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Crítica | Batman com Robert Pattinson é um excelente filme de detetive

Não há personagem de quadrinhos mais interessante do que o Batman.

Ao longo das décadas em que existiu nas séries de papel, TV e cinema, o vigilante gótico de Bob Kane e Bill Finger rendeu diferentes interpretações, variando em tom e estilo. Parece também haver um padrão curioso em torno dos constantes reboots e reinvenções do personagem: uma versão mais leve sempre antecede uma releitura mais sombria. O gótico Batman de Tim Burton era uma resposta ao camp de Adam West na televisão, ao passo em que Joel Schumacher trocou as sombras de Michael Keaton pelo neon colorido em seus dois filmes mais cômicos com Val Kilmer e George Clooney; até Christopher Nolan mudar tudo com sua trilogia Cavaleiro das Trevas que praticamente reinventou o gênero ao apostar em uma abordagem realista.

Zack Snyder seguiu essa escola com seu Batman bem mais sombrio com Ben Affleck, mas que também acabou virando uma piadinha quando Joss Whedon foi contratado para “consertar” a Liga da Justiça. O resultado, agora, é uma revitalização ainda mais sombria e realista do que a de Nolan, com o diretor Matt Reeves partindo para explorar um lado pouco levado em evidência do Homem Morcego: o seu tal título de Maior Detetive do Mundo, oferecendo neste Batman de 2022 um filme que parece mais à vontade em uma prateleira ao lado de Se7en: Os Sete Crimes Capitais e Chinatown do que a qualquer outro exemplar do gênero de quadrinhos.

Evitando mais uma história de origem, a trama acompanha o segundo ano de Bruce Wayne (Robert Pattinson) como o vigilante Batman, tentando jogar um pouco de luz nas trevas de uma Gotham City mais decadente do que nunca. Sua parceria com o tenente Jim Gordon (Jeffrey Wright) o coloca em uma investigação para identificar o serial killer conhecido como Charada (Paul Dano) que vem colocando um alvo em diversas figuras públicas da cidade, às vésperas de uma eleição decisiva. Aliando-se também com a misteriosa Selina Kyle (Zoë Kravitz), Batman vai mergulhando na teia perigosa e sinistra do misterioso assassino, em uma clássica história de detetive.

Os Sete Morcegos Capitais

Apesar de continuar sendo um admirador de universos compartilhados de quadrinhos, até mesmo do imperfeito experimento da DC, prefiro infinitamente obras isoladas. Justamente por que, e isso é algo que o Coringa de Todd Philipps foi certeiro em confirmar, obras assim permitem uma liberdade artística muito maior, ao passo em que histórias presas por um único fio de ambientação acabam sacrificando a diversidade visual e tonal de suas histórias – como é o caso do tipo de cinema que a Marvel Studios tem oferecido nos últimos anos.

Matt Reeves parece livre de tudo isso. Seu Batman não está conectado com nenhum outro filme ou universo da DC já estabelecido e, assim como Phillips olhou para Martin Scorsese como referência em seu longa com Joaquin Phoenix, Reeves está bem interessado no noir. Desde a primeira cena, que desde já oferece uma homenagem sinistra tanto para Janela Indiscreta de Alfred Hitchcock quanto para Halloween de John Carpenter, o diretor dita o tom sombrio e tenebroso que as próximas 3 horas acompanharão, onde o aspecto voyeurístico será explorado por diversos personagens – não por acaso, o próprio Batman tem uma lente de contato capaz de gravar imagens.

O roteiro de Reeves ao lado de Peter Craig oferece pouca ação, e está bem mais interessado no processo de pistas, investigações e a tensão urgente para salvar futuras vítimas. É um clássico procedural, com Batman e o descolado Jim Gordon de Jeffrey Wright assumindo uma postura típica de buddy cops, mais dependentes de lanternas em corredores escuros do que trocas de tiro ao aberto; e as sequências que envolvem tais vítimas em perigos realmente aproximam o longa de um terror, ancorado pela brilhante trilha sonora de Michael Giacchino, onde – em umas delas – Reeves é até capaz de homenagear a memorável sequência do telefone de Era Uma Vez na América, de Sergio Leone.

Gothamtown

A forma como o Charada de Paul Dano preenche essa necessidade da história também é um grande acerto. Nitidamente se inspirando em elementos do assassino do Zodíaco e também da cultura de stream/fóruns de ódio, o vilão é uma ameaça que paira o filme todo, mesmo que não apareça tanto. É uma reconstrução assustadora desde sua primeira cena, mas Dano também é eficiente em manter o aspecto “fanfarrão” que o personagem sempre apresentou nos quadrinhos; e que foi levado ao extremo com a versão colorida de Jim Carrey em Batman Eternamente. Dizer que o Charada de Dano não se sairia mal como Jigsaw na franquia Jogos Mortais não seria exagero algum.

Já no aspecto mais humano, encontramos o Bruce Wayne de Robert Pattinson. É uma abordagem mais psicológica e perturbada do que as anteriores, com o astro passando maior parte do tempo por baixo da máscara de couro do que sem ela, mas ainda assim garantindo uma presença formidável. Quando vemos esse Bruce mais melancólico, emo e sem qualquer vestígio da persona de “bilionário playboy” que ajudou a imortalizar a dualidade dos alter-egos, Pattinson oferece algo próximo do retrato de um jovem adulto obcecado, o que rende ótimas cenas com o Alfred mais bruto de Andy Serkis e a carismática Mulher Gato de Zoë Kravitz; esta oferecendo o mais próximo de um relacionamento passional que o personagem já teve nas telas.

Vale mencionar também o importantíssimo núcleo da máfia, que tem um papel crucial na trama. Apesar de ser onde o ritmo mais se embola, graças às reviravoltas à lá Chinatown envolvendo a figura de Carmine Falcone (um John Turturro bem à vontade), Reeves se diverte ao dar muitas camadas de complexidade para o nível da corrupção em Gotham. Bem abaixo do chefão de Turturro está um irreconhecível Colin Farrell maquiado como Pinguim, que não tem tanto destaque quanto seus colegas de elenco, mas é bem eficiente em criar uma figura caricata e engraçada na medida certa.

Pintando a tela

Em seus aspectos técnicos, Batman é um verdadeiro deleite. Reeves retoma sua parceria com o diretor de fotografia Greig Fraser (com quem trabalhou há uma década, no ótimo remake Deixe-me Entrar) e cria aquele que certamente é o mais atmosférico filme protagonizado pelo Morcego. As sombras de Gotham são profundas e cativantes, com o vermelho e o laranja ditando cores fortes na paleta gótica e realista, que também é reforçada pelo fato de chover constantemente durante a trama.

Reeves e Fraser criam imagens icônicas e que ajudam a construir o universo desta Gotham City, especialmente no momento em que um Bruce Wayne soturno narra suas atividades enquanto caminha por uma multidão no Dia das Bruxas; um aspecto bem presente em diversas de suas aparições, que hora transformam o Morcego e seus gadgets em ícones do medo (eu juro que lembrei de Christine: O Carro Assassino no primeiro vislumbre do Batmóvel), mas também de esperança, vide um emocionante plano envolvendo um sinalizador vermelho.

Sob a tutela de um Matt Reeves inspirado e com as referências certas, este novo Batman é apresenta um ótimo recomeço para o personagem nos cinemas. Robert Pattinson é uma grata surpresa como o Cavaleiro das Trevas, que inaugura uma nova e promissora fase do personagem, mas sem se esquecer de entregar uma peça de cinema absolutamente satisfatória e inspirada.

Crítica em vídeo

Batman (The Batman, EUA – 2022)

Direção: Matt Reeves
Roteiro: Matt Reeves e Peter Craig
Elenco: Robert Pattinson, Zoë Kravitz, Paul Dano, Colin Farrell, Jeffrey Wright, Andy Serkis, John Turturro, Peter Sarsgaard, Alex Ferns, Jayme Lawson, Barry Keoghan
Gênero: Suspense
Duração: 176 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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