Dinheiro, dinheiro e dinheiro. O cinema americano está dedicando atenção especial para filmes de temáticas econômicas, muitos deles inspirados pelo crash de 2008. Assim como Margin Call, O Lobo de Wall Street e A Grande Aposta, O Jogo do Dinheiro se baseia nas histórias de corrupção dos banqueiros do distrito financeiro. Porém, ao contrário dos outros, Jodie Foster, diretora do filme, mistura a grande história de conspiração com o ambiente televisivo. Uma mistura de Rede de Intrigas com os filmes já citados.
George Clooney vive George Clooney – como de costume em seus papéis. Dessa vez se vestindo como Lee Gates, um apresentador caricato e sensacionalista que oferece dicas econômicas para investidores em potencial a entrar na bolsa de valores. Dando uma dica errônea para seus telespectadores comprarem ações de uma empresa que leva 800 milhões de dólares de prejuízo do dia para a noite, Lee vê sua vida ficar de cabeça para baixo quando um de seus aconselhados invade o estúdio durante o programa ao vivo, armado de um colete-bomba, ameaça explodir e matar todo mundo reivindicando que o CEO da empresa que ele comprou ações esclareça como aquilo ocorreu tão rapidamente. Nisso, Gates e sua diretora Patty Fenn têm que lidar o sequestrador enquanto a polícia maquina uma operação de resgate.
Há forte presença de Aaron Sorkin no roteiro do trio Linden, DiFiore e Kouf. Entretanto, os três não são Sorkin. Investindo muito em diálogos rápidos que trazem à tona as características dos personagens principais, o trio enfatiza as relações humanas entre sequestrado e sequestrador ante o plano superior do acontecimento – embora Foster lance imagens diversas do público reagindo ao programa conforme o filme progride.
A narrativa se concentra consideravelmente somente em um ambiente para avançar a história, mas ainda se trata de uma aventura de múltiplos protagonistas. Acompanhamos as ações dos policiais e dos bastidores do programa centrado em Patty e suas tentativas de conter o sequestrador, contatar o CEO da empresa, além de investigar a “conspiração” da bolsa de valores.
O potencial da história seria mesmo tremendo. O argumento é excelente, este Dia de Fúria do sequestrador força alguma simpatia, sua motivação é clara, porém não fosse o texto abarrotado de clichês do novo século aliado de maniqueísmos baratos vindos do ativismo de Foster, teríamos algo relevante. A começar, os três personagens que são trabalhados não fogem do básico em termos de concepção e desenvolvimento: o apresentador arrogante cheio de si, caricato, divorciado, rico, de olhar viciado, representação de tudo que há de errado no mundo que tem seus olhos “abertos” diante da incredulidade de uma sociedade doente; a diretora, mulher de meia idade, solteirona, workaholic, rígida, mestre no que faz, mandona, vencedora de prêmios de jornalismo, integra que já desgosta de seu jornalista, mas que subitamente retoma a simpatia diante do temor de perder a vida e o amigo, além do clássico loser tapado, pobre, de família cruel que toma medidas drásticas para conseguir uma declaração de culpa do CEO da sua empresa – mesmo assim, ainda acontece certa expiação de culpa nas ações de Kyle, o sequestrador.
Nesse jogo tão pobre, enviesado de relações humanas, Foster consegue criar a tensão necessária para te manter acordado. Com o carisma de Clooney, nos afeiçoamos mais ao ator do que com o personagem, mas no caso, funciona para que a apreensão surja no espectador. Além disso, há um bom ritmo de reviravoltas que sempre ocasionam em algum momento inspirado para a direção do filme, além de muitas delas tentarem quebrar os clichês de situações de filmes desse gênero. Sim, um filme que tem personagens clichês que sofrem reviravoltas que visam quebrar a previsibilidade que essas histórias sofrem – um paradoxo! Entretanto, depois de muitas lágrimas, suor e desespero, a reviravolta que dá origem ao terceiro ato é tão absurda, tão conveniente com a causa do sequestrador que praticamente implora pela sua suspensão de descrença.
É nesse momento que o filme de Foster deixa de ser filme para se tornar peça panfletária das causas que ela apoia. Há quem goste de filmes peças de propaganda, mas também há quem procura apenas por um bom entretenimento alheio às ideologias de seus realizadores. Para o azar do filme, eu não gosto. Mas fica a observação.
Para solucionar rápido esse conflito impossível e totalmente utópico, os roteiristas e a diretora pouco se importam em oferecer algo original. Metem logo uma dupla de hackers a la Matrix que conseguem informações do mais alto sigilo dentro da deep web. Uma muleta de roteiro horrorosa, um deus ex machina dos mais vergonhosos dão origem ao clímax que mais se assemelha ao fim de um episódio corriqueiro de Scooby Doo. Além disso, por um motivo qualquer dentro do filme, ela elabora uma má imagem para o núcleo dos policiais nova-iorquinos os julgando despreparados. Uma crítica aberta, porém, graças aos céus, feita somente na imagem. Aliás, essa grande mensagem da autora se concentra muito na forma do filme, já que pouco é de fato falado. Porém, duvidando da inteligência dos seus espectadores, ela também frisa uma sentença definitiva, imperativa, em meio a outras durante uma sequência que aglomera a repercussão jornalística que evento gerou.
Aliás, como não poderia deixar de ser, ela encaixa o já clássico “retrato de uma sociedade doente, vazia, corrupta, egoísta, de valores tortos e narcisista” ao fim. Mesmo manjado, é possível fazer coisas maravilhosas com esse tema, como Taxi Driver e O Rei da Comédia, porém, mesmo sabendo conduzir corretamente a técnica de um filme cheio de firulas contemporâneas que tenta (e falha) ter sua própria identidade, Foster não é um Martin Scorsese. Até mesmo o grande fotógrafo Matthew Libatique entrega o mais básico em termos de cinematografia seguindo a tendência dos filmes acinzentados, opacos, dessaturados das luzes amplamente difusas.
Apesar de um roteiro tão razoável, da mensagem enviesada conduzida com a mão pesada da diretora, Jogo do Dinheiro é um filme que consegue entreter – muito se deve também a sua curta duração. O humor é acertado, a relação do sequestrado com seu captor é interessante, além do cenário disso acontecer em um curto espaço de tempo em um programa televisivo transmitido ao vivo ser original. A condução pode ser atrapalhada, as atuações cumprem o básico, além de nos incutir certo sentimento de essa obra seja bastante vazia, porém, mesmo que sem intenção, Foster consegue nos oferecer uma mensagem que está acima de sua visão.
Caso não tenham notado, esse é o primeiro lançamento de um filme original para as telas de cinema no ano de 2016. Somente no fim de maio que recebemos algo que foge das adaptações de livros, histórias em quadrinhos e videogames, de sequências, spin offs, reboots e remakes. Se isso já não é um atestado que a criatividade nessa arte está na beira do precipício, não sei mais o que é. Ironicamente, o Money Monster é quem traz essa triste realidade.