Por vezes nos deparamos com aqueles filmes que nos pegam totalmente de surpresa – esperamos determinada abordagem, que acaba sendo completamente subvertida com a progressão da narrativa, transformando-se em algo surpreendente e bastante original. Infelizmente esse tipo de surpresa está ficando cada vez mais rara, em uma era em que cada detalhe de produção dos filmes acaba sendo divulgada ou vazada. Para nossa sorte, no entanto, Noite de Lobos (Hold the Dark) foi capaz de manter o seu segredo, sendo capaz de nos proporcionar uma experiência bastante diferente e angustiante.
Distribuído pela Netflix, o filme parecia ser um clássico caso de homem contra a natureza, visto que sua sinopse apresenta a obra como sendo a história de um homem contratado para encontrar uma criança que teria sido levada por um bando de lobos. A realidade, no entanto, é bem distante dessa, algo que começa a ficar claro logo nos minutos iniciais do longa-metragem.
O escritor Russel Core (Jeffrey Wright), que em seu livro relata da vez que foi forçado a matar um lobo, é contactado por Medora Slone (Riley Keough), que pede para que ele encontre seu filho – vivo ou morto – desaparecido e supostamente levado por lobos há alguns dias. Ao chegar nessa região mais remota do Alasca, Core se depara com uma mulher claramente abalada pela perda do filho e que anseia por vingança contra tais criaturas. Outras estranhezas ele percebe nessa interação, ainda sem saber que tal mistério é muito mais profundo e se torna consideravelmente mais complexo com a chegada do marido de Medora, Vernon (Alexander Skarsgård)
Embora não aconteça o conflito do homem contra a natureza que esperávamos no campo mais literal, esse embate existe em teor metafórico, até mesmo existencial. De início, o protagonista, Core, já deixa claro que há um motivo por cada ação tomada pelos animais – no caso, os lobos, objetos de seu estudo. O personagem se refere a esse comportamento deles, de atacar crianças, como uma exceção, explicitando que a violência na natureza não é gratuita.
Aí entra o conflito com o ser humano, o grande contraste que se estabelece, de forma chocante, ao término do primeiro ato da obra. Renovando subitamente a narrativa e nos levando para o já falado inesperado, o roteiro de Macon Blair (de Já Não Me Sinto em Casa Nesse Mundo), baseado no livro de William Giraldi, introduz os picos de violência explícita, que claramente servem para impactar o espectador. Há algo de muito errado ali e a maior angústia é gerada pelo simples fato do texto não explicar por que isso aconteceu. São explosões, aparentemente, inexplicáveis do ser humano, que machuca, ou mata o próximo, por razão que, certas vezes, é particular a ele.
Esse mistério chega a ser verbalizado pelo protagonista, em diálogo com o policial Donald Marium (James Badge Dale), que também tenta entender o que está acontecendo. É dito que há um porquê atrás daquilo tudo, mas que jamais se encaixará com a forma como os dois – ou qualquer outra pessoa normal – pensam. Essa eterna dúvida – que não, não é tirada ao término do filme, cabendo à interpretação – é um dos elementos que ajuda a construir todo o suspense, o medo de não sabermos exatamente o que acontecerá a seguir.
Dito isso, temos aqui um filme que praticamente implora nossa interpretação. Não se trata de uma obra que deve ser entendida e sim deve ser objeto de reflexão. Pessoalmente considero o contraste do homem com a natureza um dos pontos mais engajantes, mas não há um único viés pelo qual podemos seguir. Assim sendo, Noite de Lobos, sim, exagera em certos pontos, estabelecendo aquela falsa complexidade que somente atrapalha a narrativa, criando tropeços em seu ritmo. Por si só, essa é uma história pautada na subjetividade e não precisava de recursos baratos para confundir o espectador – como cortes antes da hora, ou linhas de diálogo que nos despistam. O mistério prevaleceria sem isso muito bem.
Por falar em exagero vemos algo parecido em uma distinta cena já aproximadamente no meio do filme. Sem dúvidas é um dos momentos de maior tensão da obra, mas que acrescenta absolutamente nada, tanto na história, quanto na atmosfera do longa. Trata-se de um grande tiroteio, longo, a ponto de praticamente dividir o filme em dois e que, ainda por cima, gera certo estranhamento em razão da utilização de um personagem que parece estar ali presente somente para entregar essa sequência de ação. Não é algo que estraga o filme, claro, mas gera mais problemas de ritmo, além de quebrar nossa imersão.
Ao menos, alguns exuberantes planos, que muito bem aproveitam a paisagem natural local, são capazes de atrair nossa atenção novamente. Mais uma vez a natureza acaba sendo relacionada com uma relativa paz através da direção de Jeremy Saulnier. Uma sequência em específico, de um avião sobrevoando a região chama a atenção, funcionando praticamente como refúgio em meio à violência exibida no filme. Filmadas majoritariamente de dia, tais cenas ainda afastam o conceito da escuridão, presente no título, diretamente atrelado ao comportamento dos humanos (não todos) na obra.
Dito isso, o escuro é usado, em grande parte, para transmitir sensação de claustrofobia, além, claro, da incerteza, que tão bem define essa narrativa. Com isso, a tensão, o suspense já falado invariavelmente acaba se formando, mantendo a angústia que nos toma em certos trechos como um elemento presente – oscilando em maior e menor grau – em todo o filme.
São tais elementos que fazem de Hold the Dark uma obra que, imediatamente, pode nos deixar frustrados. Não ganhamos as respostas que queríamos e permanecemos com uma sensação de vazio, como se algo estivesse faltando. São necessários poucos minutos de reflexão, no entanto, para termos essa percepção alterada. Enquanto revisitamos os eventos do longa em nossas mentes, passamos a entender por que determinado personagem fez tal coisa (ao menos criamos hipóteses sobre isso). Com isso, a experiência em muito se estende para além do filme em si, o que não deixa de ser a marca de uma boa – ainda que falha – história.
Noite de Lobos (Hold the Dark – EUA, 2018)
Direção: Jeremy Saulnier
Roteiro: Macon Blair (baseado no livro de William Giraldi)
Elenco: Jeffrey Wright, Alexander Skarsgård, James Badge Dale, Riley Keough, Julian Black Antelope
Gênero: Thriller
Duração: 125 min.