo, permitindo algo menos “grandioso” e mais intimista. Cria-se, assim, uma narrativa cíclica, que nos leva de volta às origens do seriado, onde encontramos o pequeno Ezra, agora mais maduro, sábio, um Jedi de fato. Voltamos, assim, à questão central que permeia essa última temporada: qual será o fim desses personagens? Afinal, se faz necessária uma explicação de por que nenhum Jedi apareceu ao lado de Luke na trilogia original.

Mesmo sabendo que seria praticamente inevitável, vêm, então, os épicos momentos finais de Kanan, ou Caleb Dume, que em um sacrifício final em Jedi Night, se torna um Cavaleiro Jedi - sem qualquer cerimônia como era na Velha República, mas sentimos isso acontecer. Sem muitos floreios na antecipação, Caleb recebe um digno fim e, como acontece desde Uma Nova Esperança, o espírito do mestre vive através do aprendiz e a dor da perda do mentor funciona como um dos passos finais da jornada do herói de Ezra, que, nos capítulos seguintes, aprende a viver sem Kanan, culminando em uma das mais difíceis decisões de sua vida, em A World Between Worlds, que, inesperadamente, introduz o conceito de viagem no tempo na série, ponto utilizado para desenvolver Bridger em um momento chave, que define seu caráter, algo que seria recobrado novamente no finale durante o conflito com o Imperador.

Aliás, a mera presença de Palpatine nesses episódios finais, mesmo que não de forma “física”, já deixa bem claro o quão importantes se tornaram esses personagens. Como não poderia deixar de ser, a participação especial de Ian McDiarmid é muito bem-vinda - tendo vivido Palpatine nas duas primeiras trilogias, seu retorno ao papel funciona como a cereja no topo do bolo, garantindo a o impacto da presença do Imperador no seriado. Filoni, contudo, jamais permite que esse vilão ocupe mais espaço do que deveria - o showrunner não perde de vista que o principal antagonista da temporada é Thrawn e guarda para ele o duelo final entre Império e Rebelião da série. Nesse quesito é mais do que justo que ele seja vencido graças à ajuda de criaturas as quais ele não compreende, como foi o caso no ano anterior, com Bendu. O Grão Almirante entende seus oponentes e a única maneira de derrotá-lo é fugindo da previsibilidade e ninguém melhor que Ezra para garantir isso.

Aliás, toda a trinca de episódios finais, ainda que traga resultados previsíveis, segue pelo inesperado no modo como chega até lá. Bom exemplo disso é a releitura da cena final de Vader em Rogue One, através de Ezra e os Lobos - vale observar como a trilha de Kevin Kiner rearranja a melodia de Michael Giacchino a fim de criar o paralelismo - dessa vez, porém, são os imperiais que se desesperam e não os rebeldes. Nesse ponto, apenas a montagem deixa a desejar, quebrando a ação dramática, impedindo que ela alcance sua plenitude. O mais imprevisível de todos, contudo, é o resultado final e a corajosa escolha de Filoni em deixar Ezra e Thrawn vivos, já abrindo espaço para uma nova série (animada ou não), que poderia focar na busca de Sabine e Ahsoka pelos dois.

O salto temporal para após os eventos do Episódio VI pega todos de surpresa e finaliza com chave de ouro essa jornada, funcionando, naturalmente, como um epílogo, que deixa bem claro o impacto das ações desse grupo de rebeldes até aqui. Além disso, abre espaço para que futuras obras explorem tais personagens em um novo período, fugindo do conflito entre Rebelião e Império. Não é de todo inimaginável, portanto, que Sabine ganhe seu merecido protagonismo em uma possível vindoura obra, já que ela foi uma das personagens mais bem construídas da animação.

Tais questões, contudo, serão respondidas pelo tempo, enquanto somos deixados com aquele gosto de “quero mais” na boca. Por ora, a saga de Ezra e desse grupo de rebeldes foi encerrada e, por mais que esperemos por mais, Dave Filoni finaliza essa história da maneira como gostaria: como nos velhos westerns, nos quais o protagonista caminhava em direção ao Sol no desfecho. Com isso, Rebels deixou de ser uma série descompromissada e se tornou um belo acréscimo ao universo de Star Wars, como já dito antes, expandindo consideravelmente esse universo, nos deixando com momentos inesquecíveis e personagens que jamais esqueceremos.

Star Wars Rebels - 4ª Temporada (idem - EUA, 2017/18)

Showrunner: Dave Filoni
Direção: Steward Lee, Saul Ruiz, Sergio Paez, Bosco Ng, Dave Filoni
Roteiro: Henry Gilroy, Steven Melching, Christopher Yost, Gary Whitta, Matt Michnovetz, Dave Filoni
Dubladores: Taylor Gray, Vanessa Marshall,  Freddie Prinze Jr., Tiya Sircar, Lars Mikkelsen, Cary-Hiroyuki Tagawa, Katee Sackhoff, Kevin McKidd, Steve Blum, Ian McDiarmid, Mary Elizabeth McGlynn
Episódios: 16
Duração: 22 min.