Do ponto de vista dramático, A Filha Perdida, é um dos grandes filmes da temporada e não á toa desponta no cenário como o favorito entre várias premiações que disputa. Por isso não é nenhum absurdo suas três indicações ao Oscar que recebeu, incluindo a de Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Atriz para Olivia Colman (The Crown).
Longa da Netflix é uma adaptação da obra de Elena Ferrante, intitulado História da Menina Perdida, e conta a história de Leda (Olivia Colman), uma mulher que é professora universitária e que está de férias e passa a reviver suas memórias passadas. A produção reconta sua vida em dois períodos, o presente, enquanto está de férias de verão, e o passado, enquanto relembra como foi cuidar de suas duas filhas ainda crianças.
Maternidade e Tempo Perdido
O principal atrativo do filme, e que prende o espectador logo de cara, é estabelecido pelo bom roteiro de Maggie Gyllenhaal (The Deuce), que assim como a direção, assina também o competente roteiro. Há um ar de segredo na trama e que é trazido pela protagonista, percebe-se que ela guarda algo sobre si. O tom que a diretora vai mostrando o que de fato é que Leda guarda em sua vida de amargura é que vai desenvolvendo a narrativa. Surpreende a todos que o tema da produção seja maternidade, mas com uma representação diferente do que é geralmente apresentado por Hollywood em suas produções.
Fica evidente, desde o encontro de Leda com Nina (Dakota Johnso), na praia, que havia algo de diferente naquele olhar de Leda para Nina, uma mulher ainda jovem e que vive impaciente com a sua filha, no jeito que ela briga com a criança, no jeito que discute com o marido ou até mesmo no jeito que deixa a criança de lado à beira mar para se preocupar com uma briga conjugal qualquer. Ali o roteiro já dá indicativos, poucos é verdade, que o longa irá tratar sobre o ato de ser mãe.
A maioria dos longas quando vai tratar deste tema traz à tona a questão de como é bom ser mãe, de como é maravilhoso cuidar dos filhos, mas em A Filha Perdida não é bem isso que Maggie Gyllenhaal quer tratar. É muito claro que há um conflito particular no jeito que Leda quer ficar longe o máximo possível de suas filhas, e isso é mostrado de modo sútil, de uma maneira tocante, apresentando o lado da protagonista. Na realidade, a proposta é transformar aquela ideia de que a maternidade nem sempre é flores e a diretora trata de não fantasiar um tema que o cinema ama abordar de uma maneira quase sempre de modo completamente romântico.
Além de tratar da romantização da maternidade há também a questão de se trabalhar a ideia do tempo perdido, já que a própria protagonista acaba por soltar uma fala sobre isso, algo que faz o total sentido, pois ela mesma não apenas não nutre um sentimento natural de ser mãe, mas também sente que perdeu um tempo de ficar ao lado de suas filhas ao abandoná-las quando crianças por três anos e que aquele período não irá voltar. Aí que está a inteligência do roteiro em falar sobre um tema tão batido, mas com uma mensagem diferente e forte e que toca o público pela simplicidade.
Atuações de Impacto
Olivia Colman está ótima como a mulher que se martiriza por não se achar uma mãe competente e sua indicação ao Oscar é um reflexo dessa atuação potente de Colman. O mesmo pode-se dizer para a interpretação de Jessie Buckley (Fargo), que faz o papel da Leda mais jovem e também foi indicada para Melhor Atriz Coadjuvante merecidamente, pois tem destaque para uma parte da trama importante e de caráter dramático, até mais forte que o da própria Colman.
Há um trabalho energético por parte de Maggie Gyllenhaal em desenvolver a questão dramática da narrativa, mas sem forçar no espectador um choro, até porque não é o tipo de espetáculo que requer esse tipo de abordagem. A questão mesmo é que há um drama pessoal vivido pela protagonista, presa em uma rotina e que Maggie quer nos apresentar como Leda querendo se libertar, sendo a praia aquele ambiente perfeito de fuga para ela.
O jeito do roteiro contar a narrativa, transitando entre passado e presente, é um elemento que serve para abordar as duas fases da vida de Leda, enquanto cuidava de suas filhas quando criança e quando já madura e entende tudo que já passou e vê outra mãe, no caso Nina, passando pelo mesmas situações que ela no passado.
A Filha Perdida não se desenvolve do jeito que deveria, mesmo tendo um apelo emocional e atingindo o público no alvo. Falta uma dinâmica, um ritmo que seja mais empolgante. Há alguns momentos que a trama cai no marasmo e que é quebrado quando a história é levada para contar o passado de Leda. Do resto, é um bom filme e vale pela sua mensagem e pela quebra de, podemos dizer assim, um tabu que não é muito discutido no cinema, que é o da romantização da maternidade, que para algumas mães é algo lindo e maravilhoso, e que para outras mães é um fardo. Sem dúvida um dos grandes filmes da temporada.
A Filha Perdida (The Lost Daughter, Grécia, Reino Unido, Israel, EUA – 2021)
Direção: Maggie Gyllenhaal
Roteiro: Maggie Gyllenhaal, Adaptação do livro de Elena Ferrante
Elenco: Olivia Colman, Jessie Buckley, Dakota Johnson, Ed Harris, Peter Sarsgaard, Paul Mescal, Dagmara Dominczyk, Jack Farthing, Oliver Jackson-Cohen, Alexandros Mylonas, Alba Rohrwacher
Gênero: Drama
Duração: 121 min