Crítica | Ingresso para o Paraíso é o retorno de Julia Roberts às Comédias Românticas

Julia Roberts é sem dúvida alguma um dos grandes ícones de sua geração. A atriz marcou época nos anos 90 por fazer, principalmente, comédias românticas que até hoje são lembradas pelos fãs do gênero. Em Uma Linda Mulher (1990) apareceu belíssima para o mundo fazendo par romântico com Richard Gere, seguindo a esse filme vieram outros sucessos, como O Casamento do Meu Melhor Amigo (1997) e Um Lugar Chamado Notting Hill (1999), após um longo hiato de duas décadas a atriz retorna ao gênero no divertido Ingresso para o Paraíso (Ol Parker).

Porém, mesmo com tantas rom-coms de sucesso em que atuou nos anos 90, sendo uma sucessão delas sendo recebidas com um tom positivo pelo público e pela crítica, Julia Roberts resolveu se afastar das rom-coms por um longo período por não encontrar um roteiro que não lhe agradasse. Entre essas duas décadas longe do gênero que a consagrou, a atriz contou com algumas participações em romances sem relevância, como Comer Rezar Amar (2010), e o que a fez mudar de ideia em atuar em Ticket to Paradise foi o agradável roteiro da dupla Ol Parker e Daniel Pipski, além é claro, da sua amizade de longa data com George Clooney.

É de conhecimento público que George Clooney e Julia Roberts são amigos há muito tempo, e em Ingresso para o Paraíso voltam a trabalhar juntos depois de cinco anos, sendo o último filme que a dupla contracenou junto foi Jogo do Dinheiro (2016).

A trama de Ingresso para o Paraíso lembra bastante a de muitos filmes do gênero produzidos nos anos 90 – não à toa a escolha de Roberts e Clooney como protagonistas – em que Georgia e David são um casal que está separado há uns vinte anos. São daqueles casais que não se suportam e quando se encontram sempre discutem, mas terão de se aguentar em várias situações atípicas que o destino irá proporcionar, primeiro quando sua filha Lily (Kaitlyn Dever) se forma na faculdade, e depois quando ela abruptamente viaja para Bali e decide rapidamente se casar com um balinês local, chocando seus pais.

O confronto ácido entre o ex-casal que não se suporta dá a direção para a narrativa, e mesmo sendo óbvio em alguns momentos o que irá acontecer, ainda assim é muito gostoso de acompanhar Roberts e Clooney trabalharem juntos novamente em um papel cativante. Os dois já são carismáticos, algo que ajuda bastante a prender a atenção do público, e os personagens escritos a dedo ajudou a dar uma dinâmica maior para a dupla.

Essa relação entre os dois astros é explorada ao máximo, transformando a carismática e talentosa Kaitlyn Dever quase como uma figurante tamanho os vários planos que o casal surge em cena. O roteiro, obviamente, acerta em dar bastante espaço para os dois, pois tanto Clooney quanto Julia Roberts são os principais destaques da trama, e além de estarem ótimos em cena, leves e engraçados, há um atrativo a mais que é o fato de a direção de Ol Parker saber o que quer desde o início, e assim não querer inventar a roda no meio do caminho, como algumas produções desse formato costumam fazer e se atrapalham em tocar a narrativa.

Quanto a mensagem, ela é clichê sim, mas até que é bonita. Georgia e David tem certeza que foi um erro terem se casado muito jovens, e além de se odiarem, não querem o mesmo futuro para a filha. Na realidade não querem ver Lily morando em um lugar longe dos EUA e largando a advocacia. Porém, com um curto período na ilha, os dois, percebem que perderem um tempo de ficarem eles mesmos juntos como um casal e essa é a moral da história, que tudo poderia ter sido resolvido com uma boa conversa e que atritos surgem em qualquer relacionamento, mas que o amor sempre prospera.

Ingresso para o Paraíso  pode não ser considerado um dos grandes filmes do currículo de Roberts, mas sem dúvida é uma divertida história de amor e que deve ser levada em conta quando for pensada em como a atriz voltou a trabalhar no gênero, e tomara que não pare de surgir roteiros de rom-coms de qualidade para que ela – e nem Clooney – possam trabalhar em um formato que ainda pode trazer muito entretenimento para o público.


Crítica | Men: Faces do Medo é um dos filmes mais estranhos do ano

Após se firmar como um dos nomes mais interessantes do mundo audiovisual com Ex Machina: Instinto Artificial e Aniquilação, Alex Garland mergulha de cabeça em seu novo terror da produtora A24, chamado simplesmente de Men: Faces do Medo.

A história do filme acompanha Harper (Jessie Buckley), que aluga uma casa de campo no interior da Inglaterra para tentar superar o suicídio de seu marido abusivo. Lá, ela se depara com uma situação bizarra ao notar que todos os homens da cidade têm a mesma aparência (do ator Rory Kinnear) e parecem determinados a persegui-la.

O filme traz uma premissa tentadora e que facilmente se adequa ao gênero do terror, especialmente pela construção primorosa de Garland como diretor, aproveitando uma paisagem idílica para trazer momentos de real pavor.

Porém, Men: Faces do Medo certamente vai se mostrar muito divisivo em seu ato final, oferecendo algumas das imagens mais repulsivas e bizarras que o espectador verá em 2022.

Confira a análise completa no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://www.youtube.com/watch?v=8-LbV2YHsKs


Crítica | Versão estendida de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa é pura enganação

Um dos filmes mais bem sucedidos de todos os tempos, e um dos responsáveis por reacender a chama dos cinemas durante a pandemia da COVID-19, Homem-Aranha: Sem Volta para Casa está retornando às telonas com uma versão estendida. Já.

A Sony Pictures apostou em um novo corte com míseros 11 minutos de cenas adicionais e estendidas, oferecendo muito pouco para justificar uma nova exibição nos cinemas; e que basicamente soa como desespero para ocupar as salas durante o feriado - tanto no Brasil quanto nos EUA, onde também encontrou público.

Porém, a experiência não é afetada nem um pouco pelas novas cenas. São, em sua maioria, novas piadas e sequências no primeiro ato do filme, oferecendo só uma sequência estendida com a presença de Andrew Garfield e Tobey Maguire.

A versão estendida de Homem-Aranha: Sem Volta para Casa definitivamente não precisava existir, já que simplesmente adiciona algumas cenas que tranquilamente poderiam ter sido conferidas no lançamento em Blu-ray ou DVD do longa. Puro e simples caça-níquel.

Confira a crítica completa no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://www.youtube.com/watch?v=8kKALWcQOgA


Crítica | Terceiro episódio de House of the Dragon é aula magna de como escrever um filler

Spoilers

Enquanto algumas séries sofrem em estruturar fanfics, os roteiristas Gabe Fonseca, Ryan J. Condal e George R.R. Martin dão uma aula magna na estruturação do roteiro quase todo constituído de filler no terceiro episódio de House of the Dragon - O Segundo de Seu Nome.

Se valendo de uma elipse de dois anos do episódio anterior, vemos como a Batalha dos Degraus, parte da crescente Guerra da Triarquia, se desenlaça. Com as estratégias de retranca e resistência à cerco, o Engorda Caranguejo, Craghas Drahar, segue sendo uma enorme dor de cabeça para o pacto entre Daemon e Corlys Velaryon, humilhando ambos a cada nova derrota mesmo enfrentando uma legião de soldados e um temível dragão.

Com maestria cinematográfica, o diretor Greg Yaitanes comprova que será um dos melhores nomes dos profissionais dessa temporada, não economizando na visceralidade dos primeiros minutos do episódio exibindo o trágico fim de um soldado romântico em relação à Daemon e seu esguio dragão Caraxes.

Após esse evento que realmente segue as linhas de Fogo e Sangue, toda a atenção do episódio se volta para a crescente panela de pressão que atinge Porto Real com a celebração do segundo aniversário do príncipe Aegon II que todos acreditam ser o herdeiro do Trono de Ferro, apesar da nomeação de Rhaenyra seguir valendo.

Com boa parte da corte viajando para o acampamento em Kingswood para a celebração acontecer, a tensão entre Rhaenyra e Viserys é gigantesca. A paranoia da protagonista em perder seu posto, após o desgosto de perder a amiga Alicent, é válida, com o texto tratando todas suas falas em tom de rebeldia contra o establishment político que a cerca, afinal a escrita inunda a personagem de inteligência.

Como todo o trabalho de Martin em Fogo e Sangue é contar os eventos de uma história sem perder muito tempo se afundando em detalhes como ocorre em A Canção de Gelo e Fogo, chamo o episódio de filler justamente por causa disso. A atenção dada ao miolo do episódio inteiro revela muitas nuances dos personagens que o autor criou, os tornando muito mais complexos a cada novo diálogo - e os planos certeiros de Yaitanes para mostrar os olhos e ouvidos atentos da corte sobre a relação do rei e da princesa ajudam a tornar todo o drama ainda mais pálpavel.

Logo, esse respiro para assentar diversas discussões é importantíssimo. Sabemos agora como Viserys se sente sobre a morte de Aemma Arryn e Baelon, além de denotar o quão estressante é a vida em meio a sua corte repleta de pitacos e exigências. As neuroses são tantas que toda a intriga entre Viserys e Rhaenyra lembra muito da atmosfera de The Crown, com os personagens da realeza britânica sendo reféns do dever de sua posição.

Rodeado de bajuladores, a perspectiva dos planos cuidadosamente montados pela direção de Yaitanes revela o quão solitária é a figura de Viserys, acuado e pequeno. Perdido, sem família, já que ainda vê apenas Rhaenyra como a memória viva de um tempo mais feliz que nunca retornará. Entendendo as vontades da filha, o medo legítimo dela enquanto fica ciente das vontades contrastantes da corte, é precioso ver como Viserys toma atitudes de um verdadeiro Rei - refletido com muito afinco pela atuação espetacular de Paddy Considine

O jogo de concessões que Viserys tem que suportar tira qualquer sombra de sossego e permite que o trio de roteiristas jogue uma aventura muito interessante sobre um cervo branco, o "rei" de Kingswood. Visto como presságio para abençoar o "reinado" de Aegon II, todos clamam para que Viserys mate a criatura, se tornando um "regicida" na licença poética da metáfora.

A surpresa não é só o fato de Viserys ficar desapontado ao notar que seus caçadores não encontram o tal animal branco e o substituírem por um cervo comum, mas como ele não tem a menor vontade de matar o pobre animal, rendido a caprichos de um entretenimento vazio.

O jogo de circunstância também é inteligente como um foreshadowing para eventos derradeiros de Game of Thrones com Viserys usando uma lança Lannister para abater o pobre cervo - animal que estampa o escudo da casa Baratheon.

Usando essa mesma pequena narrativa da caçada e simbologia do cervo branco, a escrita do episódio consegue trazer mais duas situações excelentes sendo que uma delas serve para abrilhantar ainda mais a direção de Yaitanes. As duas acontecem com Rhaenyra que, irritada com os cortejos para se casar e com a festa do meio-irmão, foge para Kingswood com sor Criston.

Nesse desvio, Rhaenyra é ataca por um javali ensandecido que, além de evocar uma boa memória envolvendo Robert Baratheon e seus entraves em uma caçada, traz a chance perfeita do diretor fazer um corte seco entre a imagem chocante de Rhaenyra, irada, esfaqueando violentamente o bicho ao descontar suas frustrações para então apresentar Viserys sofrendo próximo à fogueira remoendo em remorso. É um instrumento básico, mas muito eficiente em mostrar como a princesa também tem seus impulsos patricidas edipianos.

Depois, novamente Martin e os roteiristas então delineiam melhor a personagem ao mostrar o bendito cervo branco aparecendo para Rhaenyra na manhã seguinte, em uma espécie de reverência à verdadeira futura rainha dos Sete Reinos - logo, fica claro que o escopo criativo da série será muito simpático ao lado da Rheanyra no vindouro conflito que começará no final da temporada.

Após isso, é estabelecido que Viserys promete para sua filha, mais uma vez, que sua palavra se mantém e ela segue a herdeira do Trono de Ferro, além de decidir que ele vai ajudar Daemon em sua batalha pessoal com Corlys nos Degraus - ainda que isso tenha uma segunda intenção.

Com poucos minutos restando, o poder da síntese precisa se manifestar para fechar as pontas da guerra nos Degraus. O público conhece através dos cortes intermitentes do rosto dos soldados Velaryon já muito cansados do conflito com o discurso de sor Vaemond que quase incita um motim contra Corlys e Daemon.

Com a carta de Viserys chegando no momento propício, jogando Daemon em um ataque de ódio - afinal toda a conquista dos Degraus era para provar que ele é um guerreiro de valor e ótimo estrategista para a corte e o rei, uma jogada arriscada e drástica se faz necessária.

Com competência, a batalha final nos Degraus empolga e consegue até mesmo manter quem sabe do desfecho da história toda ainda extremamente tenso com o que se passa na tela. Uma pena, porém, que Yaitanes use uma decupagem muito picotada para exibir as sequências violentas de combate corporal, além de planos bastante fechados.

O respiro da ação melhor orquestrada vista em Hardhome ou na Batalha dos Bastardos ainda evoca saudades, mas o resultado é satisfatório, ainda mais por vermos o pálido dragão Seasmoke tocando o terror junto de Laenor que será peça principal dos próximos episódios.

No fim, Segundo de Seu Nome mantém a qualidade exímia vista desde o piloto de House of the Dragon mesmo quando 80% de seu material seja filler completo, uma mera "fanfic". O nível do texto segue elevadíssimo com situações inteligentes mostrando que o jogo dos tronos realmente não tem descanso e que qualquer sinal de fraqueza pode ser fatal.

Felizmente, com mais um episódio brilhante que evoca a qualidade dos seus ótimos profissionais, os fãs podem ficar tranquilos, pois é muito improvável que a série perca o nível fora do normal que apresentou até aqui.

House of the Dragon – 01×03: Second of His Name (EUA, 2022)

Showrunner: Ryan J. Condal e George R.R. Martin
Direção: Greg Yatanes
Roteiro: Gabe Fonseca, Ryan J. Condal e George R.R. Martin
Elenco: Paddy Considine, Milly Alcock, Rhys Ifans, Matt Smith, Steve Toussaint, Emily Carey, Eve Best, Graham McTavish, Sonozoya Mizuno, Gavin Spokes
Gênero: Drama
Duração: 63 min


Crítica | O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder apresenta uma adaptação fanfic para dominar a fantasia incerta em sua estreia

Finalmente chegou aquela época no qual anos atrás teria fãs de Tolkien e Senhor dos Anéis juntos em comemoração por permitir um dos eventos mais únicos da cultura pop ser trazido de volta à vida para saciar a fome voraz por uma história de fantasia que não mais seguisse os trades modernos de ter que se equiparar ao cinismo brutal da política medieval de Game of Thrones – ironicamente tendo ambas novas versões sendo lançados na mesma época atual – e se ater novamente a algo mais puro em sua forma. De contar histórias cujo mito, o mundo e as relações de seus personagens predominam um embate do bem VS o mal que habita no mundo em que vivem e dentro de si mesmos.

Tudo poderia ser belo se não fosse pela intervenção do caos causada pelo velho inimigo chamado “deturpação”, ou melhor, o sentido que diferentes lados tem da mesma. Pois no momento em que os fãs detectaram poucas coisas sequer relacionadas aos livros de Tolkien nos materiais promocionais, os defensores cegos foram movendo céu e mundo em notas de repudio puxando a velha cartilha de acusações para rebater as críticas envolvendo questões de fidelidade e adaptações como sendo puramente preconceituosas.

Enquanto o nome e legado de Tolkien era posto na fogueira da discórdia, e porventura talvez comprovando o quanto sua obra continua tão relevante hoje quanto há quase um século quando foi lançada, é difícil chegar e criticar algo de deturpar a obra no qual se baseia quando os mesmos só possuem os direitos dos Apêndices da trilogia original do Senhor dos Anéis para ser usada como seu ponto de inspiração..

O termo fanfic fora muito usado para resumir os eventos da oitava temporada de Game of Thrones, mas ali você ainda conseguia distinguir uma ou duas coisas que poderiam ter sim uma idéia original do Martin em mente. Enquanto que aqui, acredite, quando você é um leitor e fã assíduo do autor. é muito fácil validar o termo para o que se é construído aqui. Onde meros elementos são adaptados e que soam familiaridade e ora são postos de maneira que podem ser lidos como “adaptações” que leitores mais ávidos do Silmarillion vão captar, mas nunca se aprofundar, e que claramente buscam ter sua livre e própria criação em cima do material.

Nada melhor representado do que se não pelo promissor prólogo do primeiro episódio que faz todo um auê em querer se equiparar ao icônico prólogo de A Sociedade do Anel de Peter Jackson – que também fora algo bem resumido, mas com muito mais contextos essenciais bem trabalhados dentro de poucos minutos para montar sua própria narrativa ecoando com respeito o original.

Já aqui, mais se parece um resumo do resumo em si, comprimindo o que são literalmente SÉCULOS de narrativa em explicações rápidas que perdem muito do valor original que elas realmente possuíam – a verdadeira razão da saída dos Elfos de Valinor, a sua travessia para Terra Média, as guerras que se sucederam (que foram para além de Morgoth) – tudo que poderia encaixar uma temporada inteira de história.

É um tanto frustrante que uma história tão avassaladora tenha que começar com um inicio tendo que colocar meninos fazendo bullying com uma Galadriel criança para construir sua protagonista empoderada que virá ser construída mais tarde – que não faz nenhum sentido visto que, desde que se é lembrado, Galadriel já veio a Valinor adulta e foi desde sempre respeitada como uma figura de imponência, mas isso só são detalhes extras do que se perde no quesito adaptação

Mas quanto a validade moral e intelectual de se fazer uma adaptação de algo que em si é incompleto e vago, mais um material de apoio de leitura contextual oferecida pelo aturo – e mais tarde elaborada em obras isoladas como O Silmarillion e contos isolados; do que uma narrativa sustentada por si só, não é o propósito dessa critica. Deixe a ganância megalomaníaca de dominar o mercado de streaming com alguma franquia lucrativa para outra hora. Como a série é por si só? Até o momento de dois episódios, meramente ok.

O talentoso J. Bayona faz um trabalho formidável nesses dois primeiros episódios ao tentar emular a aura de fantasia épica dos filmes de Jackson - o tom quase espiritual nas cenas dos Elfos, o calor humano nas cenas dos Pés-Peludos, a sensação de espetáculo ao ver as minas de Khazad-dûm pela primeira vez, embora ele mostre uns vícios chatos de direção com puxada de foco em profundidade de campo, e as cenas de ação dos elfos como Galadriel dando um supersalto finalizador no troll da neve mais se assemelha aos malabarismos super-heróicos banhados em computadorização digital da trilogia Hobbit, sem peso algum além de seres borrachudos fazendo piruetas querendo se equiparar ao que os fãs conhecem como o Legolas de Orlando Bloom.

Deve-se admitir que os showrunners John D. Payne e Patrick McKay (e sua equipe de roteiristas) fazem um trabalho quase que formidável de sustentar sua narrativa como se fosse uma adaptação à par com o que você veria numa produção HBO, e na inevitável comparação com Game of Thrones – diálogos bem compassados, núcleos narrativos bem definidos; quase te fazendo acreditar que o que você está vendo é uma adaptação legitima palavra por palavra. Mas não, é uma fanfic florida que brinca com homenagens ao lore real aqui e ali, mas está basicamente criando algo próprio com nome e personagens de outrem.

Poderia até ser tudo bem até aí, pois tirando isso, dizer que o orçamento está refletido na tela vai se tornar um refrão óbvio mas é o mais adequado para refletir o claro investimento ambicioso que Jeff Bezos e a Amazon depositaram aqui. Os efeitos visuais são imperceptíveis, o design artístico é puro luxo que chega a marejar os olhos com seu nível detalhe gráfico, Bear McCreary traz uma trilha formidável que faz jus aos ajustes de Howard Shore em sua pomposidade operática que te acalenta os ouvidos;

A série tem um ritmo cinematográfico bem legitimo, não se demora demais entre as cenas e os eventos se movem com devida fluidez, mas oras parece um pouco apressado demais e tudo parece movido à diálogos que configuram alguns estopins de clichês e frases de efeito.

Sem citar na obsessão de Galadriel com Sauron é repetida umas trinta vezes só no primeiro episódio tanto que dá pra fazer um drinking game bacana com os amigos a cada vez que ela cita o nome do desgraçado, embora não recomendemos para o bem de sua saúde – a própria Morfydd Clark parece ainda lutar num papel onde a atriz mais parece seguir ordens de suas falas do que realmente criar uma personagem propriamente sua, que até agora mais parece uma adulta emburrada com o patriarcado élfico.

Mas que talvez, tendo em vista o breve diálogo bonito no qual ela tem com seu irmão Finrod no inicio do primeiro episódio, possam indicar uma jornada de uma personagem que ao sucumbir pelo caminho de vingança, ela sempre vai escapar da luz de seu real valor como a bela cena da sua ida a Valinor bem representa – o que em si é uma interessante leitura da refusa que Galadriel sim teve de retornar à Valinor ainda na Primeira Era, mas mais motivado por culpa do que um sentimento de vingança contra Sauron, ser que ela só teria conhecimento muito mais tarde na Segunda Era nos livros. Não vamos nem perguntar onde se encontra seu marido Celeborn (companheiro seu desde a Primeira Era), pois só vai trazer mais lenha para a fogueira de discordância;

A narrativa no geral nunca busca aparar uma reflexão interessante como essa e mais sim foca em dar indícios de leitura de caráter sociológico nesse mundo: Galadriel sendo desacreditada entre seus aliados por ser....bom você sabe; o fato da vila guardada pela trupe dos elfos de Arondir ser uma configuração de semi-colonização feudal e qual é afinal o ponto moral legitimo nesse meio; a suposta pandemia envolvendo as vacas leitando um liquido negro e afetando a vila como uma praga mais parece um elemento de, como alguns dos atores da série disseram em seu ativismo social obrigatório: “refletir o mundo de hoje”

O bastante o suficiente para fazer alguns revirarem os olhos, e os elementos disso estão sem sombra de dúvidas espalhados por aqui (os momentos Girl Power são nada sutis em ambos episódios), mas até agora  não recebendo  o total foco de atenção (o que é um alívio).

O que causa um estranhamento de fato não pelo seu contexto filológico, mas mais pelo fato de que a maior parte dos personagens ora possuem penteados muito arrumadinhos platinados e carregando uma dialética de personagens moderninhos para uma fantasia medieval épica, e algumas vestimentas que fazem jus à novela da Record. Onde todos mais parecem atores fantasiados e maquiados do que aqueles seres que estão interpretando.

Talvez seja o mal costume que temos pelo fato de que Ian McKellen incorporava Gandalf de cabo a rabo e desaparecia no papel, e os Hobbits realmente pareciam aquele povo pequenino, e não os hipsters new age que são os Pés-Peludos, embora eles sejam meramente interessantes pelo fato de serem um pequeno grupo eremita que parece ter acabado de nascer nesse mundo e perambulam para sobreviver.

Com a personagem Nori sendo uma aventurareira faminta por novidade dando sinais de ser uma ancestral de Bilbo e Frodo, mas que só tomam alguma relevância quando um milagre cai do céu, e isso não foi uma piada!

De longe a coisas mais interessantes da série até agora vem sendo o núcleo dos anões introduzidos no segundo episódio, que são os que mais parecem com algo realmente de fato Tolkien por assim dizer, desde seu design ao mito que carregam incorporado nas vistas soberbas de Moria, mas ainda mais quando toca no assunto amizade – tema sempre recorrente no cerne de sua literatura - envolvendo uma relação de estranhamento entre Elrond e Durin IV, que sim é absolutamente inventada, mas Owain Arthur está tão bem no papel que você realmente compra o seu descontentamento quase cômico e sinceramente tocante.

Até mesmo Sophia Nomvete como a princesa Disa, que muitos fãs vinham revirado os olhos para seu casting, mostra ser uma presença bem carismática em cena, e de longe são os diálogos mais orgânicos da série até o momento. E diga-se de passagem é o único núcleo onde eles tem alguma liberdade pois toda a história dos Anões sempre foi nebulosa de contexto fora O Hobbit e citações no Silmarillion.

Já o resto da série, quando não é uma chatice que não consegue te comprar a atenção, você também chega a sentir a desenrolação quase que desesperada para rearranjar lore para encaixar nessa nova narrativa que eles tão criando que segue todas as cartilhas mystery box da trupe do J.J. Abrams, te fazendo questionar as perguntas usuais:

Quem é esse personagem e porque ele caiu de um meteoro? Porque Orcs estão capturando pessoas dessa vila? Quem é esse homem que Galadriel encontra meio ao mar? Qual a relação desses dois trará frutos mais tarde? De onde virão os supostos anéis do poder? Onde está ou quem é Sauron nessa época? Quem é essa mulher Bronwyn e porque seu filho Theo possuí uma estranha relação com a espada de Sauron, faz levantar teorias suspeitas (e não, não quer dizer que ele será o Sauron, temos outra suspeita menos óbvia para esse papel).

Plantando pistas e sementinhas que serão mais tarde desenvolvidas em respostas ou reviravoltas que vão ou agradar o público ou deixar-los enfurecidos, e essa é a única certeza de fato do que podemos tirar da série até agora em sua nebulosa mediocridade bem vestida.


Crítica | Era Uma Vez um Gênio apresenta o épico intimista de George Miller

Após recolocar seu nome nos holofotes de forma espetacular com o seminal Mad Max: Estrada da Fúria, o cineasta George Miller não se acomodou. Apesar de ter confirmado um novo derivado da franquia de ação focado na heroína Furiosa, o diretor australiano logo embarcou em um projeto radicalmente diferente de tudo o que já havia produzido: Era Uma Vez um Gênio.

Baseando-se no conto The Djinn in the Nightingale's Eye da autora britânica A.S. Byatt, a trama do filme acompanha uma especialista em narrativas (Tilda Swinton) que inesperadamente liberta um gênio ancestral (Idris Elba) de seu aprisionamento. Ele lhe oferece 3 desejos mágicos, além de contar diferentes histórias sobre seu passado.

Em seu núcleo, Era Uma Vez um Gênio é essencialmente sobre o valor e a necessidade de histórias. Seja para entender sentimentos, conceitos complexos ou lições de moral, narrativas estão presentes por toda a parte, e o roteiro de Miller e Augusta Gore é afiado ao colocar essa discussão metalinguística durante os diálogos da protagonista com o Gênio, flertando bastante também com a atmosfera de um conto de fadas.

Ainda que claustrofóbico e quase teatral durante maior parte, já que a maior parte da história se passa em um quarto de hotel, o longa se transforma para ilustrar os contos do Gênio, com George Miller apostando em uma escala gigantesca, um valor de produção notável e um trabalho de fotografia primoroso de John Seale - além de uma trilha sonora bem discreta do outrora barulhento Tom Holkenborg.

Veja a análise completa no canal de YouTube do Lucas Filmes.

https://www.youtube.com/watch?v=0isjS_PtOG0


Crítica | House of the Dragon fica ainda melhor em seu segundo episódio

Contém spoilers!

Após uma estreia arrasadora e que culminou na maior audiência de um novo projeto da HBO, House of the Dragon tinha um desfio muito mais relevante em sua segunda semana de exibição: não deixar o fogo apagar. A série prelúdio de Game of Thrones começou muito forte com o piloto The Heirs of the Dragon, um episódio eficiente em ambientar mundo, personagens e diferentes possibilidades de conflito - além de muito sexo, violência e efeitos visuais de alto escalão da televisão contemporânea. Poderia a série manter o padrão de qualidade? Felizmente, The Rogue Prince consegue ser ainda melhor do que seu antecessor.

A trama do episódio começa seis meses após os eventos do anterior, e mesmo tendo terminado de forma bombástica com a nomeação de Rhaenyra (Milly Alcock) como sucessora do Rei Viserys (Paddy Considine), os eventos seguem rotineiros. Isto até o ponto em que a pressão para que o rei tome uma nova esposa começa a se alastrar pelo reino, ao mesmo tempo em que um feroz rebelde conhecido das Cidades Livres desatabiliza a força dos Targaryen; que ainda sofre pelas ameaças do vingativo príncipe Daemon (Matt Smith).

Curiosamente, o segundo episódio de House of the Dragon é muito maior do que o primeiro, apesar de sua escala consideravelmente menor. Sem muitas batalhas, embates ou grandes orgias, a direção de Greg Yaitanes (veterano de bons episódios de Lost e Heroes) consegue ser mais incisiva e com mais nuances do que a de Miguel Sapochtnik no anterior, sendo muito inteligente ao captar pequenos movimentos, reações e detalhes durante os muitos diálogos e conflitos verbais dos personagens.

Por mais que seja um episódio mais voltado em conversas, Yaitanes é habilidoso em suas composições, especialmente o confronto direto entre Daemon e as forças do rei em uma ponte, banhada por um lindíssimo sol escondido entre nuvens foscas de um céu saído de uma pintura. Se o primeiro episódio tentava demais se manter dentro da forma estética de Game of Thrones, The Rogue Prince dá os primeiros passos para assumir uma identidade muito mais própria para House of the Dragon, o que definitivamente é um ponto positivo.

Quanto aos conflitos em si, o roteiro de Ryan J. Condal mantém a inteligência dos diálogos e maquinações políticas que funcionaram tão bem no anterior. A trama acerca do novo casamento do Rei garante uma participação muito mais ativa do Lorde Corlys Velaryon de Steve Toussaint, que oferece sua filha assustadoramente mais jovem para se casar com Viserys. É uma situação desconfortável e que rende ótimos momentos de todo o elenco, especialmente na crescente de Toussaint para se tornar um possível novo antagonista no arco de Viserys.

Quanto a Rhaenyra Tagaryen, a jovem Milly Alcock continua sendo o centro das atenções durante a maioria de suas cenas. Adotando ecos com o arco de Daenerys Targaryen da série original, Rhaenyra navega por uma narrativa de empoderamento e feminino muito mais evidente, especialmente pelo fato de sua personagem também ser mais jovem. Além das delicadas cenas em que tenta conversar sobre a morte da mãe com seu pai, o destaque fica para a interação passivo-agressiva que compartilha com sua prima Rhaenyra (Eve Best, cada vez mais interessante), onde ambas parecem determinar o grande conflito da série: a posição de uma mulher no Trono de Ferro, algo que também era um ponto chave de Game of Thrones.

E Rhaenyra é remanescente à sua futura descendente também no que diz respeito à ação. Seu embate diplomático com Daemon na ponte de Dragonstone garante um momento de grande força e presença para Rhaenyra, que só é melhor graças à condução habilidosa de Yates, tratando o confronto com a tensão de uma guerra fria - algo irônico considerando a presença de dragões no momento.

Ainda que a virada de história que encerra o episódio fosse esperada, com Viserys escolhendo se casar com Alicent Hightower ao invés da filha de Valeryion, é de se admirar a elegância do roteiro de Condal. Há quem diga que previsibilidade é fruto de uma escrita ruim, mas o caso de The Rogue Prince é mesmo resultado de uma construção atenciosa e que se beneficia de uma direção inteligente e que encontra os pontos de interesse apropriados.

A julgar pelo nível de qualidade de seu segundo episódio, o acerto inicial de House of the Dragon não foi mera sorte de principiante.

House of the Dragon - 01x02: The Rogue Prince (EUA, 2022)

Showrunner: Ryan J. Condal e George R.R. Martin
Direção: Greg Yatanes
Roteiro: Ryan J. Condal
Elenco: Paddy Considine, Milly Alcock, Rhys Ifans, Matt Smith, Steve Toussaint, Emily Carey, Eve Best, Graham McTavish, Sonozoya Mizuno, Gavin Spokes
Gênero: Drama
Duração: 53 min