Se a Disney atualmente faz fortuna com os remakes em live-action de alguns e seus clássicos animados, há um responsável direto pela propagação do fenômeno: Tim Burton. Quando o cineasta entregou sua versão de Alice no País das Maravilhas em 2010, o estúdio se surpreendeu ao ver sua bilheteria estourar 1 bilhão de dólares, fazendo-o investir em diversas outras produções derivadas de filmes animados: Malévola, Cinderela, Mogli – O Menino Lobo e A Bela e a Fera, além de incontáveis outros em produção, como Aladdin, O Rei Leão e Mulan.
Agora, quase uma década após o sucesso de Alice, Burton retorna à Disney para mais uma adaptação live-action de um clássico do estúdio: Dumbo, que assim como o filme de 2010, serve mais como uma continuação para o original do que uma reprodução quadro a quadro. Ainda que não seja um grande filme, deve ser facilmente o melhor trabalho de Burton em mais de uma década. O que realmente não significa muito quando analisamos o que o diretor aprontou nesses últimos anos.
A trama adapta o original em sua primeira metade, mas adotando uma perspectiva diferente. Conhecemos o circo dos irmãos Medici, tocado pelo trambiqueiro Max Medici (Danny DeVito), e passamos a acompanhar a dinâmica de Holt Farrier (Colin Farrell) e seus dois filhos, Milly (Nico Parker) e Joe (Finley Hobbins). Quando um dos elefantes do circo da luz a um filhote com orelhas gigantescas, que lhe dão a inesperada capacidade de voar, o pequeno Dumbo se torna uma atração local, e desperta o interesse do ambicioso empresário V. A. Vandevere (Michael Keaton).
Uma nova versão
O maior elogio que pode ser feito sobre este novo Dumbo é que Burton e os produtores realmente tentaram fazer algo novo a partir do material original. Confesso que não assisto à animação de 1941 há mais de duas décadas, mas uma rápida pesquisa revela que realmente é tudo muito diferente. O roteiro de Ehren Krueger (de Transformers: O Lado Oculto da Lua) desvia completamento o foco de animais falantes e números musicais na tentativa de estabelecer um drama fantasioso (afinal, é um filme de Tim Burton) com os personagens do circo. No papel, é uma ideia interessante, especialmente por vermos como a presença de Dumbo e sua magia transformam as vidas a seu redor. Na execução, é um roteiro tipicamente Krueger, com diálogos pavorosos, personagens rasos e um desenvolvimento tão eficiente quanto a capacidade de Freddy Krueger em contar histórias de ninar para crianças.
O personagem de Farrell é apresentado como um homem que perdeu seu braço na guerra, tendo uma condição física que gera conflitos similares ao das orelhas gigantes de Dumbo. Mas Krueger jamais desenvolve essa ideia de forma racional, pois se as orelhas de Dumbo demonstram a aceitação de uma deficiência e os frutos inebriantes dessa escolha, a de Farrell é sempre sobre tentar esconder, o que ainda rende uma conclusão anticlimática para seu personagem. Pior ainda é a filha de Holt, cujo único propósito narrativo é: “ser uma cientista”, rendendo diversas passagens de texto embaraçosas.
Ainda que seja difícil se apegar com os personagens e os dramas mundanos, Krueger se mostra mais inspirado ao trazer o setor inteiramente original da obra, que traz de volta elementos do livro de Helen Aberson e Harold Pearl. A entrada de Vandevere e sua feira de diversões Dreamland tem um propósito melhor estabelecido, ainda que seja mais uma variação do capitalismo selvagem de uma grande corporação engolindo um pequeno negócio a fim de servir a indústria do entretenimento. O que torna esse arco mais interessante é que Krueger claramente traça um retrato do próprio Walt Disney, algo que é irônico considerando-se que o estúdio produtor é a Disney, e ainda mais curioso quando temos a coincidência de Dumbo estar sendo lançado durante a finalização do compra da Fox.
O circo de Tim Burton
Visualmente, preciso admitir que é o Burton mais à vontade desde Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, que não por coincidência é seu melhor filme em anos. O diretor traz uma competente mistura entre efeitos visuais eficientes e um design de produção que evoca suas principais qualidades, já evidenciando-as nos segundos iniciais, quando o bico da locomotiva dos Medici acaba formando um sorriso digno de Beetlejuice, e a estética surreal do circo definitivamente oferece oportunidades divertidas para que Burton explore sua criatividade – principalmente nas atrações e em seus cartazes próprios, ainda que nada tão inspirado quanto o curto segmento desse ramo em Peixe Grande. O mesmo se aplica ao design da Dreamland, literalmente uma Disneylândia, onde até mesmo a roda-gigante dupla parece formar as icônicas orelhas de Mickey Mouse em determinando momento de sua rotação.
Quanto ao elefantinho protagonista? O personagem certamente é capaz de gerar afeto e provocar suspiros e reações amorosas do público, sendo uma bela criação em CGI. Particularmente, gosto muito da forma como o protagonista recebe seu nome, algo que definitivamente veio da mente de Burton: durante sua apresentação no picadeiro pela primeira vez, a placa com a frase “Dear Baby Jumbo” é danificada, fazendo com que a letra D caia em cima da J, não só batizando o elefantinho, mas também enfatizando a palavra “Ear” (orelha). É bastante similar ao momento de Batman: O Retorno em que o painel luminoso de Selina Kyle, com a frase Hello There, se transforma em Hell Here.
E se os personagens são todos unidimensionais, ao menos parte do elenco parece se divertir. Danny DeVito abraça a canastrice para fazer um Max divertido, mas é Michael Keaton quem se destaca ao encarnar a ganância em pessoa de uma maneira mais cartunesca, mas também com um lado mais fraco oculto. Eva Green, como sempre nas produções recentes de Burton, chama a atenção por seu carisma, sendo também um dos poucos papéis americanos da atriz em que ela pode usar seu charmoso sotaque francês. Infelizmente, Colin Farrell surge completamente apagado, ainda que seja bacana ver o ator experimentando um sotaque do sul dos EUA, enquanto Nico Parker (filha da atriz Thandie Newton) mostra-se completamente inexpressiva e automática em todas as suas cenas. Nenhum dos personagens realmente compensa a ausência de animais falantes.
Dumbo é um dos trabalhos mais consistentes de Tim Burton em anos, e mesmo que não seja uma constatação realmente significativa, é bom ver um cineasta que já foi tão bom no passado não cometendo tantos erros. Só é uma pena que o roteiro de Ehren Krueger seja tão ruim, sendo uma experiência formulaica e com apenas alguns picos de real maestria. Não voa tão alto, mas até que sai bem do chão.
Dumbo (EUA, 2019)
Direção: Tim Burton
Roteiro: Ehren Krueger, baseado na obra de Helen Aberson e Harold Pearl
Elenco: Colin Farrell, Danny DeVito, Michael Keaton, Eva Green, Nico Parker, Finley Hobbins, Alan Arkin, Joseph Gatt, Sharon Rooney
Gênero: Aventura
Duração: 112 min