Peter Weir conta com uma filmografia vasta de grandes ótimos filmes. Na prática, é um dos poucos diretores que nunca fizeram um filme medíocre na vida. Com pausas expressivas na carreira depois de sua década mais rica: 1980, Weir fez poucos filmes. Em 2010, em um projeto quase independente e muito arriscado, sobre alguns prisioneiros que conseguiram escapar de um gulag – campos de concentração da União Soviética, viajando a pé da Sibéria até a Índia em um total de mais de sei mil quilômetros, Weir fez sua grande despedida da sétima arte.
Bom, é que parece, já que oito anos se passaram e nada do simpático diretor assumir um novo projeto. Como é muito desconsiderado pela mídia, apesar do inegável talento, um fã perguntou para Weir se ele retornaria a dirigir – isso em 2014. Simplesmente parece que Weir quer aproveitar sua aposentadoria com muita calma.
Assim como aconteceu com todos os lançamentos da carreira de Weir, Caminho da Liberdade não chamou muita atenção quando foi lançado e, infelizmente, até hoje é um filme bastante esquecido. Porém, existem certas peculiaridades que o tornam uma obra interessante.
As Belezas e Horrores da Sobrevivência
Caminho da Liberdade é um dos poucos filmes que Peter Weir decidiu escrever, tornando a obra mais aproximada de sua visão como um todo. De modo satisfatório, ele traz essa incrível história conseguindo estabelecer bem os personagens pelas suas características principais: do protagonista bondoso até o coadjuvante desenhista com problemas em lidar com os horrores do passado.
Apesar da maioria do filme ser concentrada na jornada, Weir se preocupa bastante em estabelecer elementos-chave durante o aprisionamento no gulag siberiano como o comércio de itens entre os presos, as excruciantes jornadas de trabalhos forçados, da crueldade dos soldados, entre outras características pertinentes à narrativa.
Porém, logo no começo, fica bastante evidente alguns erros pedestres que Weir comente, prejudicando a fundo sua obra. Por exemplo, em vez de criar uma boa cena para a escapada dos prisioneiros, Weir simplesmente usa uma elipse, nunca mostrando essa ação para o espectador. Isso acontece não apenas uma vez, mas nos momentos mais climáticos da obra. É simplesmente surreal eliminar os elementos mais cinematográficos do filme.
Logo, o maior foco do roteiro é mesmo na grande caminhada que os sobreviventes fizeram. E nada mais do que isso. Weir insere alguns elementos interessantes, mas obrigatórios no subgênero como fome, sede e morte, além sazonais encontros com estranhos. O mais curioso e extraordinário da escrita de Weir é como ele não se dedica em fazer o grupo conhecer a história um dos outros. São todos estranhos com funções definidas no grupo. Somente com a curiosa inserção da personagem Irena (interpretada com doçura por Saoirse Ronan) que os homens passam a se conhecer melhor, virando grandes amigos.
Desse modo, apesar de todos injustiçados e não muito complexo, os personagens ganham uma boa dimensão de humanidade que conferem grande dose de realismo. Se há muito silêncio e pouquíssimo conflito ao longo da obra, muita responsabilidade é jogada nos atores e Caminho da Liberdade pode se orgulhar bastante de contar com nomes excepcionais como Colin Farrell, Jim Sturgess, Mark Strong e Ed Harris. Até mesmo atores menos conhecidos como Dragos Bucur e Alexandru Potocean conseguem trazer uma aura resplandecente para seus personagens. Todos são muito distintos e despertam interesses diferentes no espectador. Apesar do clima muito pesado do longa, Weir consegue inserir boas doses de momentos descontraídos indicando esperança e alegria até mesmo nas situações mais desoladoras.
Uma Longa Despedida
Weir tem uma longa relação em trazer retratos muito humanos em seus filmes, focando em paixões muito específicas sem nunca repetir os elementos em outros filmes. Caminho da Liberdade foca na resiliência do espírito humano nas condições adversas e na superação da opressão. Como a força de ser livre é muito mais poderosa do que a do medo e da morte.
Essa é a grande beleza do filme que é visualmente estonteante. Weir realmente quer transparecer essa árdua jornada para o espectador. Logo, temos uma enorme variedade de terrenos, vegetações e climas, além de novos desafios para servir como arcos distintos para cada passagem, seja no deserto da Mongólia ou na densa floresta da Sibéria. Com um olhar fotográfico excepcional, o diretor finalmente consegue entregar sua obra mais bela, com enquadramentos vastos em cinemascope de vistas estonteantes.
Como tinha dito em críticas anteriores dos filmes dele, Weir nunca foi interessado em trazer esse tipo de poderio visual antes, além de O Mestre dos Mares, obviamente. Mas aqui há um grande propósito nessas vistas magníficas e implacáveis: mostrar o poder da natureza que subjuga as figuras minúsculas do homem. Eles estão totalmente nas mãos do destino em uma situação avassaladora e Weir consegue transmitir isso muito bem nessa enorme caminhada.
É realmente apenas uma enorme pena que o diretor simplesmente não tenha o menor interesse em gerar algum conflito fora os já esperados em um longa de sobrevivência. Não temos perseguições, não vemos sequências nas quais seriam totalmente pertinentes à história, além de melhorar muito o ritmo deficitário do longa. Só precisa de um pouco mais de ação e tensão para despertar o interesse do espectador após longas passagens em que simplesmente nada acontece, além da caminhada.
Se prepare, pois 80% do filme é sobre essa enorme andança. Os personagens parecem andar mais do que a Sociedade do Anel em toda a trilogia d’O Senhor dos Anéis. Obviamente, o diretor oferece boas imagens sem cair na repetição visual, além de inserir muita poesia na questão do olhar entre os personagens, seja nas conversas ou quando eles se deparam com algo único na jornada.
Aliás, é de um cuidado único para com o realismo que o diretor tanto nutre. O impacto do clima e das condições nos personagens são tremendos, fazendo valer uma minúcia com a maquiagem elaborada para nos chocar com o estado debilitado que os sobreviventes se encontram.
No final, cumprindo as palavras do protagonista, Weir insere uma fusão belíssima mostrando uma caminhada enquanto anos inteiros acontecem, contando os principais eventos da ascensão e da queda do Comunismo soviético. E assim, com um vasto poder emocional, Weir consegue encerrar sua obra de modo sublime.
O Caminho da Vida
Não há meias palavras para Peter Weir com Caminho da Liberdade. Um cineasta com um currículo tão vasto de excelentes filmes, pode se dar ao luxo de fazer o que quiser com sua última obra. Para ele, o longa pode ser incrível, mas para o espectador, é facilmente uma obra boa contando um drama de sobrevivência muito bom. Os problemas são notórios: o ritmo é terrível, além das viradas serem raras. Para uma história sobre uma escapada dificílima, não há qualquer perseguição ao longo de toda a narrativa – também não ajuda muito o fato de Weir já contar o destino final dos personagens logo no letreiro inicial.
Se você não ficar conectado com os personagens, é bem provável que o filme morra para você devido ao inerente tédio que acomete a obra. Apesar disso, é um trabalho fotográfico belíssimo de Peter Weir que conseguiu se aposentar com um filme bom, mesmo que totalmente eclipsado pela qualidade espetacular de suas obras anteriores.
Caminho da Liberdade (The Way Back, EUA, Emirados Árabes, Polônia – 2010)
Direção: Peter Weir
Roteiro: Peter Weir, Keith R. Clarke, Slavomir Rawicz
Elenco: Jim Sturgess, Colin Farrell, Ed Harris, Mark Strong, Saoirse Ronan, Dragos Bucur, Alexandru Potocean, Gustaf Skarsgard
Gênero: Drama, Biografia, Sobrevivência
Duração: 133 minutos.