É de conhecimento histórico que a União Soviética amassava e retalhava de forma dura manifestações que pediam melhores condições de trabalho ou qualquer outro tipo de manifestação trabalhista, como greve, sofriam represálias por parte do governo local. Isso ocorria em qualquer parte do território em que a o governo soviético tinha poder. Um desses protestos é muito bem retratado na produção Caros Camaradas – Trabalhadores em Luta (Andrey Konchalovskiy).
O longa é baseado no massacre que ocorreu no ano de 1962 na cidade russa de Novocherkassk quando trabalhadores soviéticos decidiram se manifestar para que tivessem melhores condições, além de uma possível ameaça de greve que poderiam fazer havia o risco de que outras cidades também fizessem o mesmo, algo que poderia colocar o poder do Kremlin em xeque. Obviamente que o governo reage rapidamente para sufocar o protesto da forma mais violenta possível, colocando militares e a KGB para realizar a função.
Mas o foco da trama não é o conflito em si entre forças armadas soviéticas e manifestantes e sim a busca da protagonista Lyuda (Yuliya Vysotskaya), uma mãe que trabalha para o partido soviético e tem a filha, uma trabalhadora da fábrica, entre uma das possíveis vítimas no dia do banho de sangue causado pela KGB.
O diretor e roteirista Andrey Konchalovskiy (Paraíso) trabalha de forma inteligente as duas partes do conflito. Primeiro ao mostrar a exaltação de Lyuda pelo partido que trabalha e por não acreditar que seria capaz de presenciar algo do tipo, ainda mais algo assim acontecendo justamente com sua filha, depois trabalha o choque ao mostrar o outro lado, da mãe que vê o que acontece com a filha e com os grevistas
Essa busca de Lyuda por sua filha acaba tomando grande parte da trama e que só realmente tem fim depois de muito tempo, após a protagonista se meter em vários momentos de apuros, até porque os soviéticos estavam de olho em todos que agissem fora da normalidade. Há uma virada de roteiro perto do fim que surpreende mais pelo acontecimento em si que pelo acontecido e mostra que o diretor sabe bem trabalhar os vários elementos que está acostumado, como a emoção e a surpresa.
O roteiro é elogiável também por criar uma atmosfera de total tensão desde o início, com as greves, o massacre, e depois a tentativa de encontrar a filha, e o longa ter sido feito em preto e branco só ajudou a deixar as situações mais reais possíveis. A contradição entre mãe que acreditava no regime e depois passa a desacreditá-lo após presenciar o massacre também é interessante, não que ela questione o sistema, mas ela vê que os trabalhadores estavam de certa forma certos em lutar contra o partido que antes ela defendia, e isso é algo que a produção quer mostrar, a cegueira ideológica que muitas pessoas tinham no período. Mas essa é uma discussão que infelizmente não é aprofundada na trama.
Caros Camaradas! Acerta em criar um ambiente sufocante ao mesmo tempo que não esquece o drama dos personagens nem o conflito que cada um está passando. A direção de Andrey está fantástica em saber lidar com a questão política do período, e o diretor não se perde em nenhum momento na trama. Um grande exemplar do que o cinema russo é capaz de nos proporcionar.
Caros Camaradas! Trabalhadores em Luta (Dorogie tovarishchi, Rússia – 2020)
Direção: Andrey Konchalovskiy
Roteiro: Elena Kiseleva, Andrey Konchalovskiy
Elenco: Yuliya Vysotskaya, Vladislav Komarov, Andrey Gusev, Yuliya Burova, Sergei Erlish, Alexander Maskelyne
Gênero: Drama, História
Duração: 121 min