O cinema espanhol é conhecido pelas suas ótimas histórias bem construídas e estruturadas, e quase sempre com boas reviravoltas de roteiro que surpreendem ao público pelo dinamismo com que essas tramas são apresentadas. A Netflix conta em seu catálogo com produções interessantes e desconhecidas do país, e de diversos gêneros, desde comédia ao suspense. Eis que a empresa investiu na produção de um longa de ficção original para colocar em seu serviço de streaming, e o resultado é o interessante Durante a Tormenta (Oriol paulo).
O longa conta a história de Vera Durán (Adriana Ugarte), uma mãe que vive uma situação inusitada. Em um dia, um raio acaba caindo em sua casa nova e gerando uma interferência em uma TV antiga que havia encontrado. Nesse exato momento, mas no passado, um garoto que vivia na mesma casa e estava com a mesma TV ligada acaba por viver a mesma situação de Vera, logo ambos começam a se comunicar pela TV que é uma espécie de portal entre passado e futuro. Ao salvar o garoto de uma situação que ele iria se envolver, Vera acaba, sem saber, mudando todo o futuro do garoto e sua própria vida no presente. Então Vera parte para tentar descobrir o porquê disso tudo ter acontecido em sua vida.
É difícil e inevitável não criar um paralelo com o filme Alta Frequência (Gregory Hoblit), em que o personagem John Sullivan se comunica via um rádio velho com o seu pai com anos de distância entre os dois, fazendo um elo também entre futuro e passado. Essa questão de trabalhar o tempo como fator principal para a trama é algo que já foi visto em diversas produções e histórias do gênero, e quase sempre chamam a atenção por trazer tramas arrojadas, interessantes e empolgantes. Esse é o principal fator que faz com que Durante a Tormenta seja uma produção que vale a pena ser vista, por gerar curiosidade no público acerca de um tema que é de interesse geral.
A viagem no tempo apresentada no filme é o fator principal que faz com que a narrativa se movimente, fazendo com que a protagonista Vera se preocupe e tenha alguma relação com esse elemento físico. O longa não cai no erro de ficar preso a essa situação relacionada a questão temporal e desenvolve a narrativa sem a deixar cair em banho Maria, a trabalhando com inteligência e sem fazer com que o mistério fique de lado e não dar as respostas necessárias para todos os acontecimentos.
Essas respostas demoram em chegar, alguns momentos há tantas perguntas sem respostas que pode dar uma certa confusão no espectador. A principal resposta e que todos queriam descobrir é a respeito do raio, o que ele era e por que acontecia? Eis que para resolver essa charada colocam uma especialista para falar sobre o assunto, mas o feedback da escritora é tão frustrante que acaba gerando mais dúvidas. A partir do segundo ato o diretor escolhe deixar esse elemento do raio de lado, como se não fosse algo importante para a narrativa. Em certo momento essa questão é esquecida para focar mais no drama da protagonista, fazendo com que essa questão surgisse novamente no final e mostrasse que é sim um fator importante para a trama, sendo assim esse esquecimento momentâneo foi justamente para não ficar preso apenas a uma ideia e também para dar uma enganada no público.
Oriol Paulo é um diretor de grande futuro, suas duas produções anteriores mostram um estilo que com o passar do tempo só foi melhorando. Em O Corpo trabalha o caso de um corpo que desaparece de um necrotério, e em Um Contratempo aborda a história de um homem que junto com sua advogada tentam reconstruir passo a passo um acontecimento passado. Em ambas as produções, inclusive em Durante a Tormenta, há o cuidado em trabalhar a narrativa sem deixar pontas soltas ou perguntas sem respostas. Tudo que é mostrado tem um motivo, nada é jogado na cena sem algum propósito.
O suspense também é uma marca do diretor, que com um mistério bem dosado vai prendendo a atenção do espectador em querer desvendar aquela situação junto com os personagens. Isso torna Oriol Paulo um cineasta de grande futuro no cinema e que pode sim, algum dia, chegar ao nível de outros grandes diretores espanhóis, como Pedro Almodóvar (Fale com Ela) e Alejandro Amenábar (Tesis: Morte ao Vivo).
Os personagens são bem escritos e todos são aproveitados da maneira com que a trama pede. Até mesmo os personagens secundários ajudam no desenvolvimento da história, com os mistérios que giram ao redor deles e da protagonista Vera que se vê no meio de uma questão conturbada. O elenco é recheado de atores conhecidos dos amantes de cinema, como Chino Darín (A Noite de 12 Anos), Álvaro Morte (La Casa de Papel) e a própria Adriana Ugarte (Julieta) que é a alma do filme, sem sua interpretação possivelmente o filme não seria a mesma coisa.
Durante a Tormenta é um filme que irá intrigar e despertar a ânsia por descobrir as respostas que estão por trás de todo o mistério que cerca a produção. Não há muita ação em suas cenas e em alguns momentos o diretor parece se perder no ritmo que quer contar a história, mas isso é um fato que não atrapalha muito na hora de seguir a protagonista em sua árdua tarefa de descobrir como sua vida mudou da noite para o dia. Vale também por ser uma produção espanhola e diferente do que estamos acostumados a ver no cinema americano, em que muitas vezes a trama acaba caindo na mesmice de sempre, algo que não ocorre com esta produção espanhol.
Durante a Tormenta (Durante la Tormenta, Espanha – 2018)
Direção: Oriol Paulo
Roteiro: Oriol Paulo, Lara Sendim
Elenco: Adriana Ugarte, Chino Darín, Javier Gutiérrez, Álvaro Morte, Nora Navas, Miguel Fernández, Clara Segura
Gênero: Drama, Romance, Thriller
Duração: 128 min.