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Crítica | Human Flow: Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir – A crise dos refugiados

*Este filme foi visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Em alguns momentos da narrativa de Human Flow: Não Existe Lar Se Não Há Para Onde IrAi Weiwei emprega planos plongées de uma região altíssima, como se fosse a visão de um satélite do Google ou coisa parecida. Um pouco depois, em uma espécie de mergulho profundo, a câmera vai se aproximando e revelando com mais precisão os detalhes, o particular e o íntimo. Significativo, esse recurso revela a principal intenção do diretor chinês na sua nova produção: adotar uma perspectiva global, mas nunca se esquecer do individual, dos dramas que habitam no interior dos imigrantes.

A primeira parte desse objetivo é plenamente atingida. Em um esforço admirável, o cineasta e a sua equipe de técnicos formada por profissionais de diversas regiões do mundo visitaram vários campos de refugiados e locais cruciais de grande crise migratória que se espalhou pela Europa. O resultado dessa peregrinação humanitária são registros imagéticos que perdurarão, não só pelo apelo visual (por muitas vezes, os enquadramentos de Weiwei captam a beleza paradoxal das grandes tragédias humanas), como também pela importância histórica. A cena que abre o longa, por exemplo, na qual vemos a chegada de um barco repleto de refugiados tem tudo para ser um dos retratos definitivos da nossa geração.

Já a segunda parte sequer se aproxima desse sucesso. Por mais que o diretor transite entre as pessoas e dedique uma parcela de atenção similar aos diferentes lugares que visita, em nenhum instante ele consegue prescrutar na intimidade de um indivíduo ou mais. Embora os refugiados venham de países e culturas diversas, eles são retratados sempre como uma massa uniforme, conectados e definidos pela dor que compartilham. Weiwei os entrevista e busca filmar instantes peculiares ou “exóticos”, mas sempre usa as suas lentes para retratá-los como membros de um coletivo.

Dessa maneira, a narrativa se torna repetitiva. O documentário se desenrola, nós temos a chance de conhecer diversos países e descobrir paisagens tristes e deslumbrantes, no entanto, ficamos no escuro quando tentamos compreender o universo presente nos protagonistas desse drama civilizacional.  Quem são essas pessoas? Quais são todos os seus sentimentos? Como eles veem a situação? Eles analisam o próprio estado também de uma perspectiva política ou estritamente física, psicológica e emocional? Não sabemos. Tudo o que nos é dado é um discurso reiterado. Empático e poderoso, mas artisticamente problemático (os 140 minutos de duração e abordagem por vezes contemplativa também prejudicam a experiência).

Aliás, nessa falha, há uma triste curiosidade: ao mesmo tempo que denuncia a situação desumana na qual milhões de pessoas se encontram, Weiwei nega a eles um dos aspectos mais humanos que existem: a individualidade. Talvez seja por isso que faz questão de aparecer várias vezes em cena – em um recurso dramaticamente nulo e desnecessário -, ou seja, para ilustrar a subjetividade que falha em extrair dos outros. Deste modo, Human Flow: Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir obtém resultados muito parecidos com os de uma matéria jornalística extensa. A única diferença é que possui uma estética mais apurada.

Human Flow: Não Existe Lar Se Não Há Para Onde Ir (Human Flow, Alemanha – 2017)

Direção: Ai Weiwei
Roteiro: Chin-Chin Yap, Tim Finch e Boris Cheshirkov
Elenco: Vários
Gênero: Documentário
Duração: 140 minutos

Redação Bastidores

Publicado por Redação Bastidores

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