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Crítica Com Spoilers | Batman é o Filme do Batman Essencial!

“O melhor filme da DC/ de super-heróis desde O Cavaleiro das Trevas”

Já se tornou um refrão arranhado que os “críticos especializados” já tornaram em um molde a se copiar a cada novo lançamento da DC que vá contra tudo que de deu “errado” nos últimos anos de encargo na Warner e nas suas tentativas míseras de se equiparar a Marvel em construir seu próprio universo compartilhado.

Enquanto que no meio disso tudo, com estúdios se preocupando cada vez mais em apenas alavancar franquias – e enquanto esse filme não se isenta de possuir as mesmas intenções – eis que chega o promissor Matt Reeves, que se de inicio contratado para dirigir o suposto Batman estrelando Ben Affleck, logo tomou a forma de um chute que Reeves próprio aplicara numa forma de exigência ao estúdio em querer fazer sua própria versão, sem amarras algumas com universos compartilhados.

Mas que tipo de caminho ele tomaria em um personagem que passou por diferentes iterações, sempre com recepções divisivas, que nunca parecem satisfazer nenhum dos diferentes polos de opinião. Também não ajuda muito o certo cansaço que a marca já pode estar causando, com novos Batmans e novos Coringas aparecendo um atrás do outro e passando longe de os tornarem únicos e especiais; e tendo como protagonista Robert Pattinson, o ator multitalentoso e versátil, que infelizmente só é conhecido pela geração Twitter como a estrela adolescente de Crepúsculo; agora sendo nova cara para vestir a icônica capa e mascara.

Mas também, Reeves fez um bando de macacos falantes alguns dos personagens mais complexos e cobertos de nuances já colocados no cinema mainstream em seus dois filmes anteriores, então trabalhar com as nuances de um Batman deveria ser a menor das preocupações! Então, que tipo de Batman ele se apresenta em sua nova versão? De alguma forma, todos eles!

A Face da Noite

Em qualquer discussão que você possa encontrar sobre qual é a melhor versão do personagem, a versão de Pattinson veio forte para causar um rebuliço, pois ele abala qualquer determinada conceitualização obrigatória do personagem já que ele assume muitas. Que vai desde a criatura da noite que lembra Keaton, que vive em uma cobertura de aparência gótica parecendo uma catedral sombria, o lar perfeito de um Nosferatu humanóide de pele pálida, tal como é;

Que age como um completo maníaco depressivo recluso neofascista que acredita na justiça com as próprias mãos acima de tudo, lembrando muito o brucutu parrudo querendo fazer justiça na porrada franca e à qualquer custo de sã moral criada por homens de Affleck. Até pior, já que ele começa o filme nem mesmo respondendo pelo apelido de Batman dado a ele, já que ele responde apenas como “vingança” – a própria força pela qual ele se move – abrindo caminho pra chegar numa pista trocando socos em capangas, ou quando ele é enfrentado pela morte de um funcionário corrupto, ele apenas reage com ambivalência, como se fosse um destino merecido.

Ao mesmo tempo em que ele é o garotinho traumatizado, tentando transformar o símbolo de seu medo em um símbolo de esperança idealista, tal como o Batman de Bale, diante de questionamentos morais internos sobre qual é realmente o papel do Batman em um mundo moldado pelo crime e corrupção, e quem é realmente Bruce Wayne e seu legado familiar para si mesmo. Tudo exibido em suas breves, mas eficazes interações com Alfred, que cobrem um terreno muito familiar de filmes anteriores, o complicado relacionamento de pai e filho e assim por diante.

Mas Reeves mostra querer louvar o que veio antes e tudo que formou o personagem ao longo de todas as suas diversas encarnações, dentro das telas aos quadrinhos, e cria algo particular que consegue tanto se ater à essas versões, como se mostrar como algo completamente único.

Ele vive citando as inúmeras referências cinematográficas que cercaram seu imaginário na construção estética do filme, muitas das quais realmente se refletem ao ponto de alguns virem chamar de plágio tal como fizeram com Coringa. Mas a principal, e também a que mais transparece a identidade no qual esse seu Batman se constrói, é a inspiração que ele teve em Kurt Cobain, que vai além da música “Something In The Way” que tanto foi usada como material promocional do filme tanto como faz parte do filme.

Na figura dessa alma vivendo por debaixo de um fardo, afogado em seu vício fértil que tanto pode levá-lo as maiores inspirações de expressão, quanto ao percurso de sua inevitável derrocada. O vicio de Bruce é a noite, o traje do Batman, elementos imagéticos que são inseparáveis de sua apresentação visual icônica, e nos faz mergulhar em seu mundo tempestuoso de melancolia continua, cheio de dúvidas e auto-aversão.

Sabem como viviam falando que os jogos do Batman Arkham te colocavam no exato lugar perspectivo do Batman? O filme de Reeves pode se vangloriar de fazer o mesmo!

O Morcego Detetive

Cada cantinho deste dessa Gotham esfumaçada em cores Neon sujas, onde as noites são sufocantes e as manhãs são tão escuras quanto, a cinematografia de Greig Fraser brilha ao filmar este conglomerado urbano de sujeira e decadência inspirado no estilo Noir que exala de seus tecidos; as composições do enquadramento e aquela gradação de cor amarelada que lembram muito Se7en e os filmes de David Fincher em geral, vendendo aquele mundo sob constante ameaça de forças imprevisíveis, o universo detetivesco onde o mistério assoma como uma entidade natural;

O design de produção luxuoso cria uma metrópole Nova Yorkina pós-moderna onde se está chovendo constantemente como se fosse a Los Angeles de Blade Runner, misturada às estruturas escombrosas da Gotham dos filmes de Tim Burton. Algo bem perto de construir o que é a perfeita Gotham city do século 21, moldada no medo urbano, onde a narrativa midiática cria sua identidade social tal como nas HQs de Frank Miller, a platéia de tudo que acontece na cidade.

Onde há eleições acontecendo, corrupção em abundância e assassinatos atingindo o frágil salvo-conduto de figuras privilegiadas e de pessoas acostumadas a serem ceifadas pelo bel prazer de outros. Onde a paranóia se espalha, e um Morcego surge, o mesmo Morcego de onde você testemunha e vive através de sua perspectiva.

90% do tempo é Pattinson por debaixo do uniforme, a ponto do Bruce Wayne se tornar uma idéia secundária, tanto narrativamente quanto dramaticamente proposital! Nem é preciso ressaltar o óbvio de como o homem é a verdadeira mascara de Fantasma da Ópera que ele usa, e o morcego é a verdadeira identidade, pois já fica tão explicito na forma com que Pattinson o apresenta. Ele está totalmente imerso nessa persona adotada como uma forma de lidar com uma perda que ele ainda sofre com um rancor perigoso, vivendo um estado de perda constante do qual nunca se recuperou.

Enquanto que o Batman é retratado como um maníaco compulsivo, que mostra quase um entusiasmo doentio na forma com que ele se joga na investigação de cada pista, botando até uma pessoa que ele acaba de conhecer como Selina na linha de frente do perigo só para ter o que ele quer. Se comportando como um completo esquisitão anormal no meio dos outros personagens, uma criatura que não pertence à aquele espaço.

Seus passos pesados, sua figura sendo sempre filmada de baixo, ele é um invasor do mundo dos homens, impondo sua presença com uma necessidade de auto-comprovação de seu status de que ele merece estar ali por ser o único capaz de fazer justiça de verdade, com seus próprios métodos, mesmo que ainda ajudando a polícia que ele tampouco confia.

A não ser em Gordon (Jeffrey Wright ótimo, o mesmo carrancudo das HQs) no qual compartilha seu senso “altruísta” de buscar os verdadeiros culpados e pô-los por detrás das grades, não importa seu status de poder. Onde seu elo de confiança não precisa ser construído, já vem como algo naturalizado desde o inicio.

Este é seu segundo ano na ativa, mas mesmo assim se constrói como um inicio de carreira para ambos, o que é esperto de um lado não tem que se preocupar em estabelecer uma nova história de origem, segue a escola Zack Snyder e já confia no público em saber quem são esses personagens e não precisa ter que explicar nada, ao mesmo tempo que é um palatável novo inicio de história prestes a se criar.

E já de imediato estabelece o elemento policial detetivesco que era a fissura que Reeves queria explorar desde o inicio com o personagem e o realiza muito bem, começando exatamente como O Longo Dia das Bruxas de Jeph Loeb: o dia de halloween, um assassinato, Gordon e Batman já trabalhando juntos e um mistério cascudo a frente deles! Te deixando já sabendo que o que você está prestes a assistir é um thriller investigativo em busca de um assassino em série e um mistério a se desenrolar, que por acaso estrela o Batman.

Reeves está claramente se divertindo muito nessas cenas, há apenas algo de tão refrescante e satisfatório de ver o Batman vasculhando uma cena do crime junto de Gordon e os policiais, passando por uma pilha de documentos velhos empoeirados como um perfeito detetive cansado físico e psicologicamente.

Enquanto os policiais, que começam claramente desconfortáveis com o envolvimento do Batman em cena, para mais tarde abraçá-lo como parte deles, ou melhor, agirem com total reverência e respeito ao que ele impõe a eles. O que rende algumas das melhores cenas do filme, brincando com esses arquétipos e clichês de gênero com total franqueza.

Tão divertido, mais do que as próprias set-pieces de ação, que são boas e tudo – onde Reeves consegue manter tudo em uma escala minimalista. A porradaria é franca e seca, enquadrando tudo em planos abertos e com poucos cortes te deixando ver tudo em detalhe. Até quando o terceiro ato engata, de repente virando um filme-catástrofe com a inundação de toda a cidade, mesmo ali o diretor consegue deixar tudo sob uma escala visual controlada e nada megalomaníaco; … mas né…, nada que chegue aos pés da cena do armazém em Batman VS Superman!

Um Conflito de Identidade?

Mas por mais que seja divertido ver o Batman finalmente agindo como o maior detetive do mundo, também é onde a outra coisa complicada se revela. Como a trama é previsível desde o início, mas as razões por trás disso não são realmente o único ponto de foco, é apenas a motriz usada pelo roteiro de Reeves e Peter Craig para destacar a ação minimalista sendo executada: a investigação em si.

As reações e interações aos personagens com qual o Batman cruza o caminho e ajudam a construir sua persona, desenvolvem sua história interior e o papel antagônico que sua figura começa a se forma na tecitura política de Gotham. Formada em uma linha de mistérios e revelações que se amarram progressivamente quase sem uma pausa, mas com o ritmo lerdo perfeitamente bem equipado para te deixar absorver as veias complexas desse universo e de seus personagens junto de seu protagonista e como o próprio “mistério” acaba se revelando muito dele e seu passado do que uma resposta concreta sobre o assassino em questão.

Todos sabiam que era o Zodíaco assim como sabemos desde o inicio que é o Charada por detrás de tudo, sua identidade é secundária, as razões e o que cada morte vem a causar é onde as verdadeiras questões são ancoradas como as verdadeiras revelações que o roteiro busca desvendar e se debruçar: sobre o Batman!

Que tal como todo bom protagonista de um filme Noir, sua jornada se pauta em um auto descobrimento melancólico. Um enfrentamento de seus demônios, seu embate com seus próprios conflitos morais e o que ele realmente está em busca: uma ressignificação de sua imagem, de seu legado e símbolo, não só para a cidade que reflete seu estado de espírito decaído em desesperança e afundado em violência, como também para ele mesmo.

Essa não é uma história de introdução, e sim de auto-descobrimento, sobre quem é o Batman de fato hoje e porquê realmente ele importa e o que significa. Seguindo esse motriz, Reeves realiza talvez o primeiro filme, desde Batman – A Máscara do Fantasma, que faz uma ode ao melhor do morcegão icônico, o que de fato está por detrás daquilo que o move e porque ele é um personagem tão valioso. Não só meramente naquilo que ele simboliza socialmente, Nolan já fez três filmes arrematando nessa nota ao ponto do cansável por essa altura, e sim o que ele significa como cinema!

Papai Scorsese chamaria de cinema!

Desde a cena intro espelhando A Conversação (1974), até a primeira cena de assassinato em um estilo bem De Palma naquele arrepiante senso de voyeurismo; ou Bruce tendo monólogos internos na forma de narração em off, tanto como um filme Noir clássico, mas especialmente tirado do personagem Travis Bickle de Taxi Driver.

Até mesmo tirando bastante inspiração de Klute – O Passado me Condena (1971), também um thriller de investigação de assassinato envolvendo um detetive particular socialmente embaraçoso, compartilhando uma relação de tensão sexual ardente com uma prostituta de forte personalidade que o ajuda na investigação, e que também assume o papel de uma femme fatale camaleônica muito parecida com a Mulher Gato/Selina Kyle – não uma antagonista, apenas alguém empurrada por situações terríveis de seu passado e presente, bem como Bruce;

E onde o Charada consegue uma mistura arrepiante entre John Doe com o assassino do Zodíaco, e o Pinguim de Collin Farrel faz a melhor imitação de Robert De Niro como Al Capone em Os Intocáveis; ou a cena de perseguição carros que segue um mesmo estilo de Bullitt (1968) com os motores soando como rugidos violentos expressando a violência latente de seu motorista através de um assustador Bat-móvel que deve ser um primo não tão distante de Christine, O Carro Assassino;

Onde Batman e Gordon saem perambulando juntos pelas ruas agindo como dois parceiros buddy-cop, tendo praticamente a mesma relação Somerset e Mills de Se7en – onde estão os dois que estão nas ruas trabalhando juntos na investigação, e não é Gordon dando uma tarefa para Batman ou Batman fazendo todo o trabalho e vindo informar a Gordon quem ele precisa prender.

O Batman emana o cinema dos anos 70 em sua essência, começa como um filme de terror voyeur, logo se transforma num “murder mystery” clássico, que carrega a melancolia do personagem Noir e a paranóia do thriller político, e os estudos de personagens provocantes, basicamente um filme do Batman tentando ser Chinatown.

Não apenas por ter um enredo bastante semelhante envolvendo um relacionamento incestuoso, mas também na costura de trama que passa a impressão de milimetricamente orquestrada de desenvoltura, onde uma nova revelação ou reviravolta leva a outra sucessivamente, em um ritmo fluído constante sem interrupções tolas ou mal planejadas.

Que porventura também acabam disfarçando um o roteiro inchado que carrega componentes demasiados, com alguns parecendo mais apenas sementes do que Reeves está disposto a contar e a levar nos próximos filmes que esse vai exponenciar. Desde o próprio Pinguim de breve participação, mas que um irreconhecível Farrell torna imediatamente memorável; o Coringa de Barry Keoghan na sua breve cameo; uma bem clara referência ao assassino HUSH.

Mas que de certa forma se encaixam bem na construção de mundo e formação quadrinhesca do filme, que aos poucos vai se soltando das amarras do realismo que calcava o seu início, para ir abraçar de vez seu tom e escala de um filme de quadrinhos feito com um refinamento artístico!

Muda alguma coisa do resultado principal em questão?! Não, mas dá ao filme um cartão de visita encantador para os aficionados do gênero e apresenta um pouco da arte antiga para o público do cinema mainstream, como o Coringa de Todd Phillips fez, ambos filmes em que seus diretores sabem que o gênero de quadrinhos apenas tornou-se atualmente a porta de entrada para trazer essa vertente clássica de volta a um destaque mainstream.

Enquanto que não esconde o lugar de onde vem. Quem fazia isso era o Nolan debaixo de toda aquela vestimenta de filme policial ala Michael Mann que quis se elevar para além do gênero, já Reeves quer trazer suas inspirações para dentro do gênero. Ainda evoca sim uma aura dark realista pé no chão (bem mais que os filmes de Nolan), e é mais um clássico “murder mystery” em busca do assassino, mas que não ignora as suas origens dos quadrinhos!

Batman é chamado e tratado como o completo esquisito que é; Alfred é um ex-agente treinado do MI6 que por acaso é um mordomo que treinou seu patrão Bruce Wayne; permite que o Pinguim tenha seu próprio pequeno momento de andar como um pingüim de verdade – no momento mais engraçado do filme; e permite que seu Charada totalmente inspirado em um serial killer proto-zodíaco, ainda aja como o completo fanfarrão sarcástico egocêntrico que ele é em sua personalidade original, arrancando alguns dos risos mais imprevisíveis do filme.

E Zoë Kravitz está tão, e desculpe pela falta de uma palavra mais apropriada, tesuda, que todas as cenas com o Batman é pura tensão sexual, um jogo de olhares e movimentos, tal como deveria ser. A primeira cena de luta entre ambos mais parece uma transa corpórea, apenas pelos seus movimentos tão bem coreografados e sintonia como se estivessem fazendo amor no ar. Dois elos nascidos de traumas diferentes, que se conectam nessas profissões opostas do lado da moeda da justiça, a gatuna e o morcego vigilante, duas almas gêmeas claras!

Talvez demais? Bem, este filme não se importa nem um pouco com isso, é completamente orgulhoso de suas próprias caricaturas e senso de ridículo, imerso neste tom de realismo sombrio, assim como os quadrinhos que o inspiram!

Uma Busca de Renovação

Enquanto que no meio de certas repetições, um terreno complicado em que Batman entra enquanto aborda temas semelhantes de iterações anteriores, enquanto tenta se vender como uma nova versão inovadora quando não há tantas coisas novas lá para realmente dizer, apenas tenta as encaixar em novos contextos modernos.

Não é de se ignorar o fato de que o que temos aqui é basicamente o Batman da geração millennial, que se adéqua a certos discursos modernos para alavancar sua narrativa, temas e personagens, de onde os vilões são nascidos de elementos do mundo real, servindo como uma alegoria política interessante que reflete tendências modernas, muito como que Nolan fez só que de forma bem mais clara e direta aqui.

Seja o Carmine Falcone, que é realmente o suprassumo de uma figura pública corrupta que tem todos os principais nomes da cidade no bolso; mas principalmente o Charada que agora age mais como um incel de mídia social, organizando tiroteios em massa e ataques para provar seu próprio ponto de justiça enlouquecido, buscando expor a verdadeira face por trás dos que estão no poder.

Exatamente onde o filme tenta pavimentar esse conservadorismo proto-fascista vingativo que advocam pela “real change” – “mudança real”, visto como uma força destrutiva e aterrorizante. Até seus capangas são formados basicamente por seguidores “minions”, que é algo tanto atual quanto ironicamente engraçado como Reeves aborda essa vertente de quadrinhos de capangas do vilão através de uma pegada realista.

Embora se o personagem acaba não causando uma impressão muito maior no final, tem menos haver com a qualidade da atuação em si, que vindo de Dano é sempre o que você espera: aquele exagerado ‘over the top’ contido que mergulha totalmente no personagem com entrega total, e o ator está claramente se divertindo horrores; e sim mais pelo fato de que ele atua mais como uma idéia antagônica coadjuvante do próprio Batman, que é a verdadeira estrela do filme.

Mas ele cumpre o papel de qualquer bom vilão do Batman, formando junto com o herói, uma dupla de dois pólos opostos da mesma moeda. Dois órfãos, dois malucos que se vestem de máscaras e agem como sua única forma de justiça deturpada, escrevendo em seus diários as lamúrias de um mundo que não os compreende e reflete seus interiores estilhaçados, querendo lavar as ruas da corrupção – um deles leva isso ao extremo literal no clímax.

O sistema corrupto que permite o ciclo vicioso de crimes impunes também é algo que vem dos filmes de Nolan, mas agora atribui parte de “culpa” a Bruce, pois ele é, querendo ou não, um fruto participante disso por seu privilégio de nascimento, até mesmo pintando os Wayne como tendo sujeira própria no passado.

Mesmo que não seja um grau obscuro, no qual o filme faz um grande caso de encobrir com Alfred dizendo em uma cena até bem tocante que Thomas fez o que fez para proteger a mãe de Bruce, por amor, e pagou por isso com arrependimentos e talvez até com sua própria vida – sugerindo sutilmente o envolvimento de Falcone em suas mortes – dando níveis extras viscosos ao desempenho de John Turturro aqui que é deliciosamente malvado em sua irreverência.

Não é o caso de um discurso confuso com muito medo de dar o próximo passo ousado de subverter os tropos dos heróis com alguns tons acinzentados, mas sim escrever essa dualidade da justiça com a qual Bruce se depara neste mundo moderno. Cada um guarda suas próprias mentiras, segredos e traumas; cada um pode fazer e se tornar mal à um único passo de necessidade, capaz de fazer o bem e o mal, assim como ele em sua inclinação para agir movido por vingança, ele não está tão distante de se tornar aqueles contra quem luta – o próprio conflito em que o assombra uma e outra vez nos quadrinhos.

Simples, mas efetivamente trazido através da narrativa, mostrando um Batman que está crescendo lentamente para realmente se tornar o herói que conhecemos. Já que essa não é uma história de introdução, e sim de auto-descobrimento, sobre quem é o Batman de fato hoje e porquê realmente ele importa e o que significa!

Ele não é a figura mítica, pelo menos não ainda, ele está no início disso, crescendo lentamente sua própria fama e identidade, e no final definitivamente mostra as sementes dele se tornando esse símbolo icônico que todos conhecemos, onde talvez pela primeira vez, vemos o Batman não apenas como um vigilante fodão nascido de um trauma e vestido como um morcego, mas sim vemos e sentimos o heroísmo que ele representa!

Pattison pode até causar um estranhamento inicial em sua caracterização, mas conforme o filme avança e você percebe como o mesmo senso de extrema confiança que Bruce exala enquanto veste a sua farda, é a mesma de Pattinson no papel. Tão dedicado e entregue que você logo não consegue pensar em mais ninguém no papel além dele em suas cenas.

Você sabe que ele está ali antes de sequer aparecer em cena, emergindo das sombras como uma verdadeira entidade sombria – é facilmente uma das melhores apresentações do personagem em tela. E o ator fala e se emociona com os olhos, sua tristeza e reclusão são palpáveis apenas através de seu mero silêncio, e quando ele explode de raiva, é gloriosamente animalesco.

O mesmo nível de “ator do método” que Heath Ledger foi chamado com sua versão do Coringa, é quase a mesma que Pattinson tem com seu Batman. Embora diferente em uma coisa principal, Batman é pela primeira vez o personagem principal de seu próprio filme!

Ele não é rebaixado para escanteio com o foco predominando no antagonista rouba-cenas ou aterrorizador, ou pelo próprio Bruce Wayne como no caso dos filmes de Nolan. Esta é sua história, seu filme, tudo envolve apenas ele no centro de tudo. O ‘THE’ no título original faz todo o sentido apresentar esse ponto desde o início!

Até mesmo os personagens coadjuvantes se sentem como fundações integrais para ele, pois através deles, o personagem descobre que não está sozinho em seus sentimentos de angústia e desejo em sua eterna busca pela paz. Seja na busca solitária de Gordon por justiça, ou na própria busca de vingança de Selina, e Alfred, que sempre estará lá para lembrar a Bruce que seu coração ainda está intacto.

Todos eles carregando suas lutas bem ilustradas e pequenos arcos, que levam a um caminho de aprendizado onde não devem deixar que aquele trauma e o mal de um passado nebuloso definam quem são, algo que Batman/Bruce também redescobre em sua luta turbulenta consigo mesmo!

Um Símbolo de Medo e Esperança

A certa altura do filme, Selina/Mulher-Gato fala sobre os ricos brancos privilegiados que saem impunes dentro de suas posições de poder. O baque que recaí diretamente em Bruce por detrás da máscara é instantâneo, e se volta como a discussão de que ele é capaz de compreender os males verdadeiros do mundo vindo do berço de ouro que ele foi criado – que ele até pode refutar em seu estado constante de luto, mas sua criação diz o contrário na forma com que ele reage às mecânicas do seu universo.

E quando ele começa a percorrer a noite como o Batman, ele começa a encarar essas mecânicas e suas ferrugens moldadas em corrupção e manipulações, vê que sua própria luta contra o crime parte de uma vontade de vingança pessoal para extravasar sua raiva e frustração, tampouco se pensar sobre o que ele está carregando de fato em suas atitudes e se justiça está realmente sendo feita.

Aquela velha discussão sobre como todos podem realmente usar a mascara e se tornar o símbolo de esperança que permeava os filmes de Nolan, aqui toma um desenvolvimento muito mais objetivo e claro, pois fala diretamente com o conflito que se passa no interior de Bruce, que bem ele realmente pode fazer de seu lugar de posses. O bem é possível através da figura de escuridão que é o Batman?!

A resposta do filme é surpreendentemente altruísta em meio a toda a sua forte dose de cinismo. Se ele começa o filme como um híbrido de Travis Bickle, desejando que venha uma chuva e lave toda a sujeira de Gotham, só para no final ele testemunhar esse desejo literal se encarnando em uma visão de caos apocalíptico, ele então no final decide quebrar essa estigma do berço privilegiado definindo se alguém pode ou não agir como uma força do bem e da mudança.

Quebrar essa conjutura política que domina o mundo moderno e os papéis que homens assumem, e é capaz de inspirar um bem maior em face do destino apocalíptico que a sociedade pode estar sendo empurrada à confrontar. Quando o Batman se torna um só junto a Gotham no final, um sobrevivente junto à outros, é quando ele encara que o assim realizou!

Sua cruzada partiu por inspiração por algo que ele sempre teve como o modelo perfeito e inquebrável de sua vida – seus pais; mas a partir do momento que ele descobre que nada era realmente perfeito, é a chave final que o leva a tentar se tornar melhor, abandonando sua inclinação para a vingança, para aprender que o próximo passo longe demais, será a morte de tudo pelo que ele luta, tornando-se não tão diferente de seus inimigos.

Que é onde o filme dá uma resposta a uma das maiores contradições da trilogia de Nolan, o uso do medo como ferramenta de justiça. O mesmo pode estar presente aqui, Batman até fala isso em voz alta logo na intro, mas o desenvolvimento dele aqui é a própria percepção de que o medo não está fazendo nada além de desfazer o que ele está tentando fazer. Pode até funcionar como uma arma contra os bandidos terem medo de sua própria sombra, mas não sobre o povo de Gotham que o vê apenas como uma aberração.

Então, ele vai de uma figura temida tanto quanto os bandidos e vilões que ele combate, para então no final receber no olhar de agradecimento de uma mulher que ele salva, e na confiança de um menino que corresponde ao seu estender de mão. Tudo que precisava para trazer aquela luz de esperança à um coração das sombras, uma razão para tudo que ele perdeu e sacrificou, revelando o herói por debaixo de toda a carcaça de medo e trauma, tornando-se assim o símbolo de esperança, transformando suas trevas em luz.

E é em uma mera palavra: belíssimo!

Não melhor demonstrado do que senão pela bombástica trilha sonora de Michael Giacchino, que já integra como uma forte concorrente como uma das melhores do personagem, representando tudo em um tema sucinto e imediatamente ressoante: a melancolia suave, o épico retumbante, a lenda fundada em dor e sacrifício!

E conforme os planos do Charada se cumprem, a água lava os pecados de Gotham, estabelece a cidade, e seu Batman, para um novo recomeço, cheio de outra noite cheia de terrores, mas ele é o terror encarnado, a sombra, que pode trazer equilíbrio e fazer uma diferença a um mundo de luzes corrompidas!

O Batman é tudo, é a história de detetive de O Longo dia das Bruxas, o drama Noir de Batman Ano e Ego, o evento de escala épica tirado de Batman Terra de Ninguém e Batman Earth One; é tudo em um, não é o filme perfeito do Batman, mas é o Batman essencial!

Batman (The Batman, EUA – 2022)

Direção: Matt Reeves
Roteiro: Matt Reeves e Peter Craig
Elenco: Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Paul Dano, Colin Farrell, Jeffrey Wright, Andy Serkis, John Turturro, Peter Sarsgaard, Alex Ferns, Jayme Lawson, Barry Keoghan
Gênero: Suspense
Duração: 176 min

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Publicado por Raphael Klopper

Estudante de Jornalismo e amante de filmes desde o berço, que evoluiu ao longo dos anos para ser também um possível nerd amante de quadrinhos, games, livros, de todos os gêneros e tipos possíveis. E devido a isso, não tem um gosto particular, apenas busca apreciar todas as grandes qualidades que as obras que tanto admira.

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