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Crítica | Dois Papas – Questionando a Fé

Os filmes religiosos ou com temática sobre o gênero, em sua maioria, tendem a tratar do tema apresentando sob a óptica de alguma personalidade de época, seja um santo canonizado, uma entidade, ou até mesmo figuras bíblicas que tiveram inúmeras releituras levadas para o cinema, casos de Jesus, Judas e até mesmo Maria, que mesmo sendo mortal teve muitas narrativas diferentes a seu respeito sendo produzida. Porém há muitos outros tipos de filões a serem abordados nesse tema, e um deles é sobre o questionamento da fé em si, um assunto espinhoso e que se bem tratado gera boas tramas. E esse é o caso de Dois Papas, dirigido de forma magistral pelo brasileiro Fernando Meirelles.

Dois Papas trata de um assunto bastante presente nos dias de hoje que é sobre a questão da fé em um mundo em que a modernização avança cada vez mais rápido, e que muitos acusam a igreja católica de não ter avançado e ter seguido esses temas com o tempo, e o filme debate muito bem esse tema, colocando como pano de fundo essa discussão a respeito de modernizar a igreja, pois Jorge Bergoglio, mais conhecido como papa Francisco foi colocado em sua posição de destaque justamente não apenas por seus trabalhos com os mais pobres, mas também por sua mente aberta e por entender que a igreja não precisa ficar fechada em seus dogmas e não se abster de temas que são tão cruciais para a sociedade como nos dias de hoje.

O roteiro de Anthony McCarten (Bohemian Rhapsody) é importante nesse cenário, o de levar a luz não apenas o da discussão de modernidade, mas também de questionar a fé e a religião em si, jogando luz em assuntos que geralmente não são muito abordados em longas do gêneros, e com a profundidade e a naturalidade apresentados. O roteiro de Dois Papas se assemelha bastante, em relação ao questionamento da fé, ao do filme First Reformed (Paul Schrader), a ideia pode não ser a mesma, mas o foco da narrativa basicamente é o mesmo, e seu direcionamento é parecido, pois os personagens questionam em algum instante da narrativa se continuam ou não o trabalho na igreja e até mesmo onde está a presença de Deus.

Portanto, o roteiro é o principal fato que faz com que o público se apaixone pelo filme e é o fator crucial nisso tudo são os ótimos diálogos colocados nas falas de Joseph Ratzinger (Anthony Hopkins) e Jorge Bergoglio (Jonathan Pryce). O filme praticamente é envolto em longas conversas dos dois protagonistas sobre fé, redenção, escolhas da vida, caminhos tomados, até mesmo futebol, e muitas outras questões mundanas que cercam o homem, são situações inteligentes e muito bem discutidas, mas que muitos telespectadores irão achar isso entediante, pois o filme por não ter cenas de ação, até porque esse não é o seu objetivo, pode se passar por chato por um público não acostumado com esse tipo de produção que só tem diálogos e mais diálogos entre os dois protagonistas. 

Anthony McCarten é inteligente e utiliza de uma artimanha entre o segundo ato e terceiro ato para dar uma quebrada justamente nesse ritmo de sucessivas conversas entre o Papa Bento XVI e o Papa Francisco que vinha em ritmo forte, antes ele já havia feito isso para mostrar como era feita a escolha do novo Papa, após a morte de João Paulo II, e depois novamente quando Jorge Bergoglio conheceu Esther Ballestrine (María Ucedo). O roteirista volta a utilizar deste artifício de quebra da narrativa ao novamente, quando os dois protagonistas conversam em um diálogo interessantíssimo sobre a importância e o futuro da Igreja, e então o futuro Papa Francisco conta a sua história e que poucos conheciam, em que acabou ajudando de forma indireta a ditadura militar argentina, uma das mais violentas da América do Sul. Essa cena em que o telespectador é levado ao passado argentino é emocionante, sufocante e cruel e que serve para mostrar o porque o caminho escolhido por Jorge Bergoglio no futuro com o seu trabalho com os mais pobres e necessitados. 

Sem dúvida nenhuma Anthony Hopkins e Jonathan Pryce são a alma do longa, pois além do filme contar quase que o tempo inteiro com a interpretação apenas deles em tela, há de se elogiar também a caracterização dos personagens, deixando os dois atores se não iguais, mas parecidos com os dois Papas. A atuação é uma verdadeira aula, além de prender a atenção do público com diálogos nada fáceis e de difícil execução ainda há a questão de ter que trabalhar o ritmo de cada frase. Um trabalho de atuação que merece com certeza ser estuado a dos dois a de Pryce e de Hopkins.

A direção de Fernando Meirelles é a cereja no bolo de uma produção que se não é perfeita, tem uma direção que tem todos os atributos que fizeram dele um dos principais cineastas do mundo. O diretor cresceu bastante desde Cidade de Deus, mas suas últimas produções deixaram bastante a desejar, casos de 360 e Rio, Eu te Amo, portanto Dois Papas é um retorno ao que o diretor sabe fazer de melhor, aqui ele coloca ótimos enquadramentos, escolhe belos takes, entre planos abertos e planos fechados há a beleza de paróquias e igrejas escolhidas para filmar as cenas entre os papas que dão um toque a mais de realidade para a história. A escolha de Meirelles para contar a trama de um papa argentino é um acerto, por ser brasileiro consegue colocar um olhar mais apaixonado, quase que de torcida de como é ter o primeiro papa sul-americano no Vaticano, algo que provavelmente um diretor americano não conseguiria retratar tamanha dose de emoção na tela.

Dois Papas é um belo estudo sobre a fé de dois homens, um que quer deixar a igreja por não se achar mais importante para a entidade, e o outro por achar que não fez o suficiente para a santa igreja e que pode corrigir isso colocando assim alguém mais moderno em seu lugar, caso de Joseph Ratzinger, colocando assim Jorge Bergoglio em seu lugar. É uma trama que fascina pelo jeito que é contada, nos mínimos detalhes, sendo construída tijolo por tijolo e inserindo o público ali, até que finalmente vem o verdadeiro momento, que mesmo sendo óbvio não perde aquele sensação de impacto emocional que o diretor tanto queria criar em quem assistia e que realmente consegue.

Dois Papas (The Two Popes, EUA – 2019)

Direção: Fernando Meirelles
Roteiro: Anthony McCarten
Elenco: Jonathan Pryce, Anthony Hopkins, Juan Minujín, Sidney Cole, Thomas D Williams, Federico Torre, Lisandro Fiks, María Ucedo
Gênero: Biografia, Comédia, Drama
Duração: 125 min

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Publicado por Gabriel Danius

Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.

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