Quando tivemos o anúncio de que Kenneth Branagh dirigiria uma versão live action do clássico Cinderela, acredito que não estava sozinho quando deduzi ser uma ideia desnecessária. Não só a animação da Disney se sustenta sozinha até hoje, como também a icônica história já ganhou diversas interpretações e reimaginações ao longo dos anos (sério, confiram o absurdo de adaptações aqui) levando muitos a se perguntarem o que Branagh poderia trazer de novidades. A resposta: nada. Mas justamente por se ater à história em sua pura forma, seu filme funciona maravilhosamente bem.
A trama… Precisa mesmo? Explicar essa história? OK, não custa nada. Chris Weitz assina o roteiro, que nos apresenta à jovem Ella (Lily James) a partir do momento em que sua mãe (Hayley Atwell) falece subitamente, deixando-a sozinha com seu pai (Ben Chaplin). Posteriormente, ele se casa com uma viúva (Cate Blanchett) que se torna a madrasta de Ella, levando também suas duas filhas para a casa da moça. Vivendo como uma criada doméstica após a morte do pai, Ella acaba conhecendo um Príncipe (Richard Madden) na floresta, e o resto é história.
Fada Madrinha! Carruagem de abóbora! Baile! Sapatinho de cristal! Tudo e mais um pouco estão aí, sem exceção. Weitz respeita cada virada da história, acrescentando algumas boas subtramas (como a relação entre a Madrasta e o Grão Duque vivido por Stellan Skarsgard) e uma constante martelada na lição de moral que prega “coragem e gentileza”, que – mesmo repetindo-se com assustadora frequência – ajuda a envolver todas as pontas da história, já que diferentes personagens passam a adotar tal filosofia.
Branagh não se arrisca com pretensões estilísticas (como seu uso descontrolado do ângulo holandês em Thor), mas é capaz de conduzir com firmeza ótimas sequências, como todo o núcleo da transformação mágica de Ella até a espetacular cena do baile, beneficiada também pelo vibrante design de produção do veterano Dante Ferretti e os figurinos coloridos de Sandy Powell – a maneira como o vestido azul parece “engolir” o Príncipe durante a valsa rende um lindo visual.
Branagh também acerta na direção de seu ótimo elenco, trazendo um pouco de sua fase shakesperiana (todos com devidos sotaques britânicos) mas também um toque cartunesco, aplicando-se às irmãs vividas por Sophie McShera e Holliday Grainger. Cate Blanchett como a Madrasta é um destaque à parte, permitindo que a excelente atriz divirta-se numa performance assumidamente maléfica, mas que não se leva pelo maniqueísmo: a Madrasta é má, mas um breve monólogo explica seus motivos nada absurdos.
Mas é realmente Lily James quem rouba o show. Além de estonteante e uma maravilha de se olhar, é uma explosão de carisma e presença em tela. A bondade e igenuidade da personagem são absorvidos completamente pela atriz, sempre sorridente e leviana. Não importando o quão brega possam parecer algumas situações (algumas das transformações de animais em humanos, por exemplo), ver a expressão de surpresa e felicidade no rosto de Allen é inebriante. Além disso, tem uma química real e forte com o príncipe de Richard Madden (e ver justamente esse ator de Game of Thrones tão perto da coroa é, no mínimo, irônico), que mostra-se também muito versátil; especialmente em uma cena específica com seu pai, vivido por Derek Jacobi.
Cinderela é uma adaptação que funciona justamente por sua narrativa sincera e bem contada, não precisando de alterações ou inovações gritantes para funcionar. Um elenco acertado, produção caprichada e genuíno sentimento são mais do que suficientes.
Obs: Disney, obrigado por não converter esse aqui para 3D. Mesmo. Que a bolada de dinheiro arrecadado com este aqui sirva de lição para a desnecessidade do recurso danoso.
Cinderela (EUA, 2015)
Direção: Kenneth Branagh
Roteiro: Chris Weitz, baseado na obra de Charles Perrault
Elenco: Lily James, Richard Madden, Cate Blanchett, Helena Bonham Carter, Sophie McShera, Holliday Grainger, Stellan Skarsgard, Hayley Atwell, Derek Jacobi
Gênero: Romance
Duração: 105 min