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Crítica | Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica – Jogando na Defensiva

Surgida ainda nos anos 1980, a Pixar ascendeu ao patamar de um dos maiores estúdios cinematográficos da história – principalmente depois que se tornou subsidiária da gigantesca Walt Disney Studios. Desde 1995, quando lançou o icônico e atemporal Toy Story, a companhia vem mostrando que não veio para brincar e, em sua breve vida, já nos entregou algumas das narrativas mais emocionantes da indústria do entretenimento, sempre renovando a si mesma com aventuras divertidas e que não se direcionam apenas a um público infantil, e sim a qualquer um que aceite o convite de embarcar em filosóficas jornadas de amadurecimentos e de autorreflexão.

Entretanto, é inegável dizer que certas produções não se encaixam no alto calibre endossado com obras-primas como Ratatouille, Up – Altas Aventuras ou o apaixonante Divertidamente. De fato, um pequeno número de contos mirabolantes que sua extensa equipe criativa nos conta falha em mergulhar da cabeça, preferindo optar por jogadas confortáveis e superficiais em detrimento de investidas ousadas e envolventes (como é o caso da trilogia Carros e da esquecível, porém fofa, animação O Bom Dinossauro). Não é surpresa que, depois de regressar à sua Era de Ouro com as sequências Os Incríveis 2 e Procurando Dory, ficássemos com um pé atrás com o anúncio de Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica, cuja familiar estética poderia sair pela culatra.

O resultado se assemelha a uma faca de dois gumes, funcionando em grande parte como um conto de fadas repleto de quebras de expectativas que será mais aproveitado pelas crianças do que pelo público em geral – com exceção de algumas sequências de tirar o fôlego e que valem pelo arrastado ato introdutório. A trama principal é carregada pelos irmãos Ian e Barley Lightfoot, interpretados pela dupla Tom Holland e Chris Pratt, respectivamente. Ian é um jovem elfo que acabou de fazer dezesseis anos e que vive na sombra de uma família dividida entre dois momentos: o passado, marcado pela alegria de ter a companhia do falecido pai, e o presente, pincelado com atribulações morais exploradas de modo simplório e quase frustrante.

As coisas mudam drasticamente – ou ao menos é o que o diretor Dan Scanlon promete desde o breve prólogo – quando a matriarca Laurel (Julia Louis-Dreyfus) revela que seu marido deixou um presente único para os dois, que deveria lhes ser entregue depois que ambos fossem maduros o suficiente: um cajado mágico e uma Gema da Fênix capaz de “ressuscitá-lo” por um dia inteiro. Todavia, como já era de se esperar, a missão de trazê-lo de volta sofre um complicado empecilho quando Ian não consegue manejar a magia da forma correta, invocando apenas metade do corpo do pai e levando os irmãos a sair numa instigante busca atrás de outra Gema – antes que o tempo acabe e o rapaz nunca consiga conhecê-lo.

Logo de cara, percebe-se que a Pixar consegue manter o definido estilo artístico que nos apresentou nas iterações predecessoras – algo difícil a se manter, considerando o prolífico ano que teve com Toy Story 4, que inclusive garantiu para a empresa mais uma estatueta do Oscar de Melhor Animação. O cuidado visual volta a nos chamar a atenção pelo mundo arquitetado (unindo em um mesmo pano de fundo criaturas mitológicas de diversas culturas) e por sua cômica verossimilhança que transforma uma outrora fervilhante ficção fantástica em uma versão interessante de Los Angeles – ora, nem mesmo os próprios personagens parecem acreditar em magia, rendidos às maravilhas e às facilidade advindas com a ciência.

É irônico perceber que Scanlon investe seus esforços em nuances tão mínimas, que chegam a passar despercebidas pelo majestoso (e por vezes excêntrico demais) primeiro plano que apresenta à audiência. Momentos catárticos, como a real importância da memória e dos entes que já partiram (tema visto em Viva – A Vida É uma Festa) e os conceitos reconstruídos de amor, criação e paixão (referenciando a Up e Ratatouille), são banalizados em prol de uma saudosista jornada de herói que nutre-se de elementos vistos em franquias de ficção fantástica (literalmente, qualquer uma que se consiga imaginar). Não é surpresa que a narrativa só engate no instante em que os heróis fazem de tudo para cumprirem um desejo antes adormecido e que agora veio à tona num turbilhão de emoções e guiado pela necessidade da autoprovação.

Eventualmente, a adição de vários coadjuvantes – incluindo a presença desperdiçada de Octavia Spencer como Corey, uma Manticora aposentada que agora cuida de um restaurante – não auxilia em quase nada no peso dramático do longa, servindo mais como fugazes escapes cômicos que acabam convergindo em uma conclusão dilacerante (uma das únicas seções que nos força a lembrar de sequências um tanto quanto imemoráveis). Além disso, é redundante observar o modo como a obra caminha para um fabulesco finale, imprimindo várias morais otimistas provindos de arcos titubeantes, mas práticos em sua maior parte.

Dois Irmãos sofre ao se residir na tênue linha que separa as grandes produções da Pixar daquelas menos consistentes, pendendo mais para aquele lado devido a uma expressão artística fenomenal e repleta de trejeitos oníricos. É certo dizer que a história irá encantar os jovens espectadores, mas deve falhar em cumprir uma promessa feita há quase um ano de reviver as glórias da companhia – e nos emocionar como antes conseguia.

Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica (Onward – EUA, 2020)

Direção: Dan Scanlon
Roteiro: Dan Scanlon, Jason Headley, Keith Bunin
Elenco: Tom Holland, Chris Pratt, Julia Louis-Dreyfus, Octavia Spencer, Lena Waithe, Ali Wong, Mel Rodriguez
Duração: 112 min.

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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