Review | Watch Dogs 2
Creio que nenhum jogo sofreu tanto backlash quanto o primeiro Watch Dogs em seu lançamento em maio de 2014. Anunciado na E3 de 2012, a IP da Ubisoft gerou gigantesco hype no público que reconheceu o potencial audacioso de um sandbox manipulado inteiramente através de hackeamentos comandados pelo smartphone. Além disso, a apresentação era de encher os olhos.
Enfim chegava o potencial da nova geração. Ou não. Watch Dogs começou bem com sua antecipação tremenda e aprovação de público, porém assim que os adiamentos de seu lançamento começaram e mais prévias em vídeo foram liberadas, o jogo virou.
Algo de errado estava acontecendo na produção do game. De um ano para o outro, o jogo tornou-se mais feio, de texturas mais porcas, iluminação aquém do que foi prometido pela prévia feita na revelação ao público. Esses constantes downgrades se tornaram a polêmica que assombrou a Ubi durante o ano inteiro.
Quando enfim lançado, a recepção da imprensa e do público foi completamente mista. Particularmente, tinha gostado da estreia desta nova franquia, mas era evidente os notórios problemas que foram apontados incessantemente em coméntarios on-line. Ironicamente, a internet tornou-se inimiga de Watch Dogs.
Mas como a própria Ubisoft diz: “não iniciamos uma nova IP sem enxergar um potencial de franquia. ”. E, querendo ou não, o jogo marcou sucesso nas vendas.
Dito e feito. Com pouco espaço entre sua revelação e lançamento, Watch Dogs 2 seria o pedido de desculpas da desenvolvedora com seu público – mesmo que não acredite que fossem necessárias tamanhas desculpas, pois a reformulação aqui é bastante intensa. Impossível crer que se trata da mesma franquia.
Hackers da Nova Geração
A segunda empreitada da Ubisoft no mundo hacker parte através de uma narrativa tão batida quanto a história de vingança do primeiro game. Temos aqui o clássico agente protagonista batalhador da causa vs. Sistema organizado gigantesco maquiavélico. Ou seja, Rebeldes contra Império, na comparação mais nítida possível.
Acompanhamos isso através da ótica de Marcus Holloway, um jovem hacker recém-integrado ao grupo de hackers “iluminados”, Dedsec – sim, o mesmo do game anterior. Depois de invadir uma central da Blume e descobrir que seu nome é classificado em ordem de alta periculosidade, Marcus fica indignado e ao ficar bêbado com seus amigos na praia, motiva todos a acabar com a companhia que faz a manutenção do ctOS da cidade de São Francisco.
De longe, o pior aspecto de Watch Dogs 2 é sua história que considero um tanto inferior à jornada de Aiden Pearce que também não era lá grandes coisas em termos de narrativa. O problema majoritário talvez esteja concentrado no exagero na dose da reformulação da atmosfera da franquia.
Enquanto Watch Dogs era um conto intenso de vingança e descobertas diversas sobre invasão de privacidade que se relacionavam diretamente com a tragédia do protagonista, aqui não há essa intensa correlação para deixar o texto mais coeso, coerente; afinal, na progressão do jogo, só vemos que o software estava correto ao indicar Marcus como uma ameaça em potencial.
O incidente incitante é fraco e, portanto, toda a motivação que cerca o grupo para agir também segue o mesmo rumo decepcionante. É engraçado notar esse desleixo com os personagens e a narrativa em um jogo de 2016, já que toda a indústria se caminha para métodos cada vez mais intrincados de storytelling. Pegue GTA V, Uncharted 4, God of War, Gears of War, Dishonored, The Last of Us, entre diversos outros.
Na contramão da narrativa cinematográfica
É evidente que a indústria sacou o básico: por que o jogador investiria seu tempo se não consegue ter empatia com o personagem? Não à toa é uma revolução de jogos puramente cinematográficos, mais próximos de entretenimento sério do que jogatina despretensiosa proporcionada por outros excelentes títulos das gerações passadas.
A narrativa, apesar de falhar com absolutamente todos os personagens – até mesmo com rostos já conhecidos e com bom backstory, é mais descontraída e festeira. O que é um tanto prejudicial e contrastante com o grau de ameaça que a Blume representa para os heróis. Aliás, nem isso é muito bem transmitido ao jogador, já que o lado antagonista parece nunca se esforçar em deter o grupo hacker mesmo depois de terem prejudicado diversos dos planos maléficos da empresa.
Porém seria mentira dizer que não há algum ponto interessante nesse grupo bastante apático de hackers excêntricos. O protagonista Marcus realmente é uma incógnita gigantesca. Nós nunca o conhecemos de fato, apenas sabemos que é um gênio hacker de bom senso de humor, que gosta de nerdices e tão logo se torna o líder do grupo – mesmo com os roteiristas enfatizando o contrário. No que salva no personagem é a dublagem excepcional de Ruffin Prentiss que faz o possível para tornar críveis a quantidade massiva de diálogos ruins construídos pelos roteiristas – digamos que tentam ser descolados até demais, infantilizando excessivamente a linguagem de pessoas que já estão próximas dos trinta anos.
Aliás, é justamente pela falta de clareza e qualidade nos diálogos que os personagens saem tão prejudicados, os tornando em plenas caricaturas superficiais. Um ponto de drama interessante está concentrado no histérico Wrench – o maluco com a máscara eletrônica que traduz suas emoções através de caracteres de computador. Há um motivo interessante e clichê que explica o motivo do uso do equipamento, porém isso aparece tão rápido quanto desaparece na história. Outro ponto de difícil credibilidade atinge o personagem Horatio que, apesar da escolha corajosa dos roteiristas, ele tão logo se torna esquecível na trama.
Um roteiro esquisito, sem sombra de dúvidas. Mas por que estou enfatizando tanto a narrativa aqui? Simples: o discurso do jogo é muito ideologizado e os roteiristas parecem não notar o quão incoerente e hipócrita é a estrutura de sua escrita. Há um intenso debate sobre privacidade, liberdade e vigilância sendo que os heróis batalham para “abrir os olhos” da população de São Francisco, os informando sobre como são manipulados, da venda de dados privados coletados por redes sociais, empresas de crédito, bancos, ferramentas de busca, etc para a companhia Blume, administradora do ctOS.
Porém, constantemente, os protagonistas têm poder superior ao da Blume, além de utilizarem métodos incoerentes para a causa iluminadora que batalham tanto. É uma história que lembra bastante sobre os bastiões da virtude durante a plena Revolução Francesa que depois se tornaram déspotas ainda mais violentos. Enfim, é incoerente e pouco se salva na narrativa de fato – o melhor a se fazer e ignorar a pretensão do jogo em sua mensagem mal formulada e justificada.
Paródias, memes e referências
Onde os roteiristas acertam é o tom mais light que permeiam a maioria da narrativa. Watch Dogs 2 usa constantemente o humor da paródia para fazer críticas ácidas a elementos reais. Um dos melhores exemplos é o excelente conjunto de missões do arco sobre a igreja New Dawn que na verdade se trata de um mecanismo intenso de lavagem de dinheiro.
E um ator fictício de ação é o principal promoter da igreja até questionar sua fé e ser encarcerado pelos sacerdotes da religião. Para quem não associou ainda, trata-se de uma representação da história controversa de Tom Cruise e John Travolta com a igreja da Cientologia – a modelagem do nariz do personagem é igual ao formato do de Cruise. Como a carga é cheia de humor, a paródia funciona muito e já marca o melhor conjunto de missões do jogo – são muito divertidas mesmo!
Em seguimento, Marcus entra em combate com diversos outros simulacros de empresas reais como a Nudle – que seria a Google, a Invite – facebook, entre outras diversas companhias. Enquanto o humor da paródia rapidamente decresce, alguns diálogos entre Wrench e Marcus acabam rendendo momentos excelentes na jogatina: obviamente, o melhor se trata da discussão entre a treta monumental entre Aliens e Predadores.
Um hacking bem sucedido
O design de jogo é o melhor ponto de Watch Dogs 2. A Ubisoft corrigiu os milhares de críticas que os fãs e especialistas direcionaram ao primeiro jogo. A apresentação certamente é um dos pontos mais trabalhados. O visual do jogo é belo, consegue atingir alta draw distance, com poucos pop ins, quase nenhum atraso no carregamento de texturas e poucas quedas de quadros por segundo.
O jogo é estupendo no visual e se mantém assim. Abandona totalmente o tom sóbrio de cores frias do anterior para mergulhar em uma experiência colorida, contrastada e muito saturada para combinar com o estilo colorido dos personagens. É a melhor representação de São Francisco em jogos até agora. Detalhes de arquitetura característicos e pontos turísticos foram recriados com muita acuidade que inspiram o jogador a parar sua jogatina apenas para observar a beleza e o movimento orgânico da cidade e arredores. Definitivamente é um sandbox vivo lotado de NPCs que agem com independência entre diversas atividades distintas: tirando selfies, mexendo com óculos de realidade virtual, passeando com animais domésticos, dirigindo, comendo, flertando, namorando, etc. Atividades infinitas que mostram um cuidado raro com NPCs nos jogos atuais.
O visual fotorrealista estupendo também acompanha a qualidade do gameplay e de diversas mecânicas recicladas e aprimoradas. Uma das adições mais interessantes é a impressora 3D. Através dela que compramos armas e os dois dispositivos que ajudarão muito o jogador na jornada: um drone e um carrinho de controle remoto.
Ambos são equipamentos cruciais para te auxiliar em completar as missões do jeito mais stealth possível. O carrinho consegue hackear servidores que bloqueiam o acesso de portas, além de conseguir chaves de acesso portadas por guardas que rondam os diversos locais que teremos de invadir durante a campanha. Já o drone é adquirido depois de certo progresso devido seu custo alto de recursos. Ao contrário do carrinho, ele não consegue hackear servidores, mas mapeia todos os inimigos do mapa, te ajudando a evitar contato com as rotas de patrulha dos guardas.
Acredite, a abordagem em stealth é a melhor e a mais encorajada. O jogo é extremamente punitivo e difícil quando Marcus entra em combate direto com guardas, bandidos ou policiais. Além de o grau de dificuldade ser alto, a mecânica dos tiroteios é precária, até pior do que a do jogo anterior já que toda a influência de Splinter Cell desapareceu aqui. O armamento é pouco satisfatório, já que não há possibilidade de desenvolver armamentos aprimorando suas peças – para armas mais fortes, é preciso comprá-las na impressora 3D e juntar dinheiro em Watch Dogs 2 é algo custoso para quem focar somente na campanha.
O mapeamento da roda de armas também não colabora já que é nada intuitiva – é preciso segurar seta para cima e então selecionar outra arma. Em um tiroteio intenso, é uma agonia aguardar o jogo reconhecer a solicitação da roda de armas. E com uma demora relativa dessas, a passagem para o game over é praticamente certa.
Mesmo que a inteligência artificial não seja muito brilhante, avançando sempre em berserk, eles tentam te flanquear infligindo dano alto a cada bala. De certa forma, deixando o escopo do tiroteio e do combate corpo-a-corpo menos refinado, é adequado a figura de Marcus que certamente não tem aquela pegada militar e de casca-grossa. Por outro lado, é algo restritivo com toda a certeza.
O grosso das missões da campanha é sim muito repetitivo. Temos diferentes variações da mesma coisa: dirigir até o destino, ter uma conversinha simpática e ganhar o objetivo, invadir o local, hackear os servidores, coletar dados e injetar vírus para então fugir da área. É sempre a mesma coisa: dirige, invade e foge. Porém há a diferença de objetivos: às vezes explodimos algo, outras libertamos pessoas ou simplesmente hackeamos e enfrentamos oponentes em horda ou temos uma sessão com puzzles de canos para energizar o servidor e então hackeá-lo – design de fase já presente na franquia.
A graça é conceito aberto de abordagem nas infiltrações – algo que louvo, aliás. Na mecânica, Watch Dogs 2 é plenamente um jogo da atual geração. Podemos abordar os objetivos de diversas formas: usando os robôs, hackeando câmeras, montando armadilhas elétricas remotamente, explodindo granadas de soldados, distraindo oponentes com mensagens para então abatate-los furtivamente e, a principal novidade do modo hacker: colocar a cabeça de oponentes à prêmio.
Podemos enquadrar os soldados como fugitivos da polícia ou colocando uma recompensa pela sua eliminação. Assim que criamos essas informações falsas, policiais ou sicários já aparecem atirando para capturar ou matar o alvo criando a distração perfeita para você caminhar até seu objetivo sem muitas dificuldades.
Mesmo com o combate aprimorado e das opções de hacking, a Ubisoft não conseguiu acertar na dirigibilidade dos veículos. A maioria deles parecem colados ao chão, se movimentando como carrinhos de bate-bate de tão sensíveis que são os controles. Para mudar a direção que o veículo vai, é preciso dar toquinhos no analógico para o carro não se engambelar todo, derrapando pelas ruas.
Além da dificuldade para dirigir os veículos, muitos dos carros parecem “decolar”, ir de zero a cem quilômetros por hora em questão de segundos tornando a direção totalmente arcade. Os modelos de colisões também deixam a desejar, apesar de ser o segundo melhor dessa geração de consoles.
Mundo conectado
Com a mecânica aprimorada em diversos sentidos, a desenvolvedora deu atenção especial em elementos de complementação do game. Finalmente é possível customizar o protagonista com diversas roupas e acessórios conferindo o look único que cada jogador gosta. Existem lanchonetes, lojas de roupas e diversos pontos para tirar selfies e ganhar recompensas. Há até mesmo aplicativos de carona que você pode utilizar para ganhar algum trocado em tempos difíceis.
São diversos apps que podemos comprar e baixar para o smartphone. Até mesmo há aplicativos de reconhecimento de músicas do jogo para serem incluídas na biblioteca – como um Shazam. Além das missões principais da campanha, há conteúdo adicional para os jogadores entusiastas. Existem missões cooperativas online, missões secundárias com narrativas exclusivas, além de corridas diversas com drones, carros e veleiros. Também existem missões de caça-recompensas, eliminando criminosos e outras gangues.
Evidente que todo o hacking envolvendo a cidade também se faz presente - sejam apagões, explosões de canos de gás, desligando semáforos, etc. Inclusive, agora, podemos controlar remotamente carros diversos com comandos simples. Os perfilamentos continuam funcionais e revelam os segredos inusitados de alguns transeuntes. É uma das expressões artísticas sobre a extensão humana mais interessantes que já vimos em obras audiovisuais.
O modo multiplayer é robusto como sempre contando novamente com as invasões de outros jogadores na sua jogatina. O destaque é a adição do modo pega-pega que ainda irá ao ar. Caso você mate gente demais no free roam, torna-se instantaneamente um alvo para outros 3 jogadores que invadirão seu jogo para te caçar junto com a polícia.
Vigilantes renascidos
Apesar de tantas fraquezas, falhas e desinteresse na narrativa, Watch Dogs 2 é um game divertido rendendo até trinta horas para fechar o jogo completamente. A Ubisoft mostrou respeito com seus consumidores corrigindo praticamente tudo que incomodou no título original. Se aproveitando de forte identidade visual a la pixel art, pegando conceitos de Mr. Robot e da histeria cômica colorida vinda de Sunset Overdrive.
A baia de São Francisco nunca fora retratada de modo tão vivo e belo. É um deleite se aventurar na cidade e descobrir novas atividades. Watch Dogs 2 tem de tudo um pouco desses títulos sandbox que infestam as prateleiras todos os anos.
Justamente onde o jogo poderia contar com mais presença e identidade, ele simplesmente descarta a alma que moveria a narrativa em troca de afetação, exagero, excentricidade plástica fugaz e histeria através de personagens pouco afáveis em uma narrativa perdida.
Por outro lado, para o jogador que não liga tanto para a história, o game é um prato cheio. A sensação de ter poder nas palmas das mãos do personagem é excelente e acredite, a Ubisoft levou o hacking a patamares nunca vistos antes. Além de gráficos bonitos, bom gamaplay e level design, o jogo conta uma trilha musical excepcional Hudson Mohawke conferindo todo o ar eletrônico necessário para as enervantes músicas.
Watch Dogs 2 é uma notória evolução para a franquia e merece ser jogado. Os vigilantes da Ubisoft podem ficar tranquilos: a franquia caminha para terrenos cada vez mais promissores.
Pontos positivos: Recriação da Baia de São Francisco, ótimos gráficos, ótima paleta de cores, diálogos bem humorados, paródias certeiras, game play inteligente e fluido, trilha musical original, bom tempo de campanha, variedade de objetivos nas missões, variedade de atividades de NPCs, bom grau de customização, diversas missões segundarias e opcionais.
Pontos negativos: Narrativa incoerente, pouco coesa e fraca. Ou seja, narrativa ruim que poderia ser muito melhor. Falta de identidade própria da franquia, personagens mais rasos que um pires, discurso profundamente ideológico que não se justifica dentro da narrativa satisfatoriamente, péssima dirigibilidade de veículos, curva de dificuldade elevada quando combate direto e assim forçando o jogador a escolher a abordagem stealth.
Agradecemos a Ubisoft Brasil pela cópia gentilmente cedida para a análise.
Review | Final Fantasy XV
10 anos é o mesmo que uma vida no mundo dos videogames. Em 10 anos, vimos a revolução dos controles de movimento surgir e acabar, apenas voltando hoje em dia como um suporte para a realidade virtual. Em 10 anos, a Naughty Dog saiu de uma empresa que produzia games infantis como Crash e Jak & Daxter e se tornou uma referência na indústria com sua narrativa cinematográficos e seus personagens bem construídos com Uncharted e The Last of Us. Porém, enquanto alguns ascenderam, outros foram destronados, o que foi o caso dos games japoneses. Em particular, os JRPGs.
Há 10 anos, os RPGs japoneses coexistiam com os RPG’s ocidentais, tendo um espaço maior nos consoles enquanto os RPG's americanos reinavam nos PC's. Isso mudou com a geração do XBox 360/PS3. As maiores desenvolvedoras do gênero aqui no Ocidente começaram a entrar de cabeça no mercado de consoles, o que deu espaço para jogos como Skyrim, Mass Effect e The Witcher entrarem nos consoles e se estabelecerem como os reis do gênero.
Coincidência ou não, os RPG's japoneses penaram para se manter relevantes na geração passada. Enquanto sobreviviam bem no mercado nicho dos portáteis e dos jogos voltados para um público mais hardcore, as franquias mais populares do gênero estavam em uma crise de identidade e criatividade que não parecia passar.
Final Fantasy foi um desses casos.
Apesar de XIII ter seus fãs, o consenso do público e crítica era que a franquia tinha perdido sua identidade nos títulos mais recentes e estava longe dos dias de glória como rei do gênero que outrora já tinha sido. Era hora de mudar com os novos tempos, antes que ele se livrasse da franquia.
Com a antiga promessa de se voltar mais para a ação com o anteriormente chamado Versus XIII, que de início era apenas um spin-off voltado para ação da franquia, o projeto foi descartado anos após ser anunciado para renascer na forma de uma sequência numérica alguns anos depois: O príncipe tinha finalmente direito de ser rei, com o título Final Fantasy XV.
Após anos de desenvolvimento - muito menos que os 10 anos desde seu anúncio, mas ainda sim muito conturbado por adiamentos e diversas demos- o jogo finalmente saiu. E como a longa jornada de Noctis rumo ao processo de ser rei, a Square caminhou muito para chegar aonde chegou com esse jogo. Com alguns tropeções e buracos ao longo da estrada, o que podemos esperar de um jogo com a tarefa de atender uma expectativa maior que suas próprias ambições e o desafio nas costas de reapresentar a franquia tanto para fãs quanto para novatos?
Bem-Vindos a Eon!
Final Fantasy XV conta a história do príncipe Noctis Lucius Caelum, herdeiro do trono de Lucis, único reino que resiste ao domínio do Império de Nilfheim. Nas vésperas da assinatura do acordo de paz entre os dois reinos, Noctis parte para Altissia para encontrar a princesa e amiga de infância de Noctis, Lunafreya. Cabe a Noctis e seus três amigos e fiéis protetores seguirem pelo interior do país para encontrarem Luna e terminarem definitivamente o conflito entre os dois reinos.
A história é dividida em capítulos e tem um início extremamente lento e que pode afastar jogadores mais impacientes. O game de início está mais preocupado em apresentar as mecânicas e o seu vasto mundo aberto do que realmente colocar a atenção no objetivo principal de Noctis. Apenas alguns capítulos à frente é que se inicia a história e o desenvolvimento da política no jogo, com resultados mistos em sua execução, que serão abordados mais a frente.
O mundo aberto de Eon é belo e fascinante, uma perfeita mistura entre um mundo mágico, moderno e instigante de ser explorado. Noctis e seus companheiros tem em mãos um mundo gigantesco: Florestas, desertos, pântanos, vilas e cidades. Os gráficos do jogo são lindos e tiram proveito de toda capacidade dos consoles atuais. A animação de Prompto ao andar e lutar nas batalhas é incrível, responsiva e fluída, que somado ao nível de detalhes em suas roupas e acessórios criam um personagem extremamente interessante de ser controlado.
Mas infelizmente há algumas ressalvas técnicas. Enquanto a iluminação e os efeitos de partícula são extremamente bem acabados, uma coisa que incomoda é o serrilhado em alguns elementos, especialmente no cabelo dos personagens. Como o famigerado senso de estética e design de Tetsuya Nomura manda, a maioria dos personagens principais usam e abusam de estilos de cortes de cabelo extravagantes e multicoloridos.
Infelizmente, esse serrilhado nos gráficos acaba causando uma sensação estranha ao ver de perto os rostos de Noctis e cia. Sim, um detalhe pequeno em relação a imensa escala do jogo e de algumas batalhas, mas em momentos de cutscene, há sempre uma sensação de que algo não está exatamente certo ou ajustado, incluindo também o lip syncing das conversas dos personagens em cutscenes dentro do jogo.
Tirando este nitpicking, o que mais impressiona no aspecto visual no mundo de Eos é a incrível variedade e criatividade no design e animação das criaturas que povoam os cenários. A fauna do jogo dá um sopro de vida aos cenários e tornam eles mágicos. Passear de carro e se deparar com um gigantesco animal bebendo das águas de um leito de rio, enquanto pássaros e outras criaturas povoam o horizonte se torna inesperadamente uma das experiências mais agradáveis e memoráveis do jogo.
Guns and ships
Noctis possui diversas formas de transporte, sendo a Regalia, seu carro, o veículo mais utilizado. A jogabilidade com o veículo automobilístico tem uma vasta diferença em relação a jogos sandbox modernos e que pode decepcionar muitos jogadores acostumados com outros estilos de travessia. Muito mais linear, o veículo serve como um meio de locomoção mais automática para o cenário. Você pode mudar as músicas, alterar sua pintura e rendimento, mas o veículo se limita a transitar apenas nas estradas e nas trilhas de terra. Mais um carrinho de trilhos interativo do que realmente um veículo em um mundo aberto.
Se o jogador preferir um tipo de transporte mais leve, divertido e satisfatório, os Chocobos são feitos para isso. As aves gigantes podem ser pegas em qualquer estação de aluguel em diferentes locais do mapa e podem ser alugados por um tempo determinado. Além de customizáveis, as aves também podem melhorar seu rendimento à medida que o jogador as controla, além de alimentos dados ao acampar.
Em seu mundo aberto, o game se torna literalmente uma viagem entre bons amigos. Passeando pelo mapa, há dezenas de objetivos secundários e atividades que o jogador pode gastar horas e mais horas. Cada personagem tem uma habilidade especial que pode ser melhorada se praticada frequentemente. Com Noctis é a habilidade na pesca. Prompto ganha novos filtros para sua câmera fotográfica, que dispara fotos automaticamente durante o jogo. Ignis é o cozinheiro do grupo e Gladious consegue pegar itens deixado pelos inimigos.
Essas atividades "secundárias" acabam se tornando fundamentais para a eficiência nas batalhas. Se alimentar bem e descansar frequentemente nos acampamentos e hotéis de estrada para subir de nível influenciam e tornam um sistema intrínseco de exploração e evolução dentro do jogo que instigam o jogador a continuar explorando e fazendo atividades paralelas. Você com certeza irá gastar horas procurando novas receitas para Ignis cozinhar ou aperfeiçoar as habilidades de Noctis na pesca para caçar peixes maiores e mais valiosos.
As side quests do jogo não são nem um pouco inspiradas e basicamente consistem em fetch quests, missões que se resumem a ir a determinado local e eliminar uma quantidade X de inimigos. Os NPC’s que te passam essas quests também são genéricos e acabam desmotivando ou até mesmo irritando toda vez que o jogador vai pegar uma nova missão. Tira a imersão ver que o jogo foi tão bem construído, mas que tem um conteúdo secundário tão preguiçoso.
Uma hora Prompto, após elogiar a majestosa vista do cenário, começa a perguntar ao grupo que horas aquilo iria terminar já entediado com o visual sem muito conteúdo. E é um pouco isso que o jogador sente após algumas horas. Tirando as tais fetch quests, há pouquíssimo a se fazer e algumas áreas são restritas a apenas estradas.
O que acaba enriquecendo a jornada é a excelente trilha sonora de Yoko Shimomura, que consegue entregar todos os sentimentos necessários para cada momento da experiência. Da calmaria de uma pescaria até as impressionantemente épicas batalhas contra chefões de grande escala, a trilha sonora se destaca e mesmo com a possibilidade de ouvir as músicas dos antigos jogos, a trilha composta para o jogo com certeza não deve nada as composições anteriores de Nobuo Uematsu e entrega um trabalho memorável. A dublagem em inglês não é perfeita e tem vozes que não caem bem, e em alguns NPC’s que se tornam quase hilárias de tão ruins, mas felizmente há uma opção de manter a dublagem japonesa. Além da excelente adaptação das legendas em português, algo inédito na franquia e que com certeza é algo muito bem vindo para atrair um novo público.
São esses momentos de camaradagem entre Noctis, Ignis, Gladious e Prompto que definem a experiência do game. Passear de carro, ouvindo as melhores músicas dos antigos jogos da série, enquanto dirige pela estrada, se torna uma das experiências mais marcantes do jogo. É esse sentimento de calmaria antes da tempestade que permeia a maior parte da primeira parte do jogo. Enquanto Noctis e seus amigos aproveitam uma deliciosa refeição acampados no meio do deserto, há uma guerra muito maior sendo travada há alguns quilômetros de distância, e um futuro incerto se aproxima, mudando drasticamente a vida do príncipe e de todos ao seu redor.
Perigos a caminho!
Uma das missões de Noctis ao longo do jogo é recuperar as 13 legendárias armas Armiger, feitas com o propósito de salvar o reino de Lucis das mãos do império. Para resgatá-las, Noctis explora cavernas que servem como dungeons, recheadas de inimigos e armadilhas. O que se vê aqui é um trabalho primoroso em diversificar e polir essas cavernas que surpreendem constantemente o jogador.
Longe daquelas monótonas dungeons que muitos RPG's possuem, onde há apenas corredores e portas a serem desbloqueadas com chaves em baús, em FF XV, os inimigos criam armadilhas, assustando os personagens. O terreno muda constantemente de dungeon para dungeon e você nunca se sente repetindo a mesma tarefa de adentrar essas cavernas. Ricas, diversificadas e imersivas, as dungeons do jogo são extremamente satisfatórias e servem como um bom desafio em tarefas secundárias para os jogadores procurando desafios.
Mas uma das coisas que muitos fãs estavam com medo e que aqui se apresenta como um dos pontos fortes é o sistema de batalha. O mais voltado para a ação que a franquia já chegou, o Active Cross Battle é extremamente fluído e tem como base as diferentes habilidades e poderes mágicos de Noctis. Com a espada que estiver carregando, Noctis pode facilmente se teleportar na luta de um ponto a outro jogando sua arma e se teleportando para o local, o que pode ser usado tanto para dar investidas nos inimigos quanto para recarregar seu MP e VP em áreas do cenário onde Noctis se pendura. Além de espadas, Noctis pode carregar magias e armas de tiro, além de sempre contar com a ajuda de seus companheiros, que contribuem ao longo da batalha com habilidades especiais que são ativadas através de uma barra de energia recarregável com o tempo da luta.
Com isso, a batalha ganha dinamismo e variedade muito maior do que qualquer jogo da série Kingdom Hearts. Gerenciar suas diferentes habilidades e sua capacidade de esquiva se torna uma técnica que vai sendo aprimorada tanto pelas habilidades do jogador quanto pelas habilidades adquiridas através do sistema de Ascenção do jogo. O jogador sente a evolução dos personagens e isso se torna extremamente satisfatório ao longo da jornada. Para o jogador menos acostumado a um RPG, a dificuldade do game é bem leve e não oferece grandes obstáculos se o jogador tiver um mínimo de gerenciamento.
Uma das mudanças mais polêmicas, porém, fica para o sistema de summon, que aqui foi reduzido a apenas seis entidades. Os Astrals tem um papel gigantesco (sem trocadilhos) para a trama do jogo, e por isso mesmo aparecem esporadicamente tanto na história quanto ao longo do gameplay. Ao contrário dos jogos anteriores, elas não podem ser chamadas em todos os cenários e são apenas ativadas de acordo com alguns requisitos dentro da batalha. Elas também podem ser limitadas ao cenário que o jogador está, o que acaba frustrando, já que não há necessariamente um controle sobre essas invocações. Elas são mais uma força da natureza do que algo domável. Apesar disso, o jogo compensa a falta de mobilidade delas com um espetáculo visual e poder mágico que se tornam uma experiência à parte toda vez que se consegue invocar tais criaturas. A sensação de obliterar cada inimigo da tela é extremamente satisfatória e memorável.
O jogo rendeu aproximadamente 30 horas até o final de sua história. Incluindo algumas sidequests e hunts. Com dezenas de atrasos e adiamentos, era esperado que o jogo rodasse de forma sólida e sem muitos problemas de desempenho, e felizmente é isso que encontramos aqui, com o único problema sendo o framerate de 30fps que apesar de sua estabilidade, apresenta problemas de frame-pacing notáveis durante alguns momentos como em locais abertos nos passeios pela estrada. Todavia, o jogo não tem problemas de bugs que possam atrapalhar a experiência do jogador, o que é um alivio para um jogo tão grande e ambicioso como esse. Tirando os perfeccionistas de desempenho de plantão, o jogo roda bem e não apresenta nenhum defeito que afete o andamento do jogo.
O final da fantasia [SPOILERS ABAIXO]
Os jogadores que estiverem no início do jogo podem até achar que o grande problema da trama está em sua lentidão em chegar ao ponto da história e os constantes desvios em assuntos paralelos. Mas o que realmente se apresenta como o defeito da trama é a segunda parte do jogo.
Após alguns acontecimentos, Noctis e seus amigos partem de Altissia e exploram outros locais no mundo para encontrar Luna e o cristal capaz de finalizar com a tirania de Nilfheim e a proliferação de demônios no mundo todo. Mais linear e focado na trama, o jogo adota uma narrativa mais política e a história dá uma guinada nos acontecimentos, com eventos se desenrolando um atrás do outro, e revelações sendo jogadas constantemente no espectador.
Personagens como Ariana, Luna e Ardyn tem menos espaço na história do que mereciam e isso pesa muito no entendimento de suas motivações e na conexão do jogador com esses personagens. É uma pena que em muitos momentos a história parece corrida e mal desenvolvida, com alguns furos de roteiro e momentos chave extremamente importantes de serem vistos e compreendidos que acontecem fora da cena. Alguns personagens mudam de lado sem grandes motivos aparentes e a história acaba perdendo o jogador. Até os últimos capítulos do game, que parecem tentar retomar o tempo perdido injetando drama e melancolia na história.
Porém, é inevitável que o jogador não tenha criado laços com os quatro personagens principais, e isso é muito bem explorado nos últimos momentos que, apesar dos pesares, consegue fechar muito bem uma história inconstante, mas que ao menos entrega um final digno para os personagens que nós cultivamos interesse durante esse tempo todo. Na estrada esburacada que é a história, o game consegue chegar ao seu destino com algo poético e bonito, apesar dos arranhões e do pneu furado.
Veredito
Final Fantasy XV é único. Único por ser um dos poucos de seu tipo na indústria dos games, tanto por sua ambição, tempo de desenvolvimento e resultado final. Único por misturar de forma intrigante elementos de RPG's orientais e ocidentais, resultando em uma profusão de características emprestadas de outras franquias que se estabeleceram nos últimos anos para alcançar personalidade própria e mudar de vez a cara da série. Certos aspectos são muito bem executados, como o combate, o conceito do mundo e sua estética e a personalidade dos personagens principais. E com outros se destoando negativamente como o ritmo da história e motivações de coadjuvantes mal trabalhados além de sidequests repetitivas e sem inspiração.
Infelizmente, jogos como Final Fantasy XV que são sustentados por um hype inimaginável por parte dos fãs e do público gamer com certeza irão decepcionar muita gente que acreditava que o jogo seria o melhor RPG dos últimos anos, mas olhando apenas para o jogo como ele verdadeiramente é no fim das contas, a conclusão que tenho é a seguinte: Final Fantasy XV é sim um bom RPG de ação, e apesar das falhas deve ser jogado por aqueles que se interessam pela franquia e gênero. Pode não ser aquilo que você fantasiava há 10 anos, mas pode ter certeza que é mais real do que você imaginava.
Todas as fotos da análise foram tiradas por Prompto durante a jornada que o redator teve ao longo do jogo.
Crítica | Westworld - 01x05: Contrapasso
Se eu já achava Westworld um mundo gigantesco, Contrapasso continuou a explorar fronteiras inimagináveis deste universo artificial. À medida em que nos traz alguns indícios de respostas, apresenta mais alguns mistérios e indica um futuro interessante para seus personagens, que vão ficando cada vez mais ricos e interessantes.
O grande foco do episódio ficou no núcleo de Dolores (Evan Rachel Wood), William (Jimmi Simpson) e Logan (Ben Barnes). Seguindo a dica de um fora-da-lei que implorou por sua vida, o grupo segue para a perigosa cidade de Pariah, e o próprio Logan alerta que "quanto mais longe de Sweetwater, mais intenso e realista fica o jogo". A chegada ali acaba os levando para uma outra tarefa, designada pelo chefão Lazlo (Cliffton Collins Jr, exato, o mesmo intérprete de Lawrence, chegaremos aí em alguns instantes) que coloca o grupo na divertida missão de assaltar uma carruagem e roubar um carregamento de nitroglicerina.
Isso insere mais ação para o episódio, além de mergulhar no desenvolvimento de William e seu apego cada vez maior ao jogo: William matou Anfitriões e parece claramente apaixonado por Dolores, para total alegria de Logan. Aliás, a relação entre os dois ficou mais intensa e a bomba-relógio que vinha lentamente sendo ativada enfim estourou. Conhecemos alguns detalhes da vida fora do parque de William e Logan, e um atrito entre os dois força a separação de seus núcleos. E devo dizer, muito interessante que tal confronto ocorra em meio a uma das orgias mais explícitas e hipnotizantes desde o baile mascarado de Stanley Kubrick em De Olhos Bem Fechados.
Já Dolores está cada vez mais confusa e as alucinações que sua personagem sofre ao longo da narrativa ficam cada vez mais incisivas. Por exemplo, como Ford (Anthony Hopkins) foi capaz de realizar uma entrevista com Dolores sendo que ela no momento encontrava-se em Pariah com William e Logan? Seria tudo uma projeção em sua mente? Uma espécie de avatar de Dolores existe dentro da central de Westworld para que Ford ou os Programadores comuniquem-se com ela? Sabemos que Ford estaria em Pariah algumas cenas à frente, então ela fisicamente foi retirada do local? Is this the real life?
Independente da resposta, o que tiramos dessa excelente cena foi a revelação de que Dolores era próxima do falecido Arnold, e que teria prometido a ele ajudar a destruir o parque. E, o mais impressionante, ela foi capaz de ocultar seu contato com a voz misteriosa (que podemos assumir quase com certeza ser do próprio Arnold) de Ford, e parece agir de acordo com uma agenda misteriosa. Aliás, cada vez mais parece-me real a existência de duas Dolores - algo que o próprio Bernard (Jeffrey Wright) metaforicamente sugeriu em um episódio passado -, a Dolores "real" e a que parece "guiá-la" em seu caminho de libertação. A performance de Evan Rachel Wood é inteligente nesse quesito, principalmente durante a sequência em que a personagem vê ela mesmo em uma tenda de cartomantes. E por fim, ver Dolores enfim trocando de figurino e tendo a epifania de que "seu papel não precisa ser o de donzela" e eliminando um grupo de pistoleiros sozinha foi muito empolgante.
O outro grande núcleo do episódio foi dedicado ao Homem de Preto (Ed Harris) e sua busca pelo Labirinto. Lembram-se de quando mencionei Lazlo? Pois bem, a série foi sutil em nos revelar como fora possível que tivessemos o mesmo personagem em dois lugares, com o HDP matando Lawrence e, por consequência, reiniciando seu loop como o destemido criminoso Lazlo; e a câmera de Jonny Campbell foi esperta na revelação de Lazlo em sua "ressurreição" em Pariah. Agora usando Teddy Floods (James Marsden) como seu novo companheiro, a jornada do HDP não avançou muito em termos de ação, mas certamente rendeu uma das mais esclarecedoras cenas de toda a série até então.
HDP e Ford encontram-se em Westworld. Como se já não fosse incrível o suficiente ver Ed Harris e Anthony Hopkins contracenando juntos, o roteiro de Lisa Joy oferece um diálogo instigante que sugere muito sobre a relação entre os dois e o mundo exterior. O HDP está muito interessado no Labirinto, enquanto Ford parece não ver sentido nisso, e também que ele é "o vilão que o jogo merece" e que está à espera de uma adversário digno - questionando se o tal Wyatt cumpriria essa função. Foi uma ótima cena no quesito "ritmo passivo-agressivo", mostrando o respeito que os dois homens nutrem um pelo outro, mas também uma certa ameaça e desconfiança - confesso que senti um leve toque de Fogo contra Fogo aqui.
Já nos corredores internos de Westworld, dois acontecimentos de extrema importância aconteceram. O primeiro deles ainda envolve o Anfitrião perdido do terceiro episódio, e a obsessão de Elsie (Shannon Woodward) em entender o motivo de sua falha e porque exatamente ele tentou matá-la. Secretamente dissecando o cadáver, Elsie encontra um dispositivo que indica uma conexão com o mundo de fora; ou seja, alguém utilizava deste Anfitrião para obter informações de dentro do parque. O HDP está envolvido demais no jogo para ser espião, mas não descartemos a possibilidade de Logan estar envolvido nisso, já que o revelador diálogo inicial com William revela sua posição como investidor em potencial no parque.
O segundo acontecimento ofereceu um final bombástico para Contrapasso. Algumas cenas antes, acompanhávamos um pouco do núcleo de dois "açougueiros"de Westworld, especificamente aqueles que testemunharam o despertar acidental de Maeve (Thandie Newton) no segundo episódio. Enquanto um deles, Felix secretamente tentava aprender códigos de programação, eis que o cadáver de Maeve acorda novamente; dessa vez consciente e aparentemente lúcida, clamando que ela e o "médico" precisariam conversar. Uma cena arrepiante e ao mesmo tempo empolgante, seja pela performance de Newton ou pelas possibilidades que essa ação possam trazer para futuros episódios.
Já estamos na metade de Westworld e sinto que teremos algumas respostas muito em breve. Contrapasso foi um episódio primoroso em virtualmente todos os aspectos, mas principalmente na forma eficiente em que desenvolveu seus personagens e revelou camadas humanas e inumanas de seus personagens, sejam eles Anfitriões ou Convidados.
Review | Outlast
É inegável que a indústria de games "triple A" sofre uma crise de bons exemplares do gênero terror ou horror, o que afeta até mesmo franquias consagradas como Resident Evil e Silent Hill. Contudo, recentemente, alguns poucos jogos começaram a mostrar uma possível virada desse panorama, surgindo sem fazer barulho e se provando quando lançado. Um deles é "Outlast".
Lançado em 2013 para PC e um ano depois para os consoles da nova geração pela Red Barrels Studio, o jogo conta a história de Miles Upshur, um jornalista determinado que recebe uma denúncia anônima por e-mail de atividades estranhas no manicômio "Mount Massive". Não querendo perder a chance da investida em uma exclusiva que poderia dar uma guinada em sua carreira, Miles parte para o local - bem isolado, obviamente - para investigar, documentar e entrevistar pacientes com uma câmera.
Lhe faço a seguinte pergunta: qual é o segredo de um bom jogo de terror? Nesse caso, de terror psicológico e gráfico?
Eu responderia a imersão.
Mas como alcançá-la? Aí é que está o maior mérito de "Outlast".
Primeiramente, ambientação. Se o jogador não se sentir em um ambiente coeso, orgânico, bem contextualizado com a proposta do jogo, não haverá imersão. "Outlast" tira de letra. Com bons e detalhados gráficos, poderosos efeitos de luz e sombra, o manicômio do game tem tudo o que o gênero pede e mais um pouco. Sangue pelas paredes, pegadas, corpos mortos e mutilados, televisão ligada sem sinal, cadeiras de roda, lençóis e camas ensanguentados, telefone mudo, banheiro imundo... está tudo lá acompanhado de uma excelente noção de design de espaço.
Outro fator é a trilha sonora ou ausência dela. Passamos a maior parte do jogo apenas ouvindo os sons de nossa câmera, da caminhada e da fala dos inimigos, de nossos atos para cumprir os objetivos, de gotas d'água, vento e por aí vai. Já em momentos de perseguição e correria somos bombardeados com uma trilha absurdamente enervante e inquietante, principalmente no trecho do maníaco da tesoura. Mais um enorme acerto.
E, por fim, o terceiro fator é a impotência. Se o jogador se sentir dominante em um jogo desse calibre, a proposta terá sido falha. O objetivo é que se sinta constantemente ameaçado e com a sapiência de que não irá poder fazer muita coisa para derrotar algum oponente. Sempre a presa, nunca o caçador. Os elementos de gameplay definem esse fator. Em "Outlast", os desenvolvedores, acertadamente, optaram por não haver a opção de defesa ou contra ataque, restando apenas a correria e os esconderijos. Tudo o que Miles carrega em mãos é a sua câmera, tendo que gastar a bateria frenquentemente ao ligar a visão noturna - a influência de REC é evidente - para passar por ambientes em total escuridão. Uma jogada de mestre que deixa o jogador completamente insuficiente.
Onde "Outlast" erra é nos objetivos durante a história. Sempre se repetindo, os objetivos se resumem a ligar um gerador, rodar uma válvula, abrir uma porta e pegar determinado objeto. Se o jogador não estiver prestando atenção no que faz, o problema passará batido. Já para os mais atentos, pode sim incomodar.
Outro erro do jogo é no design dos inimigos, com "Os Gêmeos" e outros pacientes tendo um visual totalmente sem inspiração e criatividade. Entretanto, há duas claríssimas exceções. Baita exceções, por sinal. Chris Walker, o fortão que arranca cabeças e persegue o jogador durante o game inteiro e Dr. Richard "Rick" Trager, mais conhecido como maníaco da tesoura - que, por sinal, deveria ter aparecido mais. Esses dois, se não bastasse o que fazem com Miles quando o pegam, são desenhados com todo o cuidado possível para provocar incômodo e nervosismo no jogador. E, é o que de fato acontece. Desde "Nêmesis" e "Cabeça de Pirâmide" não via oponentes tão bem sucedidos em suas concepções em um jogo do gênero.
Falar qualquer coisa a respeito das revelações do desenrolar da história, assim como em todos os jogos que incentivam a busca de informações em documentos e anotações, seria um spoiler indigno. Vou me limitar a dizer que a história é sim, ótima, e encorajo o leitor a persegui-la enquanto joga.
"Outlast" é um caso raro de jogo terror que deu muito certo sendo uma nova IP (propriedade intelectual) e acertou de forma a quase beirar a perfeição nos 3 pilares básicos de um exemplar do gênero. Comete o deslize da repetitividade de objetivos e da preguiça da maioria de decisões de design dos pacientes do manicômio, embora não prejudique intensamente o fantástico conjunto como um todo. É um presente para os fãs do gênero que clamavam por novidades e não puderam se agarrar em suas franquias favoritas e a melhor surpresa do ramo dos últimos anos. Aguardo ansiosamente para me imergir na sequência no ano que vem, desta vez com maior variedade de afazeres, espero eu. Vale a pena ser conferido e a única certeza que você terá quando acabar é que não esquecerá Mont Massive tão cedo e jamais desejará voltar , não por medo, mas por saber que a deliciosa sensação de incômodo que sentiu na primeira vez foi suficiente. Descanse em paz e o último a sair, desligue a câmera.
Crítica | Scream Queens - 1ª Temporada
A ideia inicial da série surgiu a partir de uma encomenda feito pelo próprio canal FX. Ryan Murphy, criador e roteirista de American Horror Story (2011), decidiu estruturar a história nos moldes da antologia em questão, mas não transformando-a em uma. Desse modo, da mistura satírica de Meninas Malvadas (2004) e Sexta-Feira Treze (1980), surgiu Scream Queens (2015).
Ambientando em um cenário propício para "atividades de serial killers" - a Wallace University -, cujas instalações ficam na cidade conhecida pela ocorrência extrema de eventos sobrenaturais, Nova Orleans, Scream Queens conta uma história além do tempo: inicia em um aposento claustrofóbico, no qual Sophia está dando a luz a um bebê. Logo depois, quatro de suas amigas - Amy, Coco, Mandy e Bethany - aparecem. Mas ao invés de ajudá-la, a culpam por estragar a festa. Sophia, por sua vez, permanece dentro de uma banheira, esperando o evento acabar, mas acaba morrendo de hemorragia.
Vinte anos depois, um grupo de patricinhas está para escolher as novas calouras de sua irmandade - Kappa Kappa Tau. A gangue é liderada pela impiedosa Chanel Oberlin (Emma Roberts) e suas "minions" - Chanel #2, Chanel #3 e Chanel #5. Através de uma intervenção da reitora Cathy Munsch (Jamie Lee Curtis), são obrigadas a aceitar quaisquer novos membros que desejarem aderir aos ideais infernais propagados pela irmandade. Vale lembrar que Munsch estava presente no trágico evento que culminou com a morte de Sophie e, por essa razão, culpa a própria existência da KKT por todos os males que existem no mundo. Nesse meio-tempo, um serial killer que traja o uniforme do mascote da universidade arquiteta um plano de vingança que tem como objetivo principal destruir toda e qualquer existência da irmandade em questão.
Além dos personagens já apresentados, temos também a presença de Grace Gardner (Skyler Samuels), Zayday Williams (Keke Palmer) e Hester Ulrich (Lea Michele), além das outras pledges. Todas as suas personagens representam a quebra do paradigma fútil e "cor-de-rosa" que toma conta da KKT. Representam, a priori, as alegorias do benfazer - mas a "sacada" da série é oscilar entre essas duas ideias antagônicas.
A série em si vincula-se à ideia de sátira justamente por trazer ao patamar do ridículo e do grotesco as vertentes em que se fixaram nos gêneros de terror e perseguição: o roteiro de cada um dos episódios é propositalmente escancarado. Clichês como "uma garota morreu aqui. Agora a casa é assombrada" e diálogos autoexplicativos são a base para que a série torne-se uma divertida aventura à la Agatha Christie - obviamente com um toque de ironia.
Murphy diz que desejava trabalhar em algo que se parecesse com a história O Caso dos Dez Negrinhos, em que ao menos um membro do elenco seria assassinado pelo Demônio Vermelho por episódio, além de fornecer pistas ao público que o levariam a decifrar os mistérios envolvidos na universidades antes da season finale.
A homenagem à antologia que criou é claramente perceptível: ângulos ambíguos, cortes bruscos e uma trilha sonora angustiante adornam o ambiente de Scream Queens do mesmo modo que American Horror Story. Em diversos momentos de epifania dos personagens, as técnicas de slow motion contribuem para o entendimento da série e como cada uma das tramas se entrelaçam umas às outras, favorecendo a ideia satírica - como por exemplo o passado sombrio de Munsch, os segredos obscuros de Chanel #3 e as mentiras que se escondem por trás da "vida perfeita" de Grace.
O entrosamento do elenco é outro aspecto a ser analisado. Roberts e Samuels já haviam trabalhado com Murphy em American Horror Story - esta apenas na quarta temporada (Freakshow) e aquela a partir da terceira (Coven). Desse modo, aceitaram logo de cara a proposta feita pelo diretor. Além disso, Roberts provou na quarta continuação da franquia Pânico (2011) que lida bem com papéis de vilã - Chanel, apesar de não fazer parte de nenhum dos extremos, é a perfeita simbologia da "falsa redenção". Seu arco se desenvolve em reconhecimentos de seus atos humilhantes para com as colegas, pedidos de perdão e retorno ao zero.
Curtis, filha da scream queen original - Janet Leigh (Psicose) - e protagonista na série de filmes Halloween (1978), tornou-se a atriz perfeita para viver o papel da sociopata reitora, cujo passado transparece em suas feições e cujo significado faz-se entendível desde o primeiro episódio: Munsch está lá para acabar com as meninas da KKT e manter sua reputação - e nada, nem ninguém ficará em seu caminho. Todas as pessoas com as quais se relaciona possuem um objetivo, senão de glorificá-la, então de fornecer a ela informações cruciais para que coloque seu plano em prática.
A escolha do restante do elenco foi bem peculiar e a princípio duvidosa, principalmente pelas aparições especiais de Ariana Grande - estrela das séries infanto-juvenis Sam e Cat e Victorious, da Nickelodeon - e Nick Jonas - ex-astro popstar da Disney e ator da franquia Camp Rock e da série Jonas. Entretanto, as personalidades de seus personagens e suas próprias caricaturas contribuíram para a criação de personalidade da série. Grande é protagonista do primeiro assassinato, e escancara de forma tragicômica os clichês do gênero de horror. Jonas parece infantilizado à primeira vista, mas está envolvido em um plot twist digno de Murphy e suas criações bizarras.
Palmer e Michele também caem como uma luva nos trâmites desenvolvidos na série. Palmer - também estrela da Nickelodeon pela série "True Jackson - representa uma personificação de personagens literários como Hercule Poirot, Miss Marple e Sherlock Holmes. Trabalhando ao lado de Grace, têm o objetivo de transformar a irmandade em um ambiente melhor e mais acolhedor e carregam consigo a premissa do "justiça antes de tudo". Entretanto, oscilam entre o bem e o mal quando se deparam frente a frente com seus ideais trazendo aquilo contra o que lutaram para suas vidas.
Michele, conhecida pelo papel de Rachel Berry na série Glee - criada também por Ryan Murphy - entrega-se no papel da psicótica Hester, a qual transita o tempo todo entre a sanidade e a loucura, trazendo para a irmandade um estado paradoxal de caos e liberdade.
Apesar do título fazer alusão às eternas personagens das "donzelas em perigo" de filmes de terror e aos serial killers imortalizados como Jason Vorhees, Freddy Krueger e Michael Myers, optar pela ideia tragicômica foi o que me interessou mais a continuar acompanhando a série. Easter eggs de cenas famosas - como a cena do banheiro no filme supracitado Psicose - são recorrentes.
Logo, espere sim uma ideia no estilo American Horror Story. Mas completamente às avessas.
Crítica | The Crown - 1ª Temporada
A história da realeza britânica sempre foi alvo da dramatização, tanto televisiva quanto cinematográfica - quando falamos da indústria audiovisual, obviamente. Em O Discurso do Rei, filme ganhador do Oscar em 2011, fomos apresentados à história de vida do Rei George VI, cuja gagueira foi um dos fatores principais que o deixaram perturbados quanto ao exercimento de sua função, levando-o a contratar um terapeuta australiano para ajudá-lo. Em Downton Abbey, série ganhadora do Emmy, o foco é transferido para a fictícia família aristocrata de Yorkshire, perpassando por diversas épocas. Mas garanto que nenhuma produção equiparou-se à qualidade da produção mais cara do serviço de streaming Netflix, The Crown.
"Pesada sempre se encontra a frente coroada", já dizia William Shakespeare em sua obra, Henrique IV - Parte II. E é justamente isso que o criador Peter Morgan faz ao relatar as duas primeiras décadas do reinado de uma das monarcas mais contraditórias da história da família real inglesa, Elizabeth II. Funcionando como um retrato detalhista da vida da rainha, a série se inicia com uma cena de densidade e construção impecáveis: o rei George II (aqui interpretado por Jared Harris) cuspindo sangue dentro de um vaso, à beira de deixar uma tuberculosa sem precedentes agravar as condições de sua saúde.
Os dez primeiros episódios de um total de seis temporadas - cujo elenco irá mudar para acompanhar o envelhecimento das personagens reais - foca sempre pressa em como a súbita morte do pai afetou drasticamente a vida da outrora conhecida como Princesa Elizabeth (vivida pela incrível Claire Foy). O foco aqui não é a história e o decoro de nomes de cidades, palácios, emendas constitucionais e leis jurídicas. O retrato intimista da família Windsor vem com o objetivo de humanizá-los e mostrar como até entre quatro paredes fortificadas de mármore as coisas não vão sempre como o esperado. Claro, muitos podem classificar os dilemas dos protagonistas como "problemas de primeiro mundo", mas tal constatação seria errônea: a análise percorre os reais acontecimentos dentro do Palácio de Buckingham em correlação exata aos eventos da própria Inglaterra - nada mais que a apresentação de uma história biográfica qualquer.
E por que a escolha de Elizabeth como protagonista? Bom, porque o seu reinado transpassou entre um dos momentos mais delicados e espinhosos da história britânica, com mudanças sociais e um progresso absurdo cujos alvos permaneceram sobre o casamento e o divórcio, dois assuntos considerados tabus e de importância inefável principalmente para a Igreja, cuja relação com o Estado já estava sofrendo com divergência de opiniões. E para nos aproximar dos reais participantes de tais acontecimentos, a montagem, cuja estilização foi feita principalmente por Stephen Daldry, um dos showrunners e produtor executivo de The Crown, optando por planos mais fechados e íntimos, aproximando o público das reais pessoas e nos fazendo nos apaixonar pelos arcos e pelas backstories de cada um.
Considerando a imponência das paisagens das ilhas do Reino Unido, obviamente os episódios não perderiam chance de divagar entre as tênues linhas da arquitetura gótica, que se estendem até as planícies litorâneas e misturam-se com um mar cinzento e pincelado por nuvens tão bem delineadas que chegam a ser artísticas. Mas diferentemente da representação publicitária de tais cenários, os diretores optam pela metáfora e pelo principal objetivo de transmitir ao público a pequenez de indivíduos idolatrados frente à majestosidade natural e artificial do progresso.
O ponto de maior sucesso aqui é o elenco, sem sombra de dúvida. Enquanto Foy porta-se como uma sósia da própria monarca, seu comportamento tanto na vida profissional quanto na pessoal a forçam a assumir uma vertente, colocando-a dentro de responsabilidades reais e que não deixam margem em nenhum momento para a fraqueza. Entretanto, através de seus olhos, é possível notarmos que ela não queria ser Rainha, e que as consequências dessa brusca mudança estão apenas começando. Matt Smith, interpretando Phillip, o Duque de Edimburgo e marido de Elizabeth, oscila de forma aplausível entre o par compreensível e o marinheiro sonhador, lutando para aceitar seu papel subserviente dentro de uma vida de subjugamento feminino e de uma sociedade machista. O ator recusa-se a mergulhar totalmente no âmbito antagonista, permitindo que seja amado e odiado com a mesma frequência. John Lithgow também se excede no papel de Winston Churchill, encarnando-se de forma tão exímia que podemos dizer que ele esteve presente dentro do Palácio e foi o jovem aprendiz do Primeiro-Ministro. Sua performance, talvez, seja a melhor da série ao roubar o conceito mecanizado atribuído à figura público e tornando-o apaixonadamente humano.
Tudo isso é combinado com uma direção de arte impecável, que preza pela riqueza e pela ostentação e que sutilmente transforma uma paleta de cores duras por uma mais pastel, mostrando que Elizabeth gradativamente cedeu ao cargo de monarca absoluta e agora faz parte de uma geração inteira de reis e rainhas, os quais reafirmam um conceito milenar. Sua condição como Princesa brilha, enquanto seu "fardo" como Rainha chama tons mais azulados e arroxeados. A trilha sonora, composta por Hans Zimmer, casa perfeitamente com as escolhas estilísticas ao entrar com um papel catalisador - apesar de nos forçar a tomar certar posições em alguns momentos.
É interessante notar aqui que os dez episódios da primeira temporada foram assinador por Morgan, prevenindo assim quaisquer furos e garantindo uma fluidez maior de diálogos e viradas. Como o criador já estava acostumado à ambientação e aos acontecimentos da família real - presente em trabalhos anteriores como A Rainha e The Audience -, as sequências mais densas foram atenuadas de forma a prender a atenção do público e garantir uma fidelidade para o próximo episódio.
The Crown é uma relíquia a ser admirada - e mal posso esperar para os próximos acontecimentos do reinado de Elizabeth II
Crítica | Holocausto Brasileiro
O Brasil é um país peculiar desde sua fundação e pelos seus principais eventos históricos serem marcados pela controversa. Polêmicas e polêmicas que surgem todos os anos que parecem pouco mover a incredulidade do povo brasileiro. Porém, uma das coisas que não tínhamos aqui, além de desastres naturais de magnitude colossal, era um holocausto.
Bom, a conveniência histórica era essa até a jornalista Daniela Arbex quebrar uma parede de vidro espelhado revelando uma terrível realidade que durou mais de oito décadas no país: o chamado holocausto brasileiro.
Isso ocorreu no Hospital Colônia de Barbacena, no interior de Minas Gerais. Inaugurado em 1903, o Colônia tinha como principal propósito tratar pacientes tuberculosos, mas rapidamente o foco foi alterado atendendo apenas pessoas com problemas psicológicos severos.
Outro século, recém-saído dos anos 1890, sem conhecimento, sem medicação, sem recursos, sem equipe qualificada, o Colônia viraria um inferno vivo em pouquíssimo tempo. Um inferno que traria a morte de 60 mil pacientes ao longo das oito décadas que se manteve em funcionamento.
Visando resgatar essa memória, Daniela Arbex pautou um estudo muito sério sobre esse acontecimento obscuro em nossa História. Agora como documentário, as páginas do livro ganham mais vida e a memória torna-se imagem em movimento.
A grande vantagem de Holocausto Brasileiro é a busca de Arbex por um discurso imparcial o que torna o longa menos enviesado e tendencioso. E em documentários, é fácil criar uma narrativa para te fazer crer no material apresentado. Arbex sabiamente usa sua formação em jornalismo a seu favor, colocando todos os lados possíveis para oferecer depoimentos sobre a experiência de terem vivido e trabalhado no Colônia.
Então temos depoimentos de antigos pacientes e sobreviventes do Colônia, das enfermeiras do local, do relações públicas da época, de fotógrafos que registraram o que ocorria ali, de seguranças, documentaristas, parentes de vítimas, entre outros. Logo, o rol é diversificado expondo com clareza o ponto de vista de cada um que fizeram parte da traumática história.
A começar é bem difícil não associar o trabalho, tanto do livro quanto do filme, com a obra Entrevistas de Nuremberg, de Leon Goldensohn, psiquiatra responsável por diversos detentos do presídio de Nuremberg, lotado de oficiais nazistas, antes dos julgamentos definitivos. Nas entrevistas, há a descoberta de uma dimensão ainda maior do horror.
A cineasta tem essa consciência. Não é por menos que inicia o documentário com uma entrevista de um ex-maquinista responsável por trazer diversos pacientes, no “vagão dos loucos”, para o Colônia durante anos. Estabelecido isso, outro entrevistado, um estudioso historiador, já expõe a óbvia comparação. Nesses momentos, sim, com sutileza, Arbex vai criando a narrativa do documentário.
A boa oportunidade fica com as entrevistas dos “oficiais nazistas”, os enfermeiros. No caso, duas, discorrem sobre as dificuldades e do descaso da administração pública com o Colônia expondo as atrocidades cometidas – que aconteceram em diversos outros manicômios brasileiros também, como a punição por choque. É através delas que depreendemos as causas de tanta mortandade: fome, frio e doenças diversas. Além de ficar claro que, obviamente, Colônia era um reduto de indesejados, abandonados ou presos nos pátios do hospício.
Não era necessário ser louco para ser esquecido no Colônia. Hoje, vemos com incredulidade, tratando o tema como absurdo e cruel. Certamente o era, mas avançamos tremendamente em questões humanitárias em 30 anos do que os tratos disponíveis na época. Lugares como o Colônia eram convenientes para a sociedade despejar seus páreas, indesejados, deficientes, etc.
Algo que faltou no discurso bem construído do documentário é justamente um aprofundamento maior na questão histórica e sociológica condizentes à época, além de um breve apanhado sobre o avanço da medicina psiquiátrica e também sobre os padrões da loucura. Com isso, mesmo de fácil dedução, seria mais evidente que os sãos encarcerados no Colônia acabaram tão insanos quanto os verdadeiros doentes mentais que lá moravam.
Nessas entrevistas com os responsáveis pela gestão do local, senti muita falta de um confronto maior por parte da entrevistadora. Quando digo confronto, não se trata de tratar o entrevistado com grossura, mas sim condicionar a conversa em busca da brecha para encaixar a pergunta de ouro que podem render momentos de epifania para o filme. O melhor uso disso que já vi foi em O Ato de Matar, de Joshua Oppenheimer – filme com conceito até que similar. Por exemplo: “a sra. não sente, hoje conversando e relembrando, que algumas das atitudes que fez podem ser consideradas como abusivas? Se sim, hoje se arrepende de algo?”.
Quando se confronta o entrevistado, visivelmente culpado e indefeso, ou se ganha uma catarse honesta ou há a explosão temperamental na qual o personagem te enxota e encerra a entrevista. O longa carece disso, pois permanece nesse discurso passivo nas entrevistas, com caráter de registro das memorias daqueles cidadãos.
Os entrevistados que foram internados no Colônia também apresentam um enorme desafio, afinal, como colocar credibilidade nas palavras de uma pessoa fora de realidade? Arbex consegue através de um método inteligente: entrevistar as pessoas que foram fotografadas em diferentes décadas no Colônia, unindo depoimento dos fotógrafos com o dos pacientes, além de, até mesmo, algumas enfermeiras lembrarem de alguns pacientes.
O destaque dos mentalmente incapazes motiva e emociona o espectador. Impossível não nos padecermos com o sofrimento de pacientes ingênuos e indefesos, com boa parte dos distúrbios controlados. Porém, os diamantes do documentário, Arbex mantém escondidos até o final.
São os entrevistados que foram internados no manicômio sem apresentarem distúrbios mentais na época. As histórias deles exploram a loucura dos sãos, de uma maldade profana e satânica ao nos levar à reflexão sobre como foram vítimas do descaso de seus familiares, dos profissionais e do Estado.
Arbex ainda faz revelações ainda mais perturbadoras sobre o destino dos corpos dos mortos indigentes, porém, na forma, o documentário não é feliz em apresentar o empirismo das provas ao usar closes e cortes videoclipados a la documentários policiais chocantes dos anos 2010, tirando qualquer credibilidade dos documentos expostos no longa. Porém, como Arbex enfatiza que apurou a autenticidade das provas, quem eu sou para duvidar?
Aliás, é justamente nesse arco que ela realiza seu primeiro confronto em uma entrevista. Um momento excelente, mas que logo se arrefece. Outras características interessantes são abordadas, como a relação da comunidade religiosa com o manicômio e da linha do tempo do retrocesso que o Colônia sofria até seu desligamento.
Na técnica, é um documentário de narrador passivo que constrói seu discurso através de entrevistas e imagens de arquivo - também há certas passagens de cinema direto, captando a emoção dos personagens de modo mais singelo e poderoso. No uso das fotografias, há alguns equívocos da montagem ao apostar em muitos cortes rápidos quase que ininteligíveis mostrando partes das imagens até apresentá-las completamente. Quando as fotos ficam apropriadamente visíveis, o montador e a diretora não apostam na contemplação. Ela fica poucos segundos em tela e some. Uma tristeza, pois são fotografias valiosas.
Pequenos problemas técnicos com a montagem marcam o Holocausto Brasileiro, mas aos olhos do espectador normal, nada incomodará. Bons momentos de insight da direção estão nas visitas aos corredores fantasmagóricos do Colônia, inclusive “reconstituindo” um grande pavilhão. Pequenos momentos que valem muito. Aliás, Arbex tem essa preocupação visual no longa inteiro que é sempre muito variado na captação de material. A valorização dos entrevistados engrandece muito o documentário. Temos diversas histórias marcantes, uma mais sofrida e inacreditável que a outra.
Holocausto Brasileiro é um excelente documentário de preservação de memória que tenta eximir a responsabilidade de apontar culpados. É bastante realista e bem-intencionado, mostrando uma realidade nada distante e que era considerada perfeitamente normal até pouco tempo. É um filme que fala sobre loucura e dos pequenos poderes, na propensão do homem em explorar terceiros incapacitados e silenciados, na expiação da maldade e frustração.
Colônia não foi o único manicômio com uma história tão trágica e perturbadora. O Brasil coleciona casos de possíveis outros holocaustos. Talvez ocorridos no Hospital Psiquiátrico de Juqueri, no Manicômio Judiciário de Franco da Rocha, no Hospital Psiquiátrico Charcot e até mesmo no Pinel.
Um problema enorme sem solução aparente e sem possibilidade de reparação.
Holocausto Brasileiro estreia no dia 20, às 21 horas, no canal Max (678 e 78 na Net). Após a exibição, que será reprisada ao longo do mês, o filme estará disponível na HBO Go.
Crítica | The Accountant #1
Para os sortudos, que tiveram o privilégio de ir à cabine de The Accountant (O Contador), estrelado por Ben Affleck, devem ter sido surpreendidos por dois brindes (obrigado Warner): um boné preto com propaganda do filme e uma mirabolante HQ de The Accountant, por Brian Buccellato escrita em inglês.
A HQ não é extensa, mas conta uma incrível história de como o nosso gênio, Christian Wolff adquiriu um de seus quadros mais elegantes (Difícil de decidir qual, não é mesmo?), pintados por Renoir, de valor estipulado em “Dois ponto sete milhões de dólares“.
Spoilers
A história começa em Nova York, Wolff está em uma galeria de arte de um novo cliente, chamado Phillipe Medici. Wolff está acompanhado de Alicia, subordinada de Medici, que suspeita de uma possível adulteração nos valores dos lucros da empresa em que Medici atua. Wolff é introduzido à Medici e o leva para um galpão secreto no Queens. E lá Wolff começa seu trabalho e revira todo o histórico de lucros da organização. É bem obvio que algo de podre está prestes a acontecer, principalmente quando Wolff acaba e descobre que houve uma adulteração silenciada por um lendário matemático chamado Sunya Ekam.
Caros leitores, vocês conhecem aquela expressão: “Shit Happens”?
Então...é exatamente o que acontece agora. Wollf e Alicia estão sendo monitorados desde que chegaram, portanto Medici coordena uma ação de matar os dois, pois descobriram seu segredo.
A parte do tiroteio foi similar ao refrão de “Bumbum granada”- “Vai taca, taca, taca, taca, taca, taca. Pois é contada de forma muito corrida e atirada. Enfim, já começamos com Alicia sendo baleada e Wolff dando headshots em todo mundo, e rapidamente escapa pulando de uma JANELA e faz a famosa “Hero Landing” em um carro e sai simplesmente ileso.
O fato da HQ ser curta realmente justifica a velocidade das ações; elas são tão rápidas, que Wolff simplesmente chega mais rápido em Roma, do que o Garfield para se alimentar quando sabe que tem lasanha de janta.
Chegando em Roma, nosso astuto contador, que provavelmente tem uma bola de cristal, atira em um sujeito que se aproxima de Sunya Ekam para matá-lo. Nisso, temos o famoso clichê de entrar em um carro, e sair dirigindo até ser atacado por capangas, gerando uma perseguição. Sinceramente uma das partes mais legais da HQ acontece nessa página, pois Wollf faz um drift do estilo Drift King seguido de um Bullet Time e mata os dois perseguidores.
Wolff elimina facilmente todos, mas quando chega a Medici, ele está usando Alicia de refém e está segurando ela como escudo humano. “Drop your weapons”- diz Medici.
Wolff obedece e BOOM!!! Uma bala de sniper atinge Medici, bem na testa! Logo após Alicia é salva e a equipe da Organização entra.
Na última página da HQ Christian Wolff está em seu escritório e se depara com um pacote onde está seu pagamento. A pintura de Renoir foi lhe dada como recompensa.
“You’re just the Accountant”
Brian Buccellato, explorou a habilidade de atirador do contador dando ênfase nos seus head shots com uma só bala (Ele daria um péssimo Storm Tropper). Ele também explorou o vocabulário curto e grosso com diálogos bem típicos de Wolff.
Apesar de ser curta e corrida, a HQ é um entretenimento muito legal de interagir, pois o quadro é apresentado no filme. Isso dá um sentimento de "uau" muito divertido.
Com certeza a HQ não traz o mesmo impacto que o filme, mas todos aqueles que gostaram de O Contador, deveriam ler esse curto prequel, principalmente pela sua ação e pela maneira de como o tema abordado no filme pode ser demonstrado com sucesso em sua HQ.
A HQ está disponível em vídeo animado também. Você pode conferir aqui!
Crítica | Westworld - 01x04: Dissonance Theory
Spoilers!
Ao longo dos três textos de Westworld que escrevi, não pude deixar de tecer comparações entre a série da HBO e o fenômeno de Lost e seus mistérios que cresciam como uma boneca de Matrioshka. Para minha surpresa, Dissonance Theory funciona bem como uma eficiente bússola narrativa que deixa algumas coisas mais claras e não tem medo de revelar alguns mistérios, algo que Lost só faria em um espaço de mais temporadas adiante. Mas não pensem que por isso Westworld ficou menos interessante ou cativante. Pelo contrário.
Como tem sido um hábito, o episódio começa com Dolores (Evan Rachel Wood) em mais uma sessão com Bernard (Jeffrey Wright). Mas antes que entremos em mais uma discussão redundante sobre a liberdade da personagem, retornamos para o último ponto onde a havíamos visto: sob os braços de William (Jimmi Simpson) e Logan (Ben Barnes), que preparavam uma caçada a um fugitivo quando Dolores acabou cambaleando para o acampamento da dupla. O núcleo dos dois ficou ainda mais divertido com a inclusão de Dolores, já desenvolvendo ainda mais o personagem de William, que cada vez mais torna-se afeiçoado ao parque e à filha do fazendeiro, ao mesmo tempo em que nos dá mais tempo para ver Ben Barnes agindo de forma deliciosamente canalha.
A jornada dos dois ofereceu ainda mais flashes misteriosos de Dolores, agora traçando uma conexão com o Labirinto que o Homem de Preto (Ed Harris) vem buscando desde o primeiro episódio. O mais curiosos é o fato de Bernard claramente mencioná-lo durante sua sessão com Dolores no início do episódio, como se oferecesse um papel nele a ela. Mas ao mesmo tempo, é agradável ver a relação entre Dolores e William fortalecendo, especialmente no desfecho do núcleo, onde Dolores se desvia mais ainda de sua narrativa ao acompanhar os dois em um rumo perigoso para a caçada - de acordo com Logan, seria um "nível mais divertido do jogo, um easter egg". Seria o Labirinto do qual estamos tanto estamos ouvindo falar?
Ausente no episódio anterior, a narrativa mais agitada certamente foi a do Homem de Preto. Ainda acompanhado de Lawrence (Cliffton Collins Jr ), sua missão de encontrar o Labirinto ganha uma reviravolta interessante ao descobrirmos o significado real da "cobra sangrenta", diretamente relacionada à tatuagem de cobra da pistoleira Armistice (Ingrid Bolsø Berdal), uma das comparsas de Hector Escaton (Rodrigo Santoro). O HDP oferece um acordo tentador à Armistice, prometendo resgatar Hector de uma prisão em troca do segredo por trás de sua tatuagem. É uma interação inesperada e que rende mais momentos excelentes da sagacidade de Ed Harris.
Isso também resulta na ótima sequência em que o HDP resgata Hector da prisão, utilizando um mero fósforo como principal instrumento de fuga. Aliás, é curioso como os padrões para certos personagens vão se repetindo mesmo que estes não tenham ciência disso, como a tomada que praticamente recria o primeiro momento em que o HDP salvou Lawrence da forca, com o plano parado no rosto do condenado enquanto os tiros ao fundo revelam a chacina de seus captores. Foi ótimo rever Rodrigo Santoro aqui, e ainda de quebra ganhou mais uma elaborada sequência de "assaltar ao saloon", dessa vez ao som de uma rendição moderna de "Habanera", de Georges Bizet.
Também foi possível tirar 3 fatores importantes desse núcleo: a conexão entre Armistice e a chacina da gangue de Wyatt, o fato de que o HDP realmente é um Convidado (e um famoso, dada a cena em que um outro Convidado o reconhece) e também de que o mesmo definitivamente não é o misterioso Arnold.
Por falar nele, precisamos comentar o que anda acontecendo na nova Narrativa de Ford (Anthony Hopkins). Vimos um maquinário absurdo movendo rochas e aparentemente construindo algo inteiramente novo no parque, o que provoca diversas mudanças nas demais Narrativas e a fúria do Conselho e da implacável Theresa Cullen (Sidse Babett Knudsen). A situação resulta em um jantar passivo-agressivo entre os dois, com exemplos formidáveis da direção certeira de Vincenzo Natali e do ótimo roteiro de Jonathan Nolan e Ed Brubaker. Pela primeira vez, vemos o quão ameaçador Ford pode ser, e a performance de Hopkins durante sua ameaça pacífica de "fique fora do meu caminho" é digna de seus tempos como Hannibal Lecter no cinema.
Finalmente, retornamos a um dos núcleos que fica cada vez mais instigante a cada novo episódio. Maeve (Thandie Newton) vai reunindo cada vez mais pistas sobre sua natureza artificial, dessa vez provocada quando a personagem começa a lembrar-se de um ferimento de bala provocado no passado - na certa, por um dos Convidados. A lembrança gera mais flashbacks de seu despertar sinistro nos laboratórios de reparo, dessa vez marcando a imagem de um homem em traje de contenção, o que leva Maeve a desenhar a figura e esconder embaixo do assoalho de seu quarto para futura referência. O momento mais impactante do episódio veio justamente quando Maeve encontra dezenas de desenhos dessa figura humana, nos deixando bem claro que Maeve está presa em mais um loop.
Essa intuição leva a uma das ações mais intensas de Maeve, ao forçar Hector a esfaqueá-la no local de seu ferimento anterior a fim de provar seu ponto. É uma cena poderosa não só pelo gore, mas pela química incendiária entre Santoro e Newton, já deixando implícito um passado curioso entre os dois personagens. Outra revelação incrível é a de que tribos indígenas de Westworlds têm sua própria mitologia e crença religiosa a respeito do desenho apresentado por Maeve, que Hector explica ser a ilustração de "deuses que viajam entre os mundos para ficarem de olho em nós". É uma frase simples, mas que já demonstra uma riqueza notável em Westworld, onde até os Anfitriões são evoluídos a ponto de criarem mitos sobre seus próprios criadores. Pergunto-me quem seria responsável por tal programação...
Foi mais uma hora memorável e intensa em Westworld. Tudo parece estar convergindo de alguma forma para o misterioso Labirinto, ao passo em que Dolores e Maeve vão cada vez mais descobrindo as camadas de sua realidade e a nova Narrativa de Ford mostra-se algo realmente grandioso. Trazer à tona parcialmente esses mistérios certamente não tirou a graça do jogo.
Só o tornou mais fascinante.
Crítica | Black Mirror - 3ª Temporada
Finalmente!
Com o anúncio de que a Netflix produziria novos episódios da cultuada série britânica Black Mirror, todos os fãs entraram em frenesi e ficaram colados a seus próprios "espelhos negros" a fim de novidades e muita expectativa. Ainda com a presença de Charlie Brooker, criador e roteirista de todos os episódios da série, a Netflix nos presenteia com 6 novos episódios para a antologia de ficção científica social, com a confirmação de mais uma temporada chegando ano que vem.
Enfim, vamos ver o que a Netflix aprontou.
1 - Perdedor
A Netflix precisava mostrar a que veio em seu primeiro episódio de Black Mirror. É uma responsabilidade enorme preencher os sapatos de Charlie Brooker (responsável pela ideia deste episódio), e fico feliz em constatar que o serviço de streaming entendeu perfeitamente o espírito da coisa. Perdedor é um excelente início para a temporada e também, de todos os episódios da série até então, o que traz uma sátira e lição de moral mais relevante e importante para a sociedade contemporânea.
A trama tem início em um mundo onde todas as pessoas são avaliadas por um aplicativo conectado a seu smartphone e a retina. É possível ver todo o conteúdo que determinada pessoa compartilha virtualmente, desde citações, vídeos e imagens, e atribuir a estes uma nota de 0 a 5 estrelas, o que serve para construir a reputação pessoal de cada um: uma pessoa com nota 4.5 é beneficiada na sociedade, enquanto alguém com menos de 3 é praticamente um marginalizado. Nesse cenário movido por bajulação e falsidade, conhecemos Lacie (Bryce Dallas Howard), uma mulher nota 4.2 desesperada para mudar-se da casa de seu irmão, mas que só será possível se sua avaliação subir para 4.5. Assim, Lacie fará de tudo para atingir a nova avaliação.
Primeiramente, isso é genial. O roteiro de Rashida Jones e Michael Schur é tão certeiro em oferecer uma visão deturpada e caricata dos Facebooks e Instagrams da vida que é algo que parecia gritar para ser parodiado. Perdedor representa um dos grandes problemas da sociedade atual, com pessoas desesperada pela aceitação de estranhos e obcecadas em aprovação, onde uma realidade falsa é projetada virtualmente para ocultar os problemas do mundo real: quantas vezes alguém não "força" naturalidade em uma selfie apenas para simular um momento de falsa felicidade? Para a mera aceitação de outros? Perdedor vai muito além nessa discussão, onde praticamente todas as pessoas deste universo esboçam sorrisos forçados e risadas falsas, oferecem elogios gratuitos e gestos de educação exagerada. Não existe mais nenhuma naturalidade, tudo é feito em prol das notas. Ironicamente, muitos dos que trazem avaliações mais baixas são justamente aqueles que não se importam com esse "código da falsidade", o que resulta em uma cena final extremamente reveladora e catártica.
A trama se desenrola em um arco envolvente onde Lacie é convidada para ser dama de honra no casamento de sua popular "ex-amiga" Naomie (Alice Eve), levando-a a uma jornada intensa onde a performance de Bryce Dallas Howard mostra-se impressionante. É curioso como sentimos repúdio das ações claramente tendenciosas de Lacie, mas somos compelidos a sentir pena de sua inevitável descida no poço.
2 - Versão de Testes
Junto com Momento Waldo, Versão de Testes é um dos episódios de Black Mirror que menos se parece com Black Mirror. Não que isso seja algo ruim, mas é curioso encontrar essa história compartilhando espaço com as demais, mas também é interessante por nos mostrar o quão diversa a criação de Charlie Brooker pode ser.
Aqui, acompanhamos o aventureiro Cooper (Wyatt Russell), que tenta superar a morte de seu pai ao fazer um repentino mochilão pela Europa. Quando seu cartão de crédito é misteriosamente bloqueado e o jovem se vê sem condições para pagar sua passagem de volta para os EUA, ele aceita participar de uma experiência remunerada para uma conceituada empresa de games, que desenvolve um revolucionário jogo survival horror de realidade virtual. O aparelho realiza uma conexão com neural com Cooper, para descobrir seus temores mais profundos e projetá-los contra ele em uma experiência psicologicamente devastadora.
O que separa Versão de Testes de praticamente todos os outros episódios da série é a ausência de um comentário. Claro, temos uma visão destorcida e assombrosa do que o VR pode vir a representar aos gamers, mas não é essa exatamente o alvo de Brooker neste episódio. Afinal, não temos uma forte sátira sociológica ou sentimental como nos anteriores, sendo mais um episódio de sci-fi com forte inclinação para o terror. E isso não é nem de longe algo ruim, já que a direção de Dan Trachtenberg (revelação do excelente Rua Cloverfield, 10) comanda com maestria o suspense e o pavor que começam a circular o protagonista. O setting de uma casa antiga e solitária é a escolha mais óbvia para um game de terror, mas que funciona muito bem graças ao domínio de Trachtenberg do gênero e sua linguagem, sabendo construir com habilidade a atmosfera pesada e os sustos bem colocados.
Wyatt Russell também é outro fator que torna a experiência tão agradável. O filho do Kurt em pessoa já havia surpreendido com papéis menores em Anjos da Lei 2 e Jovens, Loucos e Mais Rebeldes!! e aqui tem a chance de segurar todos os 55 minutos de duração sem nunca deixar a bola cair. A persona animada e extrovertida de Cooper nos mantém a seu lado durante todo o tempo, e Russell mostra-se um grande ator ao demonstrar a lenta decaída do protagonista a seus terrores mais profundos - e seja no Reino Unido, seja nos EUA, Black Mirror ainda é capaz de nos fazer sentir mal pelas dores de seus personagens.
Infelizmente, é uma pena que essa condução magistral de Trachtenberg perca-se no velho clichê do "final falso", um recurso artificial e trapaceiro com o espectador, e que acaba repetindo-se mais de uma vez durante a conclusão. Tirando esse deslize, é uma sólida experiência e que comprova mais uma vez que Trachtenberg e Wyatt Russell são dois nomes pra se ficar de olho.
3 - Cala a Boca e Dança
Infelizmente, sempre chega esse dia. É inevitável que uma série trilhe um caminho tão primoroso sem falhas, e Black Mirror encontra em Cala a Boca e Dança seu episódio mais fraco até então. Claro, ainda é um episódio eficiente e com incrível capacidade de chocar e envolver o espectador, mas é definitivamente muito abaixo do nível de Charlie Brooker, que aqui acaba preso a convenções e clichês que prejudicam fortemente a experiência.
A trama nos apresenta ao jovem Kenny (Alex Lawther), solitário e atendente em uma loja do bairro. Certa noite, sua irmã acidentalmente infecta seu notebook com um malware, levando Kenny a buscar um antivírus e se livrar da ameaça virtual. Para sua surpresa, o vírus provocou uma invasão misteriosa em sua webcam, que é controlada por terceiros para espionar o cotidiano de Kenny. Quando este acaba usando o notebook para masturbação, passa a receber diferentes mensagens em seu celular e notebook, onde anônimos ameaçam vazar o vídeo de seu momento íntimo a menos que Kenny faça exatamente o que as mensagens mandarem.
Convenhamos, você já viu essa história um milhão de vezes. Desde o irregular Controle Absoluto até o mais recente Nerve: Um Jogo sem Regras, a ideia de ser forçado a obedecer ordens de alguém escondido por trás de um celular já tornou-se antiga, e o roteiro de Brooker pouco pode fazer para tornar a trama original. Cada reviravolta é tristemente previsível e esperada, então não é nenhuma surpresa quando as ordens indicadas pelos misteriosos chantagistas envolvem atos criminosos, violência e por aí vai. Previsibilidade não é uma coisa que costumo esperar de Charlie Brooker...
Porém, a direção de James Watkins é eficiente ao manter uma tensão crescente e um ritmo ágil. A performance desesperada e apavorada de Alex Lawther também cria uma afetividade forte pelo personagem, mas a situação só fica realmente interessante quando Kenny acaba encontrando Hector (o ótimo Jerome Flynn), outra vítima dos nebulosos chantagistas, e os dois são forçados a trabalhar juntos para terem suas vidas de volta. A dinâmica entre Lawther e Flynn é o ponto alto, sendo capaz de render alguns momentos pontuais de humor em meio ao pânico.
4 - San Junipero
De cara, parecia a decisão mais ousada de Black Mirror: uma história ambientada nos anos 80. É uma proposta que vai contra tudo o que a série vinha apresentando desde então, narrativas distópicas que geralmente enxergam um futuro próximo, nunca o passado. Por isso, é muito estranho quando San Junipero tem início, e demora muito para que finalmente percebamos que esta narrativa de fato pertence ao universo de Charlie Brooker.
A história começa em uma noite de 1987 na cidade praieira de San Junipero, quando a tímida Yorkie (Mackenzie Davis) conhece a festiva e extrovertida Kelly (Gugu Mbatha-Raw) em uma danceteria local. As duas rapidamente se conectam e um pequeno romance se inicia, até o momento em que Kelly some repentinamente e começa a evitar Kelly aparentemente sem motivo.
É muito estranha a sensação dos primeiros 30 minutos ou mais de San Junipero. O texto de Brooker é o mais sentimental e humano do que qualquer outro episódio, mas a estranheza mesmo é causada pela ausência do fator Black Mirror ali. Por alguns instantes até desconfiei que a Netflix tivesse saído da exibição normal e estivesse nos mostrando alguma prévia da nova temporada de Stranger Things. Confesso que pode até tornar-se maçante, já que é um diálogo que almeja pelo naturalismo de um Richard Linklater ou Jim Jarmusch, mas que acaba seguindo sem um rumo claro - o que torna envolvente são as performances centrais de Davis e Mbatha-Raw, ambas excelentes.
Porém, passando pela metade, um dos personagens diz uma coisa que mudou o episódio completamente para melhor. Enquanto procura por Kelly, Yorkie encontra um colega que sugere que ela "a procure em outra época, como anos 90 e 2002". Não vou estragar a surpresa do que vem a seguir, mas é quando finalmente descobrimos o "elemento Black Mirror" deste episódio e a genialidade de Charlie Brooker vem à tona, trazendo uma ideia realmente original e que serve à história romântica das protagonistas de forma inesperadamente afetiva.
5 - Engenharia Reversa
Depois da doçura de San Junipero, é hora de retornar às trevas do mero ser com Engenharia Reversa, outro episódio que também começa num território estranho para a série, nos apresentando a uma misteriosa "guerra" futurista onde soldados militares são enviados para caçar e matar criaturas conhecidas apenas como Baratas; explicadas ao espectador como seres humanos modificados por um vírus mortal e que tornaram-se se uma ameaça para a população. É quando conhecemos o soldado Stripe (Malachi Kirby), que, durante uma das missões para exterminar as Baratas, é afetado pelo dispositivo de uma delas e passa a sofrer estranhos efeitos colaterais que lhe fazem questionar toda a natureza de seu trabalho.
Não vale a pena revelar a twist do efeito provocado pelas Baratas em Stripe, mas posso dizer que é uma das propostas mais ousadas e corajosas de toda a série. Diz muito sobre a manipulação das massas e a cultura do medo, enquanto traz todo o aspecto de "tecnologia maligna" que Charlie Brooker sabe explorar tão bem, trazendo na figura do personagem de Richard Kelly um antagonista mais assustador do que as tais Baratas que movem toda a trama.
Vale destacar também a ótima performance do desconhecido Malachi Kirby como Stripe, trazendo toda a confusão e dor do personagem de forma crível e envolvente, enquanto a direção precisa de Jakob Verbruggen (mais conhecido por dirigir alguns episódios de House of Cards) é eficaz ao construir suspense durante as cenas de ação que envolvem a caçada dos militares às baratas ou os momentos mais lúdicos, como o programa de computador que permite que Stripe sonhe com uma mulher misteriosa (Loreece Harrison).
Certamente é capaz de provocar reflexões sobre muita coisa presente na política atual...
6 - Odiados pela Nação
Com impressionantes 90 minutos de duração, Black Mirror é praticamente elevado à categoria de longa-metragem com Odiados pela Nação, o ambicioso season finale da nova temporada que agora abraça o famigerado gênero policial para um conto cauteloso distópico derradeiro.
Aqui, somos situados em um cenário aparentemente contemporâneo. Com a exceção do advento de abelhas drone que desempenham um papel útil na sociedade, é um período muito similar com o nosso, especialmente no que se diz respeito à escrutínio online e a cultura do ódio que impera em praticamente todos os setores de comentários da internet. Tudo começa quando uma blogueira influente é misteriosamente assassinada, chamando a atenção das investigadoras Karin (Kelly McDonald) e Blue (Faye Marsay), que percebem que a vítima sofrera uma campanha pesada na internet que praticamente exigia sua cabeça, liderada por uma hashtag que ordenava sua morte. Dias depois, uma celebridade sofre o mesmo destino, também marcado pela presença da hashtag movida por uma campanha expressiva nas redes sociais.
Exatamente, é um serial killer de hashtags. O jogo sádico idealizado por Charlie Brooker nos apresenta a uma campanha online que decide por voto popular qual pessoa irá morrer no dia escolhido. Certamente é a versão deturpada de todos os trolls e haters de internet, e Brooker os torna mais assustadores ao fazer de Odiados pela Nação um típico filme de mistério e de corrida contra o tempo, ganhando fôlego e suspense pela direção certeira de XX. Traz o clássico clima perturbador e as decisões erradas que tornam Black Mirror tão memorável, e ainda oferece uma metáfora fortíssima que envolve as abelhas drone.
Só peca mesmo pela excessiva duração. Não tem a necessidade de estender a trama para 90 minutos, o que acaba gerando muitas cenas arrastadas de exposição e mais personagens do que o necessário. Mas, no fim, é um season finale digno.
O futuro realmente sorri?
Black Mirror vive novamente na Netflix. Confesso que não se trata do melhor trabalho que traz o nome de Charlie Brooker, mas a nova temporada de sua antologia de tecnoterror traz momentos de verdadeiro prestígio e inspiração. Com a quarta temporada já agendada para o ano que vem, ficaremos no aguardo para mais vislumbres da visão pessimista de Brooker para o futuro.