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Crítica | Homem-Formiga e a Vespa – Overdose de fórmula Marvel

Após lançar seu mais político e maduro filme com Pantera Negra, e também seu projeto mais megalomaníaco e grandioso com o épico Vingadores: Guerra Infinita, é curioso que a Marvel Studios agora siga para uma aventura com aquele que literalmente é seu menor personagem. Demonstra o senso de humor que se estende até mesmo ao calendário do produtor Kevin Feige, que compreende o desejo dos fiéis seguidores da Casa das Ideias por algo mais leve após toda a catástrofe dramática provocada pelo Thanos de Josh Brolin há alguns meses atrás. E, saindo da diversão açucarada do primeiro filme de Peyton Reed, Homem-Formiga e a Vespa chega para preencher tabela e entregar um pouco de diversão despretensiosa. Só é uma pena que esta continuação seja tão episódica e represente alguns passos para trás ao estúdio, que caminha para algo mais interessante.

A trama é situada após os eventos de Capitão América: Guerra Civil e antes dos de Guerra Infinita, trazendo Scott Lang (Paul Rudd) nos últimos dias de sua prisão domiciliar, consequência de sua presença ilegal no combate do Capitão América na Alemanha. Mesmo tentando se comportar e seguir às ordens de um agente do FBI (Randall Park), Lang é rapidamente atraído de volta à ação quando Hank Pym (Michael Douglas) e sua filha Hope Van Dyme (Evangeline Lilly) o convocam para ajudá-los em uma missão desesperada para mergulhar no perigoso Reino Quântico e encontrar Janet Van Dyme (Michelle Pfeiffer), que encontra-se perdida há mais de 30 anos. A viagem só é interrompida quando uma misteriosa entidade conhecida como Fantasma (Hannah John-Kamen) ameaça o grupo de heróis.

As falhas no plano

Peyton Reed tinha todas as chances a seu favor aqui. Saindo da sombra de Edgar Wright, que originalmente comandaria o primeiro filme e foi repentinamente demitido, agora era a chance do diretor e seu time de roteiristas enfim partirem de uma premissa e conceito completamente novos, sem pegar as “sobras” do roteiro de um criador como Wright. Infelizmente, é justamente no roteiro em que temos a maior deficiência. Assinado por Chris McKenna, Erik Sommers, Andrew Barrer, Gabriel Ferrari e do próprio Rudd (viram quantos nomes? Nunca é um bom sinal), a trama deste segundo filme é desconjuntada e desinteressante. Inseguros em apostar em algo completamente inovador na fórmula Marvel, no que deveria ter sido uma aventura sci-fi ao estilo de Viagem Fantástica (com Hank, Scott e Hope viajando pelo Reino Quântico), o quinteto de roteiristas se vê na necessidade de enfiar diversas subtramas e distrações desnecessárias à narrativa central.

O grande problema a ser solucionado (o resgate de Janet) é adiado das formas mais estúpidas possíveis, onde nunca uma ação é reação de algo. Ou temos o laboratório de Hank sendo constantemente roubado – o fato de este agora ser uma miniatura possibilita essas muletas- -por algum personagem (geralmente o mesmo) ou alguma falha no plano demanda que os heróis atravessem outro obstáculo antes de enfim embarcar. Por exemplo, quando Hank precisa encontrar um meio de localizar seu laboratório após perdê-lo, Scott imediatamente os leva para o escritório de Luis (Michael Peña) e seus amigos (Damian Dastmalchian e Tip ‘T.I.’ Harris), onde a única desculpa é ter algumas piadas com o trio, que inadvertidamente fazem Hank ter a ideia de encontrar um rastreador – agora levando-os ao personagem de Laurence Fishburne. O encontro com Luis surge desnecessário, como se Peyton Reed estivesse apenas preocupado em oferecer diferentes esquetes com os personagens – mas algumas definitivamente funcionam, sendo um efeito pontual.

A exposição também é um problema grave. Logo no início, temos um desconfortável monólogo do agente de Randall Park para a jovem Cassie (Abby Ryder Fortson) onde nos é vomitado todo o contexto e situação atual que explica a prisão de Scott, em um tipo de diálogo que faz qualquer explicação cabeluda de Christopher Nolan parecer um monólogo introspectivo de Terrence Malick. É pior ainda com a vilã Fantasma, que é facilmente um dos piores antagonistas que a Marvel já foi capaz de oferecer, que explica suas motivações e origem no estilo mais preguiçoso e clichê possível, com flashbacks e diálogos expositivos que literalmente interrompem a narrativa central – e não fazem a menor diferença no final, por mais que o texto tente oferecer uma motivação coerente para a personagem, e a novata Hannah John-Kamen é extremamente talentosa e convincente em suas intenções agressivas.

Pequena Grande Família

Mas não que tudo seja mal executado. Quando Homem-Formiga e a Vespa funciona, o efeito é mais do que satisfatório. A começar com Paul Rudd, que continua sendo um ator extremamente carismático e divertido, e cujas cenas com sua filha Cassie proporcionam momentos de afeto e carinho que nenhum outro filme do estúdio é capaz de replicar – e é uma pena que esses momentos sejam tão poucos, vide a bonita cena em que Scott e Cassie brincam dentro de sua casa em um jogo elaborado para mantê-la entretida durante seu confinamento. O roteiro brilha justamente quando oferece a criatividade do efeito de diminuição e aumento de tamanho, o que sequências que permitem que Rudd explore todo o seu potencial cômico, e manterei a surpresa de tais cenas para o espectador.

Da mesma forma, ver Evangeline Lilly ganhar mais destaque em sua estreia como a heroína Vespa é um sopro de ar fresco. A Marvel pode ter algumas personagens femininas bem presentes, mas poucas tem a presença e o carisma da veterana de Lost, que oferece a combinação perfeita de humor, drama e experiência para Hope, além de manter uma relação interessante com Rudd, que vai um pouco além do básico clichê do “romance entre dois polos opostos”. Também continua eficiente Michael Douglas como Pym, aqui em uma performance um pouco mais intensa do que no anterior, e que ganha mais força quando a ótima Michelle Pfeiffer enfim surge no terceiro ato. Só é uma pena que sua participação seja tão rápida, além de servir mais como macguffin e ex machina do que uma personagem inteiramente desenvolvida.

E quanto menos eu falar de Judy Greer e o nível de carinho absolutamente creepy a qual o personagem de Bobby Cannavale exibe em tela, melhor.

Quase uma Viagem Fantástica

Em termos de direção, o novo Homem-Formiga não faz feio em relação ao anterior. Com as novas trucagens e habilidades das partículas Pym, Reed é capaz de aumentar a escala (ou diminuir, de certa forma) das cenas de perseguição de carro, lutas e outras setpieces muito interessantes. Dentre todos os heróis da editora, o Homem-Formiga (talvez seguido pelo Doutor Estranho) é o personagem que melhor oferece soluções visuais para seus poderes, e Reed se diverte ao tornar um embate em uma cozinha parecer letal graças ao tamanho das facas em relação à uma minúscula Vespa ou a capacidade de destruição de uma Pez-Dispenser da Hello Kitty em tamanho jumbo. O uso rápido do poder de diminuição em veículos também mostra-se divertido nesse quesito, com Hope despistando e atacando carros inimigos ao usar a vantagem do tamanho menor para confundi-los.

Reed também abraça um pouco mais a psicodelia que o terceiro ato do original flertava. Primeiramente, com os poderes de faseamento de Fantasma, que traz uma versão diferente do velho poder de “atravessar coisas”. A cada faseamento, vemos inúmeros vestígios de suas formas anteriores, quase como se a personagem “congelasse” antes de mover-se, o que garante um oponente fascinante para heróis diminutos: algo que não se pode ver contra alguém intangível. Fica ainda mais deslumbrante quando Reed enfim nos leva para dentro do Reino Quântico, garantindo as imagens mais coloridas e realmente vibrantes que o estúdio já trouxe até hoje, sem medo de ser maluco ou cartunesco demais, e realmente servindo à proposta de um lugar perigoso e desconhecido.

Só é, novamente, uma pena que não tenhamos uma exploração maior desse ambiente. O fato de Reed intercalar a viagem solitária de Hank ao subatômico com uma perseguição de carros envolvendo Luis e uma terceira cena com Scott descontroladamente tornando-se gigante na baía de São Francisco tira grande parte do impacto do que poderia ser uma sequência ambiciosa e realmente diferente da fórmula Marvel, algo que Pantera Negra e Guerra Infinita fizeram sem hesitar. Porém, não deixa de ser uma incontestável conquista visual para o estúdio, que parece mais disposto a abraçar as cores vibrantes.

Mais um episódio

Mesmo que conte com bons momentos, Homem-Formiga e a Vespa parece uma decaída para a Marvel Studios, que vinha perfeitamente ousando e testando novos limites com suas últimas produções. O novo filme de Peyton Reed se beneficia de um visual vibrante e uma dupla de protagonistas absolutamente carismática, e que me fariam ver mais filmes meramente por sua presença. Mas era de se esperar algo que fugisse da velha fórmula, ainda mais quando sua proposta é tão audaciosa.

Homem-Formiga e a Vespa (Ant-Man and the Wasp, EUA – 2018)

Direção: Peyton Reed
Roteiro: Chris McKenna, Erik Sommers, Paul Rudd, Andrew Barrer e Gabriel Ferrari, baseado nos personagens da Marvel
Elenco: Paul Rudd, Evangeline Lilly, Michael Douglas, Michelle Pfeiffer, Michael Peña, Laurence Fishburne, Hannah John-Kamen, Walton Goggins, Bobby Cannavale, Judy Greer, Damian Dastmalchian, Randall Park, Abby Ryder Fortson
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 118 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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