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Crítica | A Pequena Sereia desperdiça potencial com visão limitada de Rob Marshall

Dentre todas as animações no vasto leque de joias preciosas da Disney, não há dúvidas de que A Pequena Sereia é uma de suas obras mais especiais. Lançada pela talentosa dupla Ron Clements e John Musker em 1989, a animação foi um tremendo sucesso e inspirou gerações, e a ideia de transformá-la em um live-action, como tem sido o modelo nos últimos anos, inspira medo: afinal, é uma história que exigiria um gigantesco domínio técnico, tratando-se de um projeto quase que inteiramente ambientado embaixo da água.

Seguindo o sucesso dos remakes de A Bela e a Fera, Aladdin e O Rei Leão, a Disney de Bob Iger ataca com força agora na reinvenção do clássico dos anos 1990, apostando na voz da novata Halle Bailey e do diretor Rob Marshall para o ambicioso novo projeto. Infelizmente, o resultado fica pela metade do caminho, justamente por conta da visão limitada de seu realizador.

Repetindo todas as etapas do filme de 1989, a trama do filme apresenta a sereia Ariel (Halle Bailey), que sonha em conhecer o mundo da superfície, mas é constantemente bloqueada por seu pai super protetor, o Rei Tritão (Javier Bardem). Quando Ariel salva o carismático Principe Eric (John Hauer-King) de um naufrágio, ela busca uma forma de se tornar humana e se juntar ao mundo terrestre.

A esta altura do campeonato, é bem evidente o modelo de negócios da Disney em torno dos controversos remakes live-action. É uma agressiva capitalização da nostalgia por animações populares da década de 1990, mas que normalmente costumam cair nos mesmos problemas: repetição sem brilho da história, poucas novidades e, no caso das obras mais fantasiosas, realismo exagerado para animais falantes – vide o desastroso Rei Leão de Jon Favreau, lançado nos cinemas em 2019. Quase todos esses elementos podem se aplicar à Pequena Sereia de 2023.

Em especial, o desafio técnico para criar mundos submarinos parece algo muito além dos talentos de Rob Marshall. Ainda que tenha dirigido o vencedor do Oscar Chicago, Marshall teve experiências desastrosas com filmes de grande orçamento (e todos para a Disney), com “destaque” para o fraquíssimo Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas, cujo grande mistério reside em como o projeto conseguiu gastar mais de US$370 milhões no orçamento. Com A Pequena Sereia, Marshall tem dificuldade em criar ambientes que sejam visualmente interessantes ou coerentes em sua proposta ultra realista, já que o CGI para criar cabelos em movimento embaixo da água distrai bastante, e a escolha de reduzir as fontes luminosas nas profundezas (com exceção de um inspirado balé de águas-vivas) garante uma experiência escura e preguiçosa.

A procura pelo realismo também bate de frente com os elementos mais fantasiosos do universo de A Pequena Sereia: todos os peixes e animais marinhos abrem mão de caracterizações estilizadas para destacar seres realistas e, sinceramente, assustadores. Acompanhar longos diálogos, piadas e especialmente números musicais com criaturas empalhadas digitalmente rende uma experiência incômoda, e a beleza do número musical “Under the Sea” garante um espetáculo de “vale da estranheza” que será difícil de esquecer; capitaneado por um Sebastião (com voz de Daveed Riggs) que assombrará meus piores pesadelos com seus olhos vazios e profundos.

Toda essa primeira metade de A Pequena Sereia é dolorosa, e eu estava pronto para abandonar o navio e declarar este mais um remake fracassado. Porém, a situação muda drasticamente no momento em que Ariel se torna humana, com ajuda da feiticeira Ursula (uma inspirada Melissa McCarthy), e passa a maior parte do tempo na terra. Talvez seja o enfoque em personagens de carne osso e ambientes mais humanos, mas Rob Marhsall se torna muito mais interessante aqui, sendo eficiente em contar uma excelente história de amor entre Ariel e o Príncipe Eric.

Isso também porque a novata Halle Bailey mostra-se uma ótima atriz. Além de soltar a voz com maestria durante os diversos números musicais submarinos, Bailey tem uma presença típica do cinema mudo ao compor uma Ariel que, incapaz de falar, se expressa através de olhares, linguagem corporal e tiques que tornam sua personagem imediatamente carismática e interessante. Sua química com o expressivo John Hauer-King funciona, e o resultado consegue ser vastamente superior ao romance do casal na animação – já que o roteiro de David Magee é inteligente em expandir os eventos e criar mais situações que permitem a fluidez do romance dos dois, e que realmente eleva exponencialmente o resultado final.

Uma pena que toda essa porção seja apenas um elemento de A Pequena Sereia, que ainda precisa se concentrar em mais elementos fantasiosos em seu clímax, novamente prejudicado pela visão limitada de Marshall para o espetáculo (Não dá pra tentar fazer No Fim do Mundo tendo dirigido Piratas 4). O resultado acaba bem desequilibrado, mas que ao menos garante algum respiro graças à ótima história de amor, bem carregada por seu inspiradíssimo casal central.

Nas mãos de um James Cameron (ou até James Wan), o resultado poderia ter sido grandioso.

A Pequena Sereia (The Little Mermaid, EUA – 2023)

Direção: Rob Marshall
Roteiro: David Magee, baseado na obra de Hans Christian Andersen
Elenco: Halle Bailey, John Hauer-King, Javier Bardem, Melissa McCarthy, Daveed Diggs, Awkwafina, Jacob Tremblay
Gênero: Aventura, Romance
Duração: 142 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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