Crítica | Liga da Justiça Sem Limites: A Série Completa - O Ápice dos Heróis da DC
Após o sucesso da primeira fase, era óbvio que a Warner iria mandar fazer uma continuação. E ela veio em 2004, o ótimo Liga da Justiça Sem Limites que se mostrou mais madura e teve um arco incrível durante as sua metade, mas teve uma queda depois.
Vamos a história: Após a invasão tanaganiana no final da primeira fase e a eventual saída da Mulher-Gavião da equipe, os outros membros da Liga decidem aumentar a equipe. É quando entram vários heróis famosos como o Arqueiro Verde, Capitão Átomo, Shazam (que era chamado de Capitão Marvel), Caçadora, Questão, Aquaman, Canário Negro e Supergirl no grupo para a Terra se prevenir contra as maiores ameaças.
A sinopse é bem simples, mas o foco continua sendo o desenvolvimento dos personagens. Dos novos os que têm mais desenvolvimento são os mencionados acima, que tem um papel fundamental na principal trama da série. Essa fase pode ser divida em duas partes sendo a primeira todo o envolvimento da Liga com o Projeto Cadmus, liderado por Amanda Waller e a segunda com a liga de vilões liderados por Lex Luthor e o gorila Grodd. A primeira é a mais bem construída e a mais interessante de toda a série. Mas o que é o projeto Cadmus? Lembram que na primeira parte havia um universo paralelo que os membros da Liga se tornaram ditadores? Então, o Governo decidiu abrir esse projeto para criar meios de deter a Liga caso eles percam o controle.
Todo o caso envolvendo esse projeto junto com as investigações da Liga é muito bem feito e coeso, sendo a parte que realmente chama a atenção da série. São dados muito interessantes como: a volta do Apocalipse; um dos membros da Liga é clonado; a aparição rápida do Esquadrão Suicida para sabotar a Torre da Liga; as investigações do Questão quanto ao caso; a criação de um grupo chamado Ultiman... Sei que falando assim parece incoerente e exagerado, mas o roteiro desse arco é muito bem amarrado.
Se tem algo durante esse arco do Cadmus que merece destaque é a Amanda Waller, que se mostra uma personagem rica e muito bem desenvolvida. É claramente uma antagonista, mas não fica na superficialidade. Por mais que seja fria e ambiciosa, suas ações são justificadas pelo medo e principalmente pelo seu lado patriota. E esse medo – que é racional, pois o que acontece se a Liga perdesse a cabeça? – se torna um meio para qual o Batman crie uma ligação com Waller, para tentar mostrar que a Liga não irá destruir o mundo. É uma personagem forte, que no episódio chamado Prólogo, que se passa no futuro, Waller tem uma longa conversa com Terry McGinnis falando sobre sua origem e porque o mundo precisa do Batman. É o fechamento perfeito da personagem.
Já a segunda parte se mostra em arcos individuais. O mais longo é um envolvendo a Mulher Gavião e outro da sua raça chamado Gavião Negro, que acredita que são reencarnações de amantes que viveram no Egito, milhares de anos atrás. Ela se torna um das personagens mais recorrentes por conta dos acontecimentos do final da primeira fase que não se sabia se podiam voltar a confiar nela, alem do triangulo amoroso envolvendo ela, o Lanterna Verde e Vixen, a nova namorada do Lanterna. O que se perde um pouco nessa fase pós-Cadmus, é que mesmo os personagens continuarem interessantes e as histórias ainda coesas, não as tornam tão interessantes. Inclusive alguns episódios parecem apenas aleatórios, como o da luta da gaiola entre as heroínas ou o que Flash e Lex Luthor trocam de corpo. Mesmo sendo divertidos, não tem a força do que foi apresentado no começo.
Os vilões também se mostraram cada vez menos interessantes. Se antes eles eram bem desenvolvidos, agora se mostram caricatos que se assumem como vilões e dão risadas maléficas. Ok, é um material em que os vilões fazem isso, mas visto que antes eles eram bem desenvolvidos, agora são caricaturas. O mais interessante continua sendo o Lex Luthor, porque o resto são apenas malvadinhos.
Se os vilões não são bem desenvolvidos, os novos heróis são. Quase todo episódio introduz um personagem novo, que se mostra interessante e é bem desenvolvido. É o grande trunfo de Sem Limites, em especial quem recebe uma atenção a mais é a Supergirl que vemos o seu amadurecimento como heroína durante a série, enquanto o Arqueiro Verde se mostra o mais charmoso, já que também tem um certo medo do poder da Liga.
Enfim, Liga da Justiça Sem Limites encerra muito bem o que foi iniciado por Bruce Timm e Paul Dini anteriormente. Mesmo caindo depois, ela tem um ápice que vale o seriado como um todo. Se hoje eu gosto dos heróis da DC e sei das suas capacidades, devo a essas ótimas series que Timm me proporcionou.
Liga da Justiça Sem Limites (Justice League Unlimited, USA - 2004- 2007)
Showrunner: Paul Dini e Bruce Timm
Direção: Butch Lukic e Dan Riba
Roteiro: Paul Dini, Bruce Timm, Dwayne McDuffie, Stan Berkowitz, Joseph Kuhr, Keith Damon, Rich Fogel, Len Uhley, Keith Damon, Andrew Keisberg e Kevin Hoops
Elenco: Kevin Conroy, Mark Hamill, Michael Ironside, Phill LaMarr, George Newbern, Susan Eisenberg, Carl Lumbly, Maria Canals.
Episódios: 39
Emissora: Cartoon Network
Gênero: Aventura
Duração: 23 min
https://www.youtube.com/watch?v=WwVgB0MRCVg
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Crítica | Liga da Justiça - Pesadelo de Verão (1996)
Em 1987, os escritores Keith Giffen e JM DeMatteis reformularam completamente a Liga da Justiça, apostando no humor e na humanização da equipe. No início deu muito certo e a nova fase foi muito elogiada, ganhando prêmios e tendo boas vendas. Porém, a fórmula acabou por se esgotar e no início dos anos 90 não conseguia mais atrair a atenção do público. Foi então chamado para a revista o escritor Dan Jurgens para colocar um tom mais sério e recuperar as vendas, e até que deu um gás novo para a equipe. Contudo, naquela época, a Image Comics começava a se destacar pela suas histórias violentas e em que os personagens eram desenhados com o físico extremamente exagerado, e a DC teve suas vendas prejudicadas.
Para tentar bater de frente com isso, a DC Comics lançou dois Spin Offs relacionados com a mensal da Liga da Justiça Internacional, eram essas a revista Liga da Justiça-Força Tarefa e Justiça Extrema e que tentavam seguir a mesma fórmula das revistas da Image. Porém a tentativa fracassou e as vendas tanto da HQ principal, tanto dos Spin Offs ficaram abaixo do esperado, culminando no cancelamento das 3 revistas. A editora então percebeu que era hora de uma nova reformulação, mas ao invés de tentar explorar algo novo, decidiram apostar na volta da velha formação da Liga.
Trazer de volta os 7 heróis principais da empresa deixava claro quais eram as intenções da DC , fazer mais uma vez a revista da Liga da Justiça ser a número 1 de novo e recuperar as vendas. Para isso decidiram lançar uma minissérie onde esses personagens se reuniriam novamente. Para escrever esse arco era necessário um time de peso, então foram chamados os roteiristas Mark Waid, que teve destaque na DC roteirizando a mensal do Flash por 8 anos, e Fabian Nicieza,que fez seu nome como roteirista das HQS dos X-men, Novos Mutantes e Novos Guerreiros, e também como cocriador do personagem Deadpool. O nome da série foi definido como Pesadelos de Verão e seria uma base para a nova mensal da Liga que estava por vir. Esse nome foi um paródia de uma famosa obra de Sheakspeare, Sonhos de Uma Noite de Verão, visto que as duas obras tratavam de assuntos relacionados a mistura de fantasia com realidade.
A trama começa com os personagens da Liga num mundo onde faíscas vindas do céu deram poderes para quase todas as pessoas no planeta, menos aos próprios, que são agora civis normais e que não se lembram de suas vidas como heróis. Kyle Rayner é um desenhista de quadrinhos (que inclusive desenha a própria história em que está inserido), Wally West é um professor, Diana é também uma professora, só que de uma escola para meninas, Arthur Curry é um empresário, Ajax esta novamente em Marte com sua família, Bruce agora é apenas um milionário, e seus pais estão vivos, e Clark é um simples jornalista. Aos poucos, eles vão percebendo que estão numa realidade que não é real, e que está sendo criada pelo antigo vilão Doutor Destino. Mas Destino não esta agindo por vontade própria, e sendo controlado por um ser antigo, chamado Conhecedor , que acredita que a Liga da Justiça falhou em defender a terra, e agora deseja salvar a terra de uma ameaça que ele afirma estar se aproximando,
A escolha de um ser tão poderoso para ser o inimigo da Liga nessa primeira história do time se reencontrando teve uma motivação. Waid e Nicieza queriam que a equipe voltasse se reunir para poder enfrentar rivais que com o seu poder pudessem destruir o planeta sem nenhuma dificuldade caso não fossem impedidos. Ou seja, só seria possível combater essa nova ameaça se houvesse uma junção dos personagens mais poderoso da editora, pois dificilmente algum deles poderia enfrentar essa nova ameaça sozinho em seus títulos solos. Os roteiristas queriam que a equipe fosse vista como um panteão de deuses. Acho que isso explica muito bem o porquê de Grant Morrison ter sido o escolhido para o novo título que iria ser lançado após a saga, visto que ele sempre deixou claro que gostava de tratar heróis como sendo algum tipo de divindade. Vale lembrar, essa motivação feita para o grupo se reunir não era algo novo, pois tinha sido usado pelo próprio Gardner Fox quando ele criou a LJA em 1960
Waid e Nicieza também definiram muito bem as personalidades dos heróis enquanto grupo. Superman sera o líder, aquele que com o seu senso moral iria guiar a equipe, mas ao mesmo tempo se sentiria responsável por não poder dar tanta atenção a Liga, e isso acabaria por fazer o homem de aço temer pelo pior. O Batman seria aquele personagem cético em relação a trabalhar em equipe, pois vê os outros heróis como amadores sem treino, e não quer se responsabilizar por eles, só ajudando o time quando muito necessário. Mulher Maravilha seria o símbolo de esperança do time. Flash é aquele que teria o maior prazer em fazer parte do time, visto que tem experiência no assunto. Kyle é visto como o rapaz que conseguiu o anel por causa do acaso, e será visto com desconfiança pelo resto da Liga. Aquaman agora tem outras prioridades, e não a equipe mais como uma prioridade. E por último temos Ajax, que tem um grande apreço pela terra, e quer protegê-la a todo custo para que não aconteça a ela o mesmo que aconteceu a marte.
A missão da equipe por trás de Pesadelos de Verão era dar uma boa base para a próxima HQ que estava sendo planejada, e eles foram eficientes, mas a história não é de longe perfeita. O início e o meio são realmente empolgantes, e animam muito a quem esta lendo Porém o desfecho acaba se tornando bastante lento, e o confronto da Liga contra o vilão Conhecedor é extremamente decepcionante. Aliás, sobre o inimigo, ele é muito mal trabalhado e suas motivações e origem são muito mal trabalhadas, talvez porquê a ideia seria usar ele de novo mais pra frente, mas mesmo assim deixou a desejar. Os desenhos de Jeff Johnson e Darick Robertson também não são nada extraordinários, e escolhem seguir o padrão da época, com os personagens sendo desenhados com o físico bastante avantajado, mas têm alguns momentos interessantes como por exemplo o final da edição 3 onde temos os heróis todos indo para o alto numa cena belíssima.
Pesadelos de Verão não é um trabalho memorável e dificilmente entraria no top 10 de melhores histórias da Liga da Justiça. Porém, mesmo com os erros na condução do enredo, Mark Waid e Fabian Nicieza conseguem ser eficientes naquilo que tinha sido pedido a eles, que foi revitalizar a equipe clássica da Liga da Justiça. A história vai ser interessante para alguns, como vai ser decepcionante para outros, mas ainda sim têm sua importância dentro da história da equipe no universo dos quadrinhos.
Liga da Justiça: Pesadelos de Uma Noite de Verão (Justice League: A Midsummer’s Nightmare) — EUA, 1996
Roteiro: Fabian Nicieza, Mark Waid
Arte: Jeff Johnson, Darick Robertson
Arte-final: Jonathan Holdredge, Anibal Rodriguez
Cores: Pat Garrahy nas edições 1 e 2, John Kalisz na última edição.
Letras: Ken Lopez
Capas: Kevin Maguire
Editor-Chefe: Ruben Diaz
Editora: DC Comics
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Texto escrito por Raphael Aristides
Review | The Evil Within 2 - Aperfeiçoando o mal
Quando Shinji Mikami - diretor de Resident Evil 1 e 4 e considerado um dos pais do gênero survival horror - anunciou o jogo The Evil Within pela sua recém-formada desenvolvedora Tango Gameworks em parceria com a Bethesda, fãs do gênero enlouqueceram com a ideia de que o diretor colocaria o gênero de volta aos trilhos. Um gênero considerado por muitos perdido ao tentar alcançar um público maior ao implementar elementos de ação e sistemas de tiro em terceira pessoa. The Evil Within seria enfim a volta à velha forma do gênero.
Porém, The Evil Within não foi lá bem o que todo mundo queria, recebendo uma recepção mista, com uma história repleta de furos e um gameplay inconsistente e que não alcançava a excelência de clássicos como RE 4. No final, TEW parecia um trabalho apressado e pego em uma hora de transições de gerações (do PS3/Xbox 360 para PS4/Xbox One) que impediu dele realmente brilhar. Mas a semente para uma ótima ideia estava lá, e com o título vendendo razoavelmente bem, deu a chance para a produtora expandir a ideia do original com The Evil Within 2.
Não mais dirigido por Shinji Mikami - que serve apenas como produtor na sequência, dando espaço para o novato John Johanas tomar as rédeas do projeto - a sequência vem 3 anos após a primeira aventura de Sebastian Castellanos no STEM. Mas será que a Tango aprendeu com seus erros do passado e entregou uma experiência de terror à altura das insanidades que Sebastian enfrenta no jogo?
Sebastian através do espelho
Na história, o detetive Sebastian Castellanos descobre que sua filha Emily está viva. Porém, ela foi capturada pela organização chamada Mobius para se tornar mais uma cobaia de seus experimentos com o STEM, uma espécie de aparelho que transporta a mente da pessoa para um local artificial e formado pelo consciente das pessoas que vivem ali. Sebastian já tinha vivido momentos traumatizantes no primeiro game e deverá retornar ao STEM se quiser salvar sua filha e descobrir os segredos por trás de seu desaparecimento e de sua mulher, Myra.
Dentro do STEM, Sebastian vai parar na Union, local onde as pessoas podem viver pacificamente em uma espécie de subúrbio dentro do programa da máquina. Porém, a presença do assassino serial Stephano Valentini, que usa suas vítimas para criar suas obras de arte, alteraram o local, infestando-o de criaturas medonhas. Sebastian tem que enfrentar Stephano se deseja salvar sua filha e encontrar uma saída daquele pesadelo.
A história, como pode ver, é uma continuação direta dos acontecimentos do primeiro jogo. Personagens retornam a trama, como a agente dupla Lily Kidman e a própria organização Mobius, que é a vilã principal do universo de TEW. Portanto, é recomendável saber ao menos o mínimo da trama do primeiro título para não ficar perdido logo de início. Mesmo com algumas explicações, o jogo faz referências diretas ao primeiro jogo, especialmente nas partes finais. Ao menos os jogadores podem ficar tranquilos em entender a trama, já que o game foi localizado completamente em PT-BR, recebendo legendas e dublagem em português.
Sebastian é um personagem bem mais relacionável e complexo do que no primeiro jogo. É a busca por uma resolução não só em achar sua filha, mas também encontrar uma forma de eliminar seus demônios internos que o faz um personagem interessante. Detalhes como ele agora reagir mais as situações ao seu redor durante o gameplay reflete o lado mais pessoal que a história é levada.
Os melhores momentos da história de The Evil Within 2 é quando ela foca no drama de Sebastian e sua família. Algo mais pessoal, condizente com o tema do game. Em um dos momentos mais excitantes do clímax do jogo, o personagem consegue superar seus medos e enfrentar algo que o estava perseguindo o tempo todo.
Assim sendo, o jogo retoma o clima de horror de suas criaturas grotescas e formadas a partir do medo ou de desejos dos personagens. Porém, TEW 2 não é necessariamente um jogo que apenas assusta com jumpscares, mas cria um clima de tensão constante, com truques visuais que vai fazer qualquer um se arrepiar.
A narrativa e experiência do jogo é muito mais consistente e coesa do que o primeiro, com fases mais bem integradas no universo irreal do STEM, que anteriormente parecia mais um grande greatest hits de fases de survival horror e acaba tornando algo sem pé nem cabeça em algumas horas. Essa talvez seja a faca de dois gumes de basear o jogo em algo inexistente. É quase como se estivéssemos jogando um game dentro de outro game, onde as leis da realidade não necessariamente se aplicam. Algo que se mal utilizado (como nos filmes de Resident Evil, por exemplo), pode entregar um roteiro preguiçoso e dessincronizado com a experiência do jogador. O que não é o caso aqui, felizmente, com o uso muito criativo de um lugar que teoricamente se passa na mente de Sebastian para criar cenários e situações surrealistas e assustadoras, com muito gore e violência.
Sim, nem tudo é perfeito. Certas reviravoltas e lógicas do mundo são mal explicadas e tem pouca ou nenhuma profundidade. Infelizmente, os criadores decidiram juntar clichês do gênero (um culto e uma organização maligna com aspirações a dominação global, por exemplo) que por vezes se tornam desnecessários e demasiados em uma trama que poderia ser muito mais íntima e interessante. O vilão do segundo ato fica bem aquém as expectativas e acaba se tornando apenas mais um obstáculo entre Sebastian e sua filha.
E essa entrega "mediana" da história é refletida em seu final, um dos mais medíocres para um jogo tão ousado em seu visual e temas. Parece que estamos vendo o final de um filme de ação Hollywoodiano para um filme que se apresentou como um terror psicológico. Além da trilha sonora, um "arroz com feijão" que estabelece o clima das cenas mas entrega temas pontuais sem se esforçar muito para ser memorável. Afinal, estamos vendo um game ousado visualmente e tematicamente ou apenas um filme de ação genérico?
O mal mora ao lado
Se em questão de história The Evil Within 2 conseguiu melhorar significantemente mesmo com alguns tropeços, a jogabilidade ganhou muito mais corpo e apresenta melhorias que muitos fãs do primeiro título pediram. O jogo é uma mistura do survival horror visto em jogos como Resident Evil 5 e 6 - a câmera em terceira pessoa no ombro e uma movimentação mais livre - com um clima mais tenso e de sobrevivência, parecida com jogos como The Last of Us, onde a furtividade é essencial para sobreviver ao mundo apocalíptico.
Em primeiro lugar, o sistema de stealth foi profundamente melhorado do primeiro título, oferecendo finalmente um sistema de cobertura para o jogador se esconder apropriadamente atrás dos locais do cenário e passar das fases sem ser visto. Com o movimento do analógico, o personagem pode ir para o outro lado da cobertura, e com um sinal de uma seta nos cantos da tela, poder ir automaticamente para aquele lugar com o apertar do botão. Infelizmente, o sistema não é a prova de problemas e de vez em quando tem erros de detecção que atrapalham a vida do jogador.
O design das criaturas é o que mais dá o calafrio na espinha em The Evil Within 2. Dos chefes de fase até as criaturas mais comuns, o som e a movimentação imprevisível das criaturas torna os momentos de furtividade e ação muito mais difíceis do que se fossem meros zumbis a lá George Romero. Criaturas com formatos grotescos e indescritíveis, tiradas da cabeça de Sebastian ou de seus inimigos fazem a experiência se tornar cada mais surreal a medida que se vai adentrando nos cenários. Dando um exemplo, em uma das missões temos o uso do som do DualShock 4 de forma muito interessante para garantir calafrios extras no jogador através de uma criatura fantasmagórica. Algo que até os mais experientes no gênero vão se surpreender.
Além de seus designs, os inimigos exigem certas estratégias do jogador. Alguns, por exemplo, são encobertos por uma camada inflamável, que pega fogo de tempos em tempos, impossibilitando o stealth do jogador. Outros podem te matar quase que instantaneamente se te agarrar, cobrindo Sebastian com um líquido borbulhante, etc.
Para enfrentá-las, Sebastian tem um armamento pesado. Porém, os recursos não são abundantes e o jogador precisará criar sua própria munição através de objetos encontrados no mapa, oferecendo um sistema de crafting recompensador. Se você acha que vai conseguir passar das fases sem usar o mínimo de stealth e descarregar todo o seu pente de balas nos inimigos, pense novamente.
Infelizmente o sistema de colisão ainda é bem fraco em comparação com outros títulos e conseguir acertar um headshot em um zumbi (especialmente naqueles que exigem dois tiros para serem eliminados) é uma atividade que tem uma dificuldade extra por conta da imprecisão do nível de detecção.
O jogador deve coletar gel verde dos corpos dos inimigos para receber upgrades nas suas habilidades e resistências físicas no HUB do jogo, que aqui é materializado como a sala de investigação da delegacia onde Sebastian trabalhava. Contando com melhorias interessantes e muito úteis para a sua sobrevivência (além do retorno da misteriosa enfermeira que aparecia no hospital do primeiro jogo). Apesar de compartilhar a mesma perspectiva em terceira pessoa no ombro de jogos como Resident Evil 5 e 6, The Evil Within 2 exige muito mais do jogador guardar munição para os inimigos à frente.
A estratégia na abordagem dos combates é fundamental para a sobrevivência. Então, ao se deparar com um grupo de inimigos, a melhor alternativa muitas vezes é entrar no modo furtivo e tentar escapar dali sem chamar a atenção. Usar os ambientes também é extremamente útil e, se você ver que sua munição é pouca em comparação com os inimigos, a alternativa é fugir e não olhar para trás em nenhum segundo.
É talvez esse elemento que torne The Evil Within um legítimo survival horror, já que apesar de alguns momentos intensos de ação e explosão, ele consegue equilibrar muito bem a tensão e vulnerabilidade do jogador em uma situação claustrofóbica e intimidadora.
No final, TEW2 tem uma jogabilidade competente mas falha em aspectos que o torna mais frustrante do que deveria ser. Talvez em um terceiro título a franquia finalmente arrume todos os pormenores e consiga entregar uma experiência 100%.
Uma descida ao inferno
Tanto em sua jogabilidade quanto em sua atmosfera, The Evil Within 2 compartilha muito do DNA de alguns clássicos do gênero Survival Horror, como Resident Evil (jogabilidade e inimigos mais voltados para a ação) e Silent Hill (o clima de terror psicológico e o design das criaturas dentro do STEM).
O design das fases foi modificado para oferecer cenários bem maiores para se exploras. Neles, há várias missões paralelas, que oferecem recompensas tanto como upgrades quanto resoluções para alguns mistérios na trama. Salvar ou não determinados soldados infringe não só na jogabilidade mas no seu entendimento da história, algo muito bem implementado em seu mini-mundo aberto.
As quests mais interessantes são as que ativam determinados fenômenos e desafios oferecendo variedade comparado a dos vistos na trama principal, oferecendo não apenas um conteúdo secundário descartável ou pouco inspirado, mas algo que agrega na experiência como um todo.
Rodando em uma engine exclusiva para os consoles dessa geração, que permitem efeitos de luz e texturas muito melhores. As transições que alteram o cenário ao redor de Sebastian aguardam boas surpresas para o jogador. Todas as texturas e efeitos de partículas criam uma atmosfera incrível. E a direção de arte oferece uma variedade de tons e cenários ao longo da história que surpreendem. Além das criaturas e dos desafios que elas oferecem, o jogador se sente realmente em uma descida ao inferno aos lugares mais obscuros do STEM.
Trabalhando muito com o psicológico e a viagem por trás da mente de um psicopata, The Evil Within 2 tem a liberdade de variar sem perder a lógica de seu universo. Tanto em jogabilidade quanto em visual, o game passeia por diferentes cenários e situações, as vezes indo de uma pacata cidadezinha para uma densa floresta, e com isso, ameaças se encontram a cada trecho da jornada insana de Sebastian.
O jogo tem um desempenho muito melhor que o primeiro título e roda muito bem no PS4 normal. Porém, há ainda algumas sutis quedas da taxa de 30 fps em alguns locais, especialmente os mais abertos. Nada que realmente prejudique a experiência, mas que vale ser notado.
Se as 15 horas de campanha não forem o suficiente, há um bom valor de replay no jogo, onde você pode ter a sua dose de vingança ao jogar no Novo Game+, destruindo os inimigos com os equipamentos e upgrades do jogo anterior (e para aqueles com saudade dos letterbox na tela, o jogo oferece isso ao ser finalizado pela primeira vez).
Veredito
The Evil Within 2 é uma faca de dois gumes do gênero survival horror. Ao mesmo tempo que acerta alguns elementos como a ambientação e a sensação de um mundo coeso e ao mesmo tempo imprevisível, tem falhas em sua jogabilidade e um roteiro sem sal que acabam impedindo-o de alcançar um status maior no panteão dos jogos do gênero.
Para os fãs do primeiro jogo, The Evil Within 2 é a continuação que eles pediram: um game que não só melhora todos os aspectos do primeiro, como também expande sua jogabilidade e level design. A viagem de Sebastian no STEM para salvar sua filha se assemelha a uma descida para o inferno, e com isso, oferece uma boa dose de dificuldade para os fãs de survival horror que cansam em reclamar de excesso de munição e itens nos seus jogos.
A jogabilidade ainda frustra em alguns momentos de tensão (câmera e mira não são perfeitas) e a história tem atalhos e clichês melodramáticos que poderiam ser melhorados. Porém, a jornada de Sebastian oferece ação e terror na medida certa, um dos raros exemplos do gênero onde esses dois elementos criam uma síntese, gerando assim uma experiência satisfatória apesar de imperfeita. Recomendado para os fãs de survival horror que tem saudade de jogos do gênero.
Jogo analisado com cópia digital de PS4 oferecida pela Bethesda.
Crítica | Liga da Justiça #1-#7 Um Novo Começo (1987)
Em 1985 ocorria então a primeira grande saga da DC Comics nos quadrinhos, e um dos maiores eventos das HQS até o momento, A Crise nas Infinitas Terras, escrita por Marv Wolfman e George Perez, e que foi concebida como uma idéia de unificar os quadrinhos da DC. Durante a Era de Prata o escritor Gardner Fox decidiu que seria interessante reviver a SJA, a primeira equipe de heróis que ele havia criado, e para fazer isso implementou a teoria do Multiverso, que afirmava que existiam diversas terras dentro do Universo DC e em uma delas estava a Sociedade da Justiça. Apesar de ser um conceito interessante, e ter agradado vários fãs, chegou a um momento que os editores da empresa viram que não tinham mais como explorar esse conceito. Havia também o fato de que a Marvel estava levando muitas vantagens nas vendas, visto que na época os personagens da Casa das Idéias estavam em suas melhores fases, e a DC precisava atrair novos leitores, e a ideia de terras paralelas era um pouco confusa demais para quem não era acostumado.
Com a sua primeira grande crise, a DC deu um reboot o seu universo, acabando com seu Multiverso e mudando a continuidade de alguns personagens. A Sociedade da Justiça não era mais um grupo de heróis de uma terra paralela, e passou a ser um grupo de heróis que agiu na Segunda Guerra. Alguns personagens deixaram de existir e outros como o Flash da Era de Prata morreram. A Liga da Justiça na época se chamava Liga de Detroit, e era composta por membros que poderiam se dedicar em totalidade a equipe, e isso acabou por excluir a Trindade, que tinham seus próprios problemas. Esse novo grupo era liderado pelo Aquaman e pelo Caçador de Marte, e era composta por veteranos como Zatanna e Homem Elástico, e novos personagens como Vixen, Gladio e Vibro. Essa nova Liga não sofreu muitas mudanças com a Crise, mas a baixa aceitação do time, era preciso uma reformulação e um novo time. Então a editora lançou em 1986 a minissérie Lendas, onde ocorreu o fim da fase de Detroit. Agora, a DC comics precisava de uma nova Liga
Para esse trabalho foram chamados para a função o escritor Keith Giffen, elogiado pelo seu trabalho com a Legião dos Super Heróis, e este chamou para ajuda-lo nos diálogos JM DeMatteis, que escreveu aquela que é considerada uma das melhores sagas do Homem Aranha, A Ultima Caçada de Kraven. A missão de reiniciar a Liga não seria nada fácil, pois os dois roteiristas não poderiam contar com os principais nomes da editora. Superman na época estava sendo reestruturado pelo John Byrne, Mulher Maravilha estava sendo recriada por George Perez, e como Barry Allen havia morrido na Crise era preciso fazer com que o público se acostumasse com o novo Flash, que agora era o pupilo de Barry, Wally West. Ou seja, a nova equipe não poderia contar com os principais heróis da empresa, o que tornava o trabalho ainda mais difícil.
Visto isso, Giffen e DeMatteis decidiram apostar numa liga com personagens que não tinham tanto sucesso. Foram escolhidos para fazer parte dessa equipe Canário Negro, Besouro Azul ( personagem recém adquirido da Charlton Comics), Capitão Marvel ( tecnicamente era um personagem mais conhecido, mas que a anos não fazia sucesso), Senhor Milagre ( vindo dos Novos Deuses) e Senhor Destino ( da SJA). Bom, possivelmente com esses personagens seria complicado fazer a nova liga decolar, então Dennis O Neil,responsável na época pelas revistas do Batman, decidiu permitir que o herói fosse usado nessa nova Liga. Também seriam usados na nova revista o Caçador de Marte, que funcionaria como uma ligação com a Era de Prata, e uma lanterna verde, mas não Hal Jordan, pois DC também preparava uma nova origem para o personagem. O escolhido para ingressar na equipe foi Guy Gardner, que foi colocado no time devido a ideia que os roteiristas tinham pra história. A nova abordagem traria uma Liga da Justiça com teor mais cômico, e essa nova empreitada teve inicio em maio de 1987 com a revista Justice League #01, e a primeira história se chamara Um Novo Começo, e teria 7 edições.
A idéia era muito arriscada, visto que naquela época os personagens estavam entrando numa temática mais séria, o Batman era um grande exemplo disso. O personagem já no inicio dos anos 80 ja estava começando a ser mais sombrio, mas foi apenas depois dos arcos Cavaleiro das Trevas e Ano Um, os dois do Frank Miller, que o personagem abandonou de vez qualquer traço cômico. Porém aquilo que era algo com chance de dar muito errado, deu muito certo. As interações entre os novos personagens, bem orgânica e muito mais divertida, foi uma sacada mestra de DeMatteis e Giffen. Os personagens entravam diversas vezes em conflitos, e as discussões eram extremamente cômicas, e divertiam bastante quem estava lendo. O estilo mais leve essa nova equipe era um ótimo contra balanço ao tom sombrio e pessimista que estava se instaurando naquela época dos quadrinhos, principalmente dentro da própria DC depois da Crise nas Infinitas Terras.O destaque dessa nova fase foi com certeza Guy Gardner, que com seu jeito arrogante e babaca de ser irritava a todos os membros. O público tinha com esse personagem uma relação de amor e ódio, pois ao mesmo tempo que o achavam irritante, era também muito divertido.
Mas o destaque de Guy não apagava os outros personagens, todos tiveram seu espaço para brilhar . A Canario Negro teve uma mudança em seu comportamento, se tornando um símbolo feminista, o que foi uma ótima mudança para a personagem, que antes era apenas conhecida como a parceira do Arqueiro Verde. Capitão Marvel agora não tinha a personalidade de suas duas contra partes separadas, agora ele se transformava era um adulto num corpo de criança, e seu jeito meio bobo de agir, apesar de ser tão poderoso quanto Superman, era algo cativante. Besouro azul também teve um destaque, pela sua ótima veia humorística e também pelas vezes que discutia com Guy.
Um ironia do destino, Batman e Caçador de Marte foram colocados nesse time porque já eram personagens mais conhecidos do público, mas acabaram por ser os personagens com menos destaque. Batman ao menos conseguia trazer algo mais para a drama, porque era interessante ver o seu jeito mais sério dividindo espaço com personagens mais leves, e o grande momento da saga foi o soco que ele disfere na fuça de Guy Gardner após os constantes avisos dados que ele deveria respeitar. Caçador de Marte infelizmente também ficou apagado e não era tão cativante em sua participação, mas ele compensava isso nas cenas de ação. Doutor Destino também não teve tanto destaque até as edições #6 e #7, onde mostrou-se um personagem fascinante e extremamente poderoso.
Essa história inicial, alem de mostrar que essa Liga seria mais divertida, também mostrou que a equipe seria mais pé no chão e seria mais humanizada, algo que a DC estava fazendo com todos os personagens mais poderosos, e também ainda teria um pouco do pessimismo que pairava sobre a editora no período. Essa nova Liga, diferente da versão antiga, não era mais admirada por toda a população, muitos a viam com desconfiança e alguns pedem que ela seja impedida de agir. A equipe agora teria um representante humano, seu nome era Maxwell Lord, uma figura bastante ambígua, e que via o time mais como uma chance de ter ganhos próprios. Em um Novo Começo foi definido ver que a nova Liga da Justiça não iria apenas evitar ataques de seres do espaço e outras criaturas, e sim iria enfrentar vilões terrestres e que ameaçassem a paz, como por exemplo o que aconteceu já na primeira edição, onde a equipe parou um ataque terrorista na ONU.
Devido a isso vemos no último volume dessa primeira história a Liga agora passando a atuar com permissão da ONU, e se tornaria uma força de proteção mundial. Para satisfazer as duas maiores potências da época, Estados Unidos e União Soviética dois heróis de cada país seriam colocados na equipe, Soviete Supremo e Capitão Átomo. Com esse aval das Nações Unidas, a Liga da Justiça iria começar se tornar internacional, tendo várias sedes no mundo, sendo as duas principais na América e na França. Isso aconteceu por 3 motivos. Primeiro porque as 6 primeiras histórias foram um sucesso, e a ideia era fazer no futuro uma outra revista da Liga, que iria ter em seu quadro o Flash e a Mulher Maravilha, e se chamaria Liga da Justiça Europa. Segundo porque queriam que a equipe deixasse de ter a fama de só se importar com o país em que foram criados, pois muitos diziam que os heróis apenas resolviam problemas americano. E por último a ideia da equipe ser uma força da paz da ONU era um reflexo dos tempos naquela época, nos quais o presidente dos EUA, Ronald Reagan estava se empenhando para que os conflitos do mundo terminassem.
J.M DeMatteis e Keith Giffen foram bastante ousados na ideia de apostar em personagens desconhecidos e em histórias leves e com situações as vezes toscas nível de Era de Prata. Mas funcionou de uma maneira excelente e fez o interesse pela Liga da Justiça voltar. E também vale o elogio porque conseguiram humanizar uma equipe antes conhecida pelo grande poder que seus personagens tinham, alcançando quase que o status de deuses imbatíveis. No fim dos anos 80 a revista era considerada uma das melhores revistas da DC, mas depois de algum tempo, o humor não conseguia mais prender o público, e a HQ foi caindo em vendas. Outro motivo da queda era devido ao surgimento do personagem Spawn, da Image Comics, que começava a chamar atenção pela sua violência, algo que acabou prejudicando tanto DC quanto Marvel. Dan Jurgens acabaria assumindo a revista em 1992 e tentaria deixar ela mais séria, o que não funcionou também. A revista acabaria cancelada em 1996, e a DC iria trazer de volta a Liga com sua formação clássica.
Um Novo Começo foi um belo início para essa nova fase da Liga da Justiça, e foi também uma pequena amostra do que seria essa equipe na sua melhor fase, inovadora, engraçada e gostosa de se ler. É realmente uma pena o fato de o sucesso não ter perdurado por muito tempo, e a equipe não ter conseguido se manter, mas ainda hoje a saga inicial e toda a fase de DeMatteis e Giffen é lembrada com muito carinho pelos fãs da DC.
Liga da Justiça: Um Novo Começo – Edições #1 a 7 (Justice League: A New Beginning #1 – 7) — EUA, maio a novembro de 1987).
Roteiro: Keith Giffen, J.M. DeMatteis
Arte: Kevin Maguire
Arte-final: Terry Austin (#1), Al Gordon a partir do #2
Cores: Gene D’Angelo
Letras: Bob Lappan
Editor-Chefe: Andrew Helfer
Editora: DC Comics
Texto escrito por Raphael Aristides
Crítica | Asterios Polyp - A Arquitetura da Vida
Já faz, mais ou menos, 30 anos desde que Miller, Moore e Gaiman elevaram os quadrinhos ao patamar de arte, aos olhos do grande público. Um veículo para expressão da quintessência humana, em todas as suas virtudes e vicissitudes. É um mercado também, como qualquer outra forma de arte, então é preciso se esforçar para encontrar, em meio ao genérico, pequenas maravilhas. Leia Asterios Polyp, de David Mazzucchelli, lançado aqui no Brasil em 2011 pela Quadrinhos na Cia. Você estará lendo uma dessas maravilhas.
Curioso é que Mazzucchelli é mais conhecido pela sua parceria com Frank Miller, trabalhando com personagens mainstream como o Demolidor e o Batman. Embora seja um tremendo desenhista, nada indicava que pudesse vir dele uma obra seminal dos quadrinhos como essa, e isso não são apenas nossas palavras; a HQ arrebatou prêmios Eisner e Harvey e mais por onde passou. Não é uma obra fácil, é bom salientar. A complexidade do seu desenvolvimento narrativo e gráfico pode – inicialmente – assustar o leitor, mas permita-se penetrar na obra, e encontrará em verdade uma trama singela, sobre um homem cujas convicções mais profundas são desafiadas e contestadas a todo momento,ilustrada e narrada de maneira magistral.
A trama se desenvolve de maneira não-linear em dois momentos (isso é importante, portanto, atenção): a vida pregressa de Asterios, como um renomado arquiteto conceitual, cujas obras são reverenciadas, lhe rendendo até mesmo uma cátedra na universidade de Ithaca, mas – curiosamente – jamais foram construídas. Um arquiteto de papel, como lhe chamam; em um segundo momento, narrado no presente, vemos um Asterios alquebrado e desiludido, fugindo com alguns poucos pertences de seu apartamento após um relâmpago incendiar seu apartamento, forçando-o a confrontar o mundo em uma jornada elusiva e sem destino certo. Passo a passo, vamos entendendo quem é Asterios Polyp.
É um protagonista complexo. O fato de ser um arquiteto é na verdade uma fachada conceitual para a sua verdadeira vocação: a filosofia, e é dentro das suas reflexões que ele irá se desenvolver. Tudo que existe em torno do universo de Asterios – na visão dele, tudo gira em torno da sua existência – pode ser categorizado e explicado com base em uma ideia de simetria bilateral. Tudo existe de forma dualista: bom e mau, certo e errado, belo e feio. Linhas retas e curvas. Não obstante, a trama é narrada pelo irmão natimorto de Asterios, Ignazio. Qual o propósito de um irmão natimorto? Se fosse apenas um, a própria noção de dualidade de Asterios seria uma falácia, mas, se houvesse nascido, Asterios não seria apenas um, tornando-o outra pessoa que não quem ele é. A ideia de Ignazio, que transita perenemente sobre a trama, nos expondo as verdades que o protagonista não se atreve a reconhecer ou simplesmente não consegue devido sua impetuosidade intelectual. Este é o primeiro confronto de Asterios em relação as suas convicções filosóficas.
Asterios é um platônico. Seu próprio nome é uma referência a um rei da mitologia grega que desafiou os deuses. Um idealista, no sentido de que toda a realidade pode ser encerrada e devidamente compreendida dentro desse conceito de ambivalência arrogante. Isso, obviamente, também se aplica a sua difícil relação com outros seres humanos. Ou você concorda com ele ou você está errado. Os conflitos de Asterios começam com algo óbvio, na verdade, que é o fato de que o universo não gira em torno do que sua arrogância lhe permite perceber. Quando confrontado por forças além da sua compreensão, suas convicções aos poucos caem por terra.
Essas forças são representadas por Hana Sonnenschein, uma jovem professora de arte da universidade de Ithaca. Ao se apaixonar por Hana, Asterios é traído por sua própria filosofia, pois Hana, em sua sensibilidade e aparente passividade, é o exato oposto de Asterios. Suas obras de arte são pura expressão e sentimento, sem formas perfeitas, e fogem a capacidade do protagonista de compreende-las. Asterios encontra seu yang, sem imaginar que seria justamente ela que lançaria as luzes sobre as trevas da sua arrogância. Não uso essa metáfora levianamente. Sonnenschein, em alemão, significa “luz do sol”, e também não disse que Asterios é um platônico à toa. A mensagem de Mazzucchelli é clara: Hana é a luz do sol que traz Asterios para fora das trevas de sua caverna pessoal, tal qual a famosa alegoria da caverna do filósofo grego. E o amigo leitor também já percebeu que a universidade onde ambos se conhecem também é uma referência a cultura grega, sendo Ithaca a terra lendária do rei Odisseu, protagonista da Odisséia, conhecido por ser o homem mais racional de uma guerra de mentiras, a famosa guerra de Tróia, narrada na Ilíada.
Metáforas, referências, filosofia e mitologia. A genialidade dessa obra está no fato de que tudo transcende e ao mesmo tempo complementa a narrativa, elevando a arte das HQs a um novo patamar, mas ainda trata-se de uma HQ e essa genialidade não estaria completa se não fosse representada em sua forma gráfica. Novamente, Mazzucchelli não decepciona. A diagramação das páginas é ousada e transcende em muito o modelo de storyboard básico. Cada página é uma tela em branco, que o autor usa para expor ideias, imagens e conceitos, mas nunca deixando que elas se sobreponham ou permaneçam alheias a narrativa. Pelo contrário, elas sempre complementam, pontuam e esclarecem. A presença do conceito/personagem Ignazio é sempre mais forte aqui, pois, sendo um observador externo e atemporal, visto que ele não existe, nós temos o distanciamento necessário não apenas da história e dos personagens, mas dos próprios conceitos que eles representam. Ignazio é a nossa visão global da própria HQ. Ele não simplesmente quebra a quarta parede, ele é a janela pela qual nós conseguimos observar através dessa parede.
Formas, cores, diagramação e até mesmo as fontes dos balões são parte efetiva da narrativa. Representam tudo aquilo que fica de não-dito quando alguém diz algo durante a história. Asterios, meticuloso, preciso, absoluto, racional, é desenhado em formas geométricas perfeitas. Mais uma referência a Platão, que admirava a geometria como uma ciência idealmente perfeita. Seu crânio é grande e seus olhos pequenos, indicando sua imensa capacidade racional, mas restrita percepção da realidade a sua volta. Ele e seu entorno são sempre representados na cor ciano, dando aos ambientes onde ele está um tom estéril e até desestimulante, como por exemplo seu apartamento, que não possui cores vibrantes e onde tudo está disposto de maneira geometricamente perfeita. Hana, o caos que penetra na ordem opressora de Asterios, é representada na cor magenta. Intensa, que não consome, mas cativa. Ela é desenhada em traços soltos, livres, leves e contínuos. Sua compleição é singela, mas seus olhos são grandes, indicando a sua aguçada mas discreta percepção do mundo a sua volta. A primeira coisa que faz ao ir morar com Asterios é dar cor e vida ao lugar, quebrando a esterilidade geométrica dele.
É claro que essa situação terminaria em um inevitável conflito. Hana, inexoravelmente, abandona Asterios. E aí ele começa sua jornada de transformação pessoal e refiguração intelectual. A história acompanha esse processo, que é representado por outras formas, cores e conceitos. Esse momento da narrativa e os personagens que o protagonizam, junto com Asterios, são representados na cor amarela, a cor da neutralidade que suspende os conflitos dualistas da história. Através dessa suspensão do juízo, Mazzucchelli desenvolve a transformação do personagem. Um homem inteligente, mas arrogante, que impõe a sua visão sobre o mundo a fim de restringi-lo, e assim compreende-lo segundo seus próprios termos, torna-se um homem sábio, que contempla a totalidade da existência e compreende verdadeiramente que ela não pode ser encerrada em uma percepção particular do mundo. Isso fica claro na afeição perene que Asterios desenvolve pela personalidade da personagem Ursula e sua “racionalidade esotérica”, por assim dizer.
Asterios Polyp é, na verdade, uma simples história de vida e de amor. Mas o que Mazzucchelli nos mostra é algo que às vezes nos escapa: não existem vidas ou amores simples. A existência humana é permeada por conflitos, incertezas, paixões. Embora nós possamos nos definir como seres cuja característica distintiva é a racionalidade, temos que reconhecer, para nossa própria sanidade, que somos muito mais do que isso. Para isso, também às vezes é necessário um certo distanciamento. Não apenas pensar fora da caixa. Também, eventualmente, sentir fora dela. David Mazzucchelli, em um esmero que durou 10 anos para compor essa obra, nos entrega essa bela reflexão, para que façamos o que quisermos com ela. Ela é racional e bem construída sim, mas – antes de tudo -bela.
Como diria Kallias, de Friederich Schiller: Afinal, não existe beleza na razão?
Crítica | Mindhunter - 1ª Temporada: Quando o Abismo Olha de Volta
Spoilers leves
Até começar a ver ao novo seriado da Netflix, Mindhunter, não fazia ideia do que encontraria realmente. Assim como nosso protagonista se aventurando em território desconhecido, segui o mesmo caminho – mesmo que bem menos perigoso. Imaginava que seria apenas mais uma boa série criminal que manteria a safra medíocre de material original do serviço em 2017.
Mas havia a pulga atrás da orelha. Ela, sempre ela. Como admirador do trabalho de David Fincher, Mindhunter estava na minha lista de obras audiovisuais obrigatórias. E certamente o que chama a atenção de um diretor tão, mas tão exigente, certamente despertará interesse em milhares de espectadores.
No caso de Mindhunter, temos o advento de um formato realmente muitíssimo interessante para o entretenimento televisivo: um seriado de progressão narrativa contínua, mas com “casos da semana” inseridos de forma muito orgânica. Pode-se dizer que Dexter fez algo parecido com isso, mas a narrativa episódica tinha uma constante força nítida. Já aqui, temo algo mais próximo do cinematográfico.
Caminho do Inferno
Mindhunter começa com a coragem de todo seriado audacioso. Somos apresentados ao nosso protagonista, o agente especial Holden Ford, um profissional extremamente “verde” para lecionar uma das funções mais delicadas da força policial: a negociação de reféns com sequestradores. Reconhecendo seus fracassos profissionais e uma vida pessoal solitária, Holden acaba conhecendo e virando assistente do veterano Bill Tench, um agente que viaja por todo os EUA para ensinar forças policiais locais como compreende e categorizar a mente de faixas mentais específicas de criminosos.
Instigado a melhorar sua performance caótica como negociador, Holden passa notar uma falha no sistema. A categorização do FBI era muito ultrapassada e não encaixava figuras diabólicas divergentes. Até então, não havia o termo assassino em série, e era justamente desses psicopatas que Holden estava interessado em categorizar.
Contrariando ordens internas do FBI, ele se arrisca a entrevistar Ed Kemper, um dos psicopatas mais letais capturados até então – o seriado se passa em 1977. A partir de uma breve entrevista, Ford consegue compreender um pouco da mente criminosa psicótica e suas origens traumáticas. Depois de muito esforço, consegue fundar um setor inédito no FBI para entrevistar mais psicopatas a fim de formalizar perfis para prever crimes.
O fato é que Mindhunter é baseado em fatos reais. Realmente nos 1970, houveram pioneiros que ousaram entrevistar os humanos mais desprezíveis dos EUA para compreender a mente criminosa de um psicopata. Eram John Douglas e Robert Kessler. Inspirado no livro escrito por Douglas, o seriado visa trazer uma mistura perfeita de ficção e realidade em sua adaptação.
Pode-se dizer que o roteiro é eficiente nessa proposta, mas toda a parte “formal” da coisa é facilmente superada quando os trechos “reais” entram com tudo na narrativa. Isso é algo que comento recorrentemente quando o fato histórico tem uma força tão avassaladora que é difícil distinguir o que é mérito da criatividade da adaptação ou apenas a excelência dramática.
Por conta disso, é relativamente fácil apontar os maiores méritos e defeitos da adaptação do showrunner e roteirista Joe Penhall. Em uma metalinguagem possivelmente acidental, temos o constante debate da teoria e a prática. Apesar de ser um escritor bastante calejado, nota-se que Penhall ainda se sente preso a um formalismo clássico de roteiros convencionais: a introdução do arco dramático dos protagonistas.
No seriado, acompanhamos Holden, Bill e Wendy, uma acadêmica que estuda traumas psicológicos que ajuda a dupla de agentes a traçar um questionário padrão para ser aplicado em diferentes psicopatas.
Com extrema competência no guião do episódio piloto, David Fincher traça um retrato do cotidiano loser de Holden. Sua apresentação ao espectador, já envolve um dos maiores fracassos profissionais de sua novata carreira. E conforme descobrimos que o imaturo agente é um dos responsáveis a lecionar negociação de reféns para novos alunos da Academia do FBI, as coisas ficam ainda mais turvas para nós. Entretanto, pela competência do ator Jonathan Groff, o personagem conquista nossa empatia por reconhecer seu fracasso profissional.
No piloto, diversos arcos importantes são estabelecidos, assim como o retrato de nosso protagonista: um rapaz verde que desconhece seu potencial, ingênuo e dócil. É definido então a aurora de seu novo relacionamento amoroso com Debbie, uma universitária hippie completamente oposta ao protagonista, mas que indica caminhos para que Holden mude seu modo quadrado de ver as coisas.
Isso gera o efeito dominó que apresenta os outros coadjuvantes principais: Bill e Wendy. Bill tem o conflito mais pertinente da série: a alienação constante que sua escola móvel provoca em relação a sua família e ao filhinho adotado. O personagem é constante afetado por isso, bastante melancólico e sem a vivacidade de Holden, o contraste clássico da dupla de detetives (o velho e o novo, o descrente vs o crente na Justiça, etc).
Com Wendy, as coisas são mais interessantes, envolvendo uma revelação imprevisível na esfera de seus relacionamentos pessoais. Há uma singela busca da mulher por afeto e companhia, mas que é ao mesmo tempo impossibilitada pela natureza tóxica de seu trabalho.
Esse arco é comum a todos os personagens, apesar da jornada deles serem completamente distintas e constantemente interrompidas para apresentar os “casos da semana” nos quais novos criminosos surgem para movimentar a trama. O amargo sabor de se misturar o pior da nossa espécie, acaba intoxicando todos os que vivem no projeto, induzindo a desavenças, sabotagens e isolamento. É o ponto original melhor trabalhado do roteiro, mas há muito mais do que isso.
Na Companhia do Medo
Holden é um protagonista funcional. Em sua apresentação de início de crise existencial, ele acaba justamente se encontrando quando senta frente-a-frente e conversa com um notório psicopata: Edmund Kemper, o Co-Ed Killer, o necrófilo “decapitador” responsável pela morte de 10 pessoas, dentre elas seus avós e mãe.
Interpretado por um muitíssimo carismático Cameron Britton (digno de prêmios), somos introduzidos a um mundo completamente avesso que testa ao máximo o talento da escrita Joe Penhall. Com diálogos magnéticos e performances fantásticas, enxergamos o potencial único de Mindhunter: as entrevistas com os psicopatas.
Apesar da força inicial das conversas com Kemper, os outros três entrevistados: Monte Rissel, Jerry Brudos e Richard Speck, garantem variações de perfis e histórias tão perturbadoras quanto, mas sem 1/3 do carisma de Kemper. E isso tem um propósito narrativo exemplar. Penhall nos seduz com essas histórias grotescas do mesmo modo que Holden acaba seduzido e atraído pela escuridão.
E é justamente nisso que temos a grandiosa sacada de David Fincher para abrir e fechar seu trabalho com o personagem. Para isso, é preciso analisar a imagem. Na apresentação de Holden, ele negocia com um criminoso a uma distância considerável e segura. Fincher quer que reparemos nisso, pois o enquadramento afastado é persistente a ponto de nunca vermos o rosto do criminoso. Na penúltima cena do seriado, com Holden indo visitar Kemper no hospital após sua vida profissional e pessoal ter se tornado um caos ético por conta das mudanças em sua psique, temos então a culminação de tudo isso.
Se antes o ingênuo Holden evitava contato direto com a imundície do crime – lembrem-se de como ele lava ferozmente a camiseta manchada de sangue, o novo Holden é tão fascinado pela mesma que acaba “abraçada” por ela. A beleza da catarse é essa: ao compreender que estava se tornando tão psicótico quanto os objetos de seu estudo, o personagem sofre um colapso nervoso acreditando que iria morrer, torna-se o paranoico perfeito. É um final muitíssimo pessimista, é um final com a cara de David Fincher, é um final de temporada perfeito.
Mas obviamente há alguns deslizes quando o seriado desvia para os arcos originais. David Fincher dirige apenas quatro episódios (1, 2, 9 e 10). Depois é substituído por Asif Kapadia que mantém um nível de excelência bastante parecido nos episódios 3 e 4. Porém as coisas mudam no miolo durante os episódios restantes conduzidos por Andrew Douglas e Tobias Lindholm.
Originalidade Complementar
Quando enfim os primeiros casos de criminosos para serem capturados surgem, sentimos o texto começar a se debilitar. Há sim momentos excelentes com diálogos que aplicam os conhecimentos adquiridos através dos psicopatas presos, mas também tudo fica bastante previsível. Apesar de Holden falhar e ousar demais, a verdade é que o roteiro é tão eficiente em sua didática que o espectador também se torna bastante entendido do assunto a ponto de matar as charadas muito antes de suas conclusões.
As pistas que o texto oferece, apesar de não serem muito óbvias, são muito bem captadas por olhos mais atentos. Como Joe Penhall nunca subverte as nossas expectativas, a série acaba entrando em um caminho entediante. Fora isso, os personagens param de evoluir, ficam estagnados e alguns conflitos clichês irrelevantes surgem. Novos colaboradores para o departamento de Holden aparecem e não funcionam em tela, Wendy deixa de ser fascinante para virar irritante, a conclusão dos arcos pessoais de Bill nunca culminam em nada e ele deixa de ser ativo na história e o namoro interminável de Holden com Debbie passa a ser enfadonho, pois não oferece nada de novo – excetuando uma brilhante cena envolvendo sapatos femininos.
Há também um caso criminoso que se estende demais envolvendo o assassinato de Beverly Jean com outro punhado de personagens enfadonhos e maçantes, além da estagnação do desenvolvimento de Holden que só retorna no episódio 8 com a culminação negativa de um caso envolvendo suspeitas de pedofilia. Apesar de ser um arco brilhantemente costurado e que dialoga com os estágios que motivam atos psicóticos, todo o caminho construído é pouco inspirado e demasiadamente extenso, além da escolha de inserir o novo ajudante puritano como parceiro de Holden.
É como se Mindhunter ficasse à deriva em um imenso oceano com poucos lampejos graciosos. Com uma maré medíocre, o espectador sabe reconhecer quando algo fenomenal surge em tela como é o caso das entrevistas com outro psicopata real: Jerry Brudos. O contraste entre Brudos com Kemper é tremendo a ponto de até mesmo teme-lo. Outra excelente performance, dessa vez de Happy Anderson, surge e nos salva de uma jornada enfadonha.
Essa cadência bizarra de ritmo e viradas previsíveis certamente são o ponto principal que o showrunner precisa trabalhar na 2ª temporada, pois praticamente ofusca o grandioso trabalho de seu roteiro. Como disse, enquanto ele aborda a teoria da construção do estudo, é perfeito, mas quando joga a prática como parte original do roteiro do seriado, as coisas perdem potência e não funcionam como devem. É como dizem, jogo é jogo. E por enquanto Penhall precisa treinar mais esses segmentos.
Iluminando a Escuridão
Todos nós sabemos que continuar um trabalho iniciado por David Fincher é um tremendo desafio. E Mindhunter comprova que, de fato, é.
Fincher conduz a trama com uma energia contrastante à imagem concebida por sua visão. Certamente que o seriado é um belo festim para os olhos, com as luzes naturalistas, suaves, sombrias e pouco contrastadas do modo que Fincher passou a requisitar para seu cinematógrafo Jeff Cronenweth – aqui, outros cinematógrafos replicam o estilo visual ao longo de todo o seriado.
Caprichando meticulosamente na composição de seus enquadramentos, fica claro que Fincher usa uma abordagem um pouco mais rara em sua assinatura autoral. Sendo um diretor completo, capaz de encenar muitíssimo bem, dominar efeitos visuais, uso do som e da música, do poder da montagem, entre tantas outras características pertinentes. No caso de Mindhunters, por conta dessa composição voraz e pouca movimentação de câmera, dá para perceber que existe uma limitação orçamentária nessa temporada.
É algo natural em diversas primeiras temporadas, mas certamente é bizarro ter um dos maiores diretores da História do Cinema à sua disposição sem poder encenar de modo mais completo. Fincher somente foge do padrão excessivo da linguagem clássica estática quando ornamenta uma ótima sequência em montagem mostrando as idas e vindas da escola móvel criminal de Holden e Bill. (Aliás, que ótima sacada narrativa de colocar os protagonistas com acesso a diversos estados e penitenciárias dos EUA).
O diretor também sabe compensar em aplicar seu DNA na estética sonora da série, em particular das músicas licenciadas. Sim, prepare-se, pois Mindhunter tem uma das melhores seleções musicais do ano. Ao contrário dos outros diretores, Fincher também é o único a exacerbar uma verve cômica ferrenhamente ácida e eficiente. É impossível não rir muito com a eficiência do timing visual e de entrega durante as entrevistas com Kemper no episódio 2 ou ficar realmente entusiasmado quando o diretor encerra esse episódio (também o melhor da temporada) com a fundação da seção inédita do FBI ao som de Psycho Killer de Talking Heads.
O design de produção aqui também é digno de menção. A década de 1970 é recriada com afinco certeiro, além do destaque excepcional nas diferentes salas das prisões nas quais são conduzidas as entrevistas. Na esfera dos personagens, também é curioso notar que somente o apartamento de Debbie possui uma forte identidade visual, inspirada claramente pela cultura hippie. Os outros personagens, todos do núcleo do FBI, recebem aposentos estéreis, sem personalidade alguma, são estranhos em suas próprias residências. O sentimento de alienação perdura em todos os cantos, são prisioneiros do ofício.
Aviso que a ênfase da análise no Fincher não é por menos. A série segue a concepção do diretor até sua conclusão, tanto visual quanto sonoramente. Aliás, é muito gratificante vê-lo resgatando boas sacadas que teve em Se7en e Zodíaco, duas obras-primas de filmes policiais dos últimos trinta anos. Em particular, Mindhunter conversa bastante com Se7ven pelo fato de nunca vermos nem uma única vez a realização do ato de matar, somente o posteriori a isso.
O desdobrar dos passos investigativos claramente é mais burocrático assim como em Zodíaco. Aliás é importante mencionar como Fincher também se apropria de uma linguagem artística de videogame. Qualquer um que tenha jogado L.A. Noire, reconhecerá de cara o estilo das introduções misteriosas de quase todos os episódios acompanhando um misterioso cidadão e suas andanças em Park City, Kansas.
O fato é que esse cidadão não é apenas um homem ordinário. Trata-se do BTK Killer, Dennis Rader, um dos psicopatas que mais conseguiu driblar as forças da lei. Na altura do tempo diegético do seriado, Rader já tinha matado 4 pessoas. É bem possível que vejamos muita coisa perturbadora através dessas introduções que conversam tanto quando o game mencionado como nas interrupções do criminoso em O Silêncio dos Inocentes.
Sob a Luz
Eu aplauso de pé Mindhunter. Há anos que eu não assistia a uma série policial tão promissora, cheia de identidade, estética irreparável e magnética quanto esta. Qualquer fã do gênero ficará extremamente fascinado pela sedução diabólica das entrevistas com os psicopatas e também por alguns casos de investigação e captura de criminosos que Joe Penhall se esforça tanto em construir.
Mindhunter é um pacote completo. Ou melhor, incompleto. Ainda estamos na primeira temporada. E ainda há um punhado de insanos doentes psicóticos que iremos conhecer nas próximas. Ted Bundy, Charles Mason, John Wayne Gacy, Lynette Fromme, Arthur Bremer, Sara Jane Moore, Donald Harvey e muitos outros estão somente à espera de sua entrevista definidora.
É mais do que hora de tirar os monstros da escuridão e despir todas as camadas de sua insanidade para aprendermos a preparar as armadilhas perfeitas. Dessa vez, sob a luz.
Mindhunter (Idem, EUA – 2017)
Showrunner: Joe Penhall
Diretores: David Fincher, Asif Kapadia, Andrew Douglas, Tobias Lindholm
Roteiro: Joe Penhall, John Douglas, Mark Olshaker
Elenco: Jonathan Groff, Holt McCallany, Hannah Gross, Anna Torv, Cotter Smith, Cameron Britton, Happy Anderson, Sam Strike
Gênero: Policial, Crime, Drama
Duração: 60 min/episódio
https://www.youtube.com/watch?v=7gZCfRD_zWE
Review | Terra-Média: Sombras da Guerra
Todo ano de transição de geração de consoles é bastante sofrível. Na história recente, 2014 foi o escolhido para ser lembrado como um ano bastante morno para os games. Ao contrário de 2017, o primeiro ápice de safra de muita qualidade para os “novos” consoles, 2014 amargou com títulos cross-gen que deixavam bastante a desejar. Porém, entre tanta mediocridade, surgiu uma enorme surpresa: Terra-Média: Sombras de Mordor.
Pegando emprestado as muitas mecânicas da trilogia Batman Arkham, a Monolith criou uma nova saga para os sofridos jogos de Senhor dos Anéis durante anos. Logo, os fãs que clamavam um jogo de verdade, realmente caprichado e com uma história original e boa, logo ficaram satisfeitos com a jornada de Talion e Celebrimbor.
Com uma recepção crítica muito favorável e uma boa quantia de vendas, era questão de tempo para que víssemos a sequência do game chegar nas lojas. E aqui estamos nós com Terra-Média: Sombras da Guerra, um jogo que oferece uma das experiências mais completas dessa geração até agora.
A Iminência da Guerra
Ao contrário de Sombras de Mordor, há uma ênfase ferrenha na história de Sombras da Guerra. Com o final do primeiro jogo, nos despedimos de Talion e Celebrimbor jurando vingança contra Sauron para liberar Mordor de seu domínio. Para isso, o elfo decide forjar um novo Anel de Poder, dessa vez totalmente imaculado, puro da maldade e tentação. Usando sua própria alma para dar vida ao anel, Celebrimbor cria sua obra-prima, mas logo a dupla perde a posse do anel ao serem capturados pela Laracna, a aranha mais antiga e poderosa da Terra-Média.
Cedendo suas visões para Talion, o herói descobre um terrível destino para a última resistência de Gondor contra Sauron, Minas Ithil, e parte para evitar a queda da cidade. Mas o destino guarda mais surpresas para ele do que o esperado. E a maioria dessas surpresas, trazem desafios que tentam destruir o pouco da alma que restou de Talion.
Sombras da Guerra é ousado. Quem joga o primeiro ato do game, nem desconfia que a história simples logo se torna um prequel que merece ser canônico de tão surpreendente que é, além de encaixar com perfeição na cronologia principal da saga.
De fato, as missões que rondam o núcleo gondoriano do jogo, apesar de não serem ruins, são muito fracas, além do primeiro ato não permitir que o jogador explore a fundo o sistema Nemesis ainda mais aperfeiçoado – a habilidade de converter orcs e fazer seu exército só surge no segundo ato do jogo que também é sua maior parte. Sem grandes revelações e uma culminação bastante previsível, essa primeira parte ajuda a mostrar as verdadeiras ambições de Celebrimbor que passa a ser mais um espírito desagradável totalitário do que um libertador de Mordor.
Um dos grandes destaques do game certamente está concentrado na relação simbiótica de Talion com Celebrimbor e a influência do anel nisso tudo. Laracna, apesar de não decepcionar, tem uma função narrativa bastante batida e clichê oferecendo as visões que guiam as missões de Talion para evitar o futuro previsto. Ela tem uma grande importância na trama, mas nunca é desenvolvida como se deve.
No segundo ato, a narrativa expande e passa a melhorar. Temos as missões de Eltariel, uma elfa enviada por Galadriel para ajudar Talion na libertação de Mordor, as missões de Carnán, um espírito da floresta que tenta lutar contra a devastação dos orcs contra a natureza, e, por fim, as missões do olog Brûz, o primeiro capitão de seu exército.
Claramente, cada um desses conjuntos de missões, possuem propostas e temas diferentes. Carnán é uma das personagens mais interessantes que Talion encontra, além das missões focadas em necromantes e balrogs serem as melhores do jogo – e também as mais difíceis, fora a narrativa ser muito mais filosófica e densa do que o esperado. Com Brûz, o humor orc surge e também boas reviravoltas, além de contar com missões realmente diversas e bastante interessantes que o jogador se sente compelido a completar.
Já com Eltariel, as coisas são mais distintas. Apesar do grande foco na caçada dos nazgûl, as missões tendem a ser repetitivas – seja as de interromper rituais ou expurgar espíritos. Porém, existem lampejos de brilhantismo dos diretores em mostrar para o jogador um pouco do passado sombrio dos cavaleiros das sombras de Sauron – já o Lorde das Trevas continua superficial e monocórdico como de costume.
Lapidando o Nêmese
A menina dos olhos de Sombras de Mordor realmente era a inclusão do sistema pioneiro de I.A. chamado Nemesis, o qual prometia diversidade contra os inimigos principais gerados randomicamente, possuindo fraquezas e forças próprias, além de um senso de comunidade que sempre estava prosseguindo mesmo que o jogador não cumprisse missões secundárias para esse fim.
Se isso já era ótimo no game anterior, agora está perfeito em Sombras da Guerra. Tudo é expandido ao máximo para levar a mecânica até seus limites. O jogo é divido entre cinco regiões abertas para explorarmos (mesmo que não sejam enormes, possuem grande variedade de ambientação para nos manter interessados). Em cada uma delas, será necessário fazer exércitos únicos para, por fim, dominar os fortes.
A escalada para tal, porém, não acontece por meio de griding, aquela repetição infernal que muitos RPGs apostam. Tudo pode ser misturado com as missões principais nas quais o jogador pode aproveitar as oportunidades para converter novos capitães para constituir seu exército. Quando achar que está grande o suficiente, é hora de conhecer uma das pérolas do jogo: tomar os fortes.
Misturando a mecânica do game com a de outros jogos de Senhor dos Anéis como Lord of the Rings: Conquest, nos aventuramos a tomar os fortes dominados por mais orcs do que você consegue contar. A sensação de uma grande batalha perpetuada pelos filmes de Peter Jackson é real e nos sentimos bem no meio de uma enorme guerra violenta de fantasia medieval. É algo mágico que vicia o jogador. E a Warner bem sabe disso, pois o modo on-line aposta nessas batalhas e construção de legião de orcs fortíssimos. E é nisso que entramos na maior polêmica do jogo que muitos acabam o boicotando injustamente.
Em uma decisão muito infeliz, a Warner decidiu colocar um sistema de micro-transições muito similar a de jogos mobile. Apesar de existir essa enorme mancha na reputação do jogo, ela não é invasiva de modo algum e tampouco necessária. Na verdade, torna o game ainda mais fácil – ele é consideravelmente mais fácil que o anterior. É possível completar o jogo sem gastar um tostão a mais comprando os pacotes de ouro, porém, é notável que durante o quarto ato do jogo, exista uma dificuldade maior para conquistar fortes, além de um abuso na necessidade da compra de artefatos via meridian, a moeda virtual obtida ao longo das campanhas.
Enfim, considere esse sistema de mercado apenas um atalho para conseguir sets melhores e guerreiros mais fortes que vão te auxiliar nessas missões de conquista. De resto, com paciência, é possível obter as mesmas coisas já que Sombras da Guerra é um game focado em te manter nele pelo máximo de tempo possível. Só para bater a campanha principal, vai levar mais de 25 horas e, nelas, encontrará peças de combate bastante preciosas e interessantes.
Com esse sistema de fortes adicionado a mecânica principal, o jogador se sente mais impelido a cumprir as missões paralelas para emboscar e dominar novos capitães sem sentir aquele cansaço latente adquirido pela repetição menos inspirada da edição anterior. Porém, repito, no quarto ato, a fórmula começa a desgastar por perceber o crescente nível de dificuldade absurdo.
As missões paralelas também são mais interessantes, além dos colecionáveis também trazerem trechos da história antiga de Mordor. Fora isso, há ótimos trechos de narrativa focando nas batalhas antigas de Celebrimbor e nas memórias de Laracna. É tudo realmente muito completo e interessante.
A profundidade da mecânica não para somente na construção do exército e na caçada incessante por loot significativo. Na verdade, a progressão de níveis do game é sempre justa oferecendo 1 ponto de habilidade para ser gasto na massiva árvore de habilidades do jogo, afinal, com um Anel de Poder, era mais que obrigatório sermos mais poderosos. São muitas habilidades e sub-habilidades espalhadas em um sistema inteligente. Cada uma delas faz diferença no resultado final da jogatina e logo o jogador se acostuma a usá-las cada vez mais.
Muitas delas acabam deixando o ritmo da jogatina ainda mais intenso. De fato, Sombras da Guerra é um jogo rápido, tanto na movimentação quanto no combate ainda mais viciante. Com a coordenação certa e as habilidades escolhidas a dedo, é possível derrubar mais de cinquenta combatentes sem muito esforço. Te garanto que fazer uma carnificina brutal em um acampamento orc é uma das experiências mais satisfatórias do game.
Perto do fim do jogo, você está poderosíssimo, podendo sumonar feras incluindo os poderosos dracos que também são montáveis! É sensacional voar nas costas desses dragões queimando tudo o que há pelo caminho, além de serem os meios de transporte mais rápidos do jogo. Mesmo assim, pode acreditar que a curva de dificuldade dele também acompanhará sua progressão de poder até o fim. Mesmo que seja mais fácil, também é rápido ser morto por inimigos se ficar confiante demais.
Um universo coeso
Se houve mais um game dessa franquia, já podemos dizer que temos perfeitamente nove boas histórias de Senhor dos Anéis no meio audiovisual. O que torna a proposta dessa empreitada da Monolith e da Warner mais interessante que de games anteriores, é justamente o nível de comprometimento artístico visual e sonoro para manter um universo realmente único e muito rico que Peter Jackson inaugurou em 2001.
Basicamente, estamos imersos em cenários que os filmes não tiveram tempo para se aventurar. Mesmo que muita coisa seja inédita, obviamente há uma fidelidade arquitetônica e temática com o design de produção visto tanto em O Senhor dos Anéis como em O Hobbit, seja nos figurinos, na topografia das regiões, das criaturas, dos orcs, das armas e dos edifícios que escalamos vez ou outra. O refinamento estético permite que fãs inveterados da franquia não se sentem estranhos no ninho, mas o contrário, fazendo realmente parte da história dessa mitologia.
O melhor exemplo que posso dar é de Minas Ithil, uma cidade tão albina e similar com a sua irmã gondoriana vista nos filmes, Minas Tirith. Como estamos restritos a Mordor, ainda não descobrimos quais maravilhas que o time da Monolith pode fazer com outras regiões tão significativas quanto como as dominadas por elfos, anões e hobbits.
Se o visual é apurado, o mesmo se pode dizer do som. A trilha musical mimetiza e cria novas melodias que parecem ter sido escritas pelo próprio Howard Shore, compositor das peças musicais dos filmes. Os efeitos sonoros seguem a mesma linha, com dublagem de alta qualidade e sons objetivos e eficientes – o som das decapitações por espadas continua espetacular.
Mas nem tudo é perfeito. A ambiência deixa bastante a desejar. Apesar de ser raro o momento que o jogador parar para admirar o jogo, rapidamente sentirá falta de efeitos que tornam esse mundo um pouco mais vivo. Como estamos sempre na correria espectral de Celebrimbor, é bem capaz disso passar despercebido.
Também não é sentida uma melhora significativa na qualidade gráfica entre os dois jogos já separados por três anos de hiato. Óbvio que é um game bonito, mas diversas texturas carecem de maior cuidado e definição. Logo, é melhor apreciar o visual do game sempre à distância para deixar essas pequenas imperfeições menos nítidas aos olhos, porém é evidente que o fator gráfico podia ser mais caprichado, assim como as animações faciais dos personagens.
Isso vale tanto para os humanos quanto para os orcs, apesar de haver muito mais cuidado com estes últimos. Aliás, aproveito para dizer que existem monólogos de capitães que são simplesmente longos demais, tirando a urgência desses combates – isso quando eles não bugam e não falam nada, apesar da longa animação continuar prendendo o gameplay.
No fim, o ciclo permanece
Afirmo categoricamente e sem nenhum medo: Sombras da Guerra é o melhor jogo inspirado em O Senhor dos Anéis já lançado até agora. Com uma história excelente e bastante corajosa, gameplay fluído e viciante e aperfeiçoamento técnico da mecânica a níveis estratosféricos, tornam a experiência de jogar o game em algo bastante único e distinto do que há no mercado de RPGs hoje.
Pelos poderes sobrenaturais do Anel de Poder e do ritmo rápido, a mecânica de exploração e combate afastam Sombras do fantasma da franquia Arkham, dando muitos méritos para o time de desenvolvimento do jogo que finalmente cria sua própria identidade.
É um game imprescindível para todo fã de Senhor dos Anéis e dos amantes de bons RPGs. Nesse fim de ano disputado com grandes títulos chegando no mercado, é consideravelmente fácil colocar esse game no topo da lista de recomendações por conta da quantidade absurda de conteúdo que o jogador terá ao longo de vários dias.
Além de tantas certezas que encontramos aqui, é fácil definir mais uma: nesse baú de J.R.R. Tolkien, há muito mais conteúdo criativo para gerar obras tão memoráveis quanto essa. Que venha o próximo!
https://www.youtube.com/watch?v=oQ7aLU6rHLk
Crítica | Stranger Things - 2ª Temporada - Coisas cada vez menos Estranhas
Spoilers moderados
Apesar de prender sua audiência com alguns carros-chefes como House of Cards, a necessidade de um fenômeno pop de maior abrangência era tremenda para a Netflix realmente cravar seu conteúdo original no imaginário popular. E assim foi feito em 2016, com o alvorecer de Stranger Things, uma aventura genérica que visava misturar diversos conceitos icônicos dos filmes dos anos 1980 das aventuras juvenis darks que marcaram gerações.
Em questão de pouco dias, o seriado explodiu em popularidade. Não só pela divertida história e química fascinante entre o elenco mirim e adulto, mas pela qualidade de seus personagens e seu grande carisma – basta ver o quanto Eleven se tornou uma queridinha do Halloween norte-americano em 2016. Mas também a tempestade perfeita estava formada. Na ressaca de Game of Thrones e em meio a uma temporada péssima de blockbusters de verão, Stranger Things foi a salvação das férias de julho de muita gente – principalmente pelo mar de referências que alimentaram diversos joguinhos e listas na internet.
Com um ano de cancelamentos precisos e novas apostas que renderam bons resultados como Big Mouth e Mindhunter, a segunda temporada de Stranger Things vem para coroar um grande segundo semestre de eficiência criativa da Netflix. Obedecendo as regras básicas de toda sequência de um sucesso original, a segunda temporada do seriado traz o necessário: é maior, mais barulhenta, mais rica, mas não necessariamente melhor, apesar de manter uma consistência satisfatória em sua maior parte.
Jornada em Dose Dupla
A 2ª Temporada é focada no grande X da primeira: Will. Com o retorno do menino para o mundo normal, é esperado um pouco de paz para sua própria vida, porém o pesadelo sem fim não desiste de perseguir o garoto que parece transitar entre os dois mundos sem ter o menor controle mesmo depois de um ano dos traumáticos acontecimentos envolvendo seu sumiço. Preocupados com a saúde psicológica de Will, família e amigos tratam o garoto como o ser humano mais frágil do mundo, como alguém anormal que não sabe cuidar de si próprio.
Isso, obviamente, deixa o menino ainda mais instável tornando as crises nas quais perambula no mundo invertido ainda mais frequentes. Trazendo cada vez mais do mundo invertido para o mundo real, Will causa um novo caos na pacata Hawkins enquanto seus amigos e família partem em aventuras que ligam as mudanças paranormais na cidade com a crescente atividade do mundo invertido. Enquanto isso, Eleven parte para uma jornada de autodescobrimento sobre sua própria história.
É nítido que os irmãos Duffer escutaram tanto a crítica quanto o público com a repercussão de opiniões da 1ª temporada. Tanto que se dispõem a “consertar” erros do passado nessa nova iteração – mesmo que isso mais prejudique o ritmo do seriado e crie subtramas desnecessárias.
O segundo ano traz consigo mudanças profundas na estrutura do roteiro dos episódios. Antes, claramente concentrados em um núcleo protagonista muito enfatizado por Mike e Eleven, agora é disperso em diversos núcleos (com predileção para duplas) que tornam a história mais lenta e abrangente. A aventura é desenhada como tantas outras narrativas de grupo de sucesso: o grupo parte consideravelmente unido e se desfaz em diversos outras jornadas que levam para o mesmo derradeiro destino.
Logo, nada mais conveniente que partir da mesma estrutura para a análise. É um tanto decepcionante sentir que os Duffer, apesar de terem criado grandes personagens, terem receio de utilizá-los de modo mais criativo. Em grande maioria, todos eles permanecem presos a um status psicológico em toda a jornada – para se ter ideia, os poucos que realmente “mudam” são Nancy e Jonathan em uma subtrama envolvendo a busca pela justiça (?) da morte de Barb na primeira temporada.
Mike, outrora protagonista, passa a temporada inteira à sombra de Will que, novamente, continua uma incógnita já que não demora nada até os Duffer colocarem o personagem em modo ocioso em diversas de suas cenas – quando está acordado, Will é um mero catalisador para a compreensão dos novos eventos sobrenaturais em Hawkins. Como há um flerte enorme com O Exorcista neste núcleo, não é possível conhecê-lo de fato. Ao menos, o pequeno Noah Schnapp dá o melhor rendimento de atuação no elenco mirim por conta das grandes provações de sofrimento pérfido que Will sofre ao longo da temporada.
O favorito dos fãs, Dustin, embarca em uma aventura de mimese a la Gremlins que, além de ser completamente irrelevante, tem função esdrúxula em uma cena-chave do episódio final trazendo à tona o quão inútil é toda a jornada que envolve o personagem durante a temporada – sim, acredite, os pontos de virada não permitem que Gustin abandone sua quest, uma desventura de erros.
Lucas, outrora o personagem mais apagado da série, agora recebe um interesse romântico que é nutrido ao longo de toda a narrativa. Esse interesse romântico nada mais é que a nova integrante da turma, Max, uma garota recém-mudada a Hawkins que sofre com os abusos de tortura psicológica de seu meio-irmão rebelde e delinquente chamado Billy.
De início, os Duffer visam mimetizar o encanto inicial da ingenuidade dos garotos em contato com uma garota depois de um longo tempo desde a ausência de Eleven. Max é uma personagem bastante distinta da garota paranormal e consegue conquistar pelo carisma de um arquétipo consolidado: a durona de coração mole com problemas de confiança. Porém, passado os três primeiros episódios – e também os conflitos superficiais de Mike não a aceitar na turma, a doce narrativa dá lugar as revelações obrigatórias para encaixá-la na narrativa sobrenatural.
Aliás, é particularmente engraçado que, quando a menina descobre a verdade sobre os acontecimentos do ano anterior, os Duffer aproveitam para alfinetar os críticos que dizem que a narrativa não é nada original. Bom, é melhor repetir a piada na terceira temporada também, pois os Duffer são uma mala do gato Félix para lançar clichês diversos em seu roteiro.
Obviamente, muitos são funcionais e dão prosseguimento a uma história frágil enquanto tentam expandir a mitologia desse universo. Até mesmo a pífia e muito estúpida ideia do pet sobrenatural de Dustin consegue render bons momentos quando Steve surge em cena para ajudar o garoto a corrigir seus erros. Aliás, Steve tem caminhado a largos passos para se tornar o personagem mais interessante do seriado inteiro, com as transformações mais bem pontuadas adquirindo mais complexidade.
O Peso do Crescer
Particularmente, é correto e bem desenvolto, cheio de provocações e pequenos conflitos, do romance de Lucas com Max. Aliás, é por conta dessa subtrama que acabamos conhecendo o ótimo núcleo familiar do garoto que se distingue pelo bom humor. Interessante notar que há sim uma ênfase no tema amadurecimento nessa temporada. Claro, não é nada que se aproxime do excepcional trabalho visto em It: A Coisa neste ano, mas é satisfatório.
Mike, Will, Lucas, Eleven, Jonathan, Nancy, Joyce e Jim passam, de alguma forma, por momentos que forçam algum amadurecimento que contribui no amargor de crescer. Mike, por exemplo, vive com o luto da “morte” de Eleven e também é obrigado a se desfazer de seus brinquedos de infância. Will precisa arcar com responsabilidades que estão fora de qualquer controle. Lucas amadurece ao conquistar uma nova amiga. Eleven tem sua própria jornada durante a temporada somente para aprender a dar valor por sua verdadeira “família”. Jonathan e Nancy precisam lidar com um assunto mal resolvido do passado. Joyce tenta reestruturar sua vida pessoal, mas se torna uma obsessiva superprotetora, enquanto Jim precisa entender novamente a cumprir seu papel paterno no esconderijo de Eleven.
Gosto de que o foco do amadurecimento não fica restrito apenas nas crianças, o que seria algo muito confortável para os roteiristas, aliás. Já Dustin retrocede, ou fica apenas no ponto morto. Ele continua a servir como um bom alívio cômico, mas não cresce como personagem e logo se torna levemente desinteressante. Aliás, essa temporada é notavelmente mais sombria e menos ingênua que a anterior – mesmo que o terror ainda seja aguado por causa das seguranças previsíveis que os Duffer aprisionam a escrita.
Logo, é inevitável que a temporada sofra com muitas situações previsíveis que chegam até mesmo a prejudicar o desenlace final de alguns personagens. Próximo do final, os Duffer também não se preocupam em resolver certos buracos na escrita. Também é preciso apontar sim o quanto que eles se baseiam em clichês já desgastados para engordar a história e oferecer algo para os personagens fazerem.
Por exemplo, a narrativa que envolve Jonathan e Nancy com o novo e insosso personagem Murray, um loser que adora teorias de conspiração completamente focado em descobrir o que aconteceu na cidade no ano anterior, para divulgar ao mundo a culpa do governo sobre os eventos recém-superados. Ou, em outra escolha muito dúbia, para mostrar a fase “rebelde” de Eleven, jogá-la em um núcleo narrativo dominado por personagens punks irritantes.
Ou, também, sobre a biologia do novo monstro da temporada, o Devorador de Mentes, que se comporta exatamente com diversas outras criaturas alienígenas de clássicos da ficção científica – o visual genérico persiste. O mesmo acontece com a relação de Will com a criatura, que basicamente mimetiza um conceito muito popularizado em Harry Potter. Também nada colabora a motivação de Billy em ser um rebelde sem causa.
Explorando um pouco mais um ponto que levantei acima, é incômodo que os Duffer nivelem muito do seu trabalho na base da mediocridade. O maior exemplo disso é a relação de Eleven com Jim durante seu exílio. Nada particularmente foge do padrão e, depois, em sua jornada, o mesmo acontece. É tudo mastigado e previsível não deixando algum espaço para surpresas ao espectador – ainda mais porque vemos Eleven descobrir coisas que nós já sabemos há um bom tempo. Na verdade, isso pode ser aplicado em praticamente todas as subtramas da temporada, excetuando a de Will, Mike, Joyce e Jim. As coisas simplesmente seguem os trilhos da linha mais manjada possível. E como a audiência é basicamente da faixa etária dos 17 aos 35 anos, é bem possível que você já esteja bastante calejado com essas estruturas narrativas.
Agente das Sombras
Realmente, os Duffer caem no vício de restringir Will em outra função narrativa concentrada em seu sofrimento, mas é impossível negar a capacidade dessa história prender o interesse do espectador. E isso tem um bom motivo: é a característica mais próxima da originalidade que Stranger Things oferece.
Uma desventura com um pet assassino? Um romance acobertado por mágoas adolescentes? A jornada em busca de uma família quando a sua verdadeira felicidade está logo ali do lado? O despertar de um novo amor entre personalidade opostas? Um valentão ensandecido jurando ferir os protagonistas? Convencer uma nova amizade na mais absurda das histórias? Tudo isso já foi aplicado e testado de diversas formas em diferentes mídias. Não fosse o carisma dos personagens, dificilmente chamaria atenção do espectador.
Mas os infernos que Will passa realmente são interessantes por nos trazer novas informações do Mundo Invertido e das criaturas que lá habitam. Além disso, há uma boa dose de ternura na escrita desse núcleo apostando no carinho de Joyce com seu filho e também nos esforços de um novo personagem, Bob, em conquistar o garoto. Inclusive, há um jogo muito bem elaborado envolvendo um conselho dado na hora errada para Will que causa um sentimento de pesar pelo azar do pré-adolescente.
Depois, quando enfim já é montado um novo circo na casa de Joyce, a relação do menino com o monstro rende reviravoltas imprevisíveis no melhor episódio da temporada: The Spy – ironicamente, é sucedido pelo pior episódio do seriado inteiro que conclui a jornada inacreditavelmente chata de Eleven –, além de alterar a relação de todos os personagens com o menino e a sua verdadeira índole. Também, é importante ressaltar que os Duffer abordam de modo muito diferente a questão do papel do governo dentro da história, o que oferece um dinamismo distinto e mais interessante para o espectador.
E é evidente que os Duffer sabem onde está a joia no meio de tanto entulho. Não é por acaso que quase todos os cliffhangers dos episódios estejam concentrados no núcleo de Will. No sistema depressivo do binge watch, a Netflix apenas está interessada em te manter preso pelo maior tempo possível na frente da televisão – e, confesso, se não fosse pelo ofício e dever de escrever sobre o seriado, não teria concluído a temporada com essa voracidade.
Em suma, vendo a distância essa temporada, nota-se que temos fios narrativos bastante simples que não chegam perto de atingir o potencial que esses personagens têm. Mesmo que a primeira temporada fosse lenta e também passasse longe do brilhantismo, tínhamos um sentimento de descoberta bastante valioso com o contato inicial dos personagens com Eleven, além das revelações sobre o mistério envolvendo a personagem. Aqui, os Duffer perdem tempo com flashbacks mostrando a garota sobrevivendo no ermo do condado... Francamente, ideias melhores deviam ter surgido nas reuniões dos irmãos Duffer, principalmente as que investissem de fato no desenvolvimento nítido dos personagens. Nota: usem a Eleven de modo menos pedestre do que o feito nessa temporada inteira.
Aperfeiçoamento Estético
Apesar da narrativa de Stranger Things 2 passar longe de surpreender, é inegável que houve um belo aperfeiçoamento na qualidade estética audiovisual do seriado. Com um orçamento mais generoso, os Duffer e diretores convidados de talento como Shawn Levy (que também é produtor) e Andrew Stanton, abusaram do que mais queriam na 1ª temporada: espaço.
Enquanto a narrativa do ano anterior era muito mais intimista mostrando lentamente novas peças de um mistério sombrio, aqui temos uma aventura abrangente por Hawkins. Logo, há a necessidade de algo primordial: (muitas) cenas externas. Conhecemos a cidadezinha em detalhes cujo sentimento nostálgico permanece muito apurado. Sim, Stranger Things é mais do que nunca uma jornada prazerosa aos anos 1980.
Também com mais dinheiro, é possível mostrar os lares de Lucas e Dustin, completamente desconhecidos na temporada anterior, e notar como o design de produção é bem trabalhado para condicionar o estilo de cada personagem em seus quartos – isso vale, principalmente, para o quarto de Dustin.
Os cenários intrincados permanecem bem cuidados com novas adições como a do fliperama, de mais espaços da sede experimental do governo, dos longos túneis do mundo invertido e até mesmo da escola de Hawkins. O capricho com os efeitos visuais finalmente deu o ar de sua graça com um acabamento muito superior as criaturas apresentadas por esta temporada – o demogorgon original realmente era... razoável, para não usar adjetivo pior.
É difícil comentar sobre a direção do seriado. Obviamente, ela passa longe da incompetência, já que o maior mérito da temporada é justo a proeza técnica, mas pode-se dizer que ela é bastante comportada. Obcecada pelo correto e em construir imagens equilibradas. Os diálogos, na maioria do tempo, são simples, com decupagem novelesca com singular falta de variedade e inspiração entre os planos.
Porém, tudo isso é meticulosamente calculado com a inserção fluída de novas imagens, novos movimentos de câmera – ao melhor estilo Chapman crane popularizado por Steven Spielberg nos anos 1980 (movimentos espetacularmente estáveis que tornam a câmera uma presença invisível). Também é digno de nota, sempre, os esforços muito bem balanceados da cinematografia expressiva do seriado, apostando em misturas de cores e fontes de luz para deixar o visual o mais interessante possível dentro dos limites do possível. Apesar de não ser um espetáculo de saturação, as cores são devidamente contrastadas para passar a impressão de imagens vivas com eficiência – procure ver o seriado em um televisor capacitado com HDR para sentir a diferença.
A direção ganha destaque pelo grande uso da montagem, sempre preocupada em fazer bons match cuts entre cenas de diferentes núcleos, construções dos transes de Will, uso certeiro de flashbacks quando necessário como durante o diálogo de Will com Joyce sobre o Monstro das Sombras e, em momentos mais inspirados, uma boa inserção de um monólogo de tema equivalente em outra cena como quando Will se apavora diante da realidade de um confortável banho quente. Até mesmo há experimentações com jump cuts em determinados momentos.
No campo da encenação puramente visual, o mesmo acontece: bom comportamento e audácia durante picos narrativos. Isso envolve, claro, uma bela homenagem a James Cameron e uma das cenas mais memoráveis de Aliens a qual é replicada em um contexto inteligente durante o episódio 6. Ou, também, a Steven Spielberg, que ganha construções visuais muito similares às que fez em Contatos Imediatos de Terceiro Grau e Jurassic Park – essa, em especial, rende uma das melhores cenas da temporada. Ah, e claro, sem me esquecer do uso sempre correto da inversão de eixos horizontais para dar o efeito do “mundo invertido” nas situações mais propícias.
O raio que não cai duas vezes no mesmo lugar
É bastante claro que, para mim, o segundo ano de Stranger Things é marcado por irregularidades e um forte sentimento que os Duffer não pensaram com muita clareza sobre o que fazer com seus personagens durante uma aventura extensa, mas satisfatoriamente ritmada.
Tentando calcar o seriado em rumos mais originais, ainda há a perturbação dos clichês muito batidos que utilizam para criar soluções narrativas mais fáceis tanto para eles quanto para o espectador. Mas existem diversos bons momentos que tornam a aventura prazerosa de assistir e que, com certeza, deixará os fãs mais ávidos satisfeitos para acalmar os nervos até a próxima temporada que possui sim diversas possibilidades – apesar de uma delas ser completamente desinteressante e que torço muito para que o seriado não insista no ano que vem.
No fim, as melhores forças de Stranger Things continuam nos mesmos lugares: nos personagens principais, no elenco e no fator nostalgia (apesar de um pouco debilitado nessa edição). Os Duffer têm uma história boa nas mãos e ainda repleta de potencial – admiro muito o sucesso deles em misturar tantos conceitos narrativos em uma história só – mas é preciso que foquem no tema que dá nome ao seriado: o estranho.
Quanto menos investirem em mistérios novos que desafiem a vontade dos bons personagens e que, obrigatoriamente, os forcem a evoluir para superar os desafios sobrenaturais, Stranger Things se tornará um seriado cada vez menos estranho.
Stranger Things - 2ª Temporada
Criado por: Matt Duffer e Ross Duffer
Direção: Matt Duffer, Ross Duffer, Shawn Levy, Andrew Stanton, Rebecca Thomas
Roteiro: Matt Duffer, Ross Duffer, Justin Doble, Jessie Nickson-Lopez, Paul Dichter, Jessica Mecklenburg, Alison Tatlock, Kate Trefry
Elenco: Finn Wolfhard, David Harbour, Winona Ryder, Gaten Matarazzo, Caleb McLaughlin, Natalia Dyer, Millie Bobby Brown, Charlie Heaton, Cara Buono, Joe Keery, Noah Schnapp, Sadie Sink, Dacre Montgomery, Sean Astin, Paul Reiser, Matthew Modine.
Emissora: Netflix
Episódios: 9
Gênero: Aventura, Suspense, Ficção Científica
Duração: 55 min aprox
https://www.youtube.com/watch?v=R1ZXOOLMJ8s
Review | South Park: A Fenda que Abunda Força - Piada de Super Heróis em um Jogão de RPG
Estamos a apenas poucos dias para o lançamento de mais um filme de herói; Thor: Ragnarok (confira nossa crítica). O quinto filme de um total de seis filmes de super-heróis lançados em 2017. A quantidade de recursos e dinheiro indo para esse nicho cinematográfico é espantoso e, apesar de um fraco ano de bilheterias para Hollywood, até o momento todos estes filmes foram sucessos de público e de bilheteria. Portanto, mantendo o tom da série que aponta diversas críticas para diversos setores e comportamentos da sociedade, não é surpresa que South Park: A Fenda que Abunda Força, o jogo mais recente da Ubisoft em parceria com South Park Studios, tenha como seu tema principal justamente super-heróis e suas mega franquias de universos compartilhados.
Ao se afastar da temática medieval fantástica comum a games de RPG de The Stick of Truth, esta sequência mantém ainda alguns elementos do game anterior. Ainda estamos acompanhando as aventuras do New Kid (o Novo Garoto). Dessa vez, no entanto, o estamos criando como um super-herói, com a ajuda de Cartman e outros personagens famosos da série de televisão que já conta com mais de 280 episódios em um total de 21 temporadas.
Seja com detalhes em cena ou comentários de personagens famosos pela série de televisão, A Fenda que Abunda Força é um jogo hilário. Ao primeiro contato, é um pouco difícil enxergar a dinâmica da série, com suas animações em duas dimensões e humor escatológico, respeitando as estruturas convencionais de um jogo de RPG. Contudo, é nessa mistura de universos que o jogo encontra seu maior trunfo; um jogo leve, bem humorado e altamente divertido.
Uma Rica South Park
Com diversas missões secundárias que brincam com a fórmula de RPGs, vamos nos divertir com minigames pelas privadas da cidade, coleta de pôsteres para Craig, selfies com personagens andando pela rua e até mesmo acompanhar postagens de outros NPCs no Coonstagram, a paródia de Instagram para o jogo. Seja entrando em casas e espiando pelos quartos ou simplesmente caminhando pela cidade e entrando em lojas ou prédios que referenciam episódios da série, você encontrará ricos ambientes com itens, easter eggs e piadas. Sentindo-se como em um episódio de South Park que está livre para sua criação e exploração. O interior das casas dos personagens, no entanto, deixa um pouco a desejar. Como elas são exatamente todas no mesmo estilo de construção e estrutura, a impressão é que os ambientes tiveram apenas as cores mudadas de casa para casa. Mesmo que as construções das casas sejam semelhantes, poderiam existir outros ângulos dos corredores, cozinhas e sala de estar, dando um diferencial realmente distinto de casa para casa.
No campo da missão principal, tudo gira em torno da nova brincadeira das crianças: se tornar um super-herói. E nós, os jogadores, acompanhamos a imaginação deles ao darmos golpes que parodiam o especiais do jogo de luta Injustice (confira nossa crítica aqui) e outros do gênero. Se você é fã dos recentes filmes e games de super-heróis lançados recentemente, A Fenda que Abunda a Força é um prato cheio de referências. Veremos momentos referenciando Capitão América: Guerra Civil, Batman vs Superman: A Origem da Justiça e diversos outros filmes que ainda estão frescos no consciente popular.
Combates Estilo Final Fantasy
O sistema de combate sofreu alterações com relação ao primeiro. Ao invés de termos os jogadores divididos em cada lado do mapa, lançando golpes por turnos e emulando o clássico estilo popularizado pelos primeiros jogos da série Final Fantasy, agora os temos dispostos por um mapa quadriculado, que os permite se movimentar um certo número de casas para realizar a ação. Este modo é mais conhecido por ser um pouco mais tático e interativo e é muito bem-vindo ao estilo do jogo. O único problema é, devido às duas dimensões da animação, diversos golpes não podem ser executados em direção vertical, somente horizontal. Ou seja, se eu me mover para a esquerda e a direita, eu posso atacar os personagens à frente do meu boneco, no entanto, ao mover o boneco para cima e para baixo, o ataque continua disponível somente para as casas à minha esquerda ou direta. Essa limitação gera algumas frustrações durante o combate, pois o posicionamento é restrito pelos passos que podemos andar e perdemos a total liberdade para realizar ataques.
Jogabilidade
Outro grande acerto é manter um estilo de jogabilidade fácil e que não perca a atratividade. A melhor ideia foi a de usar o celular como o menu de interação do personagem. É ali que podemos acessar o já comentado Coonstagram e também o mapa da cidade, alterar nosso boneco fisicamente ou com equipamentos novos e outros detalhes. Um deles, o sistema de criação, se sobressai. Em games de RPG geralmente esse item acaba sendo muito complexo para jogadores casuais ou com uma curva de aprendizado muito íngreme. Em A Fenda que Abunda a Força, o sistema de crafting é intuitivo, interessante e divertido. Itens criados referenciam detalhes dos episódios com piadas e existe animações especiais para quando você usa alguns deles em batalha.
Vale um comentário também sobre o quanto o jogo garante entretenimento de qualidade. As missões sempre têm algo de novo para apresentar ao jogador, seja com novos combos, aliados poderosos ou animações irreverentes, a sensação é de algo constantemente inédito. Enquanto as horas se passam é difícil senti-las dentro de South Park.
Conclusão
Uma excelente mistura do humor irreverente da série homônima com elementos fantásticos de Final Fantasy. É dessa forma que South Park: A Fenda que Abunda Força consegue mais uma vez marcar uma entrada positiva da Ubisoft e South Park Studios no mundo dos games de RPG, trazendo coisas novas ao gênero que espero poder ver em outros games no futuro.
Confira nosso artigo com dicas para o jogo aqui!
A análise foi feita em PS4 a partir de uma cópia gentilmente cedida pela Ubisoft.
South Park: The Fractured but Whole
Desenvolvedora: Ubisoft
Plataforma: PS4, Xbox One, PC
Gênero: RPG
Crítica | Demolidor Amarelo - O Ano Um do Demolidor
Jeph Loeb e Tim Sale podemos dizer com certeza, é uma das melhores duplas das historias das Hqs. Suas histórias, maioria com cunho mais dramáticos e mais reflexivos são marcantes. A dupla começou a fazer fama trabalhando para a DC. Na editora, a dupla fez grandes trabalhos como por exemplo Batman - O Logo Dia das Bruxas e Superman, As 4 estações.
O sucesso dos dois atraiu os olhos da concorrente da DC, Marvel Comics. Na casa das ideias, a dupla fez sucesso com a famosa trilogia das cores, que contam com as historias Demolidor Amarelo, Homem Aranha Azul e Hulk Cinza. Nessas histórias, os dois voltavam no tempo, ao início da carreira desses personagens quando suas bases foram definidas pelo grande Stan Lee, só que dessa vez com um cunho mais emocional, e trazendo a visão dos heróis sobre os fatos ocorridos.
A primeira história da trilogia foi Demolidor Amarelo. Na trama, Matt Murdock decide escrever uma carta para sua amada Karen Page, assassinada uns 2 anos antes no arco Diabo da Guarda, primeira história do Vol 2 do demônio de Hells Kitchen, escrita por Kevin Smith. O conteúdo de carta é focado principalmente no que o levou a ser tornar o Demolidor, e os seus sentimentos ao conhecer Karen e como ela mudou sua vida.
Loeb nos faz viajar no tempo, voltamos aos anos 60, ao momento em que o personagem foi definido por Stan Lee. Primeiro vemos de novo a morte do pai de Matt, Jack ” Batalhador” Murdock, algo que seria díficil não relembrar, visto que esse foi o estopim para que o Demolidor nascesse. Alias, nessa história vemos como nasceu o primeiro uniforme do personagem, que ele usou nas primeiras 7 edições do seu vol 1. O uniforme amarelo foi costurado a partir do roupão que o pai de Matt lhe deu após a sua última luta, o que dá um certo tom lírico a escolha.
Depois disso, vemos o avanço de sua carreira como advogado ao lado de Foggy como advogados, inclusive, tendo o Quarteto Fantastico como seus primeiros clientes. A dupla percebe que o escritório necessita de uma secretária, e Foggy faz varias entrevistas, uma mais desastrosa que a outra. Então chega ao escritório a personagem que seria uma das mais marcantes da historia do Demolidor, Karen Page.
Além de ser uma personagem muito importante na mitologia do Demonio de Hells Kitchen, Karen é o grande centro da HQ. A idéia da carta foi o jeito que Matt arrumou de lidar com a dor da perda de sua amada. Para manter a lembrança de Page viva, Matt relembra de fatos importantes do inicio das suas duas identidades. O fato do próprio Murdock ser o narrador da história, acrescente em muito a trama e dá o tom sentimental, visto que agora podemos ver tudo sob a ótica de Matt, e como ele via os fatos que estavam acontecendo.
Loeb sabe muito bem coordenar a história, e não deixa que ela se perca em nenhum momento. Junto com a carga emocional, temos também muita ação, visto que estamos falando de um dos melhores lutadores de arte marcial do universo marvel. E também serve para deixar a coisa interessante para quem lê. Mas não da pra negar que é o drama que sustenta tudo. Demolidor Amarelo não é apenas uma homenagem a Karen Page. É a história de Matt tentando afastar a culpa que sentia pela morte do seu pai e pela morte de sua amada. Murdock, por meio dos flashbacks, tenta se perdoar pelos traumas em sua vida, e se manter forte a partir daquilo que sempre foi uma grande característica sua, que é o senso de justiça e a vontade de fazer o bem. Por isso foi escolhido a cor amarela para dar nome a história. Não apenas porque foi a cor do primeiro uniforme, mas porque representa o medo e a dor do personagem, em relação ao seu passado.
Os desenhos de Tim Sale são realmente impecáveis, e ajudam e muito na hora de reviver o passado. Sale conseguiu de uma maneira muito bem feita fazer uma arte que lembrava e muito o ínicio do personagem nos anos 60. O trabalho do colorista Matt Hollingsworth é também bastante competente. O uso de uma variada paleta de cores relembra muito bem a época mais inocente dos quadrinhos, onde heróis eram heróis, e vilões eram vilões.
Demolidor Amarelo é uma belíssima história, que mistura muito bem aventura e romance. É uma trama que deixa ainda mais evidente porque Matt Murdock é um dos heróis mais complexos e mais interessantes das histórias em quadrinhos.
NOME: Demolidor Amarelo
EDITORA:Marvel Comics
ESCRITOR: Jeph Loeb
DESENHO: Tim Sale
COLORISTA: Matt Hoollingsworth
Texto escrito por Raphael Aristides