As senhoras feias e magrelas da Idade Média que praticavam rituais ou cozinhavam sopas um tanto esquisitas, sempre foram mal vistas pela sociedade da época. A Santa Inquisição (aquela lá que você estudou no Ensino Médio e lembra com tanta “saudade”) infernizou a vida das bruxas entre os séculos XIV e XV, queimando-as em fogueiras ou afogando-as nos lagos podres dos feudos. E, como tudo que é praga ou desgraça, Hollywood precisa botar seu toque mágico na história e dar sua versão. E a prova disso é o novo filme de Nicolas Cage, que estreou na sexta passada.
Behmen é um cavaleiro cristão assassino de vários pagãos na Guerra Santa, mais conhecida como Cruzada. Um dia, cansado de tanta guerra, resolve desertar com seu amigo Felson e cair no mundo. Mas o lugar que Behmen escolheu para tirar férias não é nada agradável. Quando chega no local, descobre que a Peste Negra aterroriza a população e a existência de uma bruxa confessa trancafiada em um calabouço. Sob a ameaça de serem enforcados ou queimados vivos (pior medo de Felson), resolvem escoltar uma equipe em uma viagem até um monastério onde a bruxa será julgada ou absolvida.
Certamente medieval
O roteiro é escrito pelo principiante Bragi Schut concluindo seu primeiro projeto em um longa metragem. Infelizmente, o Sr. Schut não fez o dever de casa mais importante quando se escreve um maldito roteiro com bases históricas: a boa e velha pesquisa. As bruxas nunca chegaram a sentir o cheiro das Cruzadas, pois estas aconteceram entre os séculos XI e XIII e elas começaram a serem torradas (pra valer) pela Inquisição a partir do século XIV. Claro que existem exceções, mas eu não estava lá para saber. Ao menos consegue acertar e coincidir a queima das bruxas com a Peste Negra, aquela que dizimou 1/3 da Europa graças a bactéria que vivia na pulga dos ratos pretos. Também vale citar que os Flagelantes aparecem no meio do filme causando um retrato minimamente mais verossímil.
Desgraças e erros de datas históricas a parte, o roteiro não consegue livrar-se da monotonia e da previsibilidade. Não existem cenas ou diálogos memoráveis, apesar destes serem engraçados graças as diversas frases de efeito. Fica difícil de acreditar na epifania do protagonista após a sequência onde ele mata meio mundo e depois de “acidentalmente” cravar a espada na coluna de uma mulher se sentir culpado e resolver desertar. O filme é extremamente linear, não existe algum conflito secundário para ser resolvido, tudo se resume a levar a bruxa até o monastério sendo que de vez em quando aparecem alguns lobos famintos e uma ponte quebradiça que causa sono ao espectador. Até mesmo os sustos são falhos e o pior mesmo e que ele não cumpre nem o que o título do filme promete graças a bizarra reviravolta final. Para fechar com chave de ouro ele sempre duvida da inteligência do espectador se auto explicando ou indicando alguma mudança visível na cena, uma pena que ele não conseguiu explicar o porquê da existência da primeira cena do filme visto que esta não encaixa ou condiz com o resto dele.
As várias perucas de Cage
Nicolas Cage está sofrendo de autoestima, qualquer ator que pegasse um roteiro deste acabaria rindo na cara do produtor, mas Cage sempre aceita um bom desafio. Depois de papéis deploráveis em “Perigo em Bangcock” ou “O Vidente” e alguns acertos como “Kick-Ass” e “Vicio Frenético”, Nicolas Cage volta a por as mãos em suas perucas favoritas e em outro projeto duvidoso. Não existem novidades na atuação de Cage, sempre com as mesmas caras de dor e alegria que todos já viram. Seu personagem não tem carisma e muito menos profundidade, ele é apenas um cavaleiro cruzado que consegue arremessar seu inimigos até distancias olímpicas.
Definitivamente Ron Perlman é o cara mais bad-ass que toda a Peregrinação ou as bruxas já viram. Sabendo que seu personagem é apenas um brutamontes destruidor de vidas, soube aproveitar bem toda sua canastrice: espancando bruxas ou dando beijos pornográficos em prostitutas entre várias outras peripécias. Stephen Graham, Claire Foy, Ulrich Thomsen, Robert Sheeran e Stephen Campbell Moore completam o elenco do filme. Importante citar que Christopher Lee também marca uma breve aparição, mas sua atuação ficou limitada a ficar deitado numa cama.
De volta para a Idade Média
A direção de arte consegue completar o trabalho já explorado em diversos filmes que tratam o tema medieval. Todos cenários possuem um aspecto porco, sujo, doente e infectado, mas não existe algo que simplesmente surpreenda o espectador. A fotografia sempre busca ser sombria, porém erra muitas vezes graças ao figurino que simplesmente tira toda a sensação do ocultismo do filme, por exemplo, de vez em quando a roupa de Cage é muito branca para um cenário escuro. Este é um filme fotografado de uma maneira bem clássica sem nenhuma inovação, apenas merecem destaques os belos planos da floresta de Wormwood que fica no meio da jornada dos cruzados. A iluminação também tenta não parecer artificial quase sempre utilizando velas. De inicio ela funciona e obedece as leis naturais do universo, oscilando na cara dos personagens e no cenário, mas um pouco mais tarde na mesma cena ela torna-se estática novamente removendo a naturalidade do ambiente.
Outra coisa que realmente merece ser citada são os efeitos visuais, não por sua qualidade indubitável, mas sim pela sua tosquice exacerbada. O melhor exemplo disso são os lobos raivosos perseguidores de peregrinos. Todos eles possuem uma mesma animação ridícula que destaca a contração dos músculos faciais dos animais. Não obstante disto, também cria um efeito onde a movimentação de alguns monges é acelerada, o resultado de tudo isto são várias risadas, sem contar a animação do “chefão” do filme.
A maquiagem também merece um destaque por ser incrivelmente exagerada. Os rostos das pessoas doentes da Peste não possuem os tão falados gânglios azulados pequeninos, mas sim uma bola de futebol na testa cheia de líquidos viscosos e gangrenas prestes a explodir na sua cara.
Melodia compensatória
A música composta por Atli Örvarsson é bem trabalhada para um filme B como esse e não faz mal, mas já que a música realmente chama a atenção do espectador, o filme acaba prejudicado. Elas contextualizam as cenas de ação e de suspense na medida certa, uma coisa um pouco incomum atualmente. Atli apostou muitos nos grupos de coral no filme e resultou em uma atmosfera interessante em cenas que ocorrem em igrejas ou monastérios.
Mas você de novo?
Dominic Sena é um diretor de gosto duvidoso, prova disso é sua lista cinematográfica de poucos sucessos, podendo ressaltar “A Senha: Swordfish” e “60 Segundos” e com “Caça às Bruxas” volta com força total em outro projeto falido.
Sua direção é lenta com uma edição mais lenta ainda, por exemplo, a cena da ponte com a jaula onde a bruxa está presa. Nesta parte ele usa e abusa de vários planos para mostrar que a carroça não consegue passar para o outro lado de jeito nenhum e terminar passando por um milésimo de segundo antes que a corda da ponte se rompa. Essas coisas de acontecer tudo por um triz já são histórias do passado e não funcionam mais para prender a atenção do espectador, além disso, uma carroça passando por uma ponte de madeira podre já é um ideia bem maçante.
Fora isso, ele insere flashbacks de cenas já vistas no mesmo filme. Isso é uma blasfêmia de proporções cósmicas para o espectador. Duvido que na minha sessão alguém tivesse esquecido da cena que é repetida três vezes no filme.
Caçar às Bruxas?
O filme é muito divertido graças as falhas técnicas, as atuações cômicas e as piadinhas do roteiro que sempre dão certo. Como sempre Nic Cage está com a mesma cara de caçar mosca e sua peruca desgrenhada. Este é um típico filme para distrair a cabeça e relaxar depois de uma semana chata de trabalho. Apesar da nota baixa que darei, dê uma chance ao filme que no meio de seus tantos erros não compromete a diversão alheia.