Oh, como ela está linda…
Após os créditos iniciais de Hannah e Suas Irmãs essa é a primeira frase que aparece e poucos segundos depois é dita por Elliot (Michael Caine em uma atuação de lhe valeu o Oscar) e somos apresentados a todos os personagens, os núcleos familiares e seus conflitos. Isso já mostra o quanto o roteiro Woody Allen é claro e objetivo, mas não é apenas isso. No título disse que esse é o ápice de Allen vou deixar claro que é em todos os quesitos: como roteirista, diretor e comediante.
A história mostra a moça que dá nome ao filme (Mia Farrow), que tem uma vida nos trilhos. Filha de artistas, divorciada e ganhando dinheiro com arte, Hannah tem um feliz casamento com o já citado Elliot, que está perdidamente apaixonado por uma das irmãs de sua esposa, a bela Lee (Barbara Hershey) essa que tem um relacionamento frio com o pintor Frederick (Max von Sydow). A última irmã que é apresentada é Holly (Dianne Wiest), que vive pedindo dinheiro emprestado para Hannah e não conseguiu emplacar em nenhuma carreira. Em menos de um ano a vida das três irá mudar e seguirão para rumos melhores.
Por mais que Hannah e Suas Irmãs tenham cenas hilárias, é um drama sério e pesado sobre relacionamentos e desilusões, tanto as amorosas quanto as profissionais. Sentimos junto com os personagens todas as frustrações e dúvidas que o cercam, como o próprio Elliot que mesmo tendo um sentimento sincero quanto a Lee, sofre pela probabilidade de magoar Hannah, que de acordo com o próprio é uma pessoa amorosa e confiável que não merece isso. E Allen desenvolve esses temas complexos em cenas muito bem escritas e que se mostram até dolorosas quando esses personagens são confrontados sobre a sua atual situação. Isso mostra um amadurecimento grande por parte do diretor em conduzir esses temas, que são recorrentes em sua obra.
Falei há pouco que o filme tenha cenas pesadas e dolorosas, mas há cenas hilárias que servem como válvula de escape. Elas vêm por conta do núcleo do ex de Hanna, Mickey (Woody Allen), um diretor de TV. Apresentado como um hipocondríaco, o personagem começa achando que a perda de audição de um dos ouvidos possa ser um tumor no cérebro, que o faz achar que vai morrer e acaba indo atrás de diferentes religiões, com o intuito que alguma delas irá lhe dar um objetivo para a vida. Todo o arco envolvendo Mickey é hilário, além do texto muito ácido vindo de uma pessoa neurótica como Allen, ele mostra o grande talento que ele tem como comediante. Só as expressões de Mickey com a voz fina e o jeito de falar rápido de Allen, já são o suficiente para que o espectador dê risada. Vale destacar a cena que ele decide entrar para o cristianismo, a conclusão é genial, um dos pontos mais altos da carreira de Allen.
Outono em Nova York
Falei que o filme tem temas pesados, mas um núcleo que é hilário. Mas funciona? Sim, demais. Em momento parece que o núcleo de Mickey seja de outro filme ou que destoe do tom dado, isso se deve a estrutura narrativa dada. Parece que são fragmentos, pequenos episódios da vida dos personagens, que sempre abre com uma frase nos intertítulos que será dita pelos personagens ou alguma citação que tem a ver com o momento. Além de terem várias narrações em off, que podem deixar o sentimento visto na cena irrelevante. Mas nenhuns desses artifícios acabam prejudicando o ritmo do filme e a narrativa ser torna coesa, graças a ótima montagem de Susan E. Morse. É um desafio enorme ter essa estrutura fragmentada e que vai de gêneros diferentes – quase opostos – sem que ela se torne cansativa ou confusa.
Claro que se deve também ao excelente roteiro, já que Woody Allen sempre mostrou um excepcional roteirista, fazendo diálogos muito inteligentes. Em Hannah em Suas Irmãs não há apenas diálogos excelentes que são sinceros e reflexivos, com outros que são muito engraçados, mas uma construção de personagens sincera percebendo o como o discurso de Allen é sincero. É um dos seus roteiros mais ousados em termos de estrutura narrativa.
Falamos do Allen roteirista, o Allen comediante, só falta o Allen diretor, que se mostra muito maduro no longa. Além dos cuidados nas construções dos planos, os movimentos de câmera feitos pelo diretor e o seu diretor de fotografia Carlo Di Palma são sutis, mesmo a câmera se mexendo quase todo o momento. Além das mudanças de gêneros que já foram citadas, que precisa de um diretor que conhece bem essas linguagens e Allen sempre mostrou que sabe trabalhar com ambos os gêneros – a comédia e o drama – e conhece suas regras. É um dos seus mais belos trabalhos.
O elenco também se mostra muito bem escolhido, como a maioria dos filmes de Allen. Além de terem uma excelente química, são atuações econômicas que só estouram quando precisam estourar. O principal destaque fica para Michael Caine que consegue mostrar todo o seu conflito interno apenas pelo olhar fazendo um belo trabalho. Assim como as três irmãs que estão excelentes. O jeito irresponsável e rebelde de Wiest, a sensualidade de Hershey e a bondade e calma de Farrow fazem com que elas sejam contrastes muito interessantes, mas as trocas de olhares entre elas deixam suas interpretações mais ricas.
Enfim, Hannah e Suas Irmãs mostra o melhor de Woody Allen. É um filme ousado, com temas interessantes e situações hilárias. Um dos melhores trabalhos da longa carreira do diretor.
Hannah e Suas Irmãs (Hannah and Her Sisters, EUA -1986)
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen
Elenco: Woody Allen, Mia Farrow, Barbara Hershey, Michael Caine, Diane Weist, Max von Sidow e Carrie Fisher
Gênero: Drama/Comédia
Duração: 107 minutos