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Crítica | O Homem nas Trevas

Já é recorrente nos meus textos como destaco que a cara dos diretores de Hollywood vem mudando de alguns poucos anos para cá. Já tivemos a onda francesa trazida por Luc Besson – grande maioria de cineastas medíocres, dos diretores vindos após um pseudo-sucesso de filmes indie para dirigirem imediatamente grandes blockbusters que geram muita controversa. Agora com O Homem nas Trevas e Quando as Luzes se Apagam, o mercado das majors volta os olhos para os diretores de curtas metragens que viralizaram na web.

Esse não é o primeiro de Fede Alvarez que já havia assumido o projeto do remake de Evil Dead – A Morte do Demônio. Tendo impressionado com o resultado acima da média do longa, tanto em crítica quanto na bilheteria, não houve perda de tempo na Sony para encaminhar um segundo projeto para o diretor que apresenta melhorias na técnica enquanto comete os mesmos erros na narrativa.

O roteiro de Fede Alvarez traz as situações atípicas que ele tanto gosta. Se inspirando claramente no clássico Um Clarão nas Trevas, filme de 1967 que rendeu uma indicação ao Oscar para Audrey Hepburn, acompanhamos o trio de ladrões gatunos especializados em furtos qualificados.

A chance do esquema perfeito logo surge quando descobrem a existência de uma indenização milionária que um velho cego recebeu após uma grande tragédia. O maior problema do grupo é o fato do cego raramente sair de sua casa, mas incentivados pela quantia massiva de dinheiro, decidem prosseguir com o golpe. Porém, ao contrário do que pensavam, não é o velho que está preso na casa com eles, mas sim eles que se encontram presos com o cego psicopata.

Assim como em Evil Dead, Alvarez investe bastante no trio protagonista nos minutos iniciais do longa. Aliás, essa primeira parte é que segura firmemente nosso interesse, além de cravar a promessa não de um filme bom, mas um excelente longa de terror – possivelmente o melhor do ano. É particularmente curioso como Alvarez, também diretor, aproveita muito do poderio de sua encenação para pautar as motivações de cada um dos integrantes do trio de bandidos.

Verdadeiramente, apenas Rocky – Jane Levy retomando a parceria com Alvarez – possui força para impulsionar os atos criminosos. Money e Alex também são trabalhados, mas não recebem tanta atenção quanto Rocky. Importante lembrar que se tratam de motivações clichês: ganância, paixão e desejo de fuga, mas que dentro da proposta do filme, são adequadas.

Alvarez também pede certo conhecimento extra fílmico do espectador para dar melhor embasamento para sua trupe de ladrões. Toda a narrativa se passa em Detroit, a maior cidade-fantasma dos Estados Unidos. Logo, toda a problemática de criminalidade e desemprego é abordada. Outro elemento curioso, é a dinâmica do grupo se baseando em jurisdição legal para nunca cumprirem sentenças longas na cadeia, caso fossem pegos. Tudo é muito bem justificado nesse primeiro ato.

Quando enfim partimos para a invasão na casa do cego, a lógica e coerência interna ainda são respeitadas. E tão logo o conflito com o Cego, criando o jogo de gato e rato que guiará o filme inteiro, se estabelece. Sem apelar para fantasmas, aliens ou monstros, Alvarez traz o maior algoz do terror: a maldade humana. Para isso, ele lança uma balança moral tornando o Cego alguém tão torpe quanto os assaltantes já que o homem tem completo domínio da geografia da residência, tocando o terror nos assaltantes.

Já que rapidamente Alex e Rocky são definidos como heróis da desventura, a balança moral pesa mais para as maldades que o velho comete – são reveladas pouco a pouco. Como a maior parte do restante do filme não contém diálogos, Alvarez torna a sua direção em um elemento fantástico e muito competente utilizando até mesmo um excelente plano sequência para situar o ambiente interno da casa.

A palavra que define a obra é: tensão. Alvarez sustenta a montagem e toda a encenação para provocar agonia com um suspense indescritível de tão bem feito que é. Muito do que ele realiza até merece ser estudado, pois é o melhor trabalho que vejo em décadas. Ainda mais se levarmos em conta a constante sensação claustrofóbica causada pelos corredores apertados da casa.

O diretor recebe seus louros a não abusar com sustos fáceis ou nem mesmo por telegrafar os jump scares com a movimentação da câmera ou da trilha musical excelente de Roque Baños. Aliás, todo o aspecto de mixagem e edição de som é impecável com os ruídos, grunhidos e barulhos que a casa faz. Esse destaque sonoro é justamente importante por conta dos personagens evitarem fazer quaisquer sons para evitar serem pegos pelo Cego que os caça. Ou seja, um verdadeiro gato-mia mortal.

Enquanto Alvarez mantém sua direção bastante sólida até o fim, o texto do filme começa a entrar em declínio após uma reviravolta no meio da projeção. Reviravolta que busca inspiração no filme franco-canadense Mártires de 2008. O problema é que dela se originam todos os problemas do filme, já que não havia necessidade da inserção daquela problemática – a ideia de um cego caçando três ladrões em sua casa já é ótima o suficiente para sustentar o filme que é relativamente curto.

A partir disso, Alvarez passa a cometer os mesmos erros presentes em seu Evil Dead: o completo excesso de reviravoltas sucessivas que nos cansam tremendamente. É um negócio tão rápido que me provocou justamente o inverso do efeito que ele busca infligir em nós no filme inteiro: passei a ficar relaxado por não me importar mais com o destino daqueles personagens. As ações do antagonista, apesar de terem motivação, simplesmente não respeitam mais a limitação crucial de sua deficiência. Assim, toda a credibilidade do texto realista e redondo vai para o ralo, apesar dos esforços de Stephen Lang em atuação muito competente mimetizando olhares vazios e outros tiques quase imperceptíveis para seu personagem deficiente.

O festival de reviravoltas questionáveis não para por aí. Tentando injetar nova vida ao filme, Alvarez até chega ao absurdo de ressuscitar personagens que estavam claramente mortos através de justificativas insanas. O diretor toma caminhos dúbios ao abordar o cinema trash da vertente de Wes Craven que mal conversam com a atmosfera estabelecida no começo da narrativa.

Dentre todos os fatos e inúmeras reviravoltas transcorridas no longo clímax, Alvarez sacrifica completamente a lógica do filme em prol da surpresa. Porém, esse breve momento fugaz de estupefação, esvai-se a partir do momento que temos uma reflexão até mesmo superficial de tudo aquilo que o roteirista apresenta. Para mim, é um custo muito alto que tira a potência do marco que esse longa poderia ter sido não fosse as más escolhas tomadas.

Apesar destes excessos de vaidades cometidos pelo diretor/roteirista, O Homem nas Trevas é um dos melhores exemplares que o gênero recebeu desde Invocação do Mal 2. A tensão é exaustiva, cada respiração dos personagens tem importância crucial, a história é ótima, atuações competentes, além de todas as maravilhas técnicas trazidas pela ótima fotografia de Pedro Luque e do desenho sonoro, incluindo aqui a trilha musical.

Fede Alvarez até tenta criar uma ironia final semelhante à de Taxi Driver, mas consegue apenas criar um ótimo filme de terror – o que já é um feito por emplacar dois bons filmes na carreira.

O Homem nas Trevas (Don’t Breathe, EUA – 2016)
Direção: Fede Alvarez

Roteiro: Fede Alvarez e Rodo Sayagues
Elenco: Jane Levy, Dylan Minnette, Daniel Zovatto, Stephen Lang
Duração: 88 min

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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