As produções de terror da Netflix, geralmente, são de gosto bastante duvidosos, mais especificamente para quem tem um gosto peculiar e não se importa muito com a qualidade das tramas. Alguns filmes e séries conseguem alavancar uma grande audiência que mais fala mal do filme que falam bem, casos do live-action de Death Note e Vende-se Esta Casa. Por isso que Marianne surpreendeu muitos dos telespectadores da plataforma de streaming, justamente por trazer uma trama que se não é original, pelo menos cria uma narrativa de terror que assusta e entretêm.
Marianne é uma série francesa que conta a história de Emma (Victoire Du Bois), uma escritora que reencontra sua amiga de infância, e após uma fatalidade envolvendo essa colega acaba por retornar a sua cidade natal. Eis que a partir daí surgem os acontecimentos fora de série envolvendo o espírito maligno de Marianne. A premissa pode parecer batida, e realmente é. O roteiro sobre a jovem mulher que se reencontra com o passado e resolve questões que ficaram em aberto é algo bastante comum, e já foi visto em muitas produções. Emma é uma mulher que deixou para trás não apenas a família e os amigos, mas também seus traumas, principalmente envolvendo pesadelos e vislumbres de sombras que não sabia o que era, algo bastante difícil de ser encarado por uma garota da sua idade.
O roteiro de Marianne intriga em contar a história da jovem escritora, e depois prende o público em mostrar que existe um mistério a rondando, e que há um possível segredo em sua vida a ser revelado. Toda essa trama é muito bem construída pela dupla Samuel Bodin e Quoc Dang Tran, que conseguiram o objetivo principal para uma série de terror, que é a de surpreender com bons momentos chaves sendo apresentados e com viradas de roteiro que ajudam a dar maior dinâmica para história. O roteiro bem escrito ajuda a empurrar os acontecimentos e as situações para a frente, algo parecido acontece em outras duas produções de horror que se destacaram ultimamente, casos de A Maldição da Residência Hill e American Horror Story.
Samuel Bodin também foi o responsável por dirigir todos os oito episódios sozinho, algo que não é muito comum de ser visto em uma série, já que geralmente há uma mescla de diretores para contar a história. O diretor trilha os caminhos fazendo com que a trama seja direcionada de modo simples e nada artificial, não há uma forçação em contar a história, nem em demonstrar que o demônio é cruel. Tais elementos são apresentados aos poucos, em cada episódio um direcionamento mais aprofundado é construído, e assim dando mais riqueza para a trama que vai surgindo. Os planos, em sua maioria abertos, são utilizados quando a escritora e seus amigos estão em ambientes externos, dando maior margem para interpretar que o mundo é muito grande para que Emma fique presa nessa cidadezinha, e que também ela tem um mundo inteiro pela frente e não precisa ficar presa ao passado.
Outro acerto por parte da série é em relação a atmosfera de horror bem trabalhada. Desde o início há sinais de que há algum tipo de monstro ou demônio como o vilão principal, e com o passar do tempo esses sinais vão ficando mais fortes e presentes na trama, até que os sustos se tornam mais fortes e agressivos. A produção assusta em muitos momentos e isso se deve a boas jogadas de câmera que enganam onde que o susto irá aparecer. Não é algo óbvio, e os jump scares não atrapalham e não são forçados, é algo tão bem montado que até dá medo em algumas cenas.
Se o objetivo era assustar ele foi alcançado com êxito. Muito desse ambiente de horror foi criado em cima de referências de outras produções de terror clássicas, principalmente filmes envolvendo possessão e demônios. Um dos principais é O Exorcista, mesmo não tendo um exorcismo final, pode-se dizer que a luta do padre Xavier contra o mal está ali, e essa luta está evidenciada quando ele confronta Marianne possuindo a escritora, e depois quando entra no buraco e tenta queimar o papel que seria o acordo entre Marianne e o demônio. Algumas cenas assustadoras também são muito semelhantes a do longa de William Friedkin. O Bebê de Rosemary também é referenciado na série da Netflix, pois Emma ao se descobrir grávida, acaba por descobrir que aquele filho não tem um pai humano, algo muito semelhante do ocorrido no clássico de Roman Polanski.
Um grande erro da série se dá ao fato dela focar apenas e unicamente em Emma como protagonista. Há outros personagens secundários, alguns bastante interessantes, mas que não tiveram a oportunidade de serem desenvolvidos. Casos mais notórios são de Camille (Lucie Boujenar) e Xavier (Patrick d’Assumçao), o padre poderia ter sido melhor inserido na trama, mas é ofuscado pela protagonista, e Camille que começa tendo bastante destaque acaba por ser deixada de lado, e perdendo sua função na história. Por o elenco de apoio não ter uma função clara, todo o mistério cai em cima da personagem principal, e em alguns momentos isso se torna bastante cansativo, tanto que o grupo de amigos, quando aparece, deixa a trama mais interessante e viva.
Pode-se dizer que Marianne é um dos projetos mais interessantes da Netflix, que costuma ter produções sendo feitas em vários países distintos. A série francesa é um oasis no meio de tanta coisa que a Netflix vem produzindo, e a qualidade da trama, mesclada com a ótima direção de Samuel Bodin, mostra qual o caminho que a plataforma de streaming deve se ater para criar os seus trabalhos. Marianne é um bom terror, e surpreende pela qualidade narrativa, há de torcer para que uma futura segunda temporada mantenha a pegada da primeira temporada, e que assim se torne uma franquia de sucesso.
Marianne (idem, França – 2019)
Criado por: Samuel Bodin
Direção: Samuel Bodin
Roteiro: Samuel Bodin, Quoc Dang Tran
Elenco: Victoire Du Bois, Lucie Boujenah, Tiphaine Daviot, Ralph Amoussou, Bellamine Abdelmalek, Mehdi Meskar, Alban Lenoir, Mireille Herbstmeyer
Emissora: Netflix
Episódios: 8
Gênero: Horror
Duração: 45 min. aprox.
Um Comentário
Leave a ReplyOne Ping
Pingback:Stephen King indica série Marianne para ser vista no Halloween – CineArte