Já vi e escrevi tantas vezes sobre incontáveis filmes categorizados no gênero coming of age, que é até difícil começar um texto desses sem parecer repetitivo. Eis que um pequeno longa dessa variante acaba ganhando grande atenção da mídia e da crítica especializada no último ano, sendo responsável por aparecer em diversas listas de melhores, e um disparado favorito para o Oscar: Lady Bird: A Hora de Voar, filme que marca a estreia da atriz Greta Gerwig como diretora e roteirista, em um projeto evidentemente autobiográfico. E ainda que, como de praxe, as reações tenham sido um tanto exageradas, o primeiro trabalho diretorial de Gerwig resulta em um filme adorável e divertido.
A trama nos entrega a visão mais vintage de 2003 que eu já vi, nos jogando no universo de Christine “Lady Bird” McPherson (Saoirse Ronan), uma jovem de 17 anos que mora em Sacramento, Califórnia e estuda em um colégio religoso. Seu grande sonho é mudar-se para Nova York e cursar uma universidade “das artes”, ao mesmo tempo em que lida com suas primeiras experiências sexuais e a relação afetiva com sua mãe (Laurie Metcalf).
É difícil pensar no que traz originalidade à Lady Bird. Já vimos esse tipo de história um milhão de vezes antes, já tivemos o arquétipo da adolescente espertinha e sagaz em um número até maior, e não é difícil prever os rumos que o roteiro de Gerwig toma ao longo do filme. Nós já vimos isso, e devo acrescentar que de forma melhor: o recente Quase 18 é um filme muito mais complexo e original, e infelizmente passou batido na última temporada de premiações. Porém, mesmo com tudo isso, é de se admirar a construção de Gerwig, que sempre parece pender para o clichê absoluto, mas acaba trazendo alguma surpresa: por exemplo, a relação de Lady Bird com sua mãe é apresentada como tumultuosa no começo, mas as duas acabam cobrindo isso com momentos de real ternura e afeto. Bird sempre parece se achar superior e mais inteligente a todos, mas o texto de Gerwig felizmente explora muitas de suas falhas e inseguranças, e seus diálogos são sempre muito bem humorados e com boas sacadas: “é 2002. A única coisa emocionante desse ano é que é um palíndromo”.
O fato de Gerwig estabelecer a trama em um colégio religioso também parecia o pontapé ideal para uma série de críticas e comentários gratuitos, mas que não se encaixam dentro da proposta da roteirista, que enche esse núcleo com personagens, bem representados por uma adorável Lois Smith e um divertido Stephen Henderson. Há muito ironia, claro, mas Gerwig nunca é unilateral, zombando tanto do discurso caloroso de uma mulher contra o aborto (com um desfecho ácido) até o pseudo intelectual de Timothée Chalamet que não vê problema em desrespeitar sua relação com a protagonista, especialmente quando o Iraque é invadido pelas tropas americanas, em uma boa caricatura do arquétipo do “abaixo ao sistema”. No fim, é mesmo pela doçura da relação com Lady e seus pais, com Tracy Letts também se mostrando uma figura muito complexa, na forma de um pai com depressão, e que infelizmente não ganha tanto destaque.
Como diretora, Gerwig faz um bom trabalho, mas nada que justifique a campanha exagerada para empurrá-la a uma indicação ao Oscar. É uma direção eficiente e que mantém um ritmo agradável, e a decisão de Gerwig em retratar os anos 2000 como um ambiente que parece saído dos anos 60 é interessante, quase como um filtro de vaselina que preenche a visão calorosa de sua protagonista – e, novamente, revela como a diretora olha para esse período como algo saudoso. Sua câmera não tem muitos invencionismos ou momentos memoráveis, com o maior destaque para um plano longo e na mão onde somos surpreendidos por uma reviravolta envolvendo o personagem de Lucas Hedges – excelente, mesmo em participação pequena-, e sua composição traz algumas pérolas; sendo o belo plano inicial uma perfeita metáfora visual para a relação de Lady Bird e sua mãe, representando o “passarinho no ninho”.
Porém, é nessa relação com Lady e sua mãe que o filme engata, e temos a agradecer a Saoirse Ronan e Laurie Metcalf. Ronan parece ter nascido para esse papel, já tendo interpretado um tipo parecido em outras produções, e é curioso como sua Lady é praticamente uma versão mais externalizada de sua personagem no pavoroso Brooklin, outro filme onde Ronan interpreta uma jovem que lida com a questão de moradia, relações familiares e triângulos amorosos… Porém, Ronan carrega todo o longa nas costas, divertindo com os ataques de raiva e explosões de alegria de Lady Bird, mas também como é capaz de encarnar tipos diferentes e mais vulneráveis quando na presença de outros que busca atenção, como o personagem de Timothée Chalamet ou a “garota popular” de Odeya Rush.
Uma estreia sólida na direção, Lady Bird é um filme que agrada pelas performances e o humor de seu texto, mesmo que não traga realmente nada de novo e digno de grande destaque. Greta Gerwig comprova seu talento como roteirista, e Saiorse Ronan lidera um elenco fantástico que faz a valer a visita, mas que no fim acaba nos fazendo perguntar o que exatamente ocorreu de tão marcante.
Lady Bird: A Hora de Voar (Lady Bird, EUA – 2017)
Direção: Greta Gerwig
Roteiro: Greta Gerwig
Elenco: Saoirse Ronan, Laurie Metcalf, Tracy Letts, Lucas Hedges, Timothée Chalamet, Beanie Feldstein, Lois Smith, Stephen Henderson, Odeya Rush, Jordan Rodrigues
Gênero: Comédia, Drama
Duração: 94 min