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Crítica | The Evil Within 2 – Aperfeiçoando o mal

 

Quando Shinji Mikami – diretor de Resident Evil 1 e 4 e considerado um dos pais do gênero survival horror –  anunciou o jogo The Evil Within pela sua recém-formada desenvolvedora Tango Gameworks em parceria com a Bethesda, fãs do gênero enlouqueceram com a ideia de que o diretor colocaria o gênero de volta aos trilhos. Um gênero considerado por muitos perdido ao tentar alcançar um público maior ao implementar elementos de ação e sistemas de tiro em terceira pessoa. The Evil Within seria enfim a volta à velha forma do gênero.

Porém, The Evil Within não foi lá bem o que todo mundo queria, recebendo uma recepção mista, com uma história repleta de furos e um gameplay inconsistente e que não alcançava a excelência de clássicos como RE 4. No final, TEW parecia um trabalho apressado e pego em uma hora de transições de gerações (do PS3/Xbox 360 para PS4/Xbox One) que impediu dele realmente brilhar. Mas a semente para uma ótima ideia estava lá, e com o título vendendo razoavelmente bem, deu a chance para a produtora expandir a ideia do original com The Evil Within 2.

Não mais dirigido por Shinji Mikami – que serve apenas como produtor na sequência, dando espaço para o novato John Johanas tomar as rédeas do projeto – a sequência vem 3 anos após a primeira aventura de Sebastian Castellanos no STEM. Mas será que a Tango aprendeu com seus erros do passado e entregou uma experiência de terror à altura das insanidades que Sebastian enfrenta no jogo?

             

Sebastian através do espelho

Na história, o detetive Sebastian Castellanos descobre que sua filha Emily está viva. Porém, ela foi capturada pela organização chamada Mobius para se tornar mais uma cobaia de seus experimentos com o STEM, uma espécie de aparelho que transporta a mente da pessoa para um local artificial e formado pelo consciente das pessoas que vivem ali. Sebastian já tinha vivido momentos traumatizantes no primeiro game e deverá retornar ao STEM se quiser salvar sua filha e descobrir os segredos por trás de seu desaparecimento e de sua mulher, Myra.

Dentro do STEM, Sebastian vai parar na Union, local onde as pessoas podem viver pacificamente em uma espécie de subúrbio dentro do programa da máquina. Porém, a presença do assassino serial Stephano Valentini, que usa suas vítimas para criar suas obras de arte, alteraram o local, infestando-o de criaturas medonhas. Sebastian tem que enfrentar Stephano se deseja salvar sua filha e encontrar uma saída daquele pesadelo.

A história, como pode ver, é uma continuação direta dos acontecimentos do primeiro jogo. Personagens retornam a trama, como a agente dupla Lily Kidman e a própria organização Mobius, que é a vilã principal do universo de TEW. Portanto, é recomendável saber ao menos o mínimo da trama do primeiro título para não ficar perdido logo de início. Mesmo com algumas explicações, o jogo faz referências diretas ao primeiro jogo, especialmente nas partes finais. Ao menos os jogadores podem ficar tranquilos em entender a trama, já que o game foi localizado completamente em PT-BR, recebendo legendas e dublagem em português.

Sebastian é um personagem bem mais relacionável e complexo do que no primeiro jogo. É a busca por uma resolução não só em achar sua filha, mas também encontrar uma forma de eliminar seus demônios internos que o faz um personagem interessante. Detalhes como ele agora reagir mais as situações ao seu redor durante o gameplay reflete o lado mais pessoal que a história é levada.

Os melhores momentos da história de The Evil Within 2 é quando ela foca no drama de Sebastian e sua família. Algo mais pessoal, condizente com o tema do game. Em um dos momentos mais excitantes do clímax do jogo, o personagem consegue superar seus medos e enfrentar algo que o estava perseguindo o tempo todo.

Assim sendo, o jogo retoma o clima de horror de suas criaturas grotescas e formadas a partir do medo ou de desejos dos personagens. Porém, TEW 2 não é necessariamente um jogo que apenas assusta com jumpscares, mas cria um clima de tensão constante, com truques visuais que vai fazer qualquer um se arrepiar.

A narrativa e experiência do jogo é muito mais consistente e coesa do que o primeiro, com fases mais bem integradas no universo irreal do STEM, que anteriormente parecia mais um grande greatest hits de fases de survival horror e acaba tornando algo sem pé nem cabeça em algumas horas. Essa talvez seja a faca de dois gumes de basear o jogo em algo inexistente. É quase como se estivéssemos jogando um game dentro de outro game, onde as leis da realidade não necessariamente se aplicam. Algo que se mal utilizado (como nos filmes de Resident Evil, por exemplo), pode entregar um roteiro preguiçoso e dessincronizado com a experiência do jogador. O que não é o caso aqui, felizmente, com o uso muito criativo de um lugar que teoricamente se passa na mente de Sebastian para criar cenários e situações surrealistas e assustadoras, com muito gore e violência.

Sim, nem tudo é perfeito. Certas reviravoltas e lógicas do mundo são mal explicadas e tem pouca ou nenhuma profundidade. Infelizmente, os criadores decidiram juntar clichês do gênero (um culto e uma organização maligna com aspirações a dominação global, por exemplo) que por vezes se tornam desnecessários e demasiados em uma trama que poderia ser muito mais íntima e interessante. O vilão do segundo ato fica bem aquém as expectativas e acaba se tornando apenas mais um obstáculo entre Sebastian e sua filha.

E essa entrega “mediana” da história é refletida em seu final, um dos mais medíocres para um jogo tão ousado em seu visual e temas. Parece que estamos vendo o final de um filme de ação Hollywoodiano para um filme que se apresentou como um terror psicológico. Além da trilha sonora, um “arroz com feijão” que estabelece o clima das cenas mas entrega temas pontuais sem se esforçar muito para ser memorável. Afinal, estamos vendo um game ousado visualmente e tematicamente ou apenas um filme de ação genérico?

O mal mora ao lado

Se em questão de história The Evil Within 2 conseguiu melhorar significantemente mesmo com alguns tropeços, a jogabilidade ganhou muito mais corpo e apresenta melhorias que muitos fãs do primeiro título pediram. O jogo é uma mistura do survival horror visto em jogos como Resident Evil 5 e 6 – a câmera em terceira pessoa no ombro e uma movimentação mais livre – com um clima mais tenso e de sobrevivência, parecida com jogos como The Last of Us, onde a furtividade é essencial para sobreviver ao mundo apocalíptico.

Em primeiro lugar, o sistema de stealth foi profundamente melhorado do primeiro título, oferecendo finalmente um sistema de cobertura para o jogador se esconder apropriadamente atrás dos locais do cenário e passar das fases sem ser visto. Com o movimento do analógico, o personagem pode ir para o outro lado da cobertura, e com um sinal de uma seta nos cantos da tela, poder ir automaticamente para aquele lugar com o apertar do botão. Infelizmente, o sistema não é a prova de problemas e de vez em quando tem erros de detecção que atrapalham a vida do jogador.

O design das criaturas é o que mais dá o calafrio na espinha em The Evil Within 2. Dos chefes de fase até as criaturas mais comuns, o som e a movimentação imprevisível das criaturas torna os momentos de furtividade e ação muito mais difíceis do que se fossem meros zumbis a lá George Romero. Criaturas com formatos grotescos e indescritíveis, tiradas da cabeça de Sebastian ou de seus inimigos fazem a experiência se tornar cada mais surreal a medida que se vai adentrando nos cenários. Dando um exemplo, em uma das missões temos o uso do som do DualShock 4 de forma muito interessante para garantir calafrios extras no jogador através de uma criatura fantasmagórica. Algo que até os mais experientes no gênero vão se surpreender.

Além de seus designs, os inimigos exigem certas estratégias do jogador. Alguns, por exemplo, são encobertos por uma camada inflamável, que pega fogo de tempos em tempos, impossibilitando o stealth do jogador. Outros podem te matar quase que instantaneamente se te agarrar, cobrindo Sebastian com um líquido borbulhante, etc.

Para enfrentá-las, Sebastian tem um armamento pesado. Porém, os recursos não são abundantes e o jogador precisará criar sua própria munição através de objetos encontrados no mapa, oferecendo um sistema de crafting recompensador. Se você acha que vai conseguir passar das fases sem usar o mínimo de stealth e descarregar todo o seu pente de balas nos inimigos, pense novamente.

Infelizmente o sistema de colisão ainda é bem fraco em comparação com outros títulos e conseguir acertar um headshot em um zumbi (especialmente naqueles que exigem dois tiros para serem eliminados) é uma atividade que tem uma dificuldade extra por conta da imprecisão do nível de detecção.

O jogador deve coletar gel verde dos corpos dos inimigos para receber upgrades nas suas habilidades e resistências físicas no HUB do jogo, que aqui é materializado como a sala de investigação da delegacia onde Sebastian trabalhava. Contando com melhorias interessantes e muito úteis para a sua sobrevivência (além do retorno da misteriosa enfermeira que aparecia no hospital do primeiro jogo). Apesar de compartilhar a mesma perspectiva em terceira pessoa no ombro de jogos como Resident Evil 5 e 6, The Evil Within 2 exige muito mais do jogador guardar munição para os inimigos à frente.

A estratégia na abordagem dos combates é fundamental para a sobrevivência. Então, ao se deparar com um grupo de inimigos, a melhor alternativa muitas vezes é entrar no modo furtivo e tentar escapar dali sem chamar a atenção. Usar os ambientes também é extremamente útil e, se você ver que sua munição é pouca em comparação com os inimigos, a alternativa é fugir e não olhar para trás em nenhum segundo.

É talvez esse elemento que torne The Evil Within um legítimo survival horror, já que apesar de alguns momentos intensos de ação e explosão, ele consegue equilibrar muito bem a tensão e vulnerabilidade do jogador em uma situação claustrofóbica e intimidadora.

No final, TEW2 tem uma jogabilidade competente mas falha em aspectos que o torna mais frustrante do que deveria ser. Talvez em um terceiro título a franquia finalmente arrume todos os pormenores e consiga entregar uma experiência 100%.

Uma descida ao inferno 

Tanto em sua jogabilidade quanto em sua atmosfera, The Evil Within 2 compartilha muito do DNA de alguns clássicos do gênero Survival Horror, como Resident Evil (jogabilidade e inimigos mais voltados para a ação) e Silent Hill (o clima de terror psicológico e o design das criaturas dentro do STEM).

O design das fases foi modificado para oferecer cenários bem maiores para se exploras. Neles, há várias missões paralelas, que oferecem recompensas tanto como upgrades quanto resoluções para alguns mistérios na trama. Salvar ou não determinados soldados infringe não só na jogabilidade mas no seu entendimento da história, algo muito bem implementado em seu mini-mundo aberto.

As quests mais interessantes são as que ativam determinados fenômenos e desafios oferecendo variedade comparado a dos vistos na trama principal, oferecendo não apenas um conteúdo secundário descartável ou pouco inspirado, mas algo que agrega na experiência como um todo.

Rodando em uma engine exclusiva para os consoles dessa geração, que permitem efeitos de luz e texturas muito melhores. As transições que alteram o cenário ao redor de Sebastian aguardam boas surpresas para o jogador. Todas as texturas e efeitos de partículas criam uma atmosfera incrível. E a direção de arte oferece uma variedade de tons e cenários ao longo da história que surpreendem. Além das criaturas e dos desafios que elas oferecem, o jogador se sente realmente em uma descida ao inferno aos lugares mais obscuros do STEM.

Trabalhando muito com o psicológico e a viagem por trás da mente de um psicopata, The Evil Within 2 tem a liberdade de variar sem perder a lógica de seu universo. Tanto em jogabilidade quanto em visual, o game passeia por diferentes cenários e situações, as vezes indo de uma pacata cidadezinha para uma densa floresta, e com isso, ameaças se encontram a cada trecho da jornada insana de Sebastian.

O jogo tem um desempenho muito melhor que o primeiro título e roda muito bem no PS4 normal. Porém, há ainda algumas sutis quedas da taxa de 30 fps em alguns locais, especialmente os mais abertos. Nada que realmente prejudique a experiência, mas que vale ser notado.

Se as 15 horas de campanha não forem o suficiente, há um bom valor de replay no jogo, onde você pode ter a sua dose de vingança ao jogar no Novo Game+, destruindo os inimigos com os equipamentos e upgrades do jogo anterior (e para aqueles com saudade dos letterbox na tela, o jogo oferece isso ao ser finalizado pela primeira vez).

Veredito

The Evil Within 2 é uma faca de dois gumes do gênero survival horror. Ao mesmo tempo que acerta alguns elementos como a ambientação e a sensação de um mundo coeso e ao mesmo tempo imprevisível, tem falhas em sua jogabilidade e um roteiro sem sal que acabam impedindo-o de alcançar um status maior no panteão dos jogos do gênero.

Para os fãs do primeiro jogo, The Evil Within 2 é a continuação que eles pediram: um game que não só melhora todos os aspectos do primeiro, como também expande sua jogabilidade e level design. A viagem de Sebastian no STEM para salvar sua filha se assemelha a uma descida para o inferno, e com isso, oferece uma boa dose de dificuldade para os fãs de survival horror que cansam em reclamar de excesso de munição e itens nos seus jogos.

A jogabilidade ainda frustra em alguns momentos de tensão (câmera e mira não são perfeitas) e a história tem atalhos e clichês melodramáticos que poderiam ser melhorados. Porém, a jornada de Sebastian oferece ação e terror na medida certa, um dos raros exemplos do gênero onde esses dois elementos criam uma síntese, gerando assim uma experiência satisfatória apesar de imperfeita. Recomendado para os fãs de survival horror que tem saudade de jogos do gênero.

Jogo analisado com cópia digital de PS4 oferecida pela Bethesda.

Redação Bastidores

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